quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Raimundo Oliveira: Breves relatos de uma aula de campo e o ensino de Geografia

A prática docente no dia a dia da sala de aula exige muito do professor. É um esforço constante para que o processo de ensino-aprendizagem aconteça de forma satisfatória e os estudantes participem de forma efetiva das aulas. Nesse esforço  diário o professor busca minimamente prender a atenção dos estudantes com aulas dinâmicas e interativas. 

Não é rara as vezes que somos cobrados com a tal ‘’aula diferenciada’’, a sensação que se tem é que eles estão cansados de ficarem sentados em suas carteiras como sujeitos passivos ouvindo se falar sobre os mais diversos assuntos. No caso das aulas de geografia onde trabalhamos entre outras questões a formação do relevo, formação geológica, biomas, fauna, flora, rios e nascentes, desenvolvimento sustentável, a prática é fundamental. Sobretudo, num contexto onde a cidade que esses estudantes vivem proporcionam esse ambiente de investigação prática.

Na nossa experiência como docente de geografia na educação básica cheguei a conclusão que os estudantes tem razão de querer sair da rotina da sala de aula, aprender na prática, observando, ouvindo, coletando informações, fazendo perguntas. Além do mais, é uma experiência marcante para a vida estudantil. 

Uma das experiências que me fez chegar a essa conclusão foi uma aula de campo realizada na Semana do Meio Ambiente, como atividade de culminância do Projeto desenvolvido pela Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, o qual detalharemos mais adiante. Por enquanto citamos essa atividade para exemplificar a importância da aula de campo no ensino de Geografia.

Solicitei aos estudantes que fizessem um relato da experiência vivenciada, e estive lendo, um por um dos relatos. Li com muita atenção e me surpreendi. Acompanho essa turma há algum tempo e hoje que estão na 3° série do ensino médio.  Posso afirmar que pude conhecer bem mais de cada um desses estudantes nessa aula. Para Viveiro e Diniz (2009), a aula de campo se propaga também como um aumento de afeto e confiança entre discentes e docentes. Isso pode se ser facilmente percebido. Vejamos a partir do relato dos estudantes abaixo, começando pelo do Rafael Sodré:

"O trabalho à campo desenvolvido pelos professores Raimundo, Pedro e Carlos da área de Humanas realizado no Sítio Arqueológico Kaititu no dia 03/06/2022. O trabalho à campo teve sua primeira parada no morro do leão para uma explicação do professor Raimundo sobre geologia e relevo. Logo após fomos a 1ª Usina Hidretrica de Lajeado, e o enfatizado nesta parada foi fontes energéticas, e desenvolvimento local após a construção e os impactos ambientais provocados. Já no Sitio Arqueológico tivemos a trilha conduzida pelo sue Luís até as pinturas.  Ao chegar tivemos a aula conduzida pelo professor Carlos, sobre a história das pinturas. Após o Sitio nos dirigimos até à Comunidade Pedreira, onde tivemos uma dinâmica realizada em uma chácara cujo a equipe campeã foi a Pequizinho. Logo depois conhecemos o colégio JK. O nosso momento do almoço e descanso foi realizado na pousada Recanto das Araras, cujo é um local ecológico e sustentável. A proprietária explicou que essa pousada surgiu após incentivo de amigos e familiares. Todo o local que ficamos trabalha a sustentabilidade, a reciclagem, uso de energia solar, fossa sustentável que trata a água e além do trabalho de arquitetura que usa madeira de demolição e objetos resgatados".



Para a estudante Maria Eduarda Alves: “a nossa aula campo foi muito legal, com todos reunidos, fomos ao Morro do Leão, fizemos várias fotos, depois disso fomos ao local da primeira usina hidrelétrica de Lajeado, com tudo lá organizado, com a turma reunida tiramos fotos para registro. Depois fomos ao um local que subimos uma escadaria bem alta que dar acesso as gravuras rupestres. Foi muito legal lá (..) depois a gente foi em uma chácara e lá com os grupos divididos fizemos uma dinâmica, e o grupo ‘’pequizin’’ ganhou. Depois disso a turma foi para a pousada pouso das araras, um lugar encantador, lugar de paz. Lá a gente descansou, se divertiu, almoçamos, tomamos banho de piscina,.. A proprietária de lá comentou sobre tudo daquele lugar lindo. Falou sobre os móveis que são de materiais recicláveis, sistema de fossas. Tinha uma galinhada maravilhosa, frutas e tudo de bom”. 

Já o relato do estudante Davi Vinhal foi o seguinte: ‘’Saímos sexta-feira a tarde e nos dirigimos, eu e minha turma rumo a comunidade Pedreira, para o local responsável pelas pinturas rupestre, Sitio Caititu. Pudemos observar como é rica a beleza e a diversidade da nossa região, assim como foi muito importante saber da existência e da historia dessas pinturas, focar os incríveis momentos fraternos. Logo depois, para uma usininha, a usina hidrelétrica a qual abastece (abasteceu) algumas regiões da cidade de Lajeado. Por fim, como destino final, chegamos ao Recanto das Araras, um lugar com belezas exuberante, que pudemos ter momentos diversos e inesquecíveis, em que aprendemos muito sobre como bem cuidar do meio ambiente e utiliza-lo para sustenta-lo, além de podermos nos tornar mais unidos, com a sala e com a natureza. Conclui-se que a aprendizagem não se resume apenas em sala de aula, mas em nossa vivencia diária, uns com os outros e com a própria natureza’’.

Eles cobram muito das aulas de Geografia por que é um componente curricular que de fato permite esse momento, essa integração entre a teoria e a prática sem maiores esforços, sem um laboratório sofisticado e de ultima geração, o próprio campo se torna o verdadeiro laboratório. 

A estudante Railane Oliveira relatou: ‘’ Nessa aula à campo iniciou com a gente saindo da escola. Tivemos a nossa primeira parada que foi no morro do leão, descemos e tiramos fotos individuais e em conjunto, o professor Raimundo explicou um pouco da historia do morro do Leão, depois da explicação voltamos para o ônibus e continuamos o percurso, logo em seguida paramos na primeira usina hidrelétrica de Lajeado. O professor Pedro, explicou como que a usina foi fundada aqui, que na época era Goiás, depois da explicação tiramos mais fotos e vídeos, fomos para o ônibus para continuar a aula, andamos mais um pouco e chegamos no Sitio Arqueológico do Caititu, esperamos o guia chegar para iniciar a caminhada, quando o guia chegou, nos preparamos, enchemos as garrafinhas de água e passamos protetor solar e repelente. Logo em seguida iniciamos a cainhada, andamos, até que chegou no primeiro ponto de parada, que foi lá em uma placa que a gente descansou, pois a caminhada foi muito longa (mentira, foi só o nosso sedentarismo mesmo achando que estávamos chegando no morro, mal sabíamos  nós que tinha uma longa caminhada pela frente, descansamos e tiramos mais fotos). Começou a caminhada novamente, andamos e andamos.., até que chegou ao tão esperado lugar. Vimos as gravuras rupestres que foi feita pelo pessoal da pré-história (sic), e ainda teve a explicação do professor Carlos sobre como era naquela época e como como foi desenvolvida as gravuras. Eu e alguns colegas de sala voltamos na frente enquanto os outros ficaram para trás tirando fotos. Nessa volta foi muito engraçado, pois o medo de cair era grande, chegamos até o local onde estava o ônibus, aí do nada começamos a dançar forró até os outros que ainda não tinha vindo chegar, depois de uns minutos eles chegaram e a gente foi embora em direção a comunidade Pedreira. Chegamos lá e fizemos uma dinâmica muito legal chamada caça ao tesouro, na qual tínhamos que procurar os itens e o grupo ’pequizin’ ganhou. Depois da caça ao tesouro a gente foi visitar a escola municipal JK, que inclusive é muito bonita, passamos alguns minutos lá, tiramos mais fotos e em seguida a gente foi para o nosso destino final. Pousada da Araras, chegando lá a dona que se chama Tãnia foi muito fofa e atenciosa com a gente e nos tratou muito bem.  Tiramos fotos com a proprietária e com a turma, depois das fotos entramos e nos acomodamos nos quartos e conhecemos a pousada, alguns minutos. Após a nossa chegada na pousada a diretora Alzirene e o Walber chegaram para o almoço. Almoçamos e logo fomos descansar um pouco e aproveitar a pousada. Na volta o professor Carlos tocou violão e nós cantamos e chegamos na escola, infelizmente nosso dia terminou. Tenho certeza que tudo que a gente viu passou, sorriu, cantou e etc,. vai ficar marcado em nossas vidas, foi a melhor experiência das nossas vidas’’. 

O relato da estudante Dayelle foi o seguinte: “A aula de campo na pousada recanto das araras ,localizada na comunidade pedreira, nos trouxe  uma experiência magnifica, mostrando o valor, riqueza e a diversidade da natureza. No decorrer do passeio, visitamos e observamos pinturas rupestres incríveis. A Pousada das Araras, tivemos o privilegio de presenciar de perto, o modo como a proprietária da pousada, utiliza meios de prevenção do meio ambiente, sobretudo, o cuidado e a proteção. Uma das coisas mais interessantes foi a fossa ecológica, que vai direto para a plantação de bananas. Tivemos muitas experiências marcantes no passeio de campo. A natureza e tudo que há nela, traz a certeza que a diversidade da natureza nos proporciona saúde e  paz”. 

A estudante Maguiane relatou: “no dia 03 de Junho de 2022 fizemos uma aula a campo onde se teve inicio as 08ꓽ00 hs da manhã, saindo da escola com a primeira parada no morro do leão, onde tiramos fotos e registramos o momento com o professor Raimundo, professor de Geografa e coordenador do projeto, explicou sobre as rochas da base que sustenta a forma do morro do leão, logo em seguida seguimos para a usina onde vimos um pouco de sua estrutura, fotografamos, conversamos e esclarecemos duvidas. Logo depois fomos ao Sitio Arqueológico Caititu, onde fomos guiados por uma trilha até as pinturas rupestres, o local é encantador. Logo em seguida seguimos para a comunidade Pedreira, onde fizemos uma primeira parada na chácara do senhor Juca, lá foi realizado uma dinâmica. Por volta das 11h30hs fomos para a pousada, local de descanso e almoço.. Chegando na pousada fomos recebidos pela proprietária do local, dona Tânia, que também é professora de Geografia, que mantém o local de forma sustentável. Guiados pela proprietária fizemos um tour pelo local, onde ela explicou cada detalhe do ambiente, começando pelo sistema de fossa que é totalmente ecológica, com uma estrutura feita para não contaminar o solo e nem o riacho, que passa pela propriedade. Vimos ainda um processo de compostagem de folhas, resto de comidas e etc’’.  



A realização de uma aula de campo não é tão simples como pensa os estudantes. Requer todo um processo de planejamento que precisa ser feito com antecipação, prevendo todos os passos a serem seguidos e executados. Ou seja, um projeto. E a partir dai buscar parcerias. 

No caso da realização e culminância da aula de campo realizada no dia 03 /06 de 2022 pela área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. Primeiro se pensou em o que fazer ou que ação trabalhar na Semana Nacional do Meio Ambiente. Durante o planejamento de área no ambiente escolar, juntamente com meus colegas professores surgiu a ideia a partir da busca no livro Projetos Integradores (2021), que propunha a seguinte temática ‘’Sustentabilidade? que ideias contribuem?’’. A partir dessa temática, combinamos trabalhar a questão da sustentabilidade com foco na educação ambiental ainda em sala de aula, onde os estudantes produziram textos e trabalhos maravilhosos sobre o assunto. A ideia era, depois de preparar os estudantes, levar uma turma para o campo e aula prática, e assim aconteceu. Decidimos levar a turma mais velha da unidade escolar pelo fato de estarem concluindo o ciclo da educação básica e muitos ali conheciam bem pouco sobre o entorno da cidade, mesmo morando muito tempo na mesma. E também o fato de ser a turma mais madura (isso também contou muito, tendo em vista que sair com estudante do ambiente escolar é uma responsabilidade muito grande). 

Foi muito positivo a realização da ação, tendo em vista que os estudantes puderam sair dos muros do colégio. Contaram com a participação de professores com formação distinta nas Ciências Humanas: Filosofia, Geografia e Historia. Em relação as parcerias – elas foram fundamentais para o sucesso da ação. Se não fosse todo o apoio de todos os envolvidos, a ação muito provavelmente não seria realizada. Os professores de Humanas, Carlos e Pedro. A diretora Alzirene, as meninas do lanche e financeiro, a professora Tânia, Francisca, Liliana e os estudantes.  Muito mais pessoas estiveram envolvidas e fizerem acontecer. 

A aula de campo na pousada das araras, localizada na comunidade Pedreira, nos trouxeram uma experiência magnifica, mostrando o valor, riqueza e a diversidade da natureza. No decorrer do passeio, visitamos o sitio ecológico, onde tivemos a oportunidade de observar gravuras rupestres em um paredão arenítico. Na Pousada Pouso das Arraras, tivemos o privilegio de presenciar de perto, o modo como a proprietária da pousada utiliza meios de preservar o meio ambiente, sobretudo, o cuidado e a proteção . Uma das coisas mais interessantes foi a fossa ecológica, que vai direto para os pés de banana. 

Tivemos muitas experiências marcantes no passeio de campo. A natureza e tudo que há nela, nos traz a certeza que toda essa diversidade nos propícia saúde e qualidade de vida. E em relação ao ensino de geografia especificamente, mostrou ser uma metodologia acertada.

Por Raimundo de Oliveira – Professor da Educação Básica do CENSP-LAJEADO. Licenciado em Geografia e Especialista em Educação ambiental. 

***

Referência: VIVEIRO, A. A.; DINIZ, R. E. da S. Atividades de campo no ensino das Ciências e na Educação Ambiental: refletindo sobre as potencialidades dessa estratégia na prática escolar. Ciência em tela, São Paulo, v. 2, n. 1, 2009.


sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Sobre um ser extraordinário

Vou lhes contar a história de um ser extraordinário que nos deixou recentemente. Uma mulher que por onde passou semeou o amor, cultivou a amizade e se doou para proporcionar um ambiente saudável aqueles a sua volta. Essa mulher, é minha mãe, Maria Lúcia – um ser humano que mesmo não tendo uma vida fácil, nunca deixou de carregar consigo um sorriso amigo. E é esse sorriso, como também o seu exemplo de companheirismo que carregarei para sempre na memória. 

Maria Lúcia teve como objetivo na vida cuidar dos outros. Seja como filha, irmã, mãe, avó, bisavó, tia ou amiga – ela sempre estava pronta para ajudar. Sua humildade era comovedora. De modo que era impossível guardar alguma mágoa dela. Ela também não guardava mágoa de ninguém. Praticou o perdão como poucos. Muitas vezes eu não compreendia o por que dessa sua postura. Ora, como podia continuar sendo amiga de quem havia agido mau com ela? Achava-a um tanto ingênua, mas era na verdade, bondade. Coerente com sua fé era como se dissesse: - quem nunca errou que atire a primeira pedra. E ela errou, como ser humano que era. Como todos nós erramos. Mas nem sempre reconhecemos nossos erros. 

Filha de Jovelina e Graciliano, Maria Lúcia nasceu na Zona Rural de Miracema do Norte, nos idos de 1956. E como toda criança que nasce no campo numa família de pequenos camponeses teve que começar a trabalhar cedo. Carregava na memória uma infância de travessura e uma juventude animada, sobretudo nos festejos de Nossa Senhora de Fátima no Bairro Correntinho. Por volta dos seus 19 anos deu a luz ao seu primogênito. O pai da criança não quis assumir, foi obrigada então a se casar com outro homem para evitar o falatório de uma sociedade conservadora que não via com bons olhos uma mãe solteira.

O casamento arranjado não durou muito, ela então voltou para casa dos seus pais. Pouco tempo depois conheceu um jovem viúvo por quem se apaixonou e não demorou para que fossem morar juntos. Ele assumiu o filho dela como se fosse dele, ela as filhas dele como se fosse dela. Depois vieram os filhos deles – 7 ao todo, no final escaparam 5, entre eles, eu.

Para sustentar a família o trabalho no roçado era a única alternativa. As dificuldades eram muitas, os recursos poucos. Mas o suficiente para sobrevivência. Em busca de melhoras deixaram a roça e mudaram para o bairro Correntinho e depois para baixa Preta – na rua Maranhão.

A vida não continuava fácil. Para ajudar o marido no sustento da casa, ela trabalhava de diarista e lavava roupa para fora. Isso sem deixar de cuidar dos filhos e da casa. 14 anos depois chegou ao fim o seu casamento com meu pai. Ela conhecera um novo amor e ao lado dele partiu para construir uma nova vida.

Essa nova vida teve início numa chácara as margens do Rio Tocantins no município de Lajeado. Contava ela que no final da década de 1980, quando se dirigia a Porto Nacional para uma consulta médica, encantou-se pelo então povoado de Lajeado. E disse a meu pai que um dia ainda iria morar ali. O seu sonho se realizou e em Lajeado construiu uma importante história, fez muitas amizades e acabou de criar os filhos.

Plantar roça, cultivar vazantes, pescar – eram as atividades desenvolvidas para a subsistência da família. E ela sempre a frente, organizando mutirões, fazendo comida, cuidando de todos. 

Cerca de 15 anos depois chegava ao fim mais um casamento. Agora ela já morava no centro de Lajeado. A maioria dos filhos já tinha se casado e viviam em Goiânia. Com a parte de divisão dos bens ela comprou uma casinha no setor Aeroporto (em Lajeado), conseguiu se aposentar e assim ia tocando a vida, fazendo algum bico aqui e ali para ajudar no orçamento. 

Quis o destinado que nos últimos anos de sua vida pudesse desfrutar de um certo conforto – uma casinha melhor com os objetos que ela sempre sonhara. Tornou-se uma andarilha dividindo a vida entre Goiânia, Lajeado e Miracema. Gostava de passear mas sem esquecer sua responsabilidade como filha cuidando dos seus pais – mesmo com a idade avançada e os problemas de saúde.

Enfim, essa é em breves linhas a estória desse ser extraordinário que foi Maria Lúcia. Você camarada que não a conheceu e está lendo essa linhas dirá que não tenho a devida insenção para fazer tal afirmação. Mas aqueles que a conheceram testemunharam ao meu favor dizendo que não há exagero nenhum.

***

Hospital regional de Miracema, manhã de segunda-feira, última semana do mês de Julho. Eu já estava me preparando mentalmente para acompanha-la até Palmas – onde certamente encontraria melhores condições de tratamento. A noite anterior tinha sido difícil, por vários momentos imaginei que ela não veria a luz do dia. Mas agora, apesar do quadro grave, parecia que seria mais uma batalha (como outras anteriores) que conseguiríamos superar. Não foi assim, tive que encarar o que mais temia – a notícia de que minha mãe tinha partido – de todos os golpes que a vida poderia me dar esse certamente foi o pior. Não pude conter as lágrimas. Lhe dei um último olhar e no seu semblante havia um ar de repressão tal como Sócrates (no seu leito de morte) aos seus discípulos. Era como se dissesse: - Ora, quem na vida agiu virtuosamente, não há o que temer quando morre.

Todo mundo ama um dia

Todo mundo chora

Um dia a gente chega

E no outro vai embora...

Almir Sater e Renato Texeira 


Pedro Ferreira Nunes. Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO. Lua Crescente. Verão de 2022.


quinta-feira, 30 de junho de 2022

Ei Jimi

- Ei Jimi, 
Aonde você vai com essa guitarra? 
Me diga caro  Jimi, 
aonde você vai com essa guitarra?

- Eu vou incendiar o mundo,
tocando minha guitarra, 
my brother.
Eu vou incendiar o mundo,
tocando minha guitarra,
my brother.

- Ei Jimi, 
tome cuidado,
eles podem ti prender.
Tome cuidado Jimi,
eles iram ti prender.

- A não ser que seja com 
minha guitarra, 
é melhor que me matem.
Se for sem minha guitarra,
é melhor que me matem. 

- Então fique por aqui,
e nos toque uma canção. 
Vai Jimi,
nos toque uma canção. 

E Jimi com sua guitarra, 
tocou algumas canções.
E quando ele toca sua guitarra,
ele não toca simplesmente.
Ele transa com sua guitarra, 
ele faz amor com sua guitarra. 

- Agora tenho que ir,
vou tocar no Woodstock.
Me disseram que lá tem uma malucada
e muito pó pra cheirar. 
Uma malucada e muito pó, 
my brother.

- Ei Jimi, 
manera no pó.
Ou tu morre de overdose. 
Manera no pó, 
ou tu morre de overdose.

Ele não me respondeu, 
apenas sorriu e partiu,
partiu com sua guitarra.

Por Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latinoamericano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

sábado, 25 de junho de 2022

Aspis e o Ensino de Filosofia para Jovens como Experiência Filosófica

Como desenvolver o Ensino de Filosofia a partir de uma perspectiva filosófica na Educação Básica? Qual a importância desse ensino? É a partir de questões como essas que Renata Pereira Lima Aspis desenvolve a sua dissertação de Mestrado, defendida em 2004, sob a orientação de Sílvio Gallo. Apoiada em autores como Deleuze e Gattari, Aspis defende um Ensino de Filosofia que tem como fundamento a criação de conceito. Trata-se de uma perspectiva do Ensino de Filosofia que tem ganhado muito força nos cursos de formação de Professores de Filosofia. Vejamos a seguir os principais pontos da sua proposta. Antes, conheçamos um pouco mais da nossa autora. 

Renata Pereira Lima Aspis é graduada em Filosofia pela Faculdade Nossa Senhora Medianeira. E possui mestrado, doutorado e pós-doutorado em Educação  (Os dois primeiro pela Universidade Estadual de Campinas e o último pela Universidade de São Paulo). É Professora de Filosofia na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além do Ensino de Filosofia, formação na contemporaneidade e educação e resistência, são temas de seu interesse. Entre seus trabalhos publicados destacamos: Fazer filosofia com o corpo na rua: experimentações em pesquisa (2021), Filosofia e Educação: filosofia(s) da imagem e educação (2016) e Educação nas sociedades de controle: resistência e vida (2010).

Em “O ensino de Filosofia para Jovens como experiência filosófica” traça como objetivo principal “pensar filosoficamente um sistema de referências para o ensino de filosofia”. Para tanto a sua dissertação está organizada da seguinte forma: No primeiro momento ela fala sobre a a importância da filosofia no contexto da sociedade contemporânea. No segundo momento ela passa a tratar do Ensino de Filosofia propriamente, fazendo uma problematização acerca da sua constituição e desenvolvimento. No terceiro momento ela entra na sua proposta de ensino de Filosofia tendo como perspectiva a criação de conceitos. E a partir daí há um aprofundamento da sua proposta com reflexões acerca do diálogo investigativo, do papel do Professor de Filosofia, dos textos filosóficos e por fim da avaliação. Temos assim, duas partes propriamente, a primeira temos uma contextualização e problematização da Filosofia e seu Ensino. E na segunda a proposta da autora para o problema abordado. Isto é,  o ensino de Filosofia para Jovens a partir de uma perspectiva filosófica. Vejamos a seguir mais detalhadamente o que nos diz nossa autora.

O ponto de partida de Aspis não poderia ser outro se não a sua resposta para clássica pergunta:  o que é  filosofia? Para nossa autora (2004) trata-se de uma busca pela compreensão daquilo que podemos perceber.  Sendo assim o ensino desse componente curricular é compreendido como criação. Aqui percebemos uma questão importante. O ensino de Filosofia que assumimos está diretamente relacionado com a nossa compreensão do que é e para que serve a filosofia.

 Aspis (2004) chama atenção para o processo de desumanização que vem ocorrendo como reflexo de uma sociedade onde o consumismo e o individualismo nos leva a abdicarmos do Pensamento. Com isso nossa humanidade vai sendo descaracterizada. Não aceitamos o outro, não dialogamos. Perdemos a compreensão de que vivemos em comunidade. Nesse contexto, a Filosofia e o seu ensino são imprescindíveis – filosofia como criadora de conceitos e diálogo. A filosofia é fundamental não só para o autoconhecimento como também do mundo que estamos inseridos. Mas não estamos falando de qualquer filosofia. Está não pode ser reduzida a um movimento de negação. Percebemos uma crítica a perspectiva filosófica que vê a filosofia como crítica ao estabelecido. O que ficará mais claro, na problematização que ela faz do Ensino de Filosofia. 

Nessa linha o primeiro aspecto que Aspis chama atenção (2004) é para a formação do Professor de Filosofia, ressaltando que nem sempre se trata de alguém formado na área. Ela também salienta a questão da carga-horária das aulas de Filosofia – geralmente 1h aula por cima, o que limita bastante o que pode ser desenvolvido junto aos estudantes. Em que pese as mudanças que ocorreram desde que essa dissertação foi apresentada, sobretudo a obrigatoriedade do Ensino de Filosofia no ensino médio a partir de 2008, a questão da carga-horária e a formação do Professor de Filosofia contínua vigente. Sobre as práticas desenvolvidas por esses profissionais, Aspis (2004) destaca que são diversas, porém ela salienta quatro:

A primeira é a que parte de uma concepção crítica. Para nossa autora ao compreender a sociedade a partir da luta de classes, o que segundo ela, já foi ultrapassado, acaba caindo num reducionismo, não há problematização,  pelo contrário,  o que há é uma imposição de determinados conteúdos – uma doutrinação. A segunda encherga o ensino de filosofia como promoção de debates sobre atualidades. Para a nossa autora  (2004) a ausência de forma e conteúdo transforma essas aulas em conversa de botequim, em senso comum. A terceira reduz o ensino de filosofia ao ensino da história da filosofia ou coisa do gênero. A quarta parte do pressuposto de que o ensino de filosofia é a apropriação da forma do pensar filosoficamente. Essa última segue a linha kantiana de que não é possível ensinar filosofia mas apenas filosofar. Para nossa autora (2004) não há essa dicotomia, e a partir daí ela vai apresentar a sua proposta de ensino de filosofia.

A experiência filosófica ou o ensino de filosofia proposto por Aspis, parte de dois  pressupostos: primeiro de que os jovens tem capacidade de filosofar. Segundo, suas questões não podem ser rechaçadas mas sim oferecer critérios para pensa-las filosoficamente. A partir daí a nossa autora (2004) irá dividir o ensino em etapas: A primeira é a da problematização, onde ocorre a elaboração de perguntas; A segunda é a de estudo, onde se aprende o diálogo; E a terceira é a da expressão, onde é feito o esforço de síntese e criação. Nesse processo a avalição é na verdade uma auto-avaliação. É o momento de se demonstrar o domínio sobre as etapas. Um aspecto importante ressaltado por Aspis é o estímulo que um passa ao outro, isto é, nas suas palavras “ao filosofar, faz o outro filosofar”, daí que mais adiante ela falará do perfil do Professor de Filosofia, que deve ser a de um filósofo, pois quem não filosofa, não ensina filosofar. Antes ela irá detalhar as três etapas do seu processo de ensino de filosofia. 

Na etapa da problematização “a questão filosófica” é um elemento importante. Não estamos falando de qualquer pergunta mas sim daquelas que busca a compreensão da essência, estrutura e sentido das coisas. Desse modo deve se partir do princípio de que nada está dado. Para nossa autora (2004) o assunto deve partir sempre do estudante, já o restante cabe ao Professor, por exemplo, perguntar e ensinar a perguntar. 

Na segunda etapa temos “a investigação filosófica” que pode ser compreendido como um exercício onde não há um método a ser seguido. É sobretudo uma busca constante para construir uma saída do problema. Aspis (2004) faz uma analogia com a escalada, isto é, no processo de investigação filosófica o que se deve buscar fazer é construir patamares de apoio a partir de dois movimentos: “O pensamento pensa a coisa e pensa como pensou a coisa”. Para nossa autora não é possível separar forma e conteúdo. Ela discorda da ideia de que não se pode ensinar filosofia, mas apenas a filosofar como dizia Kant. Ainda de acordo com nossa autora (2004) o diálogo e o erro são importantes nesse processo onde o professor deve ensinar uma prática determinada e não um conteúdo.

Na terceira etapa temos então “o conceito filosófico”, seguindo a perspetiva de Deleuze e Guatarri, é algo próprio da Filosofia. Mas o que é esse conceito? Ela começa a nos dizer o que não é. “Não é uma referência, não é descrição ou definição é algo que a filosofia faz surgir a partir de seu questionamento e sua investigação.” Para nossa autora (2004) “a filosofia recorta a realidade e cria uma outra coisa para falar da realidade”. Mas o que é então o conceito? É “aquilo que faz o desfecho de uma investigação filosófica sobre determinado problema filosófico”. E como se chega a esse conceito? Por um processo que vai do geral ao específico. E se se trata de um processo é preciso entender que cada um tem o seu – um elemento importante na hora de fazer a avaliação.

Chegamos no momento do “diálogo investigativo”. É através dele que é possível criar conceitos. Não estamos falando de um diálogo na perspectiva socrática onde há um direcionamento para um determinado fim. Aqui é preciso de fato se colocar numa situação de ignorância para que o diálogo ocorra como um processo de criação coletiva. De modo que aprendemos a ideia dos outros e como chegaram a ela. Não para reproduzi-lá, mas para criar o nosso próprio caminho. Para Aspis (2004) o diálogo investigativo parte das opiniões, mas é elaborado até não ser mais opinião. Nesse contexto o ouvir, que é a alma do diálogo, a capacidade de nos entregarmos ao outro, precisa de fato acontecer. Pois quando negamos ao outro a palavra estamos negando a sua condição de gente. Dai a importância do Ensino de filosofia na escola, sobretudo nessa perspectiva da promoção do diálogo. 

O próximo ponto a ser discutido por nossa autora (2004) é acerca do perfil do “professor de Filosofia” – que antes de mais nada deve ser um filósofo. Sobretudo quando falamos que as aulas de Filosofia deve ser produção de filosofia. Desse modo o professor deve assumir mais uma postura de orientação. Se colocar sempre como um aprendiz, pois sua formação é processo. Como um provocador, como um artesão, o professor filósofo é modelo de criatividade ao exercer sua  criatividade. Aspis (2004) crítica como é a formação de Professores de filosofia, sobretudo no sentido de que não são preparados para se tornarem professores filósofos. E se não são como irão passar isso aos demais? Teoria e prática precisam caminhar juntas. Desse modo ela conclama aos professores aonde estão, começarem mudar esse paradigma. Aspis (2004) nos diz não se tratar de uma tarefa sobre humana, pelo contrário. “nada mais humano do que praticar a filosófica dentro da sala de aula e fora dela, pensando filosoficamente sua prática,  fazendo filosofia do ensino de filosofia”.

Para finalizar, Aspis (2004) trás mais dois elementos importantes na sua proposta de ensino de filosofia como experiência filosófica para jovens. São eles: o texto filosófico e a avaliação. A partir daí ela nos dirá que não se faz filosofia sem ler e escrever.

Em relação ao texto filosófico ela nos diz que se trata da obra de arte do filósofo. Para utiliza-lo corretamente precisamos aprender a ler. Entender que a leitura filosófica é estudo – é preciso dialogar com o texto e buscar sintetiza-lo. Aspis (2004) nos dirá que ler filosoficamente amplia nossos horizontes e assim nos apropriados de instrumentos concretos da nossa compreensão de nós é do mundo.

Já a avaliação deve romper com a lógica de controle que predomina no âmbito educacional, como prática de exclusão. A proposta é pensar numa auto-avaliação onde o processo seja mais importante que o resultado final.

Algumas considerações 

Uma proposta de ensino de filosofia que parte do pressuposto que a luta de classes está superada me parece um tanto questionável. Ainda que o capitalismo de hoje não é o mesmo do período em que Marx produziu a sua teoria acerca da luta de classes, trata-se de um fato que não dá para questionar. E a própria autora no final da sua tese, ao tratar da avaliação como forma de controle, reconhece. Me incomoda também a ideia de uma neutralidade, que no fundo sabemos que não existe. A crítica a perspetiva da concepção critica do ensino de filosofia me pareceu bastante equivocada, ao afirma que se trata de doutrinação. Me pareceu até desonesto em certa medida. Sobretudo quando sabemos que é no discurso de neutralidade onde está o maior perigo de doutrinação. Por fim, colocar nas costas do Professor toda a responsabilidade por esse ensino, sem levar em consideração às condições de trabalho que ele está inserido, também não dá para aceitar. No entanto, ressaltamos que há sim por parte da autora reflexões importantes que certamente nos ajudará no nosso fazer enquanto professores de Filosofia. Isto é, em que pese nossas reservas, não podemos deixar de reconhecer a contribuição para pensarmos o ensino de filosofia junto aos jovens.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Ministra aulas de Filosofia no CENSP-LAJEADO.


segunda-feira, 20 de junho de 2022

Qual o sentido de fazer uma avaliação que não tem nota?

Eis a pergunta que um estudante me fez durante uma aula de revisão do Componente Curricular de Ensino Religioso. Respondi prontamente que pelo conhecimento. Afinal de contas, me parece óbvio, que estudamos em busca do conhecimento. Desse modo a nota é, ou deveria, ser secundária. Então, outro estudante me questionou: - mas sem nota não passamos de ano. Tentei argumentar que se você estuda e adquiri conhecimento sobre determinado objeto, a nota será uma consequência óbvia. 

Encerramos a discussão mais aquilo ficou na minha cabeça. Fiquei pensando comigo que se a partir do nosso processo de ensino-aprendizagem o estudante constrói a ideia de que a nota é mais importante do que o conhecimento, então estamos falhando.

Compreendo que estamos imersos numa sociedade dominada pela cultura do útil, isto é, “do que eu ganho com isso”. Como a escola não esta isolada do resto da sociedade isso acaba refletindo nas Salas de aula. Qual professor nunca ouviu a frase: - Isso vale quanto ponto, professor? Se não valer ponto não vou fazer não. E por aí em diante. No entanto, não deveriamos reforçar isso – o que me parece que acontece, sobretudo por parte do sistema de ensino que, por exemplo, mede a qualidade da educação, a partir das notas obtidas em provinhas e provões.

É também por essa lógica que se definirá quem terá sucesso nos vestibulares, Enem e outros similares na definição de quem consegue uma vaga num curso universitário. A nota se torna por tanto um instrumento de seleção entre os capazes e os incapazes. E por tanto de exclusão dos que não obtém sucesso nesse processo.

A nota é também um instrumento de coerção, utilizada para coagir o estudante a seguir as regras, a se submeter a autoridade do professor na sala de aula. Se você é professor provavelmente já ouviu (ou disse) – na hora da avaliação fulano me paga. 

No contexto pandemico muito se falou da necessidade de repensarmos o nosso método avaliativo. E agora por último, na Rede Estadual de Educação, há uma recomendação para não deixar nenhum estudante ficar a baixo da média (7,0). Como era de se esperar isso causou a revolta de parte dos Professores que viu a medida como um estímulo para que o estudante se acomode e não leve a sério o seu processo formativo – um argumento que reafirma o que dissemos sobre o equívoco de colocar a nota acima do conhecimento.

Não estou aqui querendo me colocar acima desses profissionais, pois como um professor imerso nesse ambiente acabo reproduzindo essa prática naqueles componentes curriculares que dão nota. No entanto, tenho feito um esforço reflexivo na busca de alternativas de avaliações – sempre com a preocupação de não punir o estudante, mas também não flexibilizar ao ponto de transformar esse processo num faz de conta.

O problema é que o mesmo sistema de ensino que nos cobra flexibilidade no momento de avaliar acaba nos amarrando, pois no final das contas o que importa são os números. Daí você tem que quantificar o conhecimento que o estudante adquiriu numa nota. E acaba sendo mais cômodo isso ser feito através de uma avaliação verificadora de conteúdo  (por meio de questões objetivas). 

O que é uma contradição já que o discurso agora é que o ensino se dá a partir do desenvolvimento de habilidades e competências. Por outro lado, se não for assim, como esses estudantes estarão preparados minimamente para disputar uma vaga numa Universidade?

Enfim, no final das contas acho que o estudante tinha razão. Não tem sentido fazer uma avaliação que não tem nota. Se a dinâmica do sistema é colocar a nota como mais importante que o conhecimento é uma perda de tempo por parte do estudante estudar para algo que não influe no seu sucesso final, isto é, passar de ano. Se fosse diferente aí sim, precisaríamos rever.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Sítio Arqueológico Caititu: Um lugar sagrado

As pinturas gravadas no paredão transmite uma energia diferente que só estando ali para sentir. São diversas gravuras que vão desde a representação de animais á símbolos mais complexos. Aliás, estes me chamaram atenção – aqueles que os fizeram tinham uma noção mais “desenvolvida” de Sociedade (penso eu). Qual era a intenção deles ao registrar na pedra aquelas imagens? Talvez já mais saberemos.

Há um tempo participei de um evento onde ouvi uma arqueóloga (Dra. Júlia Berra) falando das características daquelas pinturas. De acordo com ela foram feitas em períodos diferentes e por povos diferentes, é daí que vem a explicação para diversidade de gravuras. Na oportunidade ela fizera um alerta sobre o risco de extinção das pinturas rupestres em decorrência das queimadas e da falta de políticas públicas de preservação e conservação desse patrimônio. 

Lembro que naquele período fiquei me questionando como eu vivendo nessa região há tanto tempo não tinha noção de toda essa riqueza pré-histórica que o município possuia. E como eu, muitos outros. Ora, como vamos preservar e conservar algo que não conhecemos?

Creio que desde então essa situação mudou, ainda que muito aquém do que deveria. Por exemplo, não temos uma lei municipal que garanta recursos para proteção desse patrimônio histórico. Também ainda não temos um museu que possa receber as peças pré-históricas retiradas no período da construção da Usina Hidrelétrica  (UHE – Luiz Eduardo Magalhães) que hoje se encontram no Núcleo Tocantinense de Arqueologia (NUTA) em Porto Nacional. 

Porém quem visita o sítio arqueológico Caititu conta com uma estrutura mínima que facilita o acesso – por exemplo, para subir foi construído uma escada com cordas de apoio e uma passarela para observação dos desenhos. 

Isso certamente contribuiu para que aumentasse o número de visitação ao local (sobretudo por parte de instituições educacionais). Essa maior visibilidade trás mais conhecimento acerca dos sítios arqueológicos. E a medida que mais pessoas tiverem a oportunidade de conhecer locais como esse, mais fácil será sensibiliza-las para protege-los. Por outro lado, o poder público precisa também investir para que locais como o sítio arqueológico Caititu desenvolva plenamente o seu potencial. 

Conversando com o Seu Luiz (o guardião do local), ele nos falou do Projeto de construir um espaço na entrada do sítio para receber adequadamente os visitantes. Esse espaço poderia também servir para aulas e pesquisas. Outro elemento importante é a formação de guias não só para levar o visitante ao local, mas também com a capacidade de falar sobre a história do lugar e das riquezas que ali se encontra.

Para mim a sensação de estar ali era de estar num lugar sagrado – imaginar quem há milhares de anos andou por aquelas paragens deixando aquelas marcas e buscar entender o que eles queriam, e como viviam, é especial. Creio que tudo isso só foi possível com a experiência vivida ir in loco. Pois nada substitui estar ali e sentir aquela energia.

Dito isso, é bom deixar claro que não quero estimular a transformação dos sítios arqueológicos, em especial o Caititu, em um lugar de peregrinação. O sagrado a que me refiro não é no sentido religioso do termo, isto é, um lugar de adoração. Seria mais como um ambiente para apreciação e aprendizado. Que inclusive, prezando por sua conservação, não é recomendado uma quantidade excessiva de visitantes ao mesmo tempo.

Enfim, estar ali foi uma experiência marcante. E parti com a sensação de que preciso voltar para apreciar aquela riqueza com mais calma. Sai também com a sensação de que, mesmo a passos lentos, o desenvolvimento do turismo sustentável tem avançado. Como já dissemos aqui, muito aquém do possível. No entanto, quem sabe isso não possa se modificar com as novas gerações que estão sendo formadas com esse olhar mais sensível para o  meio ambiente e suas riquezas.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Algumas palavras sobre a literatura do Zacarias Martins a partir da leitura de “Pinga-fogo” e “Histórias da História de Gurupi”

O Tocantins ainda não tem uma forte tradição literária. De modo que quando falamos de literatura tocantinense na verdade nos referimos a literatura produzida no Tocantins. Essa produção é com certeza fundamental no processo de construção de uma literatura tocantinense. E nesse sentido um nome que se destaca é do Poeta e Escritor – Zacarias Martins.

Das tantas definições sobre a sua figura. Ressalta, na minha visão, a de militante da cultura. Sobretudo no campo literário – seja através da sua obra ou divulgando o trabalho de outros autores. Martins é um artista engajado na linha do que define Marcos Napolitano (2011), que se caracteriza pela defesa de uma causa ampla, coletiva e ancorada em “imperativo moral e ético”. Sua arte é política, mas não partidária.

Vamos comentar, de forma breve, a sua literatura a partir de duas obras. O primeiro é uma coletânea de poemas intitulada de “Pinga-fogo”. Já a segunda é uma coletânea de crônicas intitulada de “Histórias da História de Gurupi”. Ambos publicados pela Editora Veloso.

O primeiro aspecto que se sobressai na literatura de Zacarias Martins é o seu caráter popular. O popular aqui não tem haver com popularidade ou populismo. Mas no sentido de expressar as aspirações e interesses do povo. Isso é perceptível sobretudo nos textos de “Histórias da História de Gurupi”. Temos ali um belo quadro de uma cidade interiorana. Sobretudo em relação a política. Ou seria politicagem? 

O segundo aspecto é o humor. Zacarias Martins consegue de uma forma muito inteligente transformar episódios do cotidiano em situações engraçadas. Não é aquele humor pasteurizado tão em moda. Mas o humor que nos é característico. Aquele de transformar “um limão em limonada”. Podemos ter uma ideia disso nos poemas: “A falta”, “Polivalente”, “Sorriso maroto” e “Resolução”. E nas crônicas: “O defuntódromo”, “Parque mutuca” e “Cadê a bomba?”. 

Na verdade o humor faz parte do aspecto popular da literatura de Zacarias Martins. Sobretudo no sentido de que o humor é uma arma do povo para mostrar a sua indignação diante de situações medíocres como “A cultura desemplacada” e “Defuntódromo”.

Mas nem sempre o humor dá o tom dos textos do nosso autor. Em alguns ele é direto como um punk rock. Por exemplo no poema “Com que cara?” e “Prisioneiro do fumo”. 

Há também espaço para o amor. Como bom poeta, Zacarias Martins, se revela um romântico, inclusive na declaração de amor a cidade que ele escolheu para viver – um amor que não impede de ver os problemas existentes.

Bom. Eis ai de forma breve um pouco da literatura de Zacarias Martins - trata-se de uma literatura popular onde o leitor certamente se reconhecerá e se sentirá representado. Com isso contribuí na formação de novos leitores e no fortalecimento da literatura feita no Tocantins. 

Sua obra não se resume as publicações comentadas aqui. Mas para quem quer conhecer e apreciar a sua literatura, temos ai um bom ponto de partida. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.