segunda-feira, 7 de junho de 2021

Como Marx já dizia

É Bolsonaro, a vida não tá fácil, né meu?! A realidade tem sido bastante cruel com tuas ideias. Elas podem até servir por algum tempo como força de atração a criaturas ressentidas e desiludidas. No entanto a realidade tratará de mostrar a sua insignificância e colocá-la no seu lugar apropriado.

Sinceramente, sabíamos que isso aconteceria. É fácil derrotar inimigos que não existem como mamadeira de piroca, ideologia de gênero, doutrinação comunista nas universidade e etc, etc, etc. O problema é que a realidade exige de nós muito mais do que discurso. Pena que o Brasil tenha que ter perdido tantas vidas para descobrir isso.

Marx já nos dizia nas teses sobre Feuerbach: “É na prática que o homem deve provar a verdade, ou seja, a realidade e o poder do seu pensamento”. Isto é, o critério para determinar a verdade de um dado objeto é a práxis.

Para compreendermos melhor essa tese recorramos a Adolfo Sánchez Vásquez. De acordo com esse filósofo a tese II (cujo um trecho citamos acima)tem uma importância central pois “nos faz ver o papel da prática no conhecimento em uma nova dimensão: não só proporciona o objeto do conhecimento como também o critério de sua verdade (2011, p. 148).

A primeira consequência dessa tese é que é preciso sair da esfera do pensamento para poder fundar a verdade de um pensamento. Fora da prática não é possível determinar se uma ideia é verdadeira ou falsa. “Pois a verdade não existe em si, no puro reino do pensamento, mas, sim, na prática” (2011, p. 148).

Como isso se dá? A partir do seguinte ponto. Quando, fundamentados numa determinada ideia, nos propomos a algo e não alcançamos o resultado esperado. Então é por que essa ideia era falsa.

No entanto, Vásquez nos chama atenção para um ponto importante. Dizer que um juízo sobre determinado objeto é verdadeiro ou falso. O verdadeiro não significa êxito e o falso fracasso. “Se uma teoria pode ser aplicada com êxito é por que era verdadeira, e não ao contrário (verdadeira por que foi aplicada eficazmente)” (2011, p. 149). Desse modo, o êxito não é o que determina a verdade,  apenas torna ela visível. Isto é, mostra que “o pensamento reproduz adequadamente a realidade” (2011, p. 149).

Outro aspecto para o qual o filósofo nos chama atenção é que a prática não fala por si mesma. Os fatos práticos precisam ser analisados. “O critério de verdade está na prática, mas só é descoberto em uma relação propriamente teórica com a própria prática” (2011, p. 149). Isso deve ser feito para que a prática se torne transparente. Com isso, percebemos uma unificação entre teoria e prática. 

De acordo com Vásquez (2011), é possível perceber um duplo movimento. Primeiro: Da teoria a prática. E segundo: Da prática a teoria. Com isso Marx se distância tanto da concepção idealista como empírica. Ao propor uma relação intrínseca entre teoria e prática – a partir desse movimento de teoria a prática e da prática a teoria conseguimos entender o governo Bolsonaro.

Certamente, isso é uma discussão que o conjunto da população ignora. Mas o preço dos alimentos no supermercado não dá para ignorar. Não dá para ignorar o aumento do custo de vida e a desigualdade. Não dá para ignorar o vazio que aquela pessoa querida que morreu na pandemia de uma morte evitável deixou. Cabe a nós mostrar como essas expressões são consequência das ideias defendida pelo Presidente.

Desse modo, não podemos deixar de dizer, se a vida está difícil para o Bolsonaro. Imagina para quem votou nele acreditando nas suas falsas verdades. Mas nunca é tarde para acordar para realidade.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Consciência de Classe na Estrada

Mais um sábado em Laje city. Levanto um pouco mais cedo do que o costume, pois preciso ir a Palmas. Tento evitar ao máximo essas viagens. Mas não tem jeito, chega uma hora que tenho que fazê-lo – há certas burocracias que não se resolve por aqui.

Levanto lá sem muito entusiasmo e vou lavar o rosto. Depois é boina na cabeça, mochila nas costas, garrafinha com água, fone de ouvido na mão. Ah, e a máscara, é claro. Pronto, pé na estrada rumo ao ponto do transporte. Quanto mais cedo conseguir ir mais cedo estarei em casa novamente – espero não dá o azar de ficar mais de 1 hora no ponto, como da última vez que fui á capital.

Chegando ao ponto notei um movimento de um pessoal tomando café numa barraquinha de lanches que se instalou ali recentemente. Entre eles um motorista de um caminhão cegonha que me pareceu, pelo tipo físico, um Gaúcho. Esperando transporte propriamente não havia ninguém. Eu me aconcheguei em baixo do ponto para me proteger do sol e fiquei olhando o movimento na rodovia esperando surgir a qualquer momento uma Van no sentido Lajeado – Palmas.

Enquanto isso observei que o ponto do lanche estava esvaziando. Ficou apenas o motorista do caminhão cegonha. Notei que ele conversava com o senhor, que o servia, sobre aposentadoria. E logo a conversa deles me chamou atenção pelo tom crítico. 

Eu continuava de olho na rodovia mas com o ouvido na conversa dos dois. Não sei como eles adentraram no assunto. Mas creio ter sido o fato de alguém (o senhor do lanche) naquela idade está trabalhando. 

- Quando o senhor aposentar e se conseguir aposentar será com um salário mínimo. Um absurdo. A gente trabalha a vida toda para isso. Disse o caminhoneiro que continuou – Esses políticos são todos uns canalhas. Só fazem mudanças que os beneficiam. 

O senhor do lanche por sua vez fazia suas colocações concordando com o caminhoneiro. Não sei por que mas imaginei que logo viria uma defesa do governo Bolsonaro. Mas ai o caminhoneiro disse: - Não vê esse ai rodeado desses generais que ganham salários absurdos, e para o povo é só miséria. Só querem saber deles, os trabalhadores que morram trabalhando.

Sorri internamente e pensei comigo: - opa, não é um Bolsominion. Mas a melhor parte da conversa estava por vim. 

- Esses dias lá em Porto Nacional tive que mandar um calar a boca. Eu não gosto de me estressar com essas discussões. Evito ao máximo. Mas dessa vez não deixei passar. Sabe aquele projeto que reduz a multa do FGTS em caso de demissão do trabalhador sem justa causa de 40% para 20%? O cara veio me dizer que achava justo. Ai eu perguntei se ele era patrão e que provavelmente tinha uns 30 caminhões. Ele me disse que era empregado. Ai eu mandei ele calar a boca pois não sabia o que estava falando. Como assim? Concordar com a retirada dos nossos direitos. Uma coisa que a gente não conquistou de mão beijada e que se perdermos vai ser difícil conseguir novamente. Ai o cara me veio com uma conversa que fora do Brasil é assim. Mas fora do Brasil, porra. Vai ver quanto um motorista ganha lá. Vai ver as condições das estradas. Agora vem trabalhar no Brasil, dirigir nessas estradas horríveis que temos, com as condições de trabalho que somos submetidos. Ai você vem me falar em apoiar retirada dos nossos direitos?

- Isso é que é consciência de classe, meu camarada. Isso é que é ter consciência de classe. Pensava eu comigo enquanto ouvia o discurso do caminhoneiro. 

Depois a conversa descambou para questões pessoais. Nela descobri que ambos eram paulistas. Olhando o seu caminhão com mais detalhe percebi uma bandeira do Estado de São Paulo ao lado da do Brasil. Também observei um adesivo da banda Metallica bem em frente da cabine. O que me fez pensar: - é, o cara é diferenciado mesmo.

Ele se despediu do senhor do lanche acertando a conta. Ligou o caminhão e partiu no sentido de Miracema. Eu ainda fiquei uns bons minutos até aparecer uma Van que me levasse até a capital. Durante o trajeto enquanto o som do Motorhead ecoava nos meus ouvidos. Não parava de pensar na conversa que ouvirá a pouco. Era animador saber que aquele caminhoneiro estava levando consciência de classe pelas estradas desse país. Quantos mais como ele não haveria. Em outros espaços também. Ai disse para mim mesmo: - É, nem tudo está perdido, nem tudo está perdido.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

sábado, 29 de maio de 2021

Aprendendo com as Plantas ou Como um jardim pode nos resgatar do mundo digital

Se antes da pandemia já vivíamos de cara enfiada nas telas. Com a pandemia então, fomos empurrados mais ainda para esse mundo. Não tivemos como escapar seja a trabalho, estudo, acesso a serviços ou lazer. No entanto, não precisou mais do que 1 Ano de pandemia para percebermos que o ritmo do mundo digital é humanamente impossível de acopanhar.

O esgotamento físico e mental de pouco mais de 1 ano de atividades remotas é visível. Tanto que já não se tem mais nem paciência para lives artísticas que viraram moda na pandemia. Uma amiga um dia desses comentando sobre o assunto disse que já não suportava mais ouvir a palavra live. Ela não é a única, certamente. Mas o fato é que não há muito para onde fugir. Enquanto durar a pandemia, e mesmo após, continuaremos usando esses recursos – que já não são uma opção, mas uma obrigação (inclusive deve ser ensinada na escola como uma das 10 competências gerais da BNCC). 

Nesse contexto o que fazer para preservarmos nossa sanidade? O que fazer para não perdermos nossa essência? O filósofo Sul-Coreano Byung-Chul Han propõem uma espécie de um retorno a natureza através do cultivo de um jardim.

O primeiro ponto para o qual Han nos chama atenção é para questão do tempo. No jardim tudo se passa mais lentamente, o que exige da nossa parte paciência. As flores vão se desenvolvido de acordo com cada estação, no seu tempo. A nós cabe criar as condições para que isso se dê. Aí  entra outro elemento importante que é o cuidado. 

Han salienta que trabalhando no Jardim ele não só passou a ter uma nova noção do tempo. Como também aprendeu a ser menos egoísta ao ter que dá assistência, a cuidar. Com isso para o nosso filósofo aquele ambiente também tornou-se um lugar de amor.

Voltando a falar sobre o tempo no Jardim, Han salienta um aspecto importante que é o fato de que cada planta possuí a sua própria noção de tempo. E elas se desenvolvem a partir daí. Por mais semelhança que elas venham a ter. O fato é que uma planta que floresce no inverno tem uma noção do tempo diferente daquela que floresce no verão. 

Para Byung-Chul Han, ao contrário das plantas, temos perdido a noção de tempo e nos tornado atemporal, pobres de tempo. É possível perceber isso em falas como: - não temos tempo a perder. Ou – tempo é dinheiro. Isso vai na linha contrária de quem trabalha com a terra, onde a espera e a paciência são virtudes necessárias, sobretudo por que ali prevalece a incerteza.

Para Han, na cultura digital somos atrofiado, reduzidos a números. As amizades nas redes sociais, por exemplo, são numeradas. – Ah, eu tenho tantos amigos no facebook. Mas será que amizade são números? Não. Nos diz Han: - “Amizade é uma história”. E história é uma narrativa. 

Para Han uma característica da cultura digital é a supervalorização da numeração e da contagem. Em contrapartida a narrativa perde a sua relevância. A contagem permite que tudo seja traduzido para linguagem do desempenho e da eficiência. De modo que se na cultura digital não pode se torna contável, então não existe. No entanto,  nosso filósofo diz: - “ser é narrar e não numerar”.

Retornando ao jardim, Han nos chama atenção para mais um aspecto importante – o silêncio. No Jardim o silêncio prevalece. Ao contrário do meio digital onde o ruído da comunicação é intenso, pois cada um quer dizer algo – quer dizer mas, não quer ouvir.

Han nos diz que a digitalização não só acaba com o silêncio como também “com o tátil, o material, os aromas, as cores perfumadas, especialmente a gravidade da terra. Nosso filósofo nos recorda que “a palavra humano vem de húmus, terra”. Ele nos diz: “- A terra é o nosso espaço de ressonância, que nos enche de alegria. Quando deixamos a terra, a felicidade nos deixa.” 

Pode parecer romantismo, mas quem tem essa relação com a natureza compreende as palavras de Han. Aqui, na minha visão,  não se trata de rechaçar a cultura digital, mas sim de não nos deixar ser reduzido a sua lógica. É preciso utilizá-la e não ser utilizado por ela. Como fazer isso? Cultive um jardim.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

José Paulo Netto e a Arte de Ensinar

Já era quase meia noite quando me deparei com o vídeo de uma entrevista do Professor José Paulo Netto no Canal do Opera Mundi (no YouTube). Comecei a assistir mas sem a intenção de ir até o final. Já era tarde da noite e eu precisava acordar cedo no outro dia para dá aula. Mas quando comecei a ver o vídeo aconteceu o problema que acontece quando começo a ouvir o Professor José Paulo Netto – não consigo parar antes do final.

Zé Paulo – para os íntimos – domina como ninguém o que podemos definir de a arte de Ensinar. A partir de exemplos do cotidiano e com uma boa pitada de humor, ele torna o entendimento de questões complexas acessíveis a qualquer um. É assim tanto na sua fala como na escrita. Como podem conferir em textos como “Introdução ao método de Marx”.

Sendo um dos maiores intelectuais desse país (em se tratando de Marx ouse dizer que é o maior), ele não precisa apelar para o vulgar ao defender suas ideias.

Conheci-o, não pessoalmente mas através dos seus textos, na faculdade de Serviço Social. Para quem não o conhece, José Paulo Netto é uma das grandes referências nessa área. É autor de clássicos do Serviço Social como “Capitalismo monopolista e Serviço Social” e “Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64”. Livros de cabeceira para qualquer estudante de Serviço Social e diria que também estudante das Ciências Sociais.

Depois descobri que ele não era uma referência apenas na academia. Mas também no campo da esquerda sobretudo através da sua militância como intelectual engajado no Partido Comunista Brasileiro (PCB)e sua colaboração com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Foi a partir daí que fui ficando mais íntimo dele, ao ponto de chama-lo de Professor, mesmo que ele nunca tenha me dado aula de fato. Mas sem dúvida aprendi (e aprendo) muito através dos seus textos, vídeos e entrevistas. Daí a reverência merecida.

Ouvir ele compartilhar um pouco do seu conhecimento adquirido ao longo de muitos anos de estudo é um privilégio. O domínio que ele possuí daquilo que se propõe a ensinar reflete na maneira dele ensinar – com uma naturalidade espantosa – tipo aqueles bate papo gostoso que quando você percebe as horas voaram e você fica: - Nossa, mais já?

Eu particularmente fico espantado quando vejo no YouTube um vídeo de uma aula sobre “o Método de Marx” num curso de Pós-Graduação com quase 1 milhão de visualizações. Não estamos falando de uma palestra de autoajuda ou filosofia barata, mas do método de Marx. E quem minimamente conhece a obra de Marx entende o que estou falando e compreende o meu espanto. Isso reflete a capacidade que ele tem de tornar um assunto complexo em algo prazeroso.

Desde 2020 o Professor José Paulo Netto tem participado de muitas lives divulgando o seu mais novo livro “Karl Marx – uma biografia” (Boitempo). E camaradas, ainda não tive a oportunidade de ler, mas estamos falando de uma obra de 816 páginas. É muito conteúdo. E conhecendo a escrita e o rigor teórico do Professor José Paulo Netto não tenho dúvida da qualidade.

Numa rápida pesquisa em um site de vendas vemos que o livro é classificado com 5 estrelas pelos clientes e alcançou a posição 36° no ranking de obras biográficas mais vendidas. Camaradas, não vamos negar que é impressionante para uma obra dessa envergadura sobre um sujeito bastante estigmatizado, por que não dizer, “satanizado”.

Enfim, para quem não conhece e quer ter uma ideia maior do que quero dizer sobre a arte de ensinar. Recomendo a entrevista/bate papo (disponível na TV Boitempo no YouTube)dele com a Virgínia Fontes sobre a biografia de Marx. Também não poderia deixar de recomendar os seus escritos, talvez como ponta pé inicial uma obra da área do Serviço Social como “Capitalismo monopolista e Serviço Social”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

A Escola

 Ás famílias da Jacutinga

Símbolo de esperança 

De um futuro melhor.

A escola foi tombada

Sem remorso, sem dó.


As salas que abrigavam

Gente em comunhão.

Hoje são apenas entulhos.

- Aí que dor no coração. 


Não foi só a escola

Que agora está no chão. 

O sonho da terra prometida

É o que mais dói no coração. 


Onde construíram moradas

cultivaram lavouras.

Fertilizaram a terra

Com sementes vindouras.


Chora a Jacutinga

Chora as aves do sertão. 

A injustiça por essas terras 

Não tem tempo não.


Que seja pandemia

Que não tenham para onde ir.

Os senhores nos seus Gabinetes

Não estão nem aí. 


As forças de segurança 

em nome da lei e da ordem.

Cumpriram sua missão

reprimindo o povo pobre.


Choram Marias, 

Josés e Joões.

Direitos Humanos?

Aqui não. 


A escola no chão 

Os sonhos também.

Para onde irão?

- que fiquem bem.


A escola era a comunidade 

Dando vida ao lugar.

A comunidade era a escola

Aprender e  ensinar.


E como ato final 

A escola no chão. 

Não deixou de Ensinar

Deixou uma grande lição. 


Na lei do capital 

Pobres não têm direitos.

Ou derrotamos o capital

Ou continuará desse jeito.


Pedro Ferreira Nunes. Casa da Maria Lúcia. Lajeado - TO. 19 de Maio de 2021.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

A arte do Rogério Caldeira no Palmas Curte Arte em Casa

 O Artista Plástico Rogério Caldeira foi um dos participantes do Projeto Palmas Curte Arte em Casa da Fundação Cultura de Palmas. Ele que tem um trabalho subversivo, utilizando as ruas da capital e outras cidades do interior Tocantinense como Lajeado, para expor o seu trabalho. Apresentou no projeto a “Arapuca de Beira de estrada” fazendo uma relação com a questão pandêmica que estamos enfrentando. O resultado pode ser conferido nesse vídeo onde tive uma pequena participação como entrevistador. Na verdade foi mais um bate papo sobre o seu fazer artístico, suas influências, sua visão sobre arte, a importância da educação artística entre outros assuntos.




segunda-feira, 10 de maio de 2021

Jean-Paul Sartre: O Muro e outros contos


— Muito bem. Serão oito. Ouve-se um grito: “Apontar”, e eu verei oito fuzis apontados para mim. Acho que desejarei penetrar no muro; empurrarei o muro com as costas e toda a minha força, e o muro resistirá, como nos pesadelos. Posso imaginar tudo isso. Ah! Se você soubesse como posso imaginar. Trecho do Conto O Muro, de Jean-Paul Sartre.


Como você agiria sabendo que em algumas horas será fuzilado? O que faz alguém abdicar da sua vida para viver a vida de outro? Por que permanecemos ao lado de outro quando já não há amor? Como formamos a nossa personalidade? Essas são algumas questões que encontramos na coletânea de Contos “O Muro” do Escritor e Filósofo Jean-Paul Sartre. São contos onde desfilam personagens atormentados diante das escolhas que deverão fazer. Pois como nos diz Sartre na sua filosofia – “O homem está condenado a ser livre, condenado porque ele não criou a si, e ainda assim é livre. Pois tão logo é atirado ao mundo, torna-se responsável por tudo que faz”.

O Muro

O conto “O Muro” dá nome a coletânea e também é o que inicia a obra. Aqui o autor nos leva para o contexto da Guerra Civil espanhola. Alguns militantes são presos e após um rápido interrogatório trancafiados numa cela. A partir dali eles sabiam – em algumas horas seriam fuzilados. E é nessas horas que antecedem a execução que Sartre enfatiza, a partir do olhar do personagem principal Pablo Ibbieta, o drama. Nosso autor vai descrevendo de forma magistral os conflitos psíquicos que se instala naquele ambiente – o estado emotivo de cada um, afetados pelo Medo. Enquanto um busca refúgio no silêncio e na observação dos demais. Outro não para de falar. Já o terceiro, o mais jovem, não consegue controlar a emoção e cai no choro. Para compreender melhor o que estou dizendo vejamos um trecho da narrativa de Ibbieta:

“Sentia-me cansado e superexcitado ao mesmo tempo. Não queria mais pensar no que aconteceria de manhã cedinho, nem na morte. Aquilo não tinha sentido, eu não encontrava senão palavras, um vazio. Desde, porém, que tentara começar a pensar em outra coisa, via canos de fuzis apontados para mim. Vivi talvez umas vinte vezes seguidas a minha execução; numa delas cheguei mesmo a pensar que o fuzilamento tinha ocorrido; devo ter dormido um minuto.”

Como nos comportamos diante de determinadas situações? Na minha leitura, eis o problema que Sartre reflete nesse conto. Diante de uma situação que parece não haver saída. O que fazer? Cada um age de uma forma diferente e é isso que pode definir o seu destino. Não vou aqui dar spoiler, como dizem. Mas adianto que o final do conto é surpreendente.

O quarto

Nesse conto Sartre nos apresenta a seguinte estória. Os pais da jovem Éve não se conformam com a vida que a filha vem levando ao lado do esposo Pierre. Esse enlouquecera e vive trancado num quarto numa realidade paralela. Éve se submete a todas as vontades do marido chegando a se isolar voluntariamente do mundo. Os pais dela não compreendem tal decisão, sendo ela tão jovem, tendo tanto para viver. Por que não colocá-lo numa clínica de repouso e retomar sua vida? É o que lhe propõem o pai. Mas ela não lhe dá ouvidos. Estava presa ao marido e qualquer coisa que viesse lembra-la que existia vida fora dali lhe aborrecia:

“Uma transformação profunda se fizera à sua volta. À luz envelhecera, ia ficando grisalha; tornara-se pesada como a água de um vaso de flores, quando esquecemos de renová-la. Sobre os objetos, naquela luz envelhecida, Ève encontrava uma melancolia de que há muito tempo se tinha esquecido; a de uma tarde de fim de outono. Olhou ao redor, hesitante, quase tímida; tudo aquilo estava tão longe; no quarto não havia nem dia, nem noite, nem estações, nem melancolia. Lembrou-se vagamente de outonos muito antigos, de outonos da sua infância, e depois, subitamente, enrijeceu-se; tinha medo das suas recordações”.

Camaradas, que Belo trecho,  não?! É, não estamos diante de um escritor qualquer. Isso é Sartre senhores. Isso é Sartre. Aqui mais uma vez o Medo determinando as ações dos personagens. O Medo nos faz se submeter a situações e condições impensáveis. 

Erostrato

Nesse conto a estória é narrada a partir da perspectiva do personagem principal – um sujeito que se acha superior aos demais e que tentará provar essa superioridade fazendo algo grande. Para tanto adquire um revólver e passa a exercer a sua “superioridade”. Numa conversa com amigos ouve a estória de Erostrato – um sujeito que para se tornar ilustre incendiou o templo de Éfeso – uma das sete maravilhas do mundo. 

“Quanto a mim, que até então jamais ouvira falar de Erostrato, sua história me encorajou. Havia mais de dois mil anos que ele estava morto e sua ação ainda brilhava, como um diamante negro. Comecei a acreditar que meu destino seria curto e trágico. Isso me amedrontou a princípio, depois me habituei. Encarado de certo ângulo é atroz, mas, por outro lado, dá ao instante que passa uma força e uma beleza consideráveis.”

Eis ai como o nosso personagem com mania de grandeza se convence da sua superioridade. Terá um destino curto e trágico, mas será lembrado por toda a eternidade. Corajoso não?! Nem tanto, no final ele se revelará o que realmente é. Como são todos esses com mania de superioridade. 

Intimidade

Nesse conto, dividido em quatro partes, Sartre também trás uma personagem feminina como protagonista. Aqui somos levados a intimidade de um casal em crise – Lulu e Henri. Ela ameaça abandona-lo. Tem um amante que fugiria com ela e uma amiga que encoraja fazê-lo. Ele do seu lado não faz nenhum movimento de mudança para que Lulu não o abandone. 

“Henri começou a roncar e Lulu assobiou. Não consigo dormir, estou me martirizando, e ele ronca, o imbecil. Se me tomasse nos braços, se me suplicasse, se me dissesse: “Você é tudo para mim, Lulu, eu te amo, não vá embora!”, eu faria esse sacrifício, ficaria, sim, permaneceria com ele a minha vida toda para que fosse feliz”.

Temos ai em síntese a realidade de muitas mulheres. Já não há amor, já não há prazer. Mesmo assim está disposta a permanecer ao lado do marido, sacrificando a sua vida e a sua felicidade. Sartre mostra como a personagem tem consciência disso. Mas será que terá coragem para romper com o marido? Eis o que vocês terão que descobrir lendo.

A infância de um Chefe

Eis o conto que encerra a coletânea. E assim como o anterior é uma narrativa de fôlego. Sartre nos apresenta a estória de Lucen – filho de uma família burguesa francesa. Está sendo formado para seguir os passos do pai no comando dos negócios, isto é,  está sendo formado para ser um chefe. Mas até que tome consciência do seu destino passará por muitas provas. A narrativa é perpassada pelas seguintes perguntas: Se eu existo, quem sou? Qual o meu papel nessa sociedade?

““TENHO DIREITOS!” Direitos! Algo parecido com os triângulos, com os círculos: eram tão perfeitos que não existiam, por mais que se traçassem milhares de rodas com compassos, não se chegava a construir um único círculo. Gerações de operários poderiam, do mesmo modo, obedecer escrupulosamente às ordens de Lucien, nunca esgotariam o direito que ele tinha de mandar; os direitos estavam além da existência, como as equações matemáticas e os dogmas religiosos. E eis que Lucien, justamente, era isto: um enorme feixe de responsabilidades e de direitos”.

Nesse conto Sartre nos mostra de forma magistral como é formado a psique das classes dominantes. A concepção de que são sujeitos de direitos enquanto os demais devem obedecer, apenas obedecer.

Enfim, eis ai de forma breve os contos que compõem essa pequena, mas excelente coletânea do Nobel de Literatura do ano de 1964. São estórias interessantes que nos mostram personagens e as suas escolhas – escolhas tomadas sobretudo dominados pelo Medo.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.