sábado, 25 de junho de 2022

Aspis e o Ensino de Filosofia para Jovens como Experiência Filosófica

Como desenvolver o Ensino de Filosofia a partir de uma perspectiva filosófica na Educação Básica? Qual a importância desse ensino? É a partir de questões como essas que Renata Pereira Lima Aspis desenvolve a sua dissertação de Mestrado, defendida em 2004, sob a orientação de Sílvio Gallo. Apoiada em autores como Deleuze e Gattari, Aspis defende um Ensino de Filosofia que tem como fundamento a criação de conceito. Trata-se de uma perspectiva do Ensino de Filosofia que tem ganhado muito força nos cursos de formação de Professores de Filosofia. Vejamos a seguir os principais pontos da sua proposta. Antes, conheçamos um pouco mais da nossa autora. 

Renata Pereira Lima Aspis é graduada em Filosofia pela Faculdade Nossa Senhora Medianeira. E possui mestrado, doutorado e pós-doutorado em Educação  (Os dois primeiro pela Universidade Estadual de Campinas e o último pela Universidade de São Paulo). É Professora de Filosofia na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além do Ensino de Filosofia, formação na contemporaneidade e educação e resistência, são temas de seu interesse. Entre seus trabalhos publicados destacamos: Fazer filosofia com o corpo na rua: experimentações em pesquisa (2021), Filosofia e Educação: filosofia(s) da imagem e educação (2016) e Educação nas sociedades de controle: resistência e vida (2010).

Em “O ensino de Filosofia para Jovens como experiência filosófica” traça como objetivo principal “pensar filosoficamente um sistema de referências para o ensino de filosofia”. Para tanto a sua dissertação está organizada da seguinte forma: No primeiro momento ela fala sobre a a importância da filosofia no contexto da sociedade contemporânea. No segundo momento ela passa a tratar do Ensino de Filosofia propriamente, fazendo uma problematização acerca da sua constituição e desenvolvimento. No terceiro momento ela entra na sua proposta de ensino de Filosofia tendo como perspectiva a criação de conceitos. E a partir daí há um aprofundamento da sua proposta com reflexões acerca do diálogo investigativo, do papel do Professor de Filosofia, dos textos filosóficos e por fim da avaliação. Temos assim, duas partes propriamente, a primeira temos uma contextualização e problematização da Filosofia e seu Ensino. E na segunda a proposta da autora para o problema abordado. Isto é,  o ensino de Filosofia para Jovens a partir de uma perspectiva filosófica. Vejamos a seguir mais detalhadamente o que nos diz nossa autora.

O ponto de partida de Aspis não poderia ser outro se não a sua resposta para clássica pergunta:  o que é  filosofia? Para nossa autora (2004) trata-se de uma busca pela compreensão daquilo que podemos perceber.  Sendo assim o ensino desse componente curricular é compreendido como criação. Aqui percebemos uma questão importante. O ensino de Filosofia que assumimos está diretamente relacionado com a nossa compreensão do que é e para que serve a filosofia.

 Aspis (2004) chama atenção para o processo de desumanização que vem ocorrendo como reflexo de uma sociedade onde o consumismo e o individualismo nos leva a abdicarmos do Pensamento. Com isso nossa humanidade vai sendo descaracterizada. Não aceitamos o outro, não dialogamos. Perdemos a compreensão de que vivemos em comunidade. Nesse contexto, a Filosofia e o seu ensino são imprescindíveis – filosofia como criadora de conceitos e diálogo. A filosofia é fundamental não só para o autoconhecimento como também do mundo que estamos inseridos. Mas não estamos falando de qualquer filosofia. Está não pode ser reduzida a um movimento de negação. Percebemos uma crítica a perspectiva filosófica que vê a filosofia como crítica ao estabelecido. O que ficará mais claro, na problematização que ela faz do Ensino de Filosofia. 

Nessa linha o primeiro aspecto que Aspis chama atenção (2004) é para a formação do Professor de Filosofia, ressaltando que nem sempre se trata de alguém formado na área. Ela também salienta a questão da carga-horária das aulas de Filosofia – geralmente 1h aula por cima, o que limita bastante o que pode ser desenvolvido junto aos estudantes. Em que pese as mudanças que ocorreram desde que essa dissertação foi apresentada, sobretudo a obrigatoriedade do Ensino de Filosofia no ensino médio a partir de 2008, a questão da carga-horária e a formação do Professor de Filosofia contínua vigente. Sobre as práticas desenvolvidas por esses profissionais, Aspis (2004) destaca que são diversas, porém ela salienta quatro:

A primeira é a que parte de uma concepção crítica. Para nossa autora ao compreender a sociedade a partir da luta de classes, o que segundo ela, já foi ultrapassado, acaba caindo num reducionismo, não há problematização,  pelo contrário,  o que há é uma imposição de determinados conteúdos – uma doutrinação. A segunda encherga o ensino de filosofia como promoção de debates sobre atualidades. Para a nossa autora  (2004) a ausência de forma e conteúdo transforma essas aulas em conversa de botequim, em senso comum. A terceira reduz o ensino de filosofia ao ensino da história da filosofia ou coisa do gênero. A quarta parte do pressuposto de que o ensino de filosofia é a apropriação da forma do pensar filosoficamente. Essa última segue a linha kantiana de que não é possível ensinar filosofia mas apenas filosofar. Para nossa autora (2004) não há essa dicotomia, e a partir daí ela vai apresentar a sua proposta de ensino de filosofia.

A experiência filosófica ou o ensino de filosofia proposto por Aspis, parte de dois  pressupostos: primeiro de que os jovens tem capacidade de filosofar. Segundo, suas questões não podem ser rechaçadas mas sim oferecer critérios para pensa-las filosoficamente. A partir daí a nossa autora (2004) irá dividir o ensino em etapas: A primeira é a da problematização, onde ocorre a elaboração de perguntas; A segunda é a de estudo, onde se aprende o diálogo; E a terceira é a da expressão, onde é feito o esforço de síntese e criação. Nesse processo a avalição é na verdade uma auto-avaliação. É o momento de se demonstrar o domínio sobre as etapas. Um aspecto importante ressaltado por Aspis é o estímulo que um passa ao outro, isto é, nas suas palavras “ao filosofar, faz o outro filosofar”, daí que mais adiante ela falará do perfil do Professor de Filosofia, que deve ser a de um filósofo, pois quem não filosofa, não ensina filosofar. Antes ela irá detalhar as três etapas do seu processo de ensino de filosofia. 

Na etapa da problematização “a questão filosófica” é um elemento importante. Não estamos falando de qualquer pergunta mas sim daquelas que busca a compreensão da essência, estrutura e sentido das coisas. Desse modo deve se partir do princípio de que nada está dado. Para nossa autora (2004) o assunto deve partir sempre do estudante, já o restante cabe ao Professor, por exemplo, perguntar e ensinar a perguntar. 

Na segunda etapa temos “a investigação filosófica” que pode ser compreendido como um exercício onde não há um método a ser seguido. É sobretudo uma busca constante para construir uma saída do problema. Aspis (2004) faz uma analogia com a escalada, isto é, no processo de investigação filosófica o que se deve buscar fazer é construir patamares de apoio a partir de dois movimentos: “O pensamento pensa a coisa e pensa como pensou a coisa”. Para nossa autora não é possível separar forma e conteúdo. Ela discorda da ideia de que não se pode ensinar filosofia, mas apenas a filosofar como dizia Kant. Ainda de acordo com nossa autora (2004) o diálogo e o erro são importantes nesse processo onde o professor deve ensinar uma prática determinada e não um conteúdo.

Na terceira etapa temos então “o conceito filosófico”, seguindo a perspetiva de Deleuze e Guatarri, é algo próprio da Filosofia. Mas o que é esse conceito? Ela começa a nos dizer o que não é. “Não é uma referência, não é descrição ou definição é algo que a filosofia faz surgir a partir de seu questionamento e sua investigação.” Para nossa autora (2004) “a filosofia recorta a realidade e cria uma outra coisa para falar da realidade”. Mas o que é então o conceito? É “aquilo que faz o desfecho de uma investigação filosófica sobre determinado problema filosófico”. E como se chega a esse conceito? Por um processo que vai do geral ao específico. E se se trata de um processo é preciso entender que cada um tem o seu – um elemento importante na hora de fazer a avaliação.

Chegamos no momento do “diálogo investigativo”. É através dele que é possível criar conceitos. Não estamos falando de um diálogo na perspectiva socrática onde há um direcionamento para um determinado fim. Aqui é preciso de fato se colocar numa situação de ignorância para que o diálogo ocorra como um processo de criação coletiva. De modo que aprendemos a ideia dos outros e como chegaram a ela. Não para reproduzi-lá, mas para criar o nosso próprio caminho. Para Aspis (2004) o diálogo investigativo parte das opiniões, mas é elaborado até não ser mais opinião. Nesse contexto o ouvir, que é a alma do diálogo, a capacidade de nos entregarmos ao outro, precisa de fato acontecer. Pois quando negamos ao outro a palavra estamos negando a sua condição de gente. Dai a importância do Ensino de filosofia na escola, sobretudo nessa perspectiva da promoção do diálogo. 

O próximo ponto a ser discutido por nossa autora (2004) é acerca do perfil do “professor de Filosofia” – que antes de mais nada deve ser um filósofo. Sobretudo quando falamos que as aulas de Filosofia deve ser produção de filosofia. Desse modo o professor deve assumir mais uma postura de orientação. Se colocar sempre como um aprendiz, pois sua formação é processo. Como um provocador, como um artesão, o professor filósofo é modelo de criatividade ao exercer sua  criatividade. Aspis (2004) crítica como é a formação de Professores de filosofia, sobretudo no sentido de que não são preparados para se tornarem professores filósofos. E se não são como irão passar isso aos demais? Teoria e prática precisam caminhar juntas. Desse modo ela conclama aos professores aonde estão, começarem mudar esse paradigma. Aspis (2004) nos diz não se tratar de uma tarefa sobre humana, pelo contrário. “nada mais humano do que praticar a filosófica dentro da sala de aula e fora dela, pensando filosoficamente sua prática,  fazendo filosofia do ensino de filosofia”.

Para finalizar, Aspis (2004) trás mais dois elementos importantes na sua proposta de ensino de filosofia como experiência filosófica para jovens. São eles: o texto filosófico e a avaliação. A partir daí ela nos dirá que não se faz filosofia sem ler e escrever.

Em relação ao texto filosófico ela nos diz que se trata da obra de arte do filósofo. Para utiliza-lo corretamente precisamos aprender a ler. Entender que a leitura filosófica é estudo – é preciso dialogar com o texto e buscar sintetiza-lo. Aspis (2004) nos dirá que ler filosoficamente amplia nossos horizontes e assim nos apropriados de instrumentos concretos da nossa compreensão de nós é do mundo.

Já a avaliação deve romper com a lógica de controle que predomina no âmbito educacional, como prática de exclusão. A proposta é pensar numa auto-avaliação onde o processo seja mais importante que o resultado final.

Algumas considerações 

Uma proposta de ensino de filosofia que parte do pressuposto que a luta de classes está superada me parece um tanto questionável. Ainda que o capitalismo de hoje não é o mesmo do período em que Marx produziu a sua teoria acerca da luta de classes, trata-se de um fato que não dá para questionar. E a própria autora no final da sua tese, ao tratar da avaliação como forma de controle, reconhece. Me incomoda também a ideia de uma neutralidade, que no fundo sabemos que não existe. A crítica a perspetiva da concepção critica do ensino de filosofia me pareceu bastante equivocada, ao afirma que se trata de doutrinação. Me pareceu até desonesto em certa medida. Sobretudo quando sabemos que é no discurso de neutralidade onde está o maior perigo de doutrinação. Por fim, colocar nas costas do Professor toda a responsabilidade por esse ensino, sem levar em consideração às condições de trabalho que ele está inserido, também não dá para aceitar. No entanto, ressaltamos que há sim por parte da autora reflexões importantes que certamente nos ajudará no nosso fazer enquanto professores de Filosofia. Isto é, em que pese nossas reservas, não podemos deixar de reconhecer a contribuição para pensarmos o ensino de filosofia junto aos jovens.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Ministra aulas de Filosofia no CENSP-LAJEADO.


segunda-feira, 20 de junho de 2022

Qual o sentido de fazer uma avaliação que não tem nota?

Eis a pergunta que um estudante me fez durante uma aula de revisão do Componente Curricular de Ensino Religioso. Respondi prontamente que pelo conhecimento. Afinal de contas, me parece óbvio, que estudamos em busca do conhecimento. Desse modo a nota é, ou deveria, ser secundária. Então, outro estudante me questionou: - mas sem nota não passamos de ano. Tentei argumentar que se você estuda e adquiri conhecimento sobre determinado objeto, a nota será uma consequência óbvia. 

Encerramos a discussão mais aquilo ficou na minha cabeça. Fiquei pensando comigo que se a partir do nosso processo de ensino-aprendizagem o estudante constrói a ideia de que a nota é mais importante do que o conhecimento, então estamos falhando.

Compreendo que estamos imersos numa sociedade dominada pela cultura do útil, isto é, “do que eu ganho com isso”. Como a escola não esta isolada do resto da sociedade isso acaba refletindo nas Salas de aula. Qual professor nunca ouviu a frase: - Isso vale quanto ponto, professor? Se não valer ponto não vou fazer não. E por aí em diante. No entanto, não deveriamos reforçar isso – o que me parece que acontece, sobretudo por parte do sistema de ensino que, por exemplo, mede a qualidade da educação, a partir das notas obtidas em provinhas e provões.

É também por essa lógica que se definirá quem terá sucesso nos vestibulares, Enem e outros similares na definição de quem consegue uma vaga num curso universitário. A nota se torna por tanto um instrumento de seleção entre os capazes e os incapazes. E por tanto de exclusão dos que não obtém sucesso nesse processo.

A nota é também um instrumento de coerção, utilizada para coagir o estudante a seguir as regras, a se submeter a autoridade do professor na sala de aula. Se você é professor provavelmente já ouviu (ou disse) – na hora da avaliação fulano me paga. 

No contexto pandemico muito se falou da necessidade de repensarmos o nosso método avaliativo. E agora por último, na Rede Estadual de Educação, há uma recomendação para não deixar nenhum estudante ficar a baixo da média (7,0). Como era de se esperar isso causou a revolta de parte dos Professores que viu a medida como um estímulo para que o estudante se acomode e não leve a sério o seu processo formativo – um argumento que reafirma o que dissemos sobre o equívoco de colocar a nota acima do conhecimento.

Não estou aqui querendo me colocar acima desses profissionais, pois como um professor imerso nesse ambiente acabo reproduzindo essa prática naqueles componentes curriculares que dão nota. No entanto, tenho feito um esforço reflexivo na busca de alternativas de avaliações – sempre com a preocupação de não punir o estudante, mas também não flexibilizar ao ponto de transformar esse processo num faz de conta.

O problema é que o mesmo sistema de ensino que nos cobra flexibilidade no momento de avaliar acaba nos amarrando, pois no final das contas o que importa são os números. Daí você tem que quantificar o conhecimento que o estudante adquiriu numa nota. E acaba sendo mais cômodo isso ser feito através de uma avaliação verificadora de conteúdo  (por meio de questões objetivas). 

O que é uma contradição já que o discurso agora é que o ensino se dá a partir do desenvolvimento de habilidades e competências. Por outro lado, se não for assim, como esses estudantes estarão preparados minimamente para disputar uma vaga numa Universidade?

Enfim, no final das contas acho que o estudante tinha razão. Não tem sentido fazer uma avaliação que não tem nota. Se a dinâmica do sistema é colocar a nota como mais importante que o conhecimento é uma perda de tempo por parte do estudante estudar para algo que não influe no seu sucesso final, isto é, passar de ano. Se fosse diferente aí sim, precisaríamos rever.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Sítio Arqueológico Caititu: Um lugar sagrado

As pinturas gravadas no paredão transmite uma energia diferente que só estando ali para sentir. São diversas gravuras que vão desde a representação de animais á símbolos mais complexos. Aliás, estes me chamaram atenção – aqueles que os fizeram tinham uma noção mais “desenvolvida” de Sociedade (penso eu). Qual era a intenção deles ao registrar na pedra aquelas imagens? Talvez já mais saberemos.

Há um tempo participei de um evento onde ouvi uma arqueóloga (Dra. Júlia Berra) falando das características daquelas pinturas. De acordo com ela foram feitas em períodos diferentes e por povos diferentes, é daí que vem a explicação para diversidade de gravuras. Na oportunidade ela fizera um alerta sobre o risco de extinção das pinturas rupestres em decorrência das queimadas e da falta de políticas públicas de preservação e conservação desse patrimônio. 

Lembro que naquele período fiquei me questionando como eu vivendo nessa região há tanto tempo não tinha noção de toda essa riqueza pré-histórica que o município possuia. E como eu, muitos outros. Ora, como vamos preservar e conservar algo que não conhecemos?

Creio que desde então essa situação mudou, ainda que muito aquém do que deveria. Por exemplo, não temos uma lei municipal que garanta recursos para proteção desse patrimônio histórico. Também ainda não temos um museu que possa receber as peças pré-históricas retiradas no período da construção da Usina Hidrelétrica  (UHE – Luiz Eduardo Magalhães) que hoje se encontram no Núcleo Tocantinense de Arqueologia (NUTA) em Porto Nacional. 

Porém quem visita o sítio arqueológico Caititu conta com uma estrutura mínima que facilita o acesso – por exemplo, para subir foi construído uma escada com cordas de apoio e uma passarela para observação dos desenhos. 

Isso certamente contribuiu para que aumentasse o número de visitação ao local (sobretudo por parte de instituições educacionais). Essa maior visibilidade trás mais conhecimento acerca dos sítios arqueológicos. E a medida que mais pessoas tiverem a oportunidade de conhecer locais como esse, mais fácil será sensibiliza-las para protege-los. Por outro lado, o poder público precisa também investir para que locais como o sítio arqueológico Caititu desenvolva plenamente o seu potencial. 

Conversando com o Seu Luiz (o guardião do local), ele nos falou do Projeto de construir um espaço na entrada do sítio para receber adequadamente os visitantes. Esse espaço poderia também servir para aulas e pesquisas. Outro elemento importante é a formação de guias não só para levar o visitante ao local, mas também com a capacidade de falar sobre a história do lugar e das riquezas que ali se encontra.

Para mim a sensação de estar ali era de estar num lugar sagrado – imaginar quem há milhares de anos andou por aquelas paragens deixando aquelas marcas e buscar entender o que eles queriam, e como viviam, é especial. Creio que tudo isso só foi possível com a experiência vivida ir in loco. Pois nada substitui estar ali e sentir aquela energia.

Dito isso, é bom deixar claro que não quero estimular a transformação dos sítios arqueológicos, em especial o Caititu, em um lugar de peregrinação. O sagrado a que me refiro não é no sentido religioso do termo, isto é, um lugar de adoração. Seria mais como um ambiente para apreciação e aprendizado. Que inclusive, prezando por sua conservação, não é recomendado uma quantidade excessiva de visitantes ao mesmo tempo.

Enfim, estar ali foi uma experiência marcante. E parti com a sensação de que preciso voltar para apreciar aquela riqueza com mais calma. Sai também com a sensação de que, mesmo a passos lentos, o desenvolvimento do turismo sustentável tem avançado. Como já dissemos aqui, muito aquém do possível. No entanto, quem sabe isso não possa se modificar com as novas gerações que estão sendo formadas com esse olhar mais sensível para o  meio ambiente e suas riquezas.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Algumas palavras sobre a literatura do Zacarias Martins a partir da leitura de “Pinga-fogo” e “Histórias da História de Gurupi”

O Tocantins ainda não tem uma forte tradição literária. De modo que quando falamos de literatura tocantinense na verdade nos referimos a literatura produzida no Tocantins. Essa produção é com certeza fundamental no processo de construção de uma literatura tocantinense. E nesse sentido um nome que se destaca é do Poeta e Escritor – Zacarias Martins.

Das tantas definições sobre a sua figura. Ressalta, na minha visão, a de militante da cultura. Sobretudo no campo literário – seja através da sua obra ou divulgando o trabalho de outros autores. Martins é um artista engajado na linha do que define Marcos Napolitano (2011), que se caracteriza pela defesa de uma causa ampla, coletiva e ancorada em “imperativo moral e ético”. Sua arte é política, mas não partidária.

Vamos comentar, de forma breve, a sua literatura a partir de duas obras. O primeiro é uma coletânea de poemas intitulada de “Pinga-fogo”. Já a segunda é uma coletânea de crônicas intitulada de “Histórias da História de Gurupi”. Ambos publicados pela Editora Veloso.

O primeiro aspecto que se sobressai na literatura de Zacarias Martins é o seu caráter popular. O popular aqui não tem haver com popularidade ou populismo. Mas no sentido de expressar as aspirações e interesses do povo. Isso é perceptível sobretudo nos textos de “Histórias da História de Gurupi”. Temos ali um belo quadro de uma cidade interiorana. Sobretudo em relação a política. Ou seria politicagem? 

O segundo aspecto é o humor. Zacarias Martins consegue de uma forma muito inteligente transformar episódios do cotidiano em situações engraçadas. Não é aquele humor pasteurizado tão em moda. Mas o humor que nos é característico. Aquele de transformar “um limão em limonada”. Podemos ter uma ideia disso nos poemas: “A falta”, “Polivalente”, “Sorriso maroto” e “Resolução”. E nas crônicas: “O defuntódromo”, “Parque mutuca” e “Cadê a bomba?”. 

Na verdade o humor faz parte do aspecto popular da literatura de Zacarias Martins. Sobretudo no sentido de que o humor é uma arma do povo para mostrar a sua indignação diante de situações medíocres como “A cultura desemplacada” e “Defuntódromo”.

Mas nem sempre o humor dá o tom dos textos do nosso autor. Em alguns ele é direto como um punk rock. Por exemplo no poema “Com que cara?” e “Prisioneiro do fumo”. 

Há também espaço para o amor. Como bom poeta, Zacarias Martins, se revela um romântico, inclusive na declaração de amor a cidade que ele escolheu para viver – um amor que não impede de ver os problemas existentes.

Bom. Eis ai de forma breve um pouco da literatura de Zacarias Martins - trata-se de uma literatura popular onde o leitor certamente se reconhecerá e se sentirá representado. Com isso contribuí na formação de novos leitores e no fortalecimento da literatura feita no Tocantins. 

Sua obra não se resume as publicações comentadas aqui. Mas para quem quer conhecer e apreciar a sua literatura, temos ai um bom ponto de partida. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado. 


domingo, 5 de junho de 2022

O filme Minamata e a questão ambiental

Eugene Smith é um fotógrafo premiado, conhecido internacionalmente, pela sua cobertura fotográfica de episódios como a Segunda Guerra Mundial. Mas no momento não vive uma situação animadora. Falido financeiramente, vive sozinho sem contato com os filhos. A revista para quem trabalha está prestes a fechar e o seu refúgio nas drogas é cada vez maior – buscando uma fuga dos seus traumas.

É a essa figura que Aileen Mioko recorrer para, através da fotografia, dá visibilidade a luta das famílias de Minamata contra uma poderosa indústria do ramo químico que contamina a região com mercúrio, afetando a saúde dos que ali vivem. Num primeiro momento, ele recusa, mas em seguida vai até a revista e se propõe a fazer o registro da realidade vivida pelas famílias de Minamata, dando assim visibilidade mundial as suas demandas.

Não será uma tarefa fácil, além de conviver com seus demônios pessoais, precisará enfrentar a estrutura poderosa da empresa poluidora em conlui com o Estado. Mas sobretudo a desconfiança das famílias afetadas para que possam abrir suas intimidades.

Esse é o enredo de Minamata (2019) filme dirigido por Andrew Levitas e estrelado por Johnny Depp, no papel do fotógrafo estadunidense Eugene Smith. O roteiro é inspirado no livro (Minamata, 1975) escrito por Eugene e sua esposa Aileen Mioko Smith.

Na história dos desastres ambientais o episódio de envenamento com mercúrio dos moradores de Minamata  (Japão) em decorrência de dejetos descartados na baía da cidade pela empresa do ramo químico Chisso foi um ponto de inflexão importante na busca por uma legislação mais rígida contra crimes ambientais. 

Para se ter uma ideia do quanto esse episódio influenciou e influência as decisões sobre questões ambientais. Tivemos a entrada em vigor do acordo sobre o mercúrio, conhecido como a convenção de Minamata. De acordo com a Organização das Nações Unidas  (ONU) o objetivo do acordo “é proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos adversos do mercúrio, um elemento onipresente que pode causar de tudo, desde malformações congênitas a doenças renais”.

Nessa linha, o filme de Levitas nos mostra bem esses efeitos, sobretudo as malformações congênitas. É revoltante ver que tudo aquilo foi causado pela ação irresponsável de uma empresa – que quando é questionada pelas famílias. Só tem a dizer cinicamente que sente muito.

Se já não bastasse a importância social do filme, que nas palavras Depp, busca dar voz a quem é silenciado pelo poder das corporações e do Estado. Temos uma bela obra cinematografica, com uma fografia impecável e um elenco afiado, com destaque para Johnny Depp e Hiroyuki Sanada (no papel de um dos líderes das famílias contra a Chisso). 

De uma forma poética, Levitas nos leva para um ambiente marcado pela dor e revolta das famílias afetadas por um crime irreparável. Ai temos uma característica importante desse tipo de crime ambiental – ser irreparável, pois as compensações financeiras não apagam os traumas que ficam. 

Façamos um exercício. Tentemos nos colocar no lugar de uma mãe ou de um pai daqueles de Minamata, sobretudo daqueles que leva 5 horas para alimentar a filha sequelada pelas consequências da ganância de uma empresa por lucros e mais lucros – que acha que pode comprar todo mundo e passar por cima de todos sem ser penalizada.

Enquanto escrevo essas linhas esse crime está acontecendo no Brasil, mais precisamente na Amazônia, onde comunidades tradicionais estão tendo seus territórios contaminado com mercúrio por empresas financiadoras do garimpo. Infelizmente a postura do Estado brasileiro é o mesmo que o Japonês teve diante do crime ambiental em Minamata como podemos ver num levantamento divulgado por uma reportagem do El País (2021):

“O incentivo ao garimpo ilegal promovido pelo Governo brasileiro nos últimos dois anos provocou uma enxurrada de mercúrio nas águas amazônicas. Um volume estimado em 100 toneladas do metal neurotóxico foi utilizado em 2019 e 2020 para extrair ouro ilegalmente da região, de acordo com estimativas feitas com base em um levantamento oficial.”

Para a ONU “a Convenção de Minamata ajuda os países a restringir o uso de mercúrio, adotar alternativas não tóxicas ao elemento e eliminar a poluição por mercúrio, protegendo o meio ambiente e potencialmente milhões de vidas.” 

O Brasil é signatário dessa convenção, mas como falado anteriormente, a sua postura é no mínimo de negligência quanto ao uso do mercúrio na mineração. Por isso precisamos nos mobilizar para que isso mude.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO. 


terça-feira, 31 de maio de 2022

Planejamento urbano e preservação ambiental nas Cidades

Quando falamos em planejamento estamos falando em organização. Essa organização tem como objetivo o desenvolvimento de ações eficientes e eficazes. Desse modo o planejamento urbano tem como fim organizar o espaço urbano de modo que este propicie o mínimo de qualidade de vida para os seus cidadãos. Diante disso fica evidente uma questão: A participação da população na construção desse processo. Pois as consequências desse planejamento lhes afetará.

Para Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) o que se observa é que essa organização pressuposta pelo planejamento urbano não vem ocorrendo. O que tem acontecido sobretudo pelo fato de não se seguir a legislação vigente. Essas autoras salientam para as mudanças que as cidades sofreram ao longo da história. Essas mudanças provocaram problemas diferente das cidades antigas. A partir daí foi preciso pensar num planejamento que correspondesse aos desafios das cidades contemporâneas – desafios que passam pelo desenvolvimento sustentável. 

Ainda de acordo com Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) no Brasil a concepção de cidade tal como concebemos hoje, foi introduzido na Constituição Imperial de 1824 – onde perecebe-se uma mudança radical em referência ao que eram os municípios no período Colonial. Já na Constituição de 1988 um aspecto importante é o reconhecimento da população como responsável pela organização da cidade. Essa organização é autônoma por meio da Lei Orgânica Municipal (LOM). 

Se cabe a população a organização da cidade por meio do planejamento urbano é inadmissível que o Plano Diretor seja aprovado pela Câmara de Vereadores sem a realização de audiências públicas como vemos ocorrer em alguns lugares. Para Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) o Plano Diretor deve ser elaborado com a participação da Sociedade. E entre as suas funções está o de estabelecer a Função Social da Propriedade e a inclusão social. Por isso nesse processo é preciso seguir o Estatuto das Cidades. 

Ainda de acordo com nossas autoras (2012) nesse processo de planejamento urbano deve ser levado em consideração o desenvolvimento sustentável e o respeito ao código florestal, sobretudo no que se refere a ocupação e mobilidade urbana. Por que isso se faz necessário?

Sabemos que no processo de urbanização, o ser humano desenvolve ações que terão impactos no Meio Ambiente. O problema é que essas ações, que teoriacamente buscam propiciar uma melhor qualidade de vida, acaba provocando consequências catastróficas como as inundações e deslizamentos no período chuvoso – expressões entre outras coisas dos desmatamentos, das modificações nos diversos ecossistemas, da impermeabilização e da erosão do solo, da poluição e posterior canalização dos rios.

Tais consequências são frutos da visão apontada por Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) de que “a melhora na qualidade de vida da população está diretamente ligada ao desenvolvimento econômico e à transformação da natureza em bens materiais e de consumo.” Para os defensores dessa perspectiva “a urbanização implica em transformar o ambiente natural em ambiente construído; por isso, muitas vezes, a defesa do meio ambiente é vista como antidesenvolvimentista.” De acordo com essas autoras (2012) “bens são projetados e construídos, e seus resíduos são depositados no meio, com a visão de que os recursos naturais são infinitos e que a natureza é capaz de absorver quantidades ilimitadas de entulhos.”

A partir das colocações acima podemos afirmar que a falta de planejamento urbano trás enormes consequências para o meio ambiente. E isso por sua vez acaba refletindo na qualidade de vida da população. Diante disso nos cabe alguns questionamentos: existe um planejamento urbano no seu município? Esse planejamento respeita as especificidades da sua Cidade? A expansão urbana do município respeita esse planejamento? A população tem conhecimento desse palnejamento e participou da sua elaboração? Ficam essas questões para reflexão. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


quarta-feira, 25 de maio de 2022

Educação Ambiental em Lajeado: para além dos muros da Escola

O patrimônio natural do município de Lajeado é a sua grande riqueza. No entanto, a relação exploratória que estabelecemos com esses recursos não só coloca-o em risco, como também acaba voltando contra nós mesmos através das mudanças climáticas, das doenças advindas dessas mudanças e a esquecez de alimentos. 

Nesse contexto a educação ambiental é uma ferramenta importante, através dela podemos vislumbrar uma mudança de comportamento em relação ao meio ambiente. Por isso, que desde 1999 temos uma lei que institui a política nacional de educação ambiental  (lei 9.795/99) – que tem entre outros objetivos estimular os estudantes e a comunidade em geral na busca de soluções dos problemas ambientais.

Seguindo essa linha, Takemore Silva e Menezes Silva (2016) defendem a importância da inclusão da educação ambiental no currículo da educação básica. Sobretudo diante do contexto que vivemos, isto é, de avanço da crise climática – que é reflexo da ação humana. Ora, mesmo dependendo dos recursos naturais, nós agimos de forma contrária – que se dá em grande medida, segundo os autores (2016), por uma perspectiva de desenvolvimento que visa o lucro.

Quando se fala em educação ambiental no município de Lajeado o Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência (CENSP-LAJEADO) tem uma importante contribuição. O CENSP desenvolve a educação ambiental de forma sistemática e nos últimos anos numa perspectiva para além dos muros da escola, isto é, com ações que envolve e chama atenção de toda a comunidade para necessidade de valorizarmos, preservarmos e conversarmos nossos recursos naturais. Tal perspectiva parte da compreensão de que uma mudança de paradigma para um modelo sustentável de relação com o  meio ambiente só será possível com o envolvimento de toda a sociedade.

Nessa linha é importante salientar o que defende Takemori Silva e Menezes Silva (2016), sobre o fato de que a conservação deve ser ensinada em todos os lugares. Nessa afirmação temos um elemento importante. Isto é, para nossos autores, a educação ambiental  (que está presente na Lei de Diretrizes e Base da Educação como um tema transversal) deve ser desenvolvida na perspectiva da conservação e não do cuidado. Mas qual é a diferença?

A educação ambiental na perspectiva do cuidado tem como meta a limpeza simplesmente. Já na perspectiva da conservação a meta é mudar o modo de Vida. Temos assim duas perspectiva antagônicas, pois em última análise, enquanto uma está ligada a uma manutenção a outra a ponta para a ruptura. Por isso, para nossos autores (2016), a educação ambiental não pode ficar só na teoria.

Nesse sentido outro aspecto das ações desenvolvidas pelo CENSP é a valorização dos saberes populares na preservação do Meio Ambiente. Por isso, além das discussões teóricas, há uma preocupação de dá voz a pessoas da comunidade que através de suas ações são exemplos de respeito e cuidado com os nossos recursos naturais. Pessoas que compreendem a nossa dependência da natureza, mais do que isso na verdade – que somos natureza.

Entramos assim numa discussão filosófica, isto é,  estamos na natureza ou somos natureza? O Filósofo Juvenal Savian Filho (2016) desenvolve muito bem essa discussão no seu “Filosofia e filosofias – existência e sentidos”. Para esse autor ao longo da história foi se consolidando duas visões acerca da natureza: Uma que a compreende como se fosse uma máquina, isto é, algo que podemos dominar e usar em nosso proveito. Já a outra compreende como um organismo vivo, do qual nós fazemos parte. Desse modo nossa relação com a natureza seria o reflexo da forma com que a enxergamos.

Savian Filho (2016) destaca que, “hoje mais do que nunca, somos solicitados a rever nossa maneira de encarar a Natureza. Repensá-la significa repensar a nossa própria morada e o tipo de relação que estabelecemos com nossos companheiros de jornada, os minerais, as plantas e os animais não humanos”.

A educação ambiental é certamente um esforço nesse sentido. E o CENSP tem feito isso de forma contínua. Por isso é inegável a sua contribuição na mudança de paradigma em relação a visão da natureza como uma máquina, com recursos inesgotáveis que podemos usar como bem nos aprouver sem nos preocuparmos com sua preservação e conservação. 

Por Raimundo Oliveira e Pedro Ferreira Nunes - Professores da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.