sábado, 15 de junho de 2024

Uma leitura da obra “Os miseráveis”, do Victor Hugo

Morrer é nada, minha querida. Horrível é não viver”
Victor Hugo, in Os miseráveis 


“Em nenhum outro lugar, as profundas e infinitas contradições humanas aparecem tão dramaticamente explícitas do que no campo de batalha. Talvez seja pela grandiosidade da proximidade da morte...”. Filósofa Victor Hugo num dos trechos da sua célebre obra Os miseráveis, publicada em 1862. E continua. “Será ali que a solidão esmagadora em que, ao fim e ao cabo, nascemos, em que somos confinados e em que morreremos se faz mais evidente e onde a nossa essência  (a covardia, a mesquinhez, o egoísmo e outros tantos sentimentos, destacadamente os ruins, pois, muitas vezes, a nossa benignidade é apenas a grande mentira que contamos sobre nós mesmos e para nós mesmos), nos confronta.”

Os trechos acima que abrem, digamos o terceiro ato da obra, reflete um dos aspectos da narrativa clássica do célebre escritor francês do século XIX – uma discussão filosófica sobre a natureza humana. O que nos faz imediatamente lembrar de Thomas Hobbes e Rousseau. Enquanto o primeiro acredita na maldade como inerente ao ser humano. O segundo discorda. Victor Hugo claramente concorda com o primeiro. Ainda que aponte por meio dos seus personagens, como Jean Valjean ações benevolentes. Que numa análise minuciosa são realizadas não pensando no outro, mas em si. Ou seja, são ações que acabam tendo um caráter egoísta.

Nessa linha o título da obra ganha dois sentidos. O primeiro está relacionado ao que foi dito anteriormente, ligado a nossa natureza. Já o segundo se relaciona a questão material, com a desigualdade social (que não deixa de está relacionado com o primeiro). Desse modo além do aspecto acerca da discussão da natureza humana, também temos a questão política. Que se dá, na nossa ótica, com uma discussão sobre o papel do Estado. 

Para compreender melhor essa dinâmica, Victor Hugo desenvolve alguns personagens importantes. A começar por aquele que poderíamos denominar de protagonista – Jean Valjean. Considerado um criminoso pelo Estado o que o fará ser perseguido por quase toda a vida pelo implacável inspetor de Polícia Javert.

Aqui não poderíamos deixar de lembrar de Aristóteles quando diz que a política deveria ser a arte de fazer justiça. Mas que justiça é essa que condena um homem a prisão, deixando-o 19 anos preso, por roubar um pedaço de pão para aplacar a fome de alguém?! Posto em liberdade Jean Valjean nutri um ressentimento pela sociedade que o leva a cometer outro delito. Não é a prisão que irá transforma-lo, fazendo com que ele enfrente grandes obstáculos para cuidar de Cosette, mas a boa ação do religioso Bienvenu evitando que ele voltasse para prisão. 

Javert aparece implacável no seu papel de fazer cumprir a lei. A ele não interessa o que levou o indivíduo a chegar num determinado ponto, como no caso da pobre Fantine. O importante é combater de forma severa qualquer desvio de conduta. Quando ele descobrir que querer fazer cumprir a lei cegamente não tem sentido. Ainda mais diante do fato que nem sempre essas leis são justas, sua vida perde sentido e o seu final é trágico.

O romance vai avançando e o autor vai nos mostrando como a desigualdade social alimenta a revolta. Alguns partem para vida do crime como é o caso dos Thérnadier. Outros como o jovem Marius para militância política. Chegamos assim na guerra civil que coloca todos os miseráveis na mesma trincheira.

Marius surge como a figura do intelectual republicano que acredita na revolução como um meio de transformar a sociedade francesa sob o regime monárquico. De família aristocrática, rompe com esta em nome das suas convicções políticas. O pequeno Gavroche simboliza o povo, imaturo, sem consciência, aventureiro, que se sacrifica pela causa. Éponine lembra Fantine – a amante não correspondida que acaba se sacrificando pelo amado. Marius, volta para casa, se reconcilia com seu avô aristocrata (Gillenormand) e se casa com Cosette.

Esses personagens nos mostra que a aliança entre o povo e a burguesia, só favorece a burguesia.

“Muitos estavam mortos, enquanto a maioria da população simplesmente ignorava o apelo às armas de estudantes e operários e, aos poucos, voltavam à normalidade como se nada de mais grave houvesse acontecido em Paris e em vários outras cidades francesas. Dentro de poucos dias ou mesmo de horas, o derradeiro bastião de grandes transformações sociais e políticas sucumbiria sem deixar maiores lembranças.”

Certamente isso serviria de lição para os líderes da Comuna de Paris (1871). Que não teve melhor sorte que a revolta de 1832 descrita em Os miseráveis. Mas serve de inspiração ainda hoje para aqueles que sonham com outra sociedade. Entre eles Karl Marx ao desenvolver o seu materialismo histórico dialético.

“Cosette e Marius ainda fizeram menção de dizer muitas outras palavras, animá-lo, promessas tolas sobre um futuro que não mais interessava a Jean Valjean. Ele dirigiu-lhe um último olhar, aquela luz mágica do encantamento mais genuíno diante da felicidade de outros, eclipsando-se serenamente. Finalmente em paz”.

O final parece contradizer a tese do próprio autor de que somos maus por natureza. Jean Valjean no seu leito de morte encontra a paz que sempre procurou ao contemplar a felicidade daquela pela qual ele decidiu dedicar longos anos da sua vida. Ou seja, de forma genuína ele demonstrou amor pelo outro. O que talvez tenha sido apenas pelo seu encontro com o inevitável fim.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Ementa da disciplina eletiva Aos pés do Morro do Segredo - Breve introdução a história do Lajeado

Conhecer a história do lugar onde vivemos é importante para compreendermos a dinâmica desse lugar e a partir dai poder intervir de forma consciente para o seu desenvolvimento, preservando as riquezas naturais e culturais, garantindo os direitos básicos da população. É Nessa perspectiva que propomos a disciplina eletiva “Sob o pé do Morro do Segredo: Introdução a História do Lajeado”. Que será desenvolvida junto a turma: 37.02 (3° Período EJA – Terceiro Segmento). 

Nosso objetivo com essa disciplina eletiva é levar o estudante a conhecer a história de Lajeado, analisando os acontecimentos que contribuirão para o seu desenvolvimento. Para tanto mobilizaremos diferentes habilidades e áreas do conhecimento. Na linha do que propõe a competência 01 (Competência) da Base Nacional Comum Curricular (BNCC): “valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva”. Ora, conhecer a história de um lugar é também conhecer a sua geografia, as questões sociológicas e filosóficas. É também conhecer suas expressões culturais, o fenómeno da vida biológica e o que os números nos diz sobre esse lugar. Logo temos aí as quatro áreas do conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.  Porém, vamos trabalhar a partir das Linguagens e sua Tecnologias e das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. 

Apesar de ser um município jovem (criado em 1991 e implantado em 1992), enquanto território Lajeado tem uma tradição pré-histórica como aponta as pinturas rupestres encontradas nos sítios rupestres como o do Caititu. Já o povoamento por não-índios, estudos históricos apontam que se deu por volta do século XVII e XVIII. Conhecer essas raízes pré-histórica, bem como os acontecimentos que ocorreram ao longo dos anos é importante para compreendermos o que o município é hoje bem como vislumbrar o que poderá ser no futuro. 

Acreditamos que esse conhecimento não é só importante para o estudante, mas certamente para comunidade lajeadense. Pois um dos objetivos da disciplina é, ao final, produzir um material impresso, que possibilite a comunidade se apropriar do que foi desenvolvido durante as aulas. Salientamos a importância de um material nesse sentido acerca da história do município, sobretudo diante da escassez de registros históricos a esse respeito. E o pouco que tem não é tão acessível. Também salientamos o fato de que quando você conhece a história do lugar onde vive, acaba desenvolvendo um sentimento de pertença que o leva a se envolver com o destino da cidade e com isso se tornando um cidadão de fato. Nessa perspectiva salientamos o que diz a lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – 9394/96), quanto a formação para cidadania. 

A disciplina será desenvolvida a partir de uma metodologia problematizadora, tendo no método dialético um princípio fundamental. O que consiste, objetivamente, em colocar em discussão diferentes visões, buscando ao final construir uma síntese. Para tanto utilizaremos filmes, artigos, livros entre outros materiais que nos ajude no aprofundamento e problematização dos objetos estudados. 

Nesse sentido o ponto de partida será a compreensão de como se deu o povoamento dessa região por não-índios, sem deixar de abordar os registros que se tem dos povos que habitavam essas paragens anteriormente. Para tanto, o filme “No coração dos Deuses” (1990), nos ajudará na sensibilização dessa temática. Além da tese de Doutorado da arqueóloga Júlia Berra sobre a Arte Rupestre na Serra do Lajeado. Os momentos seguintes também seguiram essa perspectiva até chegar nos dias atuais. Como parte prática, os estudantes serão direcionados a fazer entrevistas com personagens importantes da história da cidade, e se possível, visitas em locais históricos. Ao final será confeccionado uma revista contando um pouco a história da cidade a partir da perspectiva do que foi trabalhado na disciplina. E a mesma será lançada com uma noite de autografo. 

Enfim, acreditamos, que a disciplina eletiva “Sob o pé do Morro do Segredo: Introdução a História do Lajeado. Será um marco importante para Comunidade Escolar e em Geral. Ao colocar como objeto central de estudo o lugar onde vivemos. Trazendo uma realidade mais próxima do estudante para analise e discussão - uma análise e discussão que levará não só a um conhecimento, mas a produção de conhecimento. Logo, espera-se portanto, que o estudante não apenas desenvolva um aprendizado conceitual, mas também procedimental e atitudinal.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Diálogos na sala de aula - a questão do luto

Não raramente alguns estudantes se aproximam de mim para conversar sobre questões existencialistas. Creio que mais do que minha formação, isso se dá pela metodologia dialógica que desenvolvo na sala de aula. Gosto de ouvir e a partir daí conhecer minimamente aquele estudante. Eles percebem que me importo, não os julgo, pelo contrário, busco compreendê-los. E muitas vezes sinto que é apenas isso que eles buscam.

Esses dias aconteceu uma dessas conversas que me marcou. Foi uma aluna um tanto arisca que sempre senta no fundão e só vai até mim quando precisa de “um visto” numa atividade. No dia em questão ela pegou uma cadeira, sentou do meu lado e começou a questionar algumas coisas. Não foi nada aleatório. Mas certamente motivada pelo exemplo de outros colegas. A conversa começou por ela me questionando sobre misticismos. Por exemplo, o que aconteceria com alguém que faz feitiço para outra. Eu procurei entender a intencionalidade por trás da questão e dei uma resposta racionalista, ou seja, de alguém que não acredita nisso, mas sem desdenhar daqueles que acreditam. Vi que ela gostou, e continuou a perguntar. 

- Professor, é normal sonhar muito com alguém que já morreu?

Novamente busquei entender a intencionalidade por trás da pergunta. E compreendi que era sobre ela. Mas se ela não falara, pelo menos num primeiro momento, não iria forçá-la a isso. Apelei para uma explicação racional dizendo que os sonhos são projeções do nosso inconsciente. Como diria Freud, reflexo dos nossos desejos reprimidos. Traduzindo para uma linguagem mais acessível disse que os nossos sonhos refletem aquilo que estamos sentindo. Ou seja, se estamos sonhando com alguém que já morreu é reflexo do nosso desejo de estarmos com essa pessoa - a saudade que sentimos.

A partir daí não tive como não trazer a minha experiência pessoal com minha mãe. Falei para estudante que não há um dia que eu não pense na minha mãe. E consequentemente sonho com ela.

A estudante parece ter ficado aliviada. E disse que algumas pessoas lhe disseram que sonhar com pessoas mortas não era bom - que o defunto estava sofrendo, precisava de oração.

Ela então me disse que havia perdido a mãe há três meses, e que sonhava com a mesma com frequência. Eu então disse que era mais compreensível ainda o fato dela sonhar com a mãe com frequência. Pois ainda é muito recente. Sem falar na idade dela.

- No sonho ela sempre está bem. E não me pede nada. Disse ela, questionando o que ouvira de algumas pessoas. Não pude deixar de pensar comigo o meio que essa menina é criada. E o quanto essas crendices afetam pessoas frágeis emocionalmente. Fazendo com que elas busquem abrigos questionáveis. Busquei confortá-la dizendo que ela está passando por um processo necessário de luto. Mas o que é isso?

Maria Inês Castanha de Queiroz (2010) define como:

“um processo iniciado por uma ruptura desencadeada a partir de uma situação de perda ocasionada pela morte de uma pessoa com quem se tem vínculos de afeto e que leva à instauração de uma crise na relação do sujeito com o seu mundo-da-vida. O processo se desenvolve no âmbito de vivências de sensações, emoções, sentimentos, pensamentos e questionamentos que se expressam na unidade das dimensões corpóreas, psíquicas (afetivas) e do espírito. O luto intensifica a necessidade de reelaboração do sentido de vida, da afetividade, da vida prática e do mundo-da-vida, trazendo possibilidades de desenvolvimento da pessoa humana considerada em sua vivência comunitária.”

Em resumo, faz parte da experiência humana. É o que na antropologia se denomina de um rito de passagem. Pelo qual todos nós iremos passar. Não é um processo fácil para ninguém. Imagina para uma adolescente que está em formação.

Ela quis saber como tinha sido o meu processo. Quis saber se eu havia recebido alguma medicação para me controlar. Por que ela teve que ser medicada. Eu falei para ela que no meu caso não foi necessário. E busquei tranquilizá-la falando que cada um vivencia esse momento de forma diferente. Que é normal algumas pessoas precisarem ser medicadas diante do choque que sofrem quando do fato.

Enfim, ao final do diálogo percebi uma áurea diferente no rosto dela. Sei que isso não será um estado permanente. Mas tudo bem. E compreender que tudo bem nem sempre está bem é importante, senão fundamental. Uma das coisas que mais gosto nesses diálogos em sala de aula são essas experiências que nos possibilitam trocas que mudam a nossa percepção acerca de algo. Ainda que essa mudança seja apenas de como ela me vê e como eu a vejo.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Marcuse: Novas formas de controle

Com o avanço da técnica e a benesses que ela nos trás era de se esperar que vivêssemos numa sociedade mais livre - que tivéssemos mais tempo para desenvolver toda a nossa potencialidade criativa. Mas não é isso que acontece na prática. Quanto mais avança a técnica menos liberdade temos - a não ser para nos autoexplorar em busca de metas inalcançáveis.

Marcuse chama atenção para essa questão ao analisar a ideologia da sociedade industrial e a formação do indivíduo unidimensional - que acredita ser livre quando na verdade está submisso ao sistema que o transforma em máquina - agindo a partir de uma racionalidade tecnológica. O indivíduo unidimensional perde a sua capacidade de crítica e consequentemente de mudar uma determinada realidade. Pois a crítica é fundamental para vislumbrarmos perspectivas de mudanças qualitativas. 

Bastos (2014) afirma que:

“o homem unidimensional, para Marcuse (1982), refere-se principalmente a um modo de vida condizente com o capitalismo vigente e também se expande de forma consensual e com grande tendência totalizante pelo tecido social: de um lado, esse "homem" faz avançar os pressupostos do mercado pelo território econômico, social, político, cultural, científico, tecnológico etc. De outro, avança ainda pelo território subjetivo, notadamente pela produção do desejo inconsciente. Daí que essa "unidimensionalidade" está atualmente pelos quatro cantos do planeta: ela está praticamente em todos os lugares e em lugar algum.”

Ou seja, o homem unidimensional é produto do capitalismo - e do seu projeto totalizante de domínio por meio de uma racionalidade tecnológica que avança para todos os âmbitos da vida social. Essa racionalidade tecnológica substitui a racionalidade humana através da introjeção de valores que leva o indivíduo a se comportar de determinadas formas. Isso acontece sem o uso da força, por isso nosso filósofo (1973) chama atenção para novas formas de controle.

Ao tratar sobre as novas formas de controle, o primeiro ponto para o qual Marcuse chama atenção (1973) é para falta de liberdade nas ditas sociedades desenvolvidas industrialmente. Ou seja, onde há um alto desenvolvimento tecnológico. E consequentemente mais possibilidade para melhoria das condições de vida. Essa falta de liberdade é aceita sem questionamentos. Nessa linha ele (1973) nos diz que “os direitos e liberdades que foram assaz vitais nas origens e fases iniciais da sociedade industrial… estão perdendo seu sentido lógico.” Ao se tornar dominante, esses direitos e liberdades são deixados de lado em troca do atendimento das necessidades dos indivíduos. Com isso, “independência de pensamento, autonomia e direito a oposição política estão perdendo sua função crítica básica”.

De acordo com Marcuse (1973) na sociedade industrial o poder político é afirmado a partir do domínio sobre o processo mecânico. É importante salientar que a máquina não está acima do indivíduo. Pois o seu poder nada mais é do que o poder do homem armazenado e projetado (aqui abrimos um parêntese para questionar a ideia de inteligência artificial).

Marcuse (1973) salienta que “o mundo do trabalho se torna a base potencial de uma nova liberdade para o homem no quanto seja concebido como uma máquina e, por conseguinte, mecanizado”. Ou seja, liberdade de se autoexplorar e alienar-se. Nesse linha, não é possível compreender a sociedade industrial e sua ideologia a partir do sentido tradicional dado aos termos liberdade econômica, política e etc. Mas sim a partir da compreensão de que (1973. p. 25-26), quando se fala em:

“liberdade econômica significaria liberdade de economia - de ser controlado pelas forças e relações econômicas; liberdade de luta cotidiana pela existência, de ganhar a vida. Liberdade política significaria a libertação do indivíduo da política sobre a qual ele não tem controle eficaz algum. Do mesmo modo, liberdade intelectual significaria a restauração do pensamento individual, ora absolvida pela comunicação e doutrinação em massa, abolição da “opinião pública” juntamente com os seus forjadores.

O que para o nosso filósofo é irrealizável, não pelo aspecto utópico dessas proposições. Mas pelas forças que impedem essa realização. Entre elas o processo de introjeção de valores. Daí que ele dirá que (1973) “a mais eficaz e resistente forma de guerra contra a libertação é a implantação das necessidades materiais e intelectuais”. A partir daí, nosso filósofo aprofundará como se dá a criação de falsas necessidades, transformando o indivíduo num sujeito submisso, sem perspectiva crítica e por conseguinte de mudanças.

“Tais necessidades têm um conteúdo e uma função sociais determinados por forças externas sobre as quais o indivíduo não tem controle algum" (MARCUSE, 1973, p. 26).

Nos parece que com o avanço da técnica, sobretudo a popularização da internet, essa questão apontada por Marcuse tornou-se ainda mais evidente. Avançando inclusive para comunidades tradicionais, que em que pese não terem se desenvolvido do ponto de vista industrial, estão inseridos no mercado global por meio da rede mundial de computadores.

Esse ponto mostra o avanço da racionalidade tecnológica e a necessidade de pensarmos formas de resistência a esse processo autoritário de desumanização da sociedade, restituindo por meio da crítica, à racionalidade humana. Essa tarefa torna-se possível através de uma pedagogia radical, que utiliza diferentes estratégias didático-pedagógicas, opondo-se a uma pedagogia unidimensional, caracterizada pela imposição de uma positividade alienante.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.

sábado, 25 de maio de 2024

Projeto de Vida – um breve relato da aula campo na Agrotins

Foi numa quinta-feira  (16 de maio de 2024), pensa num calor! Só quem mora em Palmas sabe bem. Mas o sorriso no rosto dos estudantes mostravam que o sol de 50 graus (na sombra) não seria um problema. Da nossa parte o entusiasmo não era o mesmo. Mas como docente compreendiamos a importância daquela vivência para que aqueles estudantes pudessem conhecer e vislumbrar possibilidades relacionadas ao mundo do trabalho. 

Durante as escutas realizadas nas aulas do projeto de vida observamos que há uma quantidade considerável de estudantes que têm o “sonho” profissional ligado ao agro - que além de está na origem desses meninos e meninas, também estamos falando do motor propulsor da economia regional e nacional. E durante a aula-campo eles puderam vivenciar isso. Viram a grandeza desse setor através dos estandes de exposições. Das diferentes perspectivas profissionais que vão além da engenharia agronômica, o uso da tecnologia cada vez mais presente e a soluções sustentáveis tão necessárias no contexto de crise climática que vivemos. 

A Agrotins é considerada a maior feira de tecnologia agropecuária da região norte do país, e que nesse ano chegou na sua 24ª edição - tendo como tema: Bioeconomia. Ou seja, economia da vida. É um tema interessante sobretudo quando analisamos que o desenvolvimento do agronegócio brasileiro, sobretudo a partir do setor ruralista, tem como legado um rastro de sangue e devastação. Ou seja, uma economia de morte. 

Acreditamos que essa mudança de paradigma é necessária, e a nossa crença nesse sentido está nas novas gerações que estão sendo formadas para atuar nesse setor. Mas já observamos algumas mudanças, por exemplo, durante nossa atividade foi possível ouvir na rádio Agrotins uma entrevista ao vivo com ninguém menos do que Narubia Werreria - Indigena, ambientalista e atualmente ocupando o cargo de Secretária dos Povos Originários e Tradicionais do Tocantins. 

A aula-campo ocorreu de forma tranquila, com os estudantes tendo autonomia de circular conforme seus interesses. Posteriormente foi solicitado que fizessem um relatório da atividade, e de forma unânime todos ressaltaram como excelente. Pontuando os aspectos que mais chamaram atenção deles como o uso de recursos tecnológicos de última geração. Da nossa parte coube problematizar o espaço  (ou a falta) da agricultura familiar e camponesa que é quem por exemplo garante uma alimentação escolar de qualidade.

Nossa avaliação da atividade também foi positiva. Creio termos alcançado o objetivo proposto. 

Nós temos consciência da importância de atividades como essa para que os nossos estudantes, sobretudo do componente curricular de Projeto de Vida, possam vivenciar experiências que contribuíram para sua formação. No entanto não é fácil tirar um estudante da sala de aula. E digo isso não só pela questão estrutural, como transporte. Ou pelo impacto na rotina escolar. Mas pelo fato de que muitos acham que é um “passeio” – uma fuga da escola, da sala de aula. Quando na realidade a aula campo proporciona ao estudante exercer a técnica da observação, coletando dados a partir de uma determinada realidade que lhe permitirá aprofundar os estudos desenvolvidos em sala de aula. Ou seja, articular teoria e prática. 

Outro aspecto não menos importante é notar que essas atividades também proporcionam a muitos estudantes acesso a lugares que nunca tiveram a oportunidade de conhecer (estamos falando de estudantes de escola pública localizada numa região periférica). Foi incrível ver nos rostos deles a alegria de estarem vivendo aquele momento. Imagino o quanto isso não marcará suas vidas. 

Retornamos para escola, e depois para casa, extremamente cansados, pois pensa num clima que castiga. O sol do mês de maio no Tocantins no periodo vespertino é cruel. Mas o sorriso de satisfação no rosto deles mostrava que valeu a pena.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Um poema para Palmas









No coração do cerrado,
as margens do  rio Tocantins.
Protegida pela serra do Lajeado
Capital do Estado do Tocantins.

Ainda tão jovem

mas já é uma realidade.

Personalidade forte

és uma bela cidade.


Cada dia atrai mais gente

em busca de uma  guarida.

Com o suor do trabalho

constroem uma nova vida.


E assim vai se desenvolvendo

a capital do Tocantins.

Mostrando muita pujança

problemas? também tem sim.


Sabe muito bem

quem mora do outro lado da ponte.

Que pega o eixão

que segue sem saber pra onde.


Especulação imobiliária

descaso com a saúde.

Violência em todo canto.

não há voz pra juventude.


Mas há sempre uma praia

pra gente relaxar.

Um bar em cada esquina

cerveja pra celebrar.


Para esquecer uma vida medíocre

também vamos beber.

Se a coisa complicar

há uma igreja perto de você.


Há outras tantas cidades

dentro dessa cidade.

Se há algo que a identifica

é a multiculturalidade.


As feiras são um caso à parte

e o são joão então.

Falam que é o melhor pôr do sol

essa é Palmas, meu irmão.


Pedro Ferreira Nunes - Um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Transporte Urbano de Palmas e a luta por Tarifa Zero

Esses dias voltando do Lajeado para Palmas tive que pegar um coletivo até a casa onde estou ficando no Aureny I. Assim que cheguei no ponto já me certifiquei de pegar o dinheiro da passagem. Só então quando o ônibus chegou é que me lembrei que aos finais de semana (e feriados) o transporte público é gratuito. Fiquei pensando comigo o quanto isso não é importante para quem mora na periferia e depende do transporte público. O transporte coletivo gratuito possibilita a essas pessoas terem acesso a equipamentos culturais que estão centralizados como cinemas. Ou visitar parentes e amigos que moram no outro extremo da cidade.

Me lembrei disso após a declaração do Carlos Amastha, pré-candidato a prefeito de Palmas, criticando o modelo de gestão atual do transporte público a cargo do executivo municipal. E defendendo o modelo de concessão. Ou seja, se caso for eleito, Carlos Amastha certamente irá rever o modelo atual. Passando para iniciativa privada a gestão do transporte público da capital. O discurso certamente será em torno da promessa de melhoria dos serviços.

Não sou um usuário frequente do transporte público da capital. De modo que não posso dizer se o serviço atual é de qualidade e atende as necessidades dos usuários. Mas posso afirmar que não é tão inferior em relação ao anterior (que utilizei quase diariamente nos tempos da graduação na UFT). E com planejamento e investimento pode melhorar.

Diante disso vejo como um retrocesso qualquer proposta de retorno ao modelo anterior. Devemos sim lutar para que o modelo atual seja melhorado. Inclusive ampliando a gratuidade para mais usuários, como por exemplo aqueles que estão desempregados e muitas vezes não tem condições de se deslocar em busca de serviços. O que não é possível num modelo de gestão dominado pelas empresas que visam exclusivamente o lucro.

De acordo com Santini (2019) “a adoção da tarifa zero está entre as soluções mais interessantes para cidades, com potencial para melhorar o trânsito, o bem-estar e a qualidade de vida não só de quem usa as redes abertas, mas de toda a população.” Essa compreensão é fundamental para que a população compreenda que defender um serviço de transporte coletivo urbano de qualidade é tarefa de todos os cidadãos independente se é ou não usuário desse serviço. Pois políticas como essa afetam a vida de todos.

Santini (2019), explica que “além da fonte de recursos, o formato das políticas de passe livre também variam. Elas podem ser universais ou parciais, considerando que a tarifa zero pode ser adotada para atender apenas parte do público, funcionar somente em parte da rede ou estar limitada a determinados horários”. 

Ainda estamos distantes para que a tarifa zero se torne uma política universal. Enquanto isso, não podemos deixar de reivindicar tarifas zeros parciais como a adotada pela Prefeitura de Palmas. E em outras partes do Brasil voltadas para determinados públicos como os idosos.

Sobre isso, Santini (2019) destaca que “essa é uma conquista considerável que deve ser valorizada. Garantir mobilidade para essa faixa etária é uma forma de incentivar quem não está mais no mercado de trabalho a sair de casa e seguir ativo.” Ele também salienta que há “outras políticas de passe livre parcial – como as que atendem estudantes, portadores de necessidades especiais, pessoas  de baixa renda e integrantes de determinadas categorias profissionais, como carteiros, policiais e bombeiros, entre outras. Ou ainda, como já indicado, as que incluem dias e horários específicos ou áreas limitadas.” Santini (2019) destaca que “as regras variam de região para região e, normalmente, os benefícios são conquistas relacionadas à pressão social”.

É nesse sentido que caminhamos para o encerramento dessas linhas. Chamando atenção para a necessidade da pressão social para que essa conquista da população palmense não seja perdida. Outro fator é usar esse como um dos critérios na hora de escolher em quem votar nas eleições municipais. As empresas certamente terão os seus representantes nessas eleições, pois certamente eles têm interesse em voltar a controlar o serviço. Tanto que tentaram sabotar o início da implantação  do modelo atual.

Enfim, concluímos com os questionamentos do Santini (2019), Transporte é um direito ou um serviço a ser oferecido? Queremos cidades que privilegiem o ganho coletivo ou cidades pensadas para tentar maximizar a liberdade individual acima de tudo, com prioridade de investimentos para o transporte individual motorizado?

Por Pedro Ferreira Nunes - Especialista em Filosofia e Direitos Humanos e Professor da Rede Estadual da Educação do Tocantins.