sexta-feira, 15 de março de 2024

Algumas impressões do romance “O canto da carpideira”, da Lita Maria

Com o avançar dos anos acredito ser natural que aja uma evolução na literatura produzida no Tocantins, sobretudo no campo da prosa. O romance “O canto da Carpideira”, da Lita Maria é um exemplo nesse sentido. Trata-se de uma obra bem escrita na qual a sua trama narrativa consegue nos envolver, nos fazer pensar e nos emocionar. 

Lita Maria é o pseudônimo da goiana, radicada no Tocantins, Lucelita Maria Alves. E a sua vivência como filha de um trabalhador rural e de uma costureira certamente a inspirou no seu processo criativo. Como também autores como Raquel de Queiroz, Gabriel Garcia Márquez, Graciliano Ramos e João Guimarães Rosa. Membro da academia palmense de letras, Lita Maria é certamente uma das escritoras mais talentosas produzindo literatura no Tocantins. Além do “o canto da carpideira” (2014, EDUFT), ela já publicou outras obras como o livro de poemas: “Carretel de Rosas” (2012).

A obra retrata a vida sofrida de pessoas que aprendem desde muito cedo a conviver com a morte. Daí que o nome do romance faz alusão a personagem responsável por conduzir o ritual funebre com inselenças e orações – a carpideira. Um aspecto interessante em relação as mortes retratadas no romance é que não são por causas naturais ou como produto das relações conflituosas entre os indivíduos do lugar. Mas pela falta de condições básicas para uma vida digna. Tanto que as famílias quando se vê numa situação difícil em relação a assistência em saúde recorrer ao serviço das anciãs do lugar que possui o domínio de saberes populares. Essas senhoras dão assistência mesmo quando as famílias não possuem condições. Como no caso da família da pequena Dora que se vê órfão aos 6 anos de idade.

Temos consciência de que o sertão retratado na obra já não é o mesmo de hoje. Ainda que muitas famílias, mesmo nas grandes cidades, continuam sem ter acesso á condições de vida digna. Mas é importante para compreendermos nossas origens e ter uma ideia maior do que aqueles que denominavam esse território (o antigo norte goiano) de corredor da miséria.

É interessante como a partir das figuras femininas que aparecem no romance, além da carpideira também a raizeira e parteira. Analisarmos o lugar que as mulheres ocupa  nas comunidades tradicionais – como detentoras do conhecimento científico, digamos assim. Enquanto o papel dos homens é o serviço braçal por meio do qual alimentam a família. 

Já do ponto de vista da escrita, a autora consegue elaborar uma trama envolvente em que ela vai tecendo as estórias transformando monotonia em dinamicidade. Afinal de contas como ela diz estamos num lugar “onde tudo é igual, sem ser rotina.” Há algumas repetições desnecessárias. Mas nada que prejudique a leitura e a qualidade do romance. Talvez tenha sido intencional no sentido de evidenciar o que queria passar. Percebemos que há uma preocupação da autoria em descrever detalhadamente o cenário. E conseguiu de maneira competente.

O que a autora consegue também é nos sensibilizar diante de tantas tragédias que poderiam ser evitadas. Na sua apresentação da obra a Professora Rose Bodnar salienta a influência de autores como Gabriel Garcia Márquez e Graciliano Ramos. Concordo totalmente. Mas também acrescentaria Raquel de Queiroz, sobretudo no romance O quinze.

É importante destacar que do ponto de vista estilístico a obra não traz nenhuma novidade. Quanto a temática também não. No entanto isso não diminui de forma alguma a obra, sobretudo em relação ao conteúdo – esse sim é original.

Abro um parentese para dizer que cheguei a esse livro a partir de uma conversa com um estudante do Ensino Médio de uma turma que eu ministrava aula. Ele ia fazer o vestibular da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e não sabia qual seria a obra regional que iria cair na prova. Demos uma olhada no edital e descobrimos que seria “O canto da carpideira”, da Lita Maria. A autora não me era estranha, mas a obra nunca havia lido. Me comprometi então com o estudante que iria trabalhar o livro numa aula,  para tanto eu tinha que ler. E assim fiz.

Gostei tanto da obra, tanto do ponto de vista literário como das questões filosóficas e sociológicas que ela sucinta, que escolhi para trabalhar num projeto de filosofia e literatura. E não poderia deixar de recomendar a leitura para o público em geral. Aqueles que se interessarem podem encontra-la numa versão digital (em pdf) pesquisando no Google. Já os que assim como eu prefere o papel, pode adquirir junto a editora da Universidade Federal do Tocantins.

Pedro Ferreira Nunes – Graduado em Filosofia com especialização em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor na Rede Estadual de Educação do Tocantins.

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