sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Sobre “A sociedade do espetáculo”, de Guy Debord.

“E então? Vencemos o crime? 
Já ninguém mais nos oprime, 
pastores, pais, leis e algoz?
Belchior

Em “A essência do cristianismo” Feurbach afirma que a sociedade da sua época preferia “a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser...”. É a partir dessa frase que o filósofo francês Guy Debord inicia a sua obra clássica – “ A sociedade do espetáculo” – publicado em Paris no ano de 1967. Para Debord (1997, p. 13) “toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições  de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos”. Com isso “tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação”.

Debord define a sociedade contemporânea como a sociedade do espetáculo – Uma sociedade subordinada pelos interesses econômicos que mantém o seu domínio através da alienação. A medida que a economia cresce, cresce também o grau de alienação dos indivíduos. O filósofo enfatiza que na sociedade do espetáculo não temos cidadãos mas sim espectadores que cada vez menos compreende a própria existência e seus próprios desejos. Acerca do espetáculo, Debord afirma que  na medida que a realidade surge do espetáculo o espetáculo se torna real. Ele (o espetáculo) não deseja chegar a nada que não seja ele mesmo e assim se torna a principal produção da sociedade atual.

Lançado no contexto da Guerra fria, Debord não poupa críticas nem ao chamado mundo capitalista e nem ao comunista – tanto a burocracia soviética como a democracia liberal Norte-americana são alvos das suas críticas contundentes. Para o filósofo ambas estão no contexto do espetáculo – onde o capital chegou em tal grau de acumulação que se tornou imagem. Como diria uma canção da banda Tribo de Jah – “é o poder do dinheiro regendo o mundo inteiro”. E como consequência – ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Para superar essa condição só através de um processo emancipatório construido por sujeitos autônomos de fato. 

É a partir do maio de 1968 – um movimento politico que reverberou muito das críticas feita a sociedade por Debord – que a obra torna-se bastante conhecida. E a partir de então se torna uma referência indispensável para compreensão da sociedade contemporânea – mesmo com o passar dos anos não perde sua atualidade. Pois para o filósofo é fruto de uma teoria crítica feita a partir de um contexto histórico que ainda não foi superado.  De modo que enquanto esse contexto histórico não for superado, a teoria permanecerá relevante.

A obra é dividida em 9 capítulos: 1- a separação consumada; 2- A mercadoria como espetáculo; 3- Unidade e divisão na aparência; 4- O proletariado como sujeito e como representação; 5- Tempo e história; 6- O tempo espetacular; 7- O planejamento do espaço; 8- A negação e o consumo na cultura; e 9- A ideologia materializada. Capitulos escritos quase como aforismos – o que pode dar a ideia de que o texto é de fácil assimilação. Mas não se engane.  O texto exige do leitor um certo tempo de meditação em alguns pontos para melhor digestão do que o filósofo está querendo dizer. 

Debord utiliza conceitos filosóficos de diferentes filósofos para desenvolver a sua tese. Entre esses filósofos destaca-se Karl Marx. Percebe-se uma forte influência de Marx, sobretudo na utilização de vários conceitos desse autor como alienação, luta de classes, proletários,  capital, burguesia entre outros. No entanto Debord não deixa de critica-ló, apontando seus limites, sobretudo por que segundo nosso filósofo a crítica de Marx permanece  nos marcos da sociedade burguesa ao se propor científica. 

Ainda que não se concorde com a crítica de Debord a sociedade contemporânea – que segundo ele transforma tudo em espetáculo, aliena os indivíduos e impõem a ditadura do mercado. Ou com sua crítica a Marx e alguns marxistas. Ou ainda com sua tese de necessidade de superação do modelo atual de sociedade. Não se pode deixar de reconhecer a importância dessa obra que nos leva a refletir sobre todos esses pontos. Sobretudo num momento em que a crítica tem perdido importância ao ser reduzida a uma esfera meramente especulativa, como diria Marcuse.

Diante disso, se faz necessário resgatar o sentido da crítica sobretudo numa perspectiva emancipatória contrapondo-se assim ao discurso dominante. E Debord faz isso muito bem. Por isso enfatizamos a importância da leitura desse livro que nos ajuda a entender a sociedade atual bem como a pensar alternativas ao modelo hegemônico – que apesar de algumas mudanças é o mesmo de quando Debord escreveu essas reflexões. Pois afinal de contas, fazendo um paralelo com o que diz Belchior na canção “os profissionais”, não vencemos o crime e nem deixamos de ser oprimidos pela igreja, pela família e pelo Estado.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Comentários a respeito das eleições municipais de 2020 em Palmas

1- As eleições em Palmas tem uma dinâmica totalmente diferente das eleições na maioria dos municípios tocantinenses. Sobretudo no que diz respeito ao peso da máquina pública. Com um setor econômico mais diversificado e por conseguinte uma classe trabalhadora que não depende exclusivamente do serviço público é possível candidaturas alternativas conseguirem surpreender os grupos no poder. Foi assim com Raul Filho em 2004 e com Carlos Amastha em 2012;

2- É importante dizer que esse não é um fenômeno só de Palmas, mas se você for analisar a nível de Brasil verá vários exemplos de candidatos que saíram vitoriosos  (ou que levaram a disputa para um segundo turno) em disputas com candidatos de grupos mais tradicionais. Só para apontar alguns exemplos destacaria a vitória de Pedro Wilson (PT) em Goiânia no ano 2000, a vitória de Micarla de Sousa (PV) em Natal no ano de 2008, a vitória de Clécio  (então no PSOL) em Macapá no ano de 2012 e Marcelo Freixo (PSOL) que levou a disputa para o segundo turno no Rio de Janeiro em 2016. Antes de todos esses, não podemos esquecer a vitória da Luiza Erundina (então no PT) na capital paulista em 1989.

3- O fato é que a dinâmica política das capitais é mais propícia á movimentos de mudanças. Tanto pelo aspecto econômico que já ressaltei, mas também pelo aspecto cultural mais diversificado – Movimentos Sociais, Campus Universitários, Cinemas, Teatros e Centros culturais são espaços importantes que fazem ferver a vida politico-cultural nessas cidades.

4- Palmas é uma capital jovem que ainda está bastante distante de atingir o patamar de desenvolvimento das grandes cidades do país. Mas a sua dinâmica já é de cidade grande (ainda mais para os padrões tocantinenses) com seus pontos  positivos e negativos – um dos pontos positivos é uma postura política mais independente e como consequência mais questionadora em relação ao governo. Já no campo negativo, é que nem sempre essa independência é utilizada com sabedoria na hora de eleger seus representantes – e assim se tem mais do mesmo.

5- A partir das movimentações no taboleiro político da capital tocantinense podemos vislumbrar pelo menos 5 pré-candidaturas (ao cargo de prefeito/prefeita) competitivas. Se chegaram em outubro com chance de serem eleitos/eleita dependerá da capacidade de articulação, das alianças que formaram e do projeto que apresentaram ao eleitorado;

6- Essas cinco pré-candidaturas são: Cinthia Ribeiro (PSDB), Wanderlei Barbosa (PP), Tiago Andrino (PSB), Alan Barbiero (PODE) e Raul Filho (Sem Partido).

7- Por enquanto nenhum desses pré-candidatos consegue se sobrepor aos demais. Nem a atual ocupante do cargo – Cinthia Ribeiro – que tenta a reeleição – e muito menos o vice-governador – Wanderlei Barbosa – com o apoio do Palácio Araguaia. E se com estruturas administrativas na mão Cinthia e Wanderlei não estão tendo vida fácil, imagine para Tiago Andrino que vê seu partido esvaziar dia após dia, para Alan Barbiero que acaba de trocar de legenda (uma legenda num espectro político diferente), e para o Raul Filho que nem partido tem.

8- Raul tem um legado de dois mandatos a frente da prefeitura de Palmas. O que faz com que o seu nome seja sempre lembrado. Inclusive a ponto de partidos tradicionais como o MDB lhe oferecer a legenda para que participe do pleito. Num cenário com várias candidaturas competitivas ele precisa definir uma legenda o quanto antes e buscar alianças se quiser vislumbrar uma vitória;

9- Definir um partido para colocar em prática o projeto da candidatura á prefeito foi o que fez Alan Barbiero. Por isso ele já deu um passo a mais. Contando com o total respaldo do presidente da legenda a nível estadual (Ronaldo Dimas) terá autonomia para construir sua candidatura. Para tanto precisará além de reativar o PODEMOS na capital, atrair POVO para o partido e não apenas intelectuais do meio académico.

10- Tiago Andrino não pode depender apenas da força do ex-prefeito Amastha como puxador de votos. Se quiser ser competitivo e a partir daí vislumbrar a vitória precisará reverter as perdas de quadro que o PSB vem sofrendo, articular alianças estratégicas sobretudo com o PT e PC do B, sair da sombra do Amastha, abandonar o ressentimento contra a prefeita Cinthia e ser mais propositivo;

11- Wanderlei Barbosa tem apostado na tática de vincular a sua candidatura ao Governo Carlesse – acreditando na força e popularidade deste. Inegavelmente Carlesse mostra uma força (conseguindo aprovar quase que por unanimidade vários projetos) que seus antecessores não tiveram. O problema é que esses projetos não são nem um pouco populares. De modo que ele pode está se equivocando ao acreditar numa popularidade que o governo do qual faz parte não possuí. Além disso, sabemos que historicamente não é vantajoso ser o candidato do governo estadual nas eleições municipais em Palmas. Barbosa precisa, portanto, para ser eleito, mais do que essa tática;

12- Cinthia Ribeiro deve decidir o quanto antes se é vantajoso permanecer num partido onde importantes lideranças regionais simplesmente não lhe apoia. Ainda que a direção nacional do PSDB banque a sua candidatura, não serão eles que viram fazer a sua campanha – essa deve ser tocada sobretudo pelos líderes regionais. De modo que ela tem que avaliar bem o que ganha ficando no PSDB que a nível nacional está respirando através de aparelhos e regionalmente não é diferente. Ter um partido que mais atrapalha do que ajuda não é bom para ninguém. De modo que a prefeita e seus conselheiros já deveriam há um bom tempo ter resolvido essa questão;

13- Três dessas cinco pré-candidaturas (Cinthia, Andrino e Barbiero) estavam no grupo político que  reelegeu Carlos Amastha (PSB) em 2016. E duas delas reivindicam o legado daquela gestão (Andrino e Barbiero). Além disso se somarmos a pré-candidatura do PC do B (Germana) perceberemos o quanto àquele grupo se fragmentou;

14- Essa fragmentação poderá favorecer uma candidatura alternativa que não esteja colada (ou que já esteve) com o grupo politico que chegou ao poder municipal em 2012. No caso o vice-governador Wanderlei Barbosa, o ex-prefeito Raul Filho ou até mesmo um dos muitos pré-candidatos que conseguirem viabilizar a candidatura. Já as candidaturas que tiveram na aliança que reelegeu o ex-prefeito Carlos Amastha teram que buscar o voto do eleitorado que não votou nesse grupo em 2016;

15- Uma marca desse período de pré-campanha eleitoral em Palmas é o ressentimento como o elemento principal do debate político entre os pré-candidatos e seus grupos políticos. O ressentimento está presente no discurso do Amastha e do Andrino contra a prefeita Cinthia Ribeiro, por, segundo eles, ela ter virado as costas para o grupo político que colocou-a no poder. O ressentimento também está presente no discurso do ex-senador Ataides Oliveira, que acusa a gestora de infidelidade partidária nas eleições de 2018;

16- O problema do ressentimento é que, de acordo com Maria Rital Kehl, trata-se de algo que é o avesso da política. O ressentido sempre apela para um discurso moral, buscando fazer crer que o problema  sempre está no outro e que ele (ressentido) é sempre o dono da razão. Nesse contexto a tendência é que os ataques pessoais se sobrepõem a discussão acerca da cidade e seus problemas. Na ótica do ressentimento a política é transformada não num instrumento que visa a busca do bem comum, mas num instrumento de perpetuação de regalias e privilégios a uma elite abastada.

17- Há exceções. E uma bela exceção foi o exemplo do Alan Barbiero ao deixar o PSB. Ele tinha tudo para sair cuspindo ressentimento contra Amastha e companhia – que o preteriram na disputa pela indicação a candidatura a prefeitura da capital. Mas ele demonstrou ter grandeza política ao demostrar que possíveis mágoas pessoas são tratadas em âmbito privado. Já na esfera pública discute-se  problemas do âmbito público;

18- Ao enfatizar nossos comentários nas cinco pré-candidaturas abordadas acima não estamos dizendo que só existem essas. Mas na nossa visão são as principais – as que tem condições de crescimento e por tanto de competitividade. Além dessas cinco terão outras? Provavelmente, sobretudo de partidos com perfil ideológico como o PSOL. Já outros pré-candidatos estão no campo da velha prática de vender o passe mais caro no momento de fechar uma aliança com um partido maior;

19- Ao falar em PSOL o partido acertou na indicação de ter candidatura própria nas eleições. Sabemos bem que não será  (se vier a se concretizar) uma candidatura para ganhar mas para fazer agitação e formação política. Sendo bem trabalhada ao final pode ter um bom saldo organizativo e até  (com o fim das coligações proporcionais) conquistar uma cadeira no parlamento municipal;

20- A declaração do presidente do PSB (Carlos Amastha) de que o PSOL não faz parte dos seus planos na construção das alianças (por se tratar de uma legenda radical) que sustentaram a candidatura de Andrino, não deve ser lamentada pela militância psolista, mas comemorada. Melhor ainda será se o Amastha conseguir levar o PT e o PC do B evitando que o PSOL se coligue com esses.

21- Numa chapa puro sangue o PSOL então poderá apresentar um projeto popular – com a defesa de radicalização da democracia. Nesse projeto não cabe o slogan apresentado no lançamento da pré-candidatura do Professor Bazolli – “Palmas: retomada da cidadania”. Ora, não é possível retomar o que nunca existiu. Nunca existiu um projeto de cidadania digno desse nome na capital, por tanto não tem como retoma-ló. Com esse slongan  parece estar se reivindicando uma gestão anterior. Se for isso qual gestão? A Gestão Raul Filho? A Gestão Amastha? Espero que não, mas se for o caso elas já terão seus representantes oficiais. Além disso estamos num momento de radicalizar pela esquerda e não de moderação. 

22- Em meados de 2019 escrevi um texto sobre as movimentações político-partidárias no Tocantins com vistas as eleições municipais de 2020. Nesse texto chamei atenção para um possível protagonismo dos partidos tradicionais, em especial, o DEM e o MDB. Isso agora parece mais evidente;

23- Em Palmas, quando analisamos o cenário, vemos que os principais pré-candidatos são de siglas tradicionais – PSDB, PP, PSB e PODE. Além disso o MDB tenta atrair o ex-prefeito Raul Filho. Já o DEM mesmo não tendo um candidato na cabeça de chapa, terá um papel protagonista – tendo o apoio disputado pelo PSDB e pelo PP a tendência é que fique dividido; 

24- A ala ligada ao governador Mauro Carlesse e ao deputado Guaguim tendem a apoiar a candidatura do Wanderlei Barbosa (PP). Já a ala ligada a deputada Dorinha Seabra vai de Cinthia Ribeiro (PSDB). Ainda que optem oficialmente por uma das duas é evidente que na prática não é o que acontecerá. E isso não vale apenas para o DEM e para as eleições em Palmas.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Como ser um escritor de sucesso ou para dizer que não escrevi auto-ajuda.

Minha mãe, Maria Lúcia sempre que vinha dá um conselho para algum dos meus irmãos começava a conversa com a seguinte frase: - “Dizem que se conselho fosse bom, ninguém dava. Vendia”.  E então ela dizia – “mas vou dar mesmo assim”. Confesso que nunca gostei dessa frase e hoje menos ainda, sobretudo por que discordo de que as coisas boas são aquelas que são vendidas. 

O que minha mãe não sabia era a capacidade do capitalismo de transformar tudo em mercadoria, inclusive os conselhos. Sim, Maria Lúcia, conselhos se vende sim – na forma do que conhecemos como literatura de auto-ajuda. Afinal de contas o que não é a auto-ajuda se não conselhos escritos como uma fórmula matemática para se conseguir algo almejado. Geralmente – o sucesso.

E não faltam escritores que se dedicam a isso – a lhe dizer – Como ser bem sucedido na vida profissional; Como encontrar a felicidade; Como ter um bom casamento; Como ter um bom relacionamento amoroso; Como ter uma vida saudável; Como ganhar dinheiro; Como isso, como aquilo, como aquilo outro. Eu também vou entrar nesse jogo e lhe dizer como fazer para ser um escritor de sucesso (apesar deu não sê-lo), a partir de dez conselhos infalíveis. 

1- Conselhos para se alcançar o sucesso: 

Como temos uma gama de pessoas medíocres incapazes de guiar a si mesmas. Não lhe faltará leitores ávidos por encontrar a fórmula que mudará suas vidas. Mau sabe o miserável que essa fórmula não existe. Mas isso não ti interessa, o que lhe interessa é que comprem o seu livro;

2- Seja polêmico: 

Trabalhe uma temática que desperte as paixões das pessoas. Ataque alguma referência, questione uma verdade estabelecida – claro sem se aprofundar, sem fundamentar ou fazer uma grande argumentação lógica. Os leitores, mas sobretudo a mídia adora polêmicas vazias. Você terá bastante visibilidade e ter muita visibilidade significa vender muitos livros;

3- Palavrões e xingamentos: 

Não me venha com conceitos filosóficos ou coisas do gênero. O que a maioria dos leitores adoram é xingamentos e palavrões do tipo: Foda-se, Idiota, toupeira e por ai vai. Quanto mais você conseguir baixar o nível, melhor – tipo um Lobão, um Reinaldo Azevedo, um Rodrigo Constantino, um Luiz Felipe Pondé, ou pior, um Olavo de Carvalho;

4- Críticas e elogios: 

É importante que teu texto tenha críticas e elogios. Mas é claro, é preciso saber bem quem você critica e quem você elogia. Pois isso pode abrir ou fechar as portas para ti. E se nós estamos falando de conselhos para alcançar o sucesso devemos elogiar aqueles que conseguiram isso. E a sua crítica deve se voltar contra aqueles que tentam desconstruir narrativas nesse sentido, por exemplo, os famigerados marxistas;

5- Estilo: 

É mais fácil fazer sucesso cantando música sertaneja do que cantando Rock. É mais fácil fazer sucesso cantando funk do que MPB. É mais fácil fazer sucesso escrevendo futilidades, puxando o saco das elites e literatura de auto-ajuda para pessoas mediocres do que uma literatura digna de se tornar um clássico. Por tanto não me venha com coisas demasiadamente intelectual, em especial, poesia e filosofia; 

6- A onda da vez: 

É a moda fitness? Youtuberes? Teologia da prosperidade? Futebol? Não importa. Embarque nela. Se é isso que as pessoas estão lendo, se é isso que as pessoas estão consumindo. Então é sobre isso que você tem que escrever. Não importa que daqui algumas semanas ninguém mais importe com isso. O importante é que você vendeu e ganhou muito dinheiro;

7- Como: 

Independente do que você escreva, o título do livro deve necessariamente começar com essa palavra mágica. Um exemplo é o título desse artigo (como ser um escritor de sucesso). Como já escrevi, as pessoas vivem a procura de uma fórmula para resolver seus problemas sem o impecilho de terem que buscar soluções por conta própria. E quando você faz um livro com o título: Como fazer para.... ou Como ser... Esses leitores são facilmente fisgados;

8- Exemplos: 

Nada melhor do que pessoas que conquistaram o sucesso para dizer como chegar lá. Por tanto utilize o exemplo dessas pessoas para convencer o seu leitor de que aquilo que você está falando é possível. Se fulano de tal conseguiu, por que você não conseguirá?  É disso que você tem que convencer o seu leitor. Ainda que sabemos bem, Como diz a filósofa estadunidense Agnes Callard, os conselhos dos “vencedores” não nos serve para nada, pois cada um tem o seu próprio caminho, e a forma de trilha-lo diz respeito a cada um somente;

9- O caminho mais curto: 

As pessoas querem ser bem sucedidas, mas sem ter que fazer muito esforço. Elas querem o caminho mais curto para conseguirem o que almejam. Por tanto lhes dê o que elas querem. Lhes dê tudo bem mastigadinho, um passo a passo de como muitos conseguiram e que concerteza ela conseguirá. Ainda que sabemos bem que não é assim que as coisas funcionam, que não existem milagres. Mas...;

10- Defender os valores do capitalismo:  

Escreva que a responsabilidade do fracasso ou do sucesso é sempre do indivíduo. Nada dele se apoiar em vitimismos, em discursos contra o sistema, em falta de condições iguais de oportunidade e por ai vai.  Não esqueça também de defender a liberdade individual, a competição de todos contra todos, e o empreendorismo como solução para os problemas. Ficar reclamando de tudo e de todos é coisa de fracassado. Em vez disso alie-se a eles e a mão invisível do mercado vos guiará para a glória.

Bem camaradas, seguindo esses conselhos você não só se tornará um escritor de sucesso com milhares de livros vendidos e traduzidos para outros idiomas, como também poderá se tornar o guru de alguma autoridade famosa ou ministro de algum governo. Não vale a pena tentar?! Você nada tem a perder a não ser a dignidade. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Um poema pessimista ou Como diria Schopenhauer

Pessimista

Nada que esteja ruim
que não possa piorar.
Não há Deus que nos acuda
não adianta rezar.

Nada que esteja ruim
que não possa piorar.
Encher a cara de cachaça
Não irá ti ajudar.

Nada que esteja ruim
que não possa piorar.
Não adianta se esconder
Eles irão ti achar.

Nada que esteja ruim
que não possa piorar.
Com esse bando de fascista
não tem como conversar.

Nada que esteja ruim
que não possa piorar.
Não se iluda camarada
o pior ainda virá.

Pedro Ferreira Nunes
Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO. Lua Cheia, Inverno de 2019.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Lajeado: Análise do resultado da eleição suplementar e perspectiva para 2020.

No último texto que escrevi sobre a conjuntura política em Lajeado, onde pontuei que dificilmente o resultado da eleição suplementar seria outro se não a vitória de Júnior Bandeira e José Edival  (PSB/MDB). Concluía chamando atenção para o quanto esse resultado afetaria as eleições regulares em outubro de 2020. Agora concluído o pleito suplementar podemos refletir melhor sobre esse ponto e a partir dos números revelados pelas urnas projetar alguns cenários possíveis. Eis portanto o que pretendemos fazer nas linhas a seguir.

A afirmação de que dificilmente Júnior Bandeira e José Edival não seriam eleitos na eleição suplementar não foi fruto de um exercício de adivinhação ou previsão astrológica. Mas de uma análise da realidade lajeadense onde se percebia claramente um descontentamento da população com a gestão Tércio Neto marcada pela falta de planejamento e retrocessos em diversas áreas, sobretudo, a educacional, cultural, assistência social, infraestrutura e segurança. 

Somado a isso, Júnior Bandeira e José Edival tiveram maior capacidade em fazer alianças e atrair apoios. Já Tércio sem a máquina pública na mão, não conseguiu manter seu grupo político coeso e viu vários aliados rumar para apoiar seu principal adversário. Restou portanto aos poucos que permaneceram fiéis ao prefeito cassado (com sua desistência de disputar a eleição suplementar) apoiar Toninho da Brilho (PSL) – uma figura oportunista que caiu de paraquedas na política lajeadense pretendendo surfar na onda bolsonarista – tendo no currículo a passagem por diferentes partidos e já tendo sido candidato outras vezes em diferentes municípios.

Durante a campanha percebia-se por parte da população um forte anseio por mudanças. E nesse pleito quem representava a mudança era a dupla Júnior Bandeira e José Edival – ainda que uma mudança para algo que a população já conhece pois afinal de contas Júnior Bandeira esteve por 8 anos (2000 á 2008) á frente da prefeitura municipal de Lajeado. Diante disso pode-se afirmar que a população preferiu apostar em alguém já conhecido do que se arriscar numa incognita. Se essa decisão foi acertada ou não a população terá já em outubro de 2020 a oportunidade de retifica-la.

Vitória de Júnior Bandeira e José Edival

Diante de todo o contexto (ressaltado acima) que se deu a eleição suplementar era bastante previsível que a vitória seria da coligação encabeçada por Júnior Bandeira e José Edival. Inclusive, era previsível que seria por uma margem de diferença significativa. Ainda mais com a desistência do então candidato Tércio Neto (PSD). E isso se confirmou quando as urnas foram abertas e se revelou que Júnior Bandeira e José Edival conquistaram 77,08% (1.779 votos) do eleitorado que compareceu para votar. Para se ter uma idéia do tamanho dessa vitória, se somassemos os votos obtidos por Toninho da Brilho (PSL) 396, mais os brancos 42, os nulos 91 e as abstenções 732, chegaríamos a 1.261. E  mesmo assim não se alcançaria o número de votos obtidos por Bandeira e Edival. Trata-se por tanto de uma vitória inquestionável com a maioria absoluta do eleitorado lajeadense.

Pode ter sido maior

Talvez esse número de abstenção (732) não seja real. É em grande medida reflexo de uma prática condenável que é a transferência de títulos de eleitores de pessoas de outros municípios para votar num determinado candidato de um determinado município. A operação “Colheita” da Polícia Federal revelou que isso ocorreu nas eleições de 2016 em Lajeado. Isso ficou tão evidente que o número de eleitores era maior que o número de habitantes segundo o IBGE. Essa distorção ao que parece não foi corrigida. De modo que o número real de eleitores em Lajeado está mais próximo dos 2.308 que compareceram na eleição suplementar do que dos 3.040 registrados no TRE. O que também pode ter contribuido para esse número expressivo de abstenções foi o fato de não ter havido uma disputa mais acirrada entre os candidatos – havia um sentimento de que a eleição já estava decida a favor do Júnior Bandeira e José Edival e portanto um voto a menos ou a mais não adiantaria. Há também aqueles que estão descrentes com a política e preferem se manter alheios a esses processos. Mas de qualquer forma se as abstenções tivesse sido menor, assim como os votos nulos e brancos, o resultado final não seria diferente. De modo que esses fatores mostram que a vitória do Junior Bandeira e do José Edival foi muito maior do que mostra os números revelados pelas urnas.

Isso não significa que Júnior Bandeira e José Edival sejam imbatíveis

De forma alguma. Em política não existe esse negócio de imbatível. Até por que esses números poderiam ser muito diferente se a oposição tivesse sido um pouco mais inteligente e apostado num nome mais expressivo – conhecido da população e com uma história mais ligada á Lajeado. Ao invés disso, com a desistência do ex-prefeito Tércio Neto, acabaram apostando numa figura inespressivel na política lajeadense, que ainda assim conseguiu quase 400 votos. Com um nome mais competitivo, com uma história em Lajeado, poderiam ter obtido uma votação mais expressiva. Mas nem tudo está perdido, esses 396 votos são poucos, mas é uma base a partir da qual se pode partir para consolidar um grupo oposicionista – um grupo com capacidade de atrair mais gente e fazer frente ao grupo no poder. É importante salientar que em outubro estarão em disputa,  além do cargo de prefeito e vice, as noves vagas na Câmara de Vereadores. De modo que a oposição precisará de uma chapa majoritária competitiva se quiser, se não vencer o pleito, pelo menos eleger um número considerável de Vereadores. Se repetir o mesmo desempenho da eleição suplementar o resultado na eleição de Veradores será decepcionante.

Construção de uma candidatura oposicionista forte

A oposição se quiser fazer frente ao atual grupo político no poder terá a missão de se unificar em torno de uma única candidatura. Pois quanto mais dividida for, em duas ou mais candidaturas, mais fragmentará seus votos e menos chance terá de sair com a vitória. Essa candidatura pode ser do próprio Toninho da Brilho (PSL) que apesar da derrota na eleição suplementar conseguiu se apresentar para população lajeadense e por tanto já não é um completo desconhecido. Ou então do ex-prefeito Tércio Neto (PSD) que ao desistir da disputa na eleição suplementar apontou para intenção de participar das eleições de outubro de 2020. Ou teriam outro nome com capacidade maior de se apresentar a população lajeadense e crescer como alternativa junto ao eleitorado? Quem sabe da Leidiane Mota (PSD) que por enquanto é a única da oposição que está ocupando uma cadeira na Câmara de Veradores?! Independente do nome que será escolhido, o principal desafio da oposição será construir uma única candidatura alternativa com capacidade de atrair os dissidentes do grupo no poder, que poderão surgir a medida que seus interesses forem sendo contrariados, e se apresentar como uma alternativa real ao eleitorado.

O desafio da situação

Ao contrário da oposição,  os nomes para disputa de prefeito e vice-prefeito pela situação estão praticamente definidos (Júnior Bandeira (PSB) e José Edival (MDB) – prefeito e vice respectivamente) sobretudo após a vitória na eleição suplementar. Agora o que lhes restam é  fazer uma boa gestão nesses meses que antecedem ao pleito eleitoral – serão 9 meses e alguns dias em que não se poderá errar. Precisaram também manter as alianças construídas na eleição suplementar – o apoio de 8 dos noves vereadores atuais e de lideranças políticas como Márcia Reis, Leônidas Correia entre outros. E isso não será fácil, pois quando se faz um leque muito grande de alianças, sobretudo em torno de projetos pessoais, a tendência de haver rupturas não são poucas. E a história politica de Lajeado está cheia desses exemplos – de pessoas que estavam num determinado lado e de repente mudaram. Júnior Bandeira e José Edival conseguiram unir diferentes figuras que estavam em campos opostos num mesmo palanque. Mas a pergunta que fica é: conseguiram manter essa união? Isso dependerá de três elementos: Primeiro, atender os acordos firmados; Segundo, fazer uma boa gestão; Terceiro, manter a oposição desarticulada – garantir os acordos firmados mantém um ambiente favorável para uma boa gestão e também evita o fortalecimento da oposição. Se os acordos não são mantidos quem ganha é a oposição e o ambiente para governar passa a não ser tão favorável assim. Tércio Neto durante o seu governo deu uma aula de incompetência nesse sentido – e o maior exemplo foi sua relação conflituosa com o legislativo municipal.  Já Júnior Bandeira é um político mais experimentado e sabe o quanto foi difícil retornar a prefeitura de Lajeado devido aos erros que cometeu nas suas gestões anteriores. E repetir esses erros novamente será fatal para suas pretensões políticas futuras.

A disputa pelas 9 vagas na Câmara de Vereadores

Dependendo de como a oposição, mas sobretudo a situação conseguir enfrentar os seus desafios, a disputa mais acirrada em outubro de 2020 será pelas 9 cadeiras no legislativo lajeadense. Os que lá já estão buscarão serem reconduzidos para mais quatro anos. Alguns que lá já estiveram tentaram voltar. E outros tantos tentarão ser eleitos pela primeira vez. De modo que será muito candidato para pouca cadeira, o que fará com que aja uma grande disputa entre esses. Nessa disputa as famílias tradicionais saem na frente e em seguida vem aqueles que tem capacidade econômica para investir na candidatura (empresários sobretudo). Com isso o espaço para renovação fica bastante reduzido – ainda que aja um descontentamento com o atual parlamento,  assim como havia com o anterior. No final das contas a população acaba pendendo para nomes tradicionais da política lajeadense ou apadrinhados políticos desses. Óbvio, nunca é tarde para quebrar esse ciclo. Nos resta portanto esperar para ver se surgiram candidaturas com essa capacidade de fazê-lo.

Apoio de líderes estaduais

Eis ai outro fator que poderá contribuir para uma polarização maior nas eleições municipais em Lajeado. Esse apoio é estratégico sobretudo para quem pretende ser candidato em 2022 á governador, senador e deputado federal ou estadual. Para esses é importante ter um grupo forte como base de apoio para conseguirem o maior número de votos possível. E geralmente o grupo mais forte é quem está com a prefeitura na mão e tem a maioria das cadeiras no parlamento municipal. Já para os grupos locais o apoio dos lideres estaduais injeta um animo maior em suas campanhas. De modo que é vantagem tanto para os grupos locais como para os lideres estaduais. E sendo importante para ambos, esses apoios com certeza virão. E a magnitude desses apoios dependeram das articulações que seram feitas.

Conclusão

Lajeado passa a ter na sua curta história uma eleição suplementar – o que não é motivo de orgulho, pois uma eleição suplementar significa que o jogo democrático no município não ocorreu como deveria – houve desvios, corrupção de agentes públicos que levou a cassação e a inelegibilidade desses. Isso é por tanto uma mancha na história politica do município. Mas que pode contribuir para que o que ocorreu não venha ocorrer novamente pois quem está no poder pensará duas vezes antes de cometer algum ilícito que pode levar a sua cassação. O TRE, apesar da demora, tem demonstrado uma tendência mais rigorosa em punir quem utiliza a máquina pública para se manter no poder a qualquer custo.

Com a eleição suplementar a população teve a oportunidade de ir as urnas para definir quem administrará o munícipio até o final de 2020. E a maioria absoluta do eleitorado lajeadense optou por votar numa figura conhecida da política local – o advogado Júnior Bandeira que comandou a cidade entre 2000 e 2008. A não ser que aconteça algum imprevisto, Bandeira será o candidato natural á reeleição em outubro de 2020, para um mandato de quatro anos. Já a oposição terá a difícil tarefa de catar os cacos que sobraram e se reconstruir para apresentar uma candidatura alternativa ao candidato da situação.

Para o bom andamento do jogo democrático esperamos que aja sim uma oposição em Lajeado, não só nas disputas eleitorais mais no dia a dia fiscalizando e apontando os limites da situação. Ter uma oposição é importante para baixar a bola do grupo no poder – que tende a se acomodar se não for cobrado. Óbvio, essa cobrança deve partir de toda a população. Mas a oposição tem a missão de liderar esse processo. Por tanto é importante para cidade ter uma oposição, não uma oposição qualquer, mas uma oposição programática que aponte para possibilidade de um novo modelo de sociedade baseado no bem comum – essa oposição com certeza não será representada por Tércio Neto, Toninho da Brilho, Leidiane, Adão Tavares ou Manoel das Neves.

Em outubro de 2020 os lajeadenses também irão escolher seus novos representantes no parlamento municipal, podendo também optar por manter os que lá já estão – que buscarem a reeleição. E essa será provavelmente a disputa mais acirrada nesse pleito eleitoral (não faltaram candidatos querendo usufruir da “vida boa de parlamentar” – muitas benesses e pouco trabalho). Alguns como os vereadores Emival Parente e Edilson Mascarenhas já estão lá há vários mandatos. Outros as mudanças é só nos nomes, já os sobrenomes parecem ter cadeira vitalícia que vai passando de geração em geração. É importante haver renovação para que não aja acomodação do parlamento. Se essa renovação ocorrerá ou não dependerá da população.

Sim, a população. Não poderíamos concluir de outra forma se não falando da importância da população para definição do rumo que Lajeado irá tomar – o rumo de uma cidade que desenvolve seus potenciais para dar condições digna de vida para todas e todos que aqui vivem – protegendo seu patrimônio natural e promovendo justiça social? Ou uma cidade que aprofunda as desigualdades privilegiando uma minoria abastada? No “discurso sobre a origem da desigualdade” o filósofo Jean-Jacques Rousseau diz que “os cidadãos só se deixam oprimir na medida em que são arrastados por uma cega ambição”, o que faz com que abram mão de suas liberdades. Se não agissem assim nem o político mais hábil conseguiria sujeita-los. Diante disso podemos dizer que o rumo que Lajeado seguirá,  dependerá da postura dos seus cidadãos – se será a postura de indivíduos que não abre mão da sua liberdade ou de indivíduos submissos.

Por Pedro Ferreira Nunes –  Educador e Escritor Popular. Cursou a faculdade de Serviço Social e Licenciou-se em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Autor entre outros de “Breve história de Lajeado do Tocantins” e “Estudo sobre o agronegócio tocantinense e seus efeitos econômicos e sociais”.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Como Raul dizia!


“...quem não tem visão bate a cara contra o muro”.
Raul Seixas

Já se vão 30 anos que Raul embarcou com o moço do disco voador  rumo a outras estrelas. E nessa data especial não poderia deixar de escrever algumas palavras sobre o nosso maluco beleza. Ainda mais no contexto político que vivemos onde a obra do Ralzito se converte numa espécie de manual de resistência contra o autoritarismo. Destaquemos por tanto alguns pontos desse manual.

1- Não ao discurso moralista;

O discurso moralista é aquele que tenta nos impor determinados valores de como devemos agir – valores que diminuem a nossa potência de agir pois são forjados em afetos como o medo e o ressentimento. Contra qualquer tipo de imposição Raul canta a “sociedade alternativa” onde o princípio da noção ação é o nosso querer (“se eu quero e você quer”) e não o que determina quem quer que seja, inclusive Deus. Raul, aliás, diz que “não existe Deus se não o homem”. Por tanto não dê ouvidos aqueles que usam Deus como álibi para lhe aprisionar.

2- Não ao ódio, viva o amor;

E “o amor só dura em liberdade” como cantou Raul em “a maçã”. Poderíamos dizer portanto que sem liberdade não há amor e sem amor não há liberdade – liberdade para amarmos quem e quantos quisermos. Seja homem, seja mulher, gays,  lésbicas, travestis, transgeneros e etc... Aliás o gênero não devia importar como importa tanto para os fundamentalistas cristãos – estes os propagadores do ódio – o que devia importar é se há amor ou não nas relações. Havendo amor não há espaço para o certo e o errado.

3- Não a discriminação; 

Em “meu amigo Pedro” nosso maluco beleza canta “...não me critique como eu sou. Cada um de nós é um universo, Pedro. Onde você vai eu também vou”. Vivemos numa sociedade em que alguns se acham no direito de dizer quem é de bem e quem não é – quem merece viver ou não. Uma sociedade em que alguns se acham superiores aos demais devido a cor da pele, devido ao seu lugar de origem e por ai vai. Raul nos chama a respeitar as diferenças e ressalta que no final das contas teremos o mesmo destino.

4- Se queres respeito, respeite;

Raul nos ensina que o respeito é uma via de mão dupla. Por isso ele cantou em “sapato 36” o verso “você só vai ter o respeito que quer na realidade, quando conseguir respeitar a minha vontade”. O que consiste em dizer que para termos respeito devemos dar respeito, pois se não damos respeito não recebemos respeito. E quando não há respeito parte-se para o autoritarismo como via de se impor. E no terreno do autoritarismo prevalece o medo como elemento de dominação. E onde há dominação não há liberdade. E para Raul não devemos abrir mão da liberdade.

5- Não ao antiintelectualismo;

“Já tá tudo armado, o jogo dos caçadores canibais” é uma das frases da canção “Metrô linha 743” onde o Raul nos alerta para a perseguição  à aqueles que pensam – para o antiintelectualismo. Os regimes autoritários não gosta de pessoas que pensam, mas que se submetem aos interesses de quem está no poder. Portanto é preciso estar atento para não cair nas mãos do exército de seguidores á serviço desse tipo de regime. Mas renunciar a pensar já mais. 

6- Não a autoridade militar;

Na canção “Mamãe eu não queria” uma das frases mais emblematicas é: “não quero bater continência nem pra sargento, cabo ou capitão”. Aqui temos uma repulsa á autoridade militar. Raul nos ensina que não devemos nos submeter a quem quer que seja. Sobretudo a estes senhores que se acham o dono da verdade e acreditam poder controlar o que pensamos e o que fazemos. Em tempos onde grupos pedem o retorno da ditadura militar e que temos um capitão reformado do exército na presidência da República (que defende o legado desse regime) o recado do Raul, nessa canção especificamente, é fundamental. 

7- Resistir, lutar e vencer;

As coisas mudaram camaradas, mas para tanto precisamos resistir e lutar, pois é através da nossa resistência e luta que venceremos o autoritarismo e o fundamentalismo. Para tanto precisamos aprender que somos mais forte que qualquer regime que limita a nossa potência de agir. Esse é mais um dos ensinamentos do nosso maluco beleza que cantou em “rockxe” – “você é forte, faz o que deseja e quer. Mas se assusta com o que eu faço, isso eu já posso ver. E foi com isso justamente que eu vi. Maravilhoso, eu aprendi que eu sou mais forte que você...”. Sim, nós somos mais forte que eles, mas infelizmente nos falta consciência dessa força, ou pior, temos consciência da nossa força, mas por medo ou covardia, deixamos que nos domine. Raul nos instiga agir na contramão do que nos impõem. 

8- Se não pode com eles....;

Um dito popular diz: - junte-se a eles. Não para o Raul – para o nosso maluco beleza devemos ser a mosca na sopa deles. Devemos incomoda-los, fazer com que não tenham um sono tranquilo, que não tenham uma vida fácil. Que saibam que mesmo nos matando, outros tantos viram no nosso lugar para continuar incomodando. Por tanto sejamos a mosca que perturba 24h os propagadores do discurso do ódio  (autoritários e fundamentalistas).

Concluimos dizendo que nunca foi tão necessário celebrarmos a memória do nosso maluco beleza – um provocador nato, um filósofo verdadeiro. Nunca foi tão necessário gritarmos aquele bordão conhecido nos bares de Norte a Sul desse país: - Toca Raul!!!

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

A Fazenda Primavera e a Contrareforma Agrária do Governo Bolsonaro

“Quem diz não estar de lado nenhum, mas do lado do Brasil, não está dizendo a verdade: o Brasil não tem lado no conflito agrário, por que é impossível realizar uma reforma que atenda ao mesmo tempo quem quer a concentração e quem quer a desconcentração da propriedade rural”.
Plínio de Arruda Sampaio 

Quem minimamente conhece a luta por reforma agrária no Brasil sabe que essa é uma bandeira marcada por muito suor e sangue – não são poucos os exemplos daqueles que tombaram na luta contra o latifúndio e pela democratização da terra nesse país. Mas a luta continua exigindo enormes sacrifícios daqueles que resistem em barracas de lonas nas margens das rodovias dessa imensa nação. 

Se nos governos comandados pelo PT (Lula/Dilma) não tivemos grandes avanços no campo da reforma agrária. Não há nenhuma ilusão que no governo Bolsonaro seja diferente, pelo contrário. Se antes, mesmo com toda morosidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) conseguia-se a desapropriação de algumas áreas e a implantação de projetos de assentamentos de famílias sem terra. Agora o órgão vem sendo utilizado não mais com o objetivo de promover a política de reforma agrária no país, mas para barrá-la. Se tornando portanto um instrumento da Contrareforma Agrária do Governo Bolsonaro. 

É o que percebemos ao analisar o processo de desapropriação da Fazenda Primavera (Vera Cruz) no município de Carmolândia (TO). Onde o próprio INCRA, isso mesmo, o INCRA entrou na justiça para barrar o processo de desapropriação da área – com a justificativa de que não tem disponibilidade orçamentária para tanto. Ora, o proprietário da área entrar na justiça para barrar o processo não é novidade, mas o INCRA que deveria promover a política de assentamentos em áreas que não estão cumprindo sua função social, é inaceitável. É o Estado se negando a cumprir o seu dever constitucional.

É evidente que não é por questões orçamentárias, mas ideológica que o Governo Bolsonaro através do INCRA vem se recusando a cumprir o seu papel. A ideia do governo é enfraquecer mais ainda os já fragilizados movimentos de luta pela terra. Mas nessa guerra ideológica quem paga a conta são as famílias de sem terra que vivem na miséria e sonham com um pedacinho de chão para poder produzir alimentos para sua subsistência e para nação. Pois afinal de contas quem é que abastece majoritariamente a mesa do brasileiro se não a pequena agricultura?!

No caso da Fazenda Primavera (no município de Carmolândia) o Ministério Público Federal questionou a alegação do INCRA e afirmou que o requerimento do órgão demonstra uma “nítida omissão no seu dever de promover a devida reforma agrária”. E que isso trás enormes consequências para as famílias que estão numa situação de vulnerabilidade social. O Ministério Público também ressalta que “A paralisação do processo de reforma agrária nesta etapa, após o dispêndio de recursos para a sua efetivação,  pode também consistir em ato de improbidade administrativa”. 

Nessa etapa os técnicos já deram parecer de que a área não está cumprindo a sua função social. De modo que como define a Constituição Federal no seu artigo 184: a União tem o dever de “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária... mediante prévia e justa indenização”. Eis aí um ponto importante que é preciso deixar claro. Pois já ouvi algumas vezes o seguinte argumento: - Sou a favor da reforma agrária, desde que o dono da área desapropriada seja indenizado e as famílias que forem assentadas de fato utilizem a terra para produzir. Ora, não existe nenhuma lei que permite a desaproprição de áreas sem a indenização do proprietário. E se algumas famílias depois de assentadas vendem a área ou transformam em outra coisa (área de lazer, por exemplo), a falha é do INCRA que não fiscaliza.

Por tanto, isso não pode servir de justificativa para que o governo não execute a politica de reforma agrária estabelecida pela constituição federal de 1988 – que na sua essência nem dá para chamar de reforma agrária de fato – pois uma reforma agrária que não muda a configuração agrária do país, caracterizada pela grande concentração de terra, não é reforma agrária. Pelo menos não uma reforma agrária que rompa com a estrutura agrária do país, mas que nas palavras de Plínio de Arruda Sampaio  (2009) busca sobretudo “humanizar o capitalismo agrícola e a preservar o meio ambiente”.

O caso da Fazenda Primavera não é um caso isolado (O que corrobora com a nossa tese de que se trata de uma politica de contrareforma agrária em curso no país) como mostra levantamento do grupo de trabalho da reforma agrária do Ministério Público Federal (MPF) que apontou vários casos nesse sentido. Tanto que foi necessário fazer uma recomendação ao INCRA para que revogue ou deixe de publicar resoluções que trata da desistência de desapropriação de áreas para implantação de projetos de assentamentos, cancelamento de títulos de dívida agrária ou arquivamento de processos administrativos que trata sobre essas questões. 

No entanto não há que se ter nenhuma ilusão de que tal recomendação será acatada por esse governo hostil as causas populares, especialmente as causas dos povos do campo – indígenas, quilombolas e camponese pobres. Sobretudo por que como alertou Plínio de Arruda Sampaio  (2009), “é impossível realizar uma reforma que atenda ao mesmo tempo quem quer a concentração e quem quer a desconcentração da propriedade rural”. Não há nenhuma dúvida que o Governo Bolsonaro quer a concentração – se possível ainda maior do que temos hoje avançando sobre territórios já conquistados pelos povos tradicionais. E nós que defendemos a desconcentração o que faremos para barrar essa Contrareforma agrária?

Acerca dessa questão, Plínio de Arruda Sampaio nos dá um norte: “Em uma sociedade anestesiada, incapaz de sensibilizar-se por argumentos racionais, que se move unicamente pressionadas por gestos ostensivos”. Ações radicais como ocupações são necessárias e se justificam como “forma de chamar atenção para o descaso criminoso do governo com a população rural”. 

Plínio disse isso no auge do segundo mandato do governo Lula, imagine agora num governo extremamente hostil a luta do movimento dos trabalhadores sem terra, como é o caso do governo Bolsonaro. Resta saber se as organizações camponesas de luta pela desconcentração da propriedade rural  estão a altura dessa tarefa histórica. 

Nós que apoiamos incondicionalmente a luta por reforma agrária nesse país. Não poderíamos deixar de nos solidarizar com as famílias que estão na luta pela desapropriação da Fazenda Primavera e por conseguinte a instalação do projeto de assentamento. Acreditamos que esse é um dos caminhos para combater a extrema pobreza que assola mais de 100 mil pessoas no Tocantins – e 13,5 milhões em todo o Brasil. Por isso continuamos empunhando a bandeira por uma verdadeira reforma agrária já. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular, licenciado em Filosofia pela UFT e Militante do Coletivo José Porfírio.