Essa estorinha que acabei de contar é o enredo do filme “O Tubarão” de Steve Spielberg lançado em 1975 – completando portanto 45 anos agora em 2020. Justamente no momento em que a humanidade enfrenta um terrível inimigo que tem vitimado milhares de pessoas mundo afora. Diante disso podemos fazer um paralelo entre o enredo do filme “O Tubarão” e o momento que estamos vivendo. Tanto a nível de Tocantins, a nível de Brasil, como também a nível mundial. Como todos sabem o foco inicial do Novo Coronavírus se deu na China. E a partir daí foi se alastrando para o mundo todo. A medida que o vírus foi se alastrando vimos duas posturas que se assemelham muito as posturas das autoridades daquela cidadezinha onde apareceu o tubarão. Um lado dizendo se tratar de um problema minúsculo que passaria logo, logo. Por tanto não precisaria se tomar medidas drásticas. Ainda mais pelo fato de que o nosso país tem determinadas características que iria impedir um estrago tal como vimos em países como Itália e Espanha. Em suma, minimizando a crise que estamos vivendo, dizendo que havia um certo exagero por parte daqueles que defendiam o isolamento social, o fechamento das escolas, das universidades e do comércio não essencial. E por outro lado, aqueles fundamentados sobretudo nas orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) alertavam para o fato de que se tratava de um problema sério e enquanto não se descobrisse uma vacina eficaz seria necessário algumas medidas (especialmente o isolamento social, uso de máscara e de álcool em gel) para evitar uma proliferação maior do vírus. Temos ai portanto as duas principais posições que vimos surgir nesse período de pandemia. Por um lado alguns minimizando a gravidade da crise argumentando que o pior seria o isolamento social que desencadearia uma crise ainda maior com a consequente quebra econômica. E do outro lado se chamando atenção para a gravidade do problema e para necessidade de se tomar algumas medidas, que se não elimina o vírus, pelo menos evitando que ele se fortaleça.
Quando nós fazemos esse tipo de reflexão, de como agir em determinada situação nós estamos no campo da Ética. Pois a ética é justamente isso, é a reflexão acerca das nossas ações. Nós agimos moralmente. E a partir da Ética nós refletimos sobre esse agir moral. Para ficar mais claro vejamos uma questão Ética do contexto atual: Por que mesmo diante dos números de casos e de mortes as pessoas continuam ignorando os alertas das autoridades sanitárias? Mesmo diante dos números (que são reais) e das estórias de famílias devastadas por esse vírus não nos sensibilizamos e continuamos agindo como se nada estivesse acontecendo? Quando agimos assim, estamos agindo de forma virtuosa? Na concepção clássica de ética, agir virtuosamente é agir em busca do bem. E agir através de ações justas. A partir do momento que ignoro as orientações dos profissionais da saúde, colocando em risco não só a própria vida, mas sobretudo daqueles que estão ao meu redor, da comunidade que eu vivo. Será que estou agindo virtuosamente? É uma questão Ética que a filosofia nos propõem nesse contexto de pandemia.
O filósofo brasileiro Vladimir Safatle nos chama atenção para o fato de que a substância ética de um povo é definida a partir da maneira que ela lida com a morte. Como estamos lidando com as mortes decorrentes da COVID-19? Qual o nosso comportamento diante do crescente número de mortes? Mortes evitáveis em muitos casos. Esse comportamento revela a nossa substância ética, ou melhor dizendo, a falta dela. Pois se agir eticamente é agir em busca do bem, estamos agindo de forma contrária. Estamos agindo de maneira egoísta e não virtuosa. Estamos agindo pela indiferença. E são vários os exemplos nesse sentido: pessoas em festas clandestinas, se aglomerando em pontos de banho, não utilizando máscaras em locais públicos. Ignorando totalmente os alertas dos profissionais de saúde. E mesmo das autoridades políticas por meio dos decretos. É como se nada estivesse acontecendo. Milhares de pessoas morrendo e... uma completa indiferença. Uma diferença que percebemos no discurso daqueles que dizem: - Ah, já tava pra morrer! Também, tinha um monte de doenças – era cardíaco, era diabético. Uma indiferença total diante do luto do outro – da vida, a vida não tem nenhum valor. Isso mostra muito da nossa substância ética. Quando nos comportamos com total indiferença, seguimos na contramão do que propõem a ética. Tanto que é necessário decretos e outras medidas de vigilância para impedir que as pessoas se aglomerem. Quando chegamos ao ponto de ter que ameaçar com multa as pessoas para que usem máscaras, não há nem o que dizer. E esse não é o único exemplo da nossa falta de consciência ética. É só observarmos o aumento de bens e serviços e os casos de desvios de recursos públicos da saúde, sobretudo num momento desses em que muitas pessoas morrem por falta de um atendimento básico.
Chegamos então a um ponto importante que é a relação entre ética e política. No livro clássico do Aristóteles “Ética á Nicômaco. Ele nos diz que a finalidade da política é a busca pelo bem humano, sobretudo numa perspectiva coletiva. E como ela faz isso? Despertando nos cidadãos ações nobres. Será que é isso que isso que está acontecendo? Será se nossos representantes políticos estão utilizando a política para despertar nos cidadãos ações nobres. Reflitam sobre isso, pensem nas medidas que as autoridades políticas estão tomando – são ações, são políticas, que buscam unir a população para que superemos esse momento? Nós sabemos qual é o problema. Ainda não sabemos como destrui-lo, mas sabemos como evitar que ele se fortaleça. E mesmo sabendo de tudo isso, por que agimos de forma contrária. São questões que a filosofia moral, que os filósofos estão fazendo nesse contexto. E que todos nós, cidadãos, deveríamos fazer. Pois é a partir dessas reflexões que definiremos como será o mundo de amanhã. Essas reflexões contribuíram para construção do mundo pós-pandemia de COVID-19. Nós queremos um mundo que avance cada vez mais para a sua destruição ou nós queremos um mundo onde as pessoas sejam mais solidárias? Nós queremos um mundo onde cada um olha apenas para o seu próprio umbigo. Ou queremos um mundo (uma cidade, um Estado, um país) onde todos se ajudam e caminham unidos para vencer os desafios que surgiram. Pois uma coisa é fato, a pandemia de COVID-19, não é a primeira e nem será a última crise que a humanidade vai enfrentar. Antes dela tivemos outras, e no futuro certamente haverão outros desafios que precisaremos enfrentar. Como enfrentar esses problemas e o que surgirá a partir daí está na mão de todos nós. Nós podemos optar por enfrentar tal como a Filosofia nos propõem, de forma racional. Ou podemos deixar nos guiar pela irracionalidade e caminhar para nossa autodestruição.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Aula ministrada para estudantes da 3° Série do Ensino Médio do CENSP-LAJEADO.