sábado, 15 de outubro de 2022

Matanza Inc: Demônios estão por aí!!!

Eis o titulo de uma das canções que compõem o segundo trabalho de estúdio (Retórica diabólica) da banda carioca Matanza Inc. É mais um álbum em que eles voltam sua artilharia de crítica ao moralismo religioso – que no contexto atua ganhou força através da figura que ocupa a cadeira da presidência da República. De modo que essa crítica acaba sendo a esse Governo que está aí. Como podemos conferir através de uma análise das Letras das canções “tudo destruído”, “sórdida agenda secreta” e “receita para fazer inimigos”. Além é claro da “demônios estão por aí”. Aqui, o que nos interessa é exatamente essa última, a qual acredito que mostra muito bem o uso da religião como instrumento de manipulação e dominação política operada tão bem pelo Governo Bolsonaro. 


A canção começa falando sobre manipulação dos afetos, sobretudo o medo. Isto é, como o medo é utilizado para alimentar o ódio na sociedade ao ponto de indivíduos defenderem a eliminação de quem pensa diferente de si. Durante toda a campanha eleitoral essa tática ficou muito evidente no discurso da propaganda bolsonarista como por exemplo a ideia de que caso Lula vença as eleições as igrejas seriam fechadas, o aborto seria permitido assim como a legalização da maconha. Agora no segundo turno o foco tem sido a segurança, onde se busca associar o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) a facções criminosas. 


A letra de “demônios estão por aí” começa com uma frase poderosa.


“O ódio surge do medo/

e o medo é fácil criar.

Elaborado o enredo/

manipula total em segredo”.


No trecho seguinte a canção chama atenção para o fato de que essa tática desprezível é infalível. Que o diga o resultado da eleição no primeiro turno em que pese estarmos vivendo o pior Governo da história não houve argumento racional capaz de nos livrarmos do Bolsonaro. Pelo contrário, a eleição de importantes aliados desse governo mostra que isso não será fácil. Ainda que ele seja derrotado no segundo turno.


“Dá dinheiro e é de quem chegar primeiro/

O desespero é como a goiva do artesão/

Afiado, é muito apropriado/

Se seu trabalho envolve dor e comoção

Desprezível, infalível”.


Na sequência temos o refrão,  e que refrão camaradas.


“vamos todos culpar o diabo se algo não for muito bem/

Vamos deixar evidência de lado, fatos que não nos convém/

Nisso você deve crer/

Em tudo que tem a perder/

Demônios estão por aí”


Nesse refrão temos alguns elementos importantes. Mas o fundamental é que fica evidente o uso do discurso religioso como forma de manipulação e dominação política. Nesse discurso, em primeiro lugar, eu nunca reconheço a minha culpa. Em segundo lugar, se os fatos estão contra nós deve-se contesta-los de todas as formas. Por fim, o líder, por mais contraditório que seja, não deve ser contestado de forma alguma. É preciso crer ou o castigo será cruel. Diante disso ao pobre alienado só resta o conformismo.


“tudo na vida tem preço/

E desde o começo não posso pagar/

A que nível terrível desço?

O inferno de certo mereço”.


Enquanto o pobre alienado fica se culpando por sua condição miserável, temos por outro lado os que usufruem desse estado de coisas.


“enquanto isso nesse grande hotel suíço/

Engravatados no salão de reuniões/

Decidido, disputando e rindo/

Sabem que a miséria com juros

Rende bilhões/

No Paraíso o pecado é o prejuízo.”


Um aspecto importante nesse trecho é o fato da religião ser transformada num negócio. E como todo o negócio o objetivo é o lucro. De modo que o verdadeiro lema dessa corja é: “lucro acima de tudo, mercado acima de todos”. Diante disso a mensagem final da canção é a de que é contra esses verdadeiros demônios que devemos lutar e não aqueles criados pela tradição religiosa com o objetivo de nos manipular e dominar. Nessa luta as próprias pessoas que honestamente praticam sua religião tem um papel fundamental. A elas cabem se libertar desses falsos profetas. E contribuir para construção de uma sociedade solidária e fraterna.


Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 


Ouça o álbum no link:https://www.youtube.com/watch?v=9UuGmBn9-Ew&list=OLAK5uy_mRs1VA_rSjyEGHkaCrXILvOVdhdr-EHoc



segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Resultado das eleições estaduais e as perspectivas para as eleições municipais de 2024 em Lajeado

A dinâmica eleitoral no Brasil faz com que haja uma articulação entre as eleições que ocorrem de dois em dois anos para escolha dos representantes políticos nos legislativos e executivos. De modo que quando termina um processo eleitoral já se está pensando no próximo. Ou melhor, cada campanha é feita pensando na próxima. Pois como a política no Brasil (a bem verdade, não só aqui) é feita a partir de uma perspectiva profissional, isto é, como um emprego. Quem está ocupando um cargo busca de todas as formas se manter e aqueles que não estão tentam ocupar. De modo que atuam mais numa perspectiva de se servirem do que servir a comunidade.


Enfim, toda essa reflexão introdutória é para dizer que o resultado das eleições estaduais nos dá alguns apontamentos para as eleições municipais. Diante disso o nosso objetivo aqui é buscar analisar o que podemos vislumbrar a partir desses resultados no município de Lajeado. Nesse sentido um primeiro aspecto que chama atenção é para um fato de que a eleição estadual pode ser vista como um termômetro de como a população está avaliando o grupo político que está no poder. Por outro lado, nos possibilita também ver a capacidade de articulação e força da oposição. Por sua vez, esses grupos políticos tem a oportunidade de avaliar suas táticas e rever as estratégias se se quiserem manter ou tomar o poder. Pois até as eleições municipais serão 2 anos onde tudo ou nada pode mudar.


Em Lajeado, na campanha eleitoral de 2022, vimos vários indivíduos ou grupos se colocando como força política. Nesse contexto três se destacaram: O prefeito Júnior Bandeira pela situação, naturalmente. E pela oposição, de um lado o ex-prefeito Tércio Neto e de outro Leidiane Mota.


Numa primeira análise podemos dizer que não houve um derrotado, já que tanto a situação como a oposição conseguiu eleger 01 ou mais dos nomes que estavam apoiando. No entanto ao aprofundarmos a análise, o grupo situacionista é o que tem menos a comemorar. Por exemplo, na disputa para deputado Estadual, o principal candidato (Cleiton Cardoso) apoiado pela gestão obteve 12,74% dos votos válidos no município. Ficando atrás de um dos candidatos apoiado pela oposição (Ivory de Lira), que obteve 17,56%. Se somado os votos obtidos por outro candidato apoiado pela oposição, a deputada Vanda Monteiro, que teve 12,28%, essa derrota aumenta mais ainda.


Além da votação dos três candidatos com maior votação no município – que eram aqueles que tinham a maior estrutura e investiram pesado para ter essa votação. É importante destacar outros nomes que não tiveram o mesmo apoio mas conseguiram votações expressivas como foi o caso da Janad Vacari, Cirilo Douglas e Cláudia Lelis.


Na disputa para deputado Federal o quadro anterior se repete. O deputado mais votado no município foi o Toninho Andrade (27,05% dos votos válidos) apoiado pela oposição. Enquanto que o Gaguim apoiado pela situação teve 14,71%.  Um ponto interessante nesse resultado é que ao contrário da disputa para deputado Estadual, os dois principais nomes da oposição (o Ex-prefeito Tércio e a Vereadora Lediane) defenderam o mesmo nome – o do Toninho Andrade. Na disputa para Assembléia Legislativa o primeiro apoiou o Ivory e a segunda a Vanda. 


Ainda sobre a disputa para a Câmara dos Deputados, é importante destacar a votação do Filipe Martins e do Eli Borges – ambos ligados as igrejas protestantes. Merece menção também a votação do Rubens Uchôa e dos petistas Celio Moura e Zé Roberto. 


Na disputa para o Palácio Araguaia a derrota da situação foi ainda maior. O candidato apoiado pela gestão (Ronaldo Dimas) obteve apenas 18,22% dos votos válidos. Enquanto Wanderlei Barbosa, apoiado pelos principais nomes da oposição, teve 71,57%. Sem falar na votação expressiva do Paulo Mourão (6,49%), que de longe, não teve a mesma estrutura que os dois principais candidatos tiveram. Mesmo assim teve uma boa votação. 


A disputa para o senado foi a única que a oposição não conseguiu triunfar sobre a situação. A candidata da oposição era Kátia Abreu que obteve 27,07% dos votos válidos. Mas a mais votada foi Dorinha que teve 57,59%. Essa votação no entanto foi mais o mérito da articulação das candidaturas de Wanderlei e Dorinha do que de um trabalho da situação como podemos ver a partir dos demais resultados.


No caso da disputa presidencial, tanto a situação como a oposição buscaram manter uma posição de certa neutralidade diante do embate entre Lula e Bolsonaro. De modo que tanto a derrota como a vitória de qualquer um dos candidatos, no caso do primeiro turno foi do petista que conquistou 52,55% dos votos válidos, não terá uma grande influência na disputa de poder local. Ou talvez não – uma vitória de Lula no 2° turno pode, num futuro governo petista, dar a Kátia Abreu  (que apoia o ex-presidente) uma posição no primeiro escalão – e isso certamente é positivo para oposição em Lajeado que a apoiou. 


Enfim, se o resultado das eleições estaduais pode nos dizer alguma coisa do contexto político local. É que para o grupo da situação o sinal de alerta foi ligado. Se o atual grupo no poder pretende continuar a frente da gestão municipal precisa rever a sua estratégia. Já a oposição por sua vez precisa analisar sua força num cenário de divisão e num cenário de unidade – num cenário de divisão a vantagem para situação diminui, já de unidade essa vantagem aumenta. De todo modo os dados estão lançados. Vejamos quem saberá fazer as melhores análises e por conseguinte as melhores jogadas para se apresentar com chances reais na disputa de 2024, tanto para o legislativo como para o executivo municipal. 


Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

História do Tocantins: Uma conversa sobre a origem e formação do antigo Norte Goiano

Estávamos viajando há várias horas quando resolvemos parar um pouco para descansar á sombra de um pé de gameleira.  O sol estava de rachar – como se diz naquela região – bem que um tereré cairia bem, mas sem água gelada não rolaria. O jeito era esperar chegarmos ao próximo município para conseguir a água. Por enquanto, nos contentaria com um palheiro. Durante a nossa passagem por aquele território nos chamava atenção os imensos deserto verde constratando com a pobreza dos municípios. 

– Herança dos bandeirantes, meus filhos. Herança dos bandeirantes. Nos disse um velho Krahô – um ancião lúcido e sábio, que nos acolheu na sobra daquela gameleira.


O velho Krahô nos contou que antes das bandeiras chegar naquele território por volta do século XVII, seu povo vivia livre, dividindo o espaço com outros povos. Então aquele povo estranho, liderado por um anhanguera (Diabo Velho), o famoso Bartolemeu Bueno da Silva, invadiram o território matando e aprisionando indígenas e se apossando das minas de pedras preciosas. Nos livros de história Bartolemeu é celebrado como o fundador de Goiás. Ele partiu em 1682 de São Paulo (as bandeiras eram sobretudo de origem Paulista) em busca da famosa mina dos Goyazes e decidiu fixar moradia ali. Os Bandeirantes são celebrados por terem sido importante na expansão e interiorização do território brasileiro. Mas lembrando de uma canção do Belchior: - quanto aos índios que mataram, ninguém pode contar... E continuam matando, nos lembra o velho Krahô.


No século XVIII, nos conta o velho Krahô, esse território era visto pelos não-indígenas apenas como uma região dentro das minas dos Goyazes – uma visão que mudou com a descoberta de minas por aquelas bandas. Com isso o território passou a ser cobiçado e veremos o surgimento dos primeiros arraiais. Sobretudo entre a década de 1730 a 1740, por exemplo, Natividade e Almas (1734), Arraias e Chapada (1736), Pontal e Porto Real (1738) entre outros. Temos assim o povoamento do território por não-indígenas, sendo esses na sua grande maioria de negros, utilizados como mão de obra escrava. E por brancos, formados pelos mineiros, mas também de pobres em busca de riquezas. De modo que a população daqueles arraiais era heterogênea.


No auge da exploração das minas de pedras preciosas temos uma presença maior do poder Imperial. Mas não se engane, não era com políticas para o desenvolvimento da região, mas de controle, para evitar o desvio do ouro e outras pedras preciosas extraídas das minas. Entre essas medidas estava a proibição de abertura de novas entradas e o fechamento dos rios para navegação. Outra medida também foi a criação de casas de fundição. Ainda nessa linha, foi criado a superintendência das Minas de Goiás, tendo como seu primeiro superintendente Bartolomeu Bueno da Silva. Então a cobiça leva ao declínio do garimpo e a pobreza é o que resta. Situação que não mudou desde então, a não ser para alguns privilegiados, nos lembra o velho Krahô.


Com o declínio dos minérios os arraiais entram em decadência. A partir daí, por uma questão de sobrevivência, a agropecuária surge como uma alternativa necessária. Sua expansão, por um lado permitiu a sobrevivência econômica da região, sobretudo com a navegação dos rios, permitindo a circulação de mercadorias e o desenvolvimento de um comércio local. Por outro, levou a um domínio ainda maior dos territórios indígenas. Legando a nós, lembra o velho Krahô, pequenos territórios onde fomos aldeados. E vivemos na miséria, sitiados por todos os lados pelo agronegócio.


Natividade se consolidou como município, com seu povoamento por não-indígenas datando de 1734. No mesmo ano é datado o povoamento de Almas. Depois em 1738 tivemos o surgimento de Porto Nacional e Monte do Carmo. Ainda no período da mineração tivemos Arraias (1740), Paranã e Dianópolis (1750). No século XIX, influenciado pela agropecuária e pelo comércio as margens do Rio Tocantins vemos o surgimento de Pedro Afonso (1845), Tocantinópolis (1852), Ponte Alta do Bom Jesus (1850), Araguatins (1868) e Taguatinga (1855). Já no século XX, a construção da BR-153 (Belém-Brasília) propiciou o surgimento de cidades como Araguaína, Gurupi, Guaraí, Paraíso e Miranorte.


O Velho Krahô nos conta que a história desse território é marcada por conflitos. Mas nos livros estão registrados apenas aqueles que se refere a criação do Tocantins. Como por exemplo, ainda no século XVII (1761) o surgimento da ideia de criação de duas comarcas para facilitar a administração do imenso território. Dois momentos importante nesse sentido se deu em 1804 com criação da comarca de São João das Duas Barras tendo como ouvidor D. Francisco de Assis Mascarenhas. E cinco anos depois, 18 de Março de 1809, a criação da Comarca do Norte, tendo Joaquim Teotônio Segurado como ouvidor. A partir daí ocorreu vários conflitos para que a comarca tivesse cada vez mais autonomia em relação a capitania de Goiás – conflitos que se intensificaram com a luta pelo fim do Império e instalação da República. Mas sem êxito.


Só no Século XX, sobretudo na sua segunda metade, é que esse movimento vai ganhar força novamente. E embalado pelo espírito de mudança que marcava a politica nacional com o Movimento das Diretas Já – culminando com o fim da Ditadura Cívil-Militar e a elaboração de uma Nova Constituinte, é concretizado a divisão do Estado do Goiás e a criação do Estado do Tocantins. José Wilson Siqueira Campos, então Deputado Federal, apresentou o projeto de criação do novo Estado (alicerçado num movimento da sociedade civil organizada, sobretudo de uma elite local e dos estudantes universitários) na Câmara dos deputados. O projeto foi aprovado no mesmo dia na subcomissão dos Estados na Assembléia Nacional Constituinte. E assim, no artigo 13 do ato das disposições constitucionais transitórias da Constituição, em 05 de outubro de 1988, nascia o Estado do Tocantins. Em 15 de novembro é realizada a eleição dos primeiros representantes Tocantinenses. Em 1989, na cidade de Miracema (capital provisória) foi instalado o governo com a posse do governador José Wilson Siqueira Campos e seu Vice Darci Martins Coelho.


E aqui chegamos, diz o velho Krahô. Eles nunca nos enganaram com a promessa de progresso. Nossos territórios foram surrupiados, muitos dos nossos parentes foram assassinados, mas continuaremos resistindo até o último de nós. Não tínhamos dúvida do que dizia aquele ancião. Depois daquela verdadeira aula, jogamos as mochilas nas costas, montamos na moto e seguimos viagem. Com a bênção daquele velho Krahô. Ainda tínhamos alguns bons quilômetros para percorrer até Porto Nacional onde participariamos de uma famosa Feira Literária. Depois seguiriamos viagem conhecendo as serras gerais e alguns sítios rupestres na região. Daí então retornariamos para nossas casas em outro Estado. 


Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular. 


sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Extensão Pedreira: Limites e possibilidades da educação no campo a partir de uma experiência de campo

A educação é um constante desafio, o que exige por parte dos educadores um processo contínuo de formação para tornar o processo educativo mais efetivo. No campo esse desafio é ainda maior diante dos limites que se apresentam, sobretudo no que diz respeito ao acesso a aparelhos eletrônicos e a conectividade. No entanto, com possibilidades que transcendem esses limites como veremos a partir de uma ação desenvolvida pela Extensão do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência na Comunidade Pedreira – Zona Rural do Município de Lajeado - que teve como finalidade conhecer formas criativas de desenvolver e utilizar a tecnologia no campo. 

 

Tecnologia no Campo 

No contexto atual falar em tecnologia no campo não é nenhuma novidade. Pelo contrário, o modelo agropecuário brasileiro tem se desenvolvido cada vez mais através do aumento da sua produção, utilizando recursos tecnológicos de ponta. No entanto, esses recursos são um tanto inacessíveis para média e pequena agricultura. De modo que a criatividade aliada ao conhecimento pode ser um fator importante para que isso seja mudado. Nesse sentido a educação ganha relevo especial, sobretudo as escolas que atendem o público campesino, seja elas no ou do campo, proporcionando experiências que desperte nos estudantes o interesse em se aprofundar nessa área.  

 

Aula de campo na Extensão Pedreira  

A extensão Pedreira do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência, atende estudantes nas modalidades de ensino médio e EJA-Terceiro Segmento. E funciona nas dependências da Escola Municipal JK, na Comunidade Pedreira. Atendendo estudantes que moram na zona rural – que teriam de deixar suas casas no campo para cursar o ensino médio num centro urbano mais próximo.  



Ainda que não estejamos falando de uma escola do campo, pois a grade curricular e o calendário escolar é o mesmo das escolas localizadas na zona urbana. Por sua localização ser na zona rural, os professores não poderiam deixar de levar em consideração a realidade que estes estudantes estão inseridos. É nessa perspectiva que percebemos a importância da aula-campo realizada pelos Professores: Arleth Gomes, Francisca Fontes, Liliana Cruz e Marlon Meirelles na propriedade do senhor Agapite Lourenço - conhecido na Comunidade Pedreira por sua criatividade a partir do trabalho na área da mecânica e da escrita. 


A aula ocorreu no dia 06 de Setembro de 2022, no contexto do Projeto Brasil200, onde a Comunidade Escolar trabalhou o bicentenário da independência do Brasil. Sendo que uma das temáticas propostas era justamente pensar o campo brasileiro a partir dos seus costumes, sem deixar de falar do processo modernizante trazido pela tecnologia. Um grande exemplo nesse sentido é que morando na Comunidade Pedreira o seu Lourenço possui um canal no youtube (https://www.youtube.com/channel/UCJYuL6RGFKG9ku_oRcENAIg) onde compartilha as suas criações com todo mundo que tem acesso a rede mundial de computadores. E pelo número de visualizações dos seus vídeos percebemos que há um público expressivo de admiradores do seu trabalho. 


Entre os seus trabalhos está uma roçadeira, que segundo ele, foi produzida a partir de uma necessidade na labuta do dia a dia, e a falta de recursos para adquirir um equipamento disponível no comércio. E assim com R$ 100,00 ele foi até um ferro velho, adquiriu um motor e algumas sucatas, e sob o olhar incrédulo da sua esposa construiu a roçadeira.  


O seu relato sobre o episódio da roçadeira é bem mais interessante do que as linhas anteriores. Pois além de inventor, seu Lourenço é um bom contador de estórias. Mas aqui o que nos interessa é mostrar como podemos usar a criatividade para resolver os problemas do cotidiano. Óbvio que para isso é necessário conhecimento. Mesmo que não seja formado em engenharia mecânica como ele próprio ressalta, certamente sem nenhum conhecimento nessa área, seria impossível que seu Lourenço fabricasse uma roçadeira elétrica. 



Além da roçadeira os estudantes puderam conhecer outras invenções do seu Lourenço, como por exemplo, rodas de carro e um trator. Nessa linha, o estudante Kedson Campos falou a importância de ter conhecido a oficina de criação do senhor Agapite e sua propriedade. Ressaltando que a aula-campo possibilitou um conhecimento maior da Comunidade onde vivem – aprendendo que com as condições adequadas é possível produzir muitas coisas. 


Um aspecto importante que ressaltamos na fala do estudante é a respeito de que a atividade proporcionou-o conhecer melhor a sua comunidade. Esse é um ponto importante que uma aula-campo proporciona. Muitas vezes vivemos num determinado lugar, mas não o conhecemos verdadeiramente. Outro aspecto importante é a valorização das pessoas da comunidade, como também do seu conhecimento. Nas nossas comunidades, sobretudo as tradicionais, encontramos pessoas com notório saber que poderiam ter mais reconhecimento e por conseguinte ser mais aproveitadas no processo de ensino-aprendizagem. No entanto isso nem sempre acontece. Não que essas pessoas possuidoras de notório saber devam substituir o professor, que tem uma formação específica para isso, como possibilita o Novo Ensino Médio, mas certamente elas podem dar uma enorme contribuição. 


A professora Francisca Fontes, uma das responsáveis pela atividade, falou do objetivo da ação, relatou um pouco de como se desenvolveu e fez uma avaliação da aula-campo na propriedade do seu Lourenço: 



Ao chegar ao local fomos recebidos pelo senhor Agapite. Que nos acolheu com carinho e total atenção. O objetivo da visita era conhecer o trabalho dele com a criação de instrumentos para a lida no campo. Ao entrar na oficina pude observar que todos os produtos eram fabricados de forma rústica, nesse momento me senti em plena Revolução Industrial. E o mais interessante é que cada máquina em miniatura além de ter uma história, funcionava de verdade. Conhecemos: um protótipo de uma roda d’água que me fez lembrar a agricultura egípcia, um mine trator com esteira e arado, um torno mecânico, um triturador, uma máquina de dobrar aço, e a mais interessante criação, uma roçadeira. Foi com essa que tudo começou. Ele contou a história do porquê de sua criação. Ele fez demonstração de todas suas criações e todos ficamos encantados com o professor pardal da comunidade pedreira, de origem cearense e residente no vão dos canários.” 


Continuando, a Professora ressaltou: “Fiquei encantada com a inteligência do senhor Agapite. Sem contar com a aula que nos ministrou sobre tecnologia e ainda deu uma lição de superação para todos ali presente. Após a demonstração de suas criações, fomos convidados a degustar um maravilhoso e saboroso lanche, com destaque para o caldo de cana, manipulado em uma engenhoca fabricado pelo mesmo.” E concluiu: “essa aula para mim foi de suma importância, pois além de despertar e estimular os alunos a desenvolver competências e habilidades que contribuíam com as suas formações, nos mostrou possibilidades de desenvolver o nosso processo de ensino-aprendizagem de forma mais criativa. Minha vontade é de voltar e explorar mais os conhecimentos desse senhor que nos impressionou”.  


A partir do relato da Professora Francisca, percebemos que se a educação no campo trás enormes desafios, sobretudo quanto a permanência do estudante e um processo formativo que o mantenha na comunidade, há diversas possibilidades – possibilidades que foram exploradas muito bem nessa aula-campo. Imagina, o quanto o seu Lourenço conseguiu com suas invenções despertar o instinto inventor nos estudantes que participaram da aula – Estudantes que no dia a dia se deparam com os mesmos problemas do seu Agapite – e que agora passaram a olhar para esses problemas de outra forma – ao invés de cruzar os braços e ficar reclamando, buscaram soluções a partir dos recursos que estão ao seu alcance. Imagine também o tanto de senhores Lourenços não temos nas nossas comunidades rurais, com uma gama de conhecimentos práticos prontos para compartilhar. Faltando apenas um olhar mais sensível que reconheça a importância desses anciãos. 



Enfim, nós da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência (CENSP-Lajeado) temos feito um esforço nesse sentido. Acreditamos que a relação indissociável entre teoria e prática é fundamental para uma formação emancipadora. Partindo da realidade local, buscamos instigar os estudantes a pensar de forma crítica e se apropriar e produzir conhecimentos que contribuíam para melhoria e transformação da realidade em que estão inseridos. Desse modo, acreditamos que estamos caminhando de forma acertada. Cientes dos desafios, mas sobretudo das possibilidades que esses desafios proporcionam. 


***

Raimundo Oliveira – Licenciado em Geografia, Pós-Graduado em Educação Ambiental. E Coordenador da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do CENSP-Lajeado. 


Pedro Ferreira Nunes – Licenciado em Filosofia, Pós-Graduado em Filosofia e Direitos Humanos. E Professor da Educação Básica do CENSP-Lajeado. 

domingo, 25 de setembro de 2022

Brevissimos comentários sobre a campanha eleitoral de 2022


Presidenciáveis
 

Tristeza. É o que tenho sentido vendo a propaganda eleitoral dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas eleitorais para Presidente da República. Tristeza diante de propostas que não apontam para mudanças estruturais, pelo contrário. Fim do déficit habitacional, equiparação entre o ensino público e privado, conciliação entre o modelo agroexportador, a pequena agricultura e o meio ambiente. Não precisa ser muito inteligente para saber que são impossíveis dentro dos marcos da sociedade atual. Nesse contexto, o Lula acaba sendo o menos pior – é o mais tragavel diante de um Bolsonaro medíocre, um Ciro prepotente, e uma  Tebet e Thronicke sem noção. Ah, que falta faz um Plínio de Arruda Sampaio, que falta faz.


Um motivo para esperançar 

Se a campanha para presidente não tem conseguido me empolgar, para o Congresso Nacional é o contrário. Alguns nomes como o do filósofo Vladimir Safatle (candidato a deputado federal pelo Estaro de São Paulo) tem feito circular propostas importantes numa perspectiva de transformações estruturais. Além dele há diversos nomes progressistas ligados a Universidade e Movimentos Sociais que nos leva a crer na eleição de uma bancada progressista, se não a maior, uma das maiores da história do Brasil. 


Um motivo para esperançar II

É interessante observar que mesmo no Estado do Tocantins temos esses nomes. Óbvio, com uma chance menor de eleição, ao contrário de um Guilherme Boulos e uma Sônia Guajajara em São Paulo, mas pelo menos são nomes que qualificam o debate político no Tocantins. 


Um motivo para esperançar III

Nesses últimos anos a sociedade brasileira parece ter aprendido uma dura lição platônica: - “a punição que os bons sofrem, quando se recusam a agir, é viver sob o governo dos maus." Agora temos a oportunidade de mudar essa realidade. Mesmo no contexto regional, percebemos muitas candidaturas progressistas ligados a Universidade e aos Movimentos Sociais disputando uma vaga na Assembleia Legislativa. Sabemos o quanto é difícil um desses nomes conseguir ser eleito, sobretudo diante de toda uma estrutura que funciona para garantir que as mudanças sejam mínimas. No entanto, já é um avanço vê esses camaradas colocando o nome a disposição  e pautando os problemas reais da população. 


Deslocados

Por outro lado, há aqueles que insiste no discurso conservador contra fantasmas, a exemplo da ideologia de gênero. Estão um tanto fora de tempo – esse discurso já não encontra tantos ouvidos receptivos como em 2018. Diante da crise que assola o país a preocupação imediata é conseguir a próxima refeição. De modo que esse discurso voltado a pauta de costumes está um tanto deslocado da realidade. Que o recado das urnas a essas figuras seja duro.


Mudanças estruturais é preciso

Uma bancada progressista forte, tanto no Congresso Nacional como nas Assembléias Legislativas, com o apoio das ruas é mais importante, do ponto de vista estratégico para vislumbrarmos mudanças estruturais na nossa sociedade, do que a eleição de determinada figura para os cargos executivos. Óbvio que se pudermos eleger, tanto no executivo como no legislativo, nomes progressistas, melhor ainda. Mas que essas possíveis eleições sirvam para fomentar e fortalecer os movimentos sociais com pautas progressistas – como os Sem teto, Sem terra, Indígenas entre outros – que são fundamentais para vislumbrarmos mudanças estruturais na sociedade. 


Governadoráveis

No Tocantins, a oposição parece não está conseguindo fazer frente ao Governador Wanderlei Barbosa (Republicanos). Havia uma expectativa maior em torno da candidatura do Ronaldo Dimas (PL) – expectativa que até agora não tem se confirmado. Ainda não está descartado um segundo turno entre esses dois candidatos, mas não conseguimos sentir isso por parte das ruas. Mesmo com o apoio do Senador Eduardo Gomes, do Presidente Bolsonaro e do MDB do Marcelo Miranda, Dimas não tem conseguido empolgar. Aliás, o apoio do Bolsonaro pode trazer mais ônus do que bônus para ele. Assim como a reivindicação do legado da famigerada União do Tocantins  (UT) – que a ferro e fogo comandou o Estado no auge do Siqueirismo. De modo que a chance maior de um segundo torno no Tocantins está na capacidade dos demais candidatos, sobretudo Paulo Mourão e Irajá, em tirar votos do Wanderlei Barbosa ou conquistar os indecisos, do que propriamente da campanha que o Dimas vem realizando.


Governadoráveis II

Nessa reta final da campanha percebemos uma espécie de tática do tudo ou nada por parte das candidaturas de Dimas e Irajá na tentativa de levar as eleições para o executivo estadual ao segundo turno. O nivel de belicidade, sobretudo por parte de Irajá, ultrapassou as divergências políticas e virou pessoal. E o Dilmas, oportunisticamente tenta aproveitar. A probabilidade de que essa tática mude o quadro apontado pelas pesquisas de vitória do Wanderlei é quase nula. E pode a ter ser compreendida como desespero. Além disso, com esse questionamento Irajá e Dimas podem estar dando tiro no próprio pé, pois com esse questionamento mais do que atingir o governador, atinge aqueles que foram contratados e que passaram mais do que nunca trabalhar contra seus adversários. 


Dorinha x Kátia 

A disputa pela vaga ao Senado tem sido protagonizada desde o início da campanha eleitoral por dois nomes tradicionais da política tocantinense – A senadora (de dois mandatos) Kátia Abreu e a Deputada Federal Dorinha. E como era de se esperar o embate entre as duas tem esquentado nessa reta final, sobretudo com uma campanha mais agressiva de Kátia contra Dorinha questionando sua experiência e competência para representar o Tocantins no Senado. No entanto esse discurso é insuficiente para reverter a tendência apontada pelas pesquisas que indicam o favoritismo de Dorinha. Até por que a candidata do União Brasil não é exatamente uma inexperiente na política como tenta pintar Kátia. E por fim, convenhamos, depois de 16 anos de mandato, o tocantinense tem razão em querer mudar o seu representante no Senado. Deveria fazer o mesmo também em relação aos deputados. 


E assim seguimos

Incrédulo de quem quer que seja eleito, sobretudo no caso da Presidência da República, não fará o enfrentamento aos problemas estruturais da nossa sociedade. Mas confiante na eleição de um congresso nacional mais plural, com maior representatividade de setores progressistas com capacidade de fazer frente a bancada do boi, da bala e da bíblia. E que esses ventos da mudança também possam reverberar no Tocantins. 


Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular.