quinta-feira, 15 de junho de 2023

O homem que enganou “os home”

Em memória do Sidney, o famoso Quati Branco


Pescar por essas bandas é sempre uma grande aventura. E o Quati branco bem sabe disso pois nasceu e cresceu nas barrancas do rio Tocantins pescando e correndo dos home. De modo que aprendeu cedo com o seu pai a arte de pescar e de cair no braqueara quando necessário. 

Se a vida não era fácil para quem só tinha a pesca como fonte de subsistência em Lajeado, com a construção da usina hidrelétrica as coisas tiveram uma piora considerável. Conseguir um bom pescado por essas bandas estava mais difícil que tirar leite de onça. Só mesmo se arriscando na área proibida para pesca podia se conseguir um jaú, uma caranha, um barbado e com muita sorte até um fiote.

Sempre se corria o risco de dar de cara com os home. E com eles não tinha conversa – era tortura psicológica, cacetete nos lombos e um passeio não muito agradável até a cadeia pública de Miracema. 

É certo que não ficariam muito tempo atrás das grades, logo estariam novamente na cidade e logo estariam novamente nas barrancas do rio atrás de um bom pescado. Mas se pudessem evitar cair na mão dos home, evitavam. O problema é quando começavam beber cachaça – algo não muito raro – Perdiam a noção do perigo e iam até o inferno se necessário atrás de um jaú.

Ninguém melhor que o Quati Branco conhecia cada loca de pedra daquele rio. Por tanto quem quisesse ter uma melhor sorte na pescaria era bom tê-lo como guia. Para convencê-lo não havia argumento melhor que um litro de cachaça – seu alimento preferido. E foi assim que conseguiram lhe convencer a ir naquela noite para o rio. 

Era madrugada, ventava um vento frio de congelar a alma, no céu uma linda lua desfilava sua beleza. As muriçocas haviam dado uma trégua. Eles dormiam sob o lajeiro, enquanto o momento certo de agir não chegava. O que eles não contavam é que seriam surpreendidos pelos home.

- Acorda bando de vagabundos!!! Vocês não sabem que é proibido pescar aqui? Cadê os peixes? 

- A gente num pego nada não. 

- Tá com conversa seus meliantes. Eu conheço vocês. 

- É verdade seu puliça. A gente tava esperando a lua sumir.

- E as tralhas de pesca de vocês? Pode passar tudo.

- Só tem essas.

- E a tarrafa? E as redes?

- Só tem isso ai.

- Conversa. Então tá na hora de tomar um banho para tirar essa inhaca de cachaça do corpo.

O Quati Branco conhecia bem aquele ritual. E logo pensou consigo: – pronto, vai começar de novo. Tomar banho nessa água fria, nesse frio desgraçado, com roupa e tudo às 3h da madruga ninguém merece.

- Fica um ao lado do outro. E quando eu mandar um de cada vez vai dá um mergulho e sai para fora. Tá entendido?

- Sim, senhor.

- Eu não ouvi.

- Sim, senhor!!!

- Melhorou.

Os soldados que acompanhavam o comandante se divertiam com a cena dando ótimas risadas. Já o comandante mantinha uma certa seriedade. A alegria dos soldados aumentou mais ainda quando o primeiro pescador caiu na água – a cara de dor do pobre ao mergulhar naquela água fria em plena madrugada foi como se alguém tivesse feito cócegas nos soldados. Nem mesmo o comandante conseguiu segurar o riso.

- Agora o próximo. 

E a cena se repetiu – os soldados e o comandante caindo na risada diante do sofrimento dos pobres diabos. Chega então a vez do Quati Branco. Ele bem sabia que o pior não era nem tanto entrar na água fria, o problema era na hora de sair. Ai sim o frio apertava como se fosse o abraço da morte.

- Vamos, o que tá esperando seu vagabundo?! Cai na água já. Gritou o comandante no pé do ouvido do Quati Branco. 

O Quati Branco tomou bem o fôlego e mergulhou. Mas ao contrário dos anteriores não voltou. 

- Uai, cadê ele? Será que morreu? Comentou o Comandante com os demais. E em seguida começaram a gritar pelo desgraçado. Mas não obtiveram resposta.

Há uns bons metros dali o Quati surgia tranquilamente. Ele planejara bem aquela ação. Enquanto os soldados e o comandante sorriam dos seus companheiros que eram obrigados a mergulhar com roupa e tudo na água fria – Ele matutava consigo mesmo: - Eu mergulho, seguro o fôlego e nado por dentro d'água o mais longe que eu puder. Saiu lá na frente, nessa escuridão não irão me ver, e se me verem caio no braqueara e eles não me pegam nem com o diabo.

Dito e feito. O plano do Quati funcionou perfeitamente. Naquela noite ele não faria o papel de bobô daqueles imbecis fardados que achavam ter o rei na barriga – que se divertiam torturando pobre diabos enquanto suas mulheres se divertiam com os amantes. Naquela noite o Quati Branco se tornou o homem que fez de bobô “os home”, isso ele já mais esqueceria. Nem ele e nem ninguém por essas bandas.

Por Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.


sábado, 10 de junho de 2023

Direito á Educação, Busca Ativa e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Lajeado

Cena da série 2° Chamada 
O direito a educação expresso na Constituição Federal de 1988 está sendo garantido a todo cidadão? A resposta é não quando analisamos os números que dão conta da quantidade de crianças, jovens e adultos fora da escola. Ora, não basta uma lei que afirma o direito a educação sem a efetivação de ações que garanta o acesso e a permanência na escola. 

Essa situação é ainda mais crítica quando pensamos no público da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Pois estamos falando de pessoas que por algum motivo não conseguiram concluir a educação básica na idade adequada e perderam o vínculo com o ambiente escolar. Família e trabalho também são fatores que pesa, pois a necessidade de sobrevivência se sobrepõem aos estudos. Desse modo as ações de acesso e permanência para esse público deve ser pensadas a partir da sua especificidade.

Para compreender um pouco melhor a realidade da EJA, a série 2° chamada produzida pela Rede Globo de Televisão, dá uma boa idéia. Ainda que a realidade retratada é bem específica. Ou seja, a periferia de uma grande metrópole. No entanto, os afetos que circulam naquele ambiente são os mesmos que circulam em qualquer sala de EJA (seja numa grande cidade ou no interior), a saber, a esperança e o medo. 

Para Espinoza não existe esperança sem medo e nem medo sem esperança. Pois estamos falando de dois afetos ligados a incerteza. Nós não temos certeza do que aquilo que esperamos aconteça, daí vem o medo. Por outro lado não temos certeza de que não possa acontecer daí vem a esperança. 

O estudante da EJA transita entre a esperança e o medo, buscando uma segunda chance para realizar um caminho interrompido no passado. A escola é essa segunda chance, pois através dela se pode vislumbrar uma mudança de vida. Para tanto é preciso perserverar. Enfrentar dia a dia todo o tipo de obstáculos que aparece no caminho. São poucos os que conseguem vencer esses obstáculos, sobretudo por que não encontram apoio. Pelo contrário. Há mais desestímulo do estímulo. 


Busca Ativa Escolar 

Uma política criada para enfrentar a questão da evasão é o programa da busca ativa escolar – que teve suas ações intensificadas sobretudo durante e no pós-pandemia de COVID-19, onde se observa um aumento significativo do número de crianças, jovens e adultos fora da escola. 

Na modalidade EJA essa situação tem um complicador maior por que o estudante (maior de idade) não é obrigado a se matricular. E no contexto de crise que vivemos muitos optam pelo trabalho. Ainda que essa oposição entre trabalhar ou estudar seja falsa. A busca deve ser conciliar os dois, por mais difícil que isso seja, sobretudo para alguns chefes de família. Para isso que a grade curricular da EJA é organizada de forma diferente do Ensino regular. Justamente por compreender que o estudante da EJA tem um perfil diferente do estudante das turmas regulares. 


EJA em Lajeado 

Se no geral a Educação de Jovens e Adultos (EJA) econtra-se numa situação preocupante. Na cidade de Lajeado o problema se agrava. Atualmente temos apenas uma turma ativa, no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência (CENSP Lajeado), de estudantes concluintes. Com isso a perspectiva é não haver turmas ativas na cidade. A questão mais grave é em relação aos 1° e 2° períodos (estudantes de ensino fundamental), que deveriam ser atendidos pela Rede Municipal da Educação. Ora, sem turmas dos 1° e 2° Segmentos, obviamente o número de matrículas no 3° Segmento diminuirá ao ponto de não haver mais matriculas. E é justamente o que está acontecendo.

Atualmente fala-se muito em busca ativa escolar em Lajeado, mas efetivamente o que tem sido feito? Sobretudo para esse público que não conseguiu concluir a educação básica na idade certa. Ou seja, o público da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Uma coisa é fato, há pessoas na cidade nessa situação. Por que elas não estão sendo buscadas? Por que o direito a educação dessas pessoas não estão sendo garantido?

Será uma perda muito grande para cidade do Lajeado não ter oferta de turmas da EJA de 1°, 2° e 3° Segmento. Se com a existência dessas turmas já é difícil. Sem turmas estaremos afastando mais ainda essas pessoas da escola. Pois dificilmente terão condição de frequentar as turmas regulares ou se deslocar para outro município. 

Ferreira, Oliveira e Silva (2015) ao analisar a gestão e qualidade na educação municipal, chama atenção para dificuldade que as pequenas cidades tem de ofertar uma educação básica de qualidade devido a falta de recursos financeiros para garantia das condições de oferta de ensino-aprendizagem. Além disso apontam como complicador a falta de recursos humanos com formação e experiência na área. 

Nos parece que, apesar de ser um município pequeno, não é essa a situação do Lajeado. Desse modo o problema está mais  para uma questão de gestão.

Ainda de acordo com esses autores (2015), quando se fala em qualidade da educação percebe-se a disputa entre duas visões distintas. A primeira construída a partir de uma perspectiva empresarial e econômica da educação. Já a outra, na qual nos inserimos, parte da visão da educação como um direito social.

A primeira está preocupada com índices e formação de mão de obra para o mercado de trabalho. Já a outra tem como finalidade a formação para cidadania crítica e para emancipação social. Para tanto se faz necessário “a ampliação do direito à educação por meio do alargamento de sua obrigatoriedade, gratuidade, laicidade, escola de tempo integral, gestão democrática, formação e valorização dos profissionais da educação e custo-aluno-qualidade, que implica na definição de adequadas condições para o acesso, permanência e qualidade social da educação pública” (2015, p. 64). Ou seja, requer ações efetivas mais do que discursos vazios, deslocados da realidade.

Atuando como docente na Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Lajeado há pouco mais de três anos. Percebemos a importância dessa modalidade de ensino na garantia do direito a educação a pessoas que há muito tempo tinha deixado a escola e tiveram a oportunidade de concluir a educação básica e a partir daí vislumbrar uma mudança de vida. Não nos falta exemplos, inclusive de pessoas que depois de muitos anos conseguiram concluir o ensino médio e partiram para um curso técnico ou superior. Imagine tantos outros que estaremos negando essa oportunidade se permitirmos que não aja mais salas ativas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Lajeado.

Desse modo, mais do que uma crítica, esperamos com essas linhas sensibilizar tanto as autoridades públicas municipais da cidade do Lajeado como a comunidade em geral para a importância de nos mobilizarmos para evitar que isso ocorra.

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular, Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. E Professor da Educação Básica no CENSP Lajeado.


segunda-feira, 5 de junho de 2023

Crise hídrica e o livro “Gestão de Recursos Hídricos em Tempos de Crise”, de Ricardo Motta Pinto-Coelho e Karl Havens

É possível superar a crise da água? Essa questão talvez não tenha muito sentido para quem vive num território que água ainda  não é um problema. Mas é só analisarmos as mudanças ambientais que ocorreram no território APA-Serra do Lajeado, sobretudo após a construção de Usinas Hidrelétricas como a Luiz Eduardo Magalhães e a Peixe Angical, para vermos que isso não tardará em acontecer, sobretudo se não houver uma mudança de paradigma. É nesse contexto que ganha importância a leitura da obra Gestão de Recursos Hídricos em Tempos de Crise”, de Ricardo Motta Pinto-Coelho e Karl Havens.

A obra apresenta um olhar para a gestão dos recursos hídricos na nossa sociedade a partir da Limnologia ou Hidrobiologia – que é a ciência, que a partir de uma perspetiva multidisciplinar, estuda a água – o seu crescente processo de destruição e uso sustentável. Para Pinto-Coelho e Havens (2016), no momento de crise que estamos vivendo é importante estudar a gestão dos recursos hídricos – que se caracteriza por uma distribuição desigual –  Isto é, há lugares que encontramos uma quantidade razoável de água, já em outras regiões temos escassez. Sobretudo quando falamos em água doce.

O ponto de partida dos autores é uma breve apresentação sobre a história da Água – ressaltando a sua importância para a vida humana. Um exemplo nesse sentido é a afirmação de que sem água não há produção de energia. E é a energia que movimenta a agricultura e a indústria – que por sua vez movimenta a economia. Os autores também apresentam alguns recursos hídricos e a sua importância, como é o caso dos Rios, Lagos, os Reservatórios, Estuários, Aquíferos e geleiras. Um ponto interessante da obra que nos possibilita uma maior compreensão é a análise de casos, como por exemplo o desastre ambiental em Mariana (MG). A crescente demanda por água e a falta de saneamento básico nas cidades é outro ponto abordado pelos autores. Como também a importância da educação ambiental e de uma governança da água com políticas públicas, legislação apropriada e regulamentação. Por fim eles encerram falando sobre perspetivas para o futuro da água. A seguir destacaremos um pouco mais os pontos centrais, na nossa visão, trabalhados na obra. Antes conheçamos um pouco os nossos autores.

Ricardo Motta Pinto-Coelho atua há mais de 30 anos no Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Suas atividades de pesquisa concentram-se nas áreas de limnologia e gestão de reservatórios, ecologia de organismos aquáticos e nos impactos da eutrofização sobre a biota aquática. Como professor, dedica-se ao ensino de ecologia geral e à limnologia, com vários cursos a distância (e-learning) em ecologia geral. E Karl Havens tem 25 anos de experiência profissional em ensino, pesquisa e extensão nas áreas de ecologia de organismos planctônicos e limnologia de lagos e estuários, especialmente no que se refere aos efeitos da eutrofização nesses ecossistemas. Dedica-se em especial a estudar o impacto de agentes estressores naturais e humanos na estrutura e na função do plâncton e de outros componentes dos ecossistemas aquáticos. 

Para os autores (2016) é importante pensar na relação entre homem e natureza. Sobretudo quando falamos em saúde ambiental, sustentabilidade e bem-estar. A Água é um recurso essencial para a vida. E aprendemos ao longo da história, que quando não tratada, pode gerar doenças. Eles ressaltam que a água não serve apenas como alimento. Desde a antiguidade percebemos a sua utilidade no transporte, mas sobretudo na produção de energia. Só lembrarmos que as máquinas a vapor propiciaram a revolução industrial e toda as mudanças econômicas e sociais advindas desse processo.

Nossos autores (2016) salientam que sem água não há produção de energia. Logo estamos diante de um elemento importante para economia. No Brasil, por exemplo, o maior consumo de água é na agricultura. Seguido, em segundo lugar, pela indústria. E em terceiro pelo uso doméstico. Percebe-se por tanto a utilidade da água na produção de alimentos. E nessa linha, a pecuária bovina é a que mais gasta água, seguido do porco e da galinha. Já as frutas e legumes gastam menos água.

Para Pinto-Coelho e Havens é importante economizar água, mas o Brasil faz o contrário. Quando falamos em produção de energia a aposta do Brasil é nas Usinas Hidrelétricas (requer muita água). E, majoritariamente, em energia não renovável. E a falta de diversificação no campo da produção de energia faz com que hora e outra enfrentemos crises como a do apagão em 2001. Já no campo da produção de alimentos uma alternativa interessante seria a pesca. Há uma crescente demanda por pescado o que demonstra o seu potencial econômico. Sem falar na importância para saúde, tendo em vista  (o peixe) se tratar de  um alimento saudável. No entanto para o desenvolvimento da aquicultura é necessário um ecossistema saudável.

Quando se fala em ecossistema saudável os Rios são fundamentais. Nossos autores (2016) afirmam que para que um grande Rio tenha saúde ecológica se faz necessário mudanças na economia da região.

Os rios são importante para vida humana, apesar de pouco contribuirem para o estoque de água. A sua importância se dá entre outros no transporte de materiais orgânicos, fertilizando o solo – sem isso algumas áreas seriam menos produtivas. 

Já os Lagos por sua vez armazenam maior quantidade de água doce que os Rios. São centros de biodiversidade – uma das suas características que distingue um Lago de um reservatório é o seu equilíbrio dinâmico e a sua maior complexidade biológica e ecológica. As características hidrologicas de Lagos e Rios são diferentes. Um aspecto importante segundo nossos autores é o cuidado que se deve ter ao realizar ações de manejo e recuperação de Lagos.

Em relação a construção de reservatório pelo homem, eles (2016) destacam  que visa sobretudo a produção de energia – projetos que acaba afetando várias bacias hidrográficas. A construção de Usinas Hidrelétricas provocam tanto impactos ambientais como sociais – além de desapropriar as pessoas de suas terras altera a deposição de sentimentos nas várzeas tornando essas áreas muitas vezes improdutivas. Pinto-Coelho e Havens (2016) através de estudos de casos apontam que essas áreas sofre uma rápida degradação ambiental, tanto das águas como do seu entorno. De modo que seria interessante pensar num zoneamento.

Outro ponto importante são os riscos de desastres como o de Mariana (MG) – um desastre que impactou na vegetação e na fauna através de uma contaminação ambiental. Desastres como o de Mariana deve servir como exemplo, para tanto é preciso punir os responsáveis pela tragédia e recuperar a área degradada.

Além dos Rios e Lagos outra área importante são os estuários localizados nas regiões litorâneas. Aqui encontramos o ecossistema mais produtivo, mas também os mais sensíveis as mudanças climáticas – sobretudo por que são locais onde há uma grande desindade humana. Já os aquíferos também são ambientes importante para o armazenamento de água – servindo para consumo e irrigação. Nossos autores defendem o uso racional dos aquíferos. E alertam para o fato de que tanto a exploração de petróleo como as intrusões salinas colocam em risco esses ambientes. Por fim tem as geleiras, que é outro recurso hídrico importante. Pois alimentam os Rios e afetam o nível dos oceanos. Por tanto, segundo nossos autores, deve-se trabalhar para sua manutenção.

Com a migração do campo para cidade houve um aumento significativo do consumo de água no ambiente urbano – cidades que surgiram, na sua grande maioria, ao longo das margens dos Rios. Muitas, ainda hoje, não conta com saneamento básico. E a falta de saneamento básico provoca doenças.  Por exemplo, 80% das doenças estão relacionadas a baixa qualidade da água. Outro fator de agravamento dessa situação é o uso do automóvel – interferindo negativamente na qualidade da água.

Crises de água, como vimos em São Paulo (no Sistema Cantareira), é um alerta acerca do mau uso que estamos fazendo dos recursos hídricos. Que se não for modificado tende a se agravar. 

Nesse contexto a educação ambiental ganha um papel fundamental, sobretudo educação numa perspetiva popular – onde o diálogo e a valorização do saber popular são aspectos fundamentais. Para os nossos autores (2016) essa educação ambiental deve ser pensada para além do sistema de ensino oficial. Nesse sentido, mesmo sem deixar de levar em consideração a Política Nacional de Educação ambiental (PNEA) estabelecida pela lei 9.795/99, deve-se estimular os estudantes a buscar soluções.

Sobre a governança da água Pinto-Coelho e Havens  (2016) salientam ser necessário políticas públicas, legislação apropriada e regulamentação clara para utilização dos recursos hídricos. No Brasil do ponto de vista da legislação temos a lei 9433/97. Mais, de acordo com nossos autores, ainda falta muito para que o país tenha uma autêntica governança nesse campo. Mesmo dispondo de todos os recursos para que isso ocorra.

Por fim eles salientam sobre as perspetivas futuras para Água, defendendo ações que vão para além da conservação. Nossos autores diz ser necessário a construção de um pacto social sobretudo no sentido de fortalecimento de uma economia verde. E afirmam que para que a economia verde seja uma alternativa real á economia marrom, se faz necessário o envolvimento do capital financeiro. Mesmo assim eles encerram questionando acerca da possibilidade de se superar a crise da água. 

Considerações 

Ao concluir a obra com uma pergunta os autores deixam o problema em aberto. Ainda que ao longo do estudo apresentado por eles há claramente uma proposta para enfrentamento da crise hídrica, proposta que passa por uma melhor gestão dos recursos hídricos – e para melhor gerir esses recursos é preciso conhece-lo. Daí todo o percurso que eles fazem passando pela história da água até o estudo de casos concretos como os impactos ambientais decorrentes de impreendimentos como Usinas Hidrelétricas. Nesse sentido a obra tem uma importância inquestionável. Mas eu reformularia a pergunta final. Ao invés de pode se superar a crise das águas, questionaria: pode se superar a crise das águas nos marcos de uma sociedade fundamentada no modo de produção capitalista?

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


quinta-feira, 25 de maio de 2023

Crônica: Quando vivíamos perigosamente

Quando se é jovem não nos preocupamos  com o amanhã. Estamos muito ocupados vivendo. Quase sempre vivendo perigosamente. Não conhecemos limites. Estamos sempre inconformados – querendo tudo para ontem. É por isso que a juventude é o motor propulsor dos movimentos revolucionários. Por outro lado é visto como um animal selvagem que deve ser domado. É ai que entra as instituições, com destaques para o sistema de ensino – a educação formal é operada como um instrumento de coerção. Não nos admira que alguns se revoltam contra as escolas cometendo verdadeiras barbáries. E a falta de  criticidade faz com que as respostas a essas barbáries alimente mais barbáries. 

Mas não é sobre isso essa crônica. É sobre quando eramos jovens e vivíamos perigosamente. Quando trocávamos a noite pelo dia. Tomávamos todas como se não houvesse o amanhã. Amávamos sem pudor. Cabulavamos aula pulando o muro da escola para ir assistir futebol. De quando, quando acreditávamos em algo estávamos dispostos a morrer por isso. De quando incomodar para nós era uma necessidade – seja através do nosso jeito de se comportar, se vestir, das nossas gírias, da música que ouvíamos. Dos ídolos que cultuavamos. Se não concordavamos com algo não cruzavamos os braços e calavamos a boca. Não aceitavamos que nos dissem o que deveríamos fazer, como deveríamos nos comportar.

A lembrança desse tempo  me veio na cabeça diante de uma conversa entre dois colegas que mostravam-se indignados diante da falta de interesse dos jovens pelos estudos. – Você não concorda? Questionou me um deles. Não, eu não concordava. Mas não estava com disposição de abrir um debate com criaturas que mostravam um profundo ressentimento nas suas falas – pessoas dominadas pelo ressentimento são incapazes de uma discussão racional. Dei uma ignorada e continuei a minha leitura – a vida é muito preciosa para perdermos tempo com pessoas de alma pequena. 

Diziam que nós não teríamos futuro. Que não seríamos ninguém. Mas não nos importávamos. É verdade que não sabíamos o que queríamos. Mas tínhamos certeza do que não queríamos. Não queríamos nos tornar indivíduos medíocres. Que se anulavam em troca de algum prestígio – cadáveres ambulantes que apenas faziam peso na terra.

Para aqueles cadáveres era uma provocação jovens cheios de vida – vivendo a vida. E como zumbis nos atacavam buscando nos transformar num deles. E conseguiam fazer isso com muitos. Mas não com a gente. Éramos muito obstinados para nos deixar cair naquela armadilha. Viver perigosamente era a nossa forma de resistir aquele teatro dos vampiros. Aprendiamos muito mais com a Legião Urbana do que com certos professores.

“Sempre precisei de um pouco de atenção.

Acho que não sei quem sou

Só sei do que não gosto.

E destes dias tão estranhos

Fica poeira se escondendo pelos cantos.

Este é o nosso mundo

O que é demais nunca é o bastante,

E a primeira vez é sempre a última chance.

Ninguém vê onde chegamos

Os assassinos estão livres, nós não estamos...”.


Não conseguimos mudar o mundo, na verdade, nem a nossa cidade. O avançar da idade nos fez adquirir uma certa prudência. E viver perigosamente já não nos parece tão atrativo. No entanto aquele jovem rebelde continua dentro de mim, evitando que me torne o cadáver ambulante. E isso só é possível por que quando éramos jovens não nos sucumbimos a pressão social. Ora, vivendo o que vivi e me tornando o que me tornei. Como poderia não compreender que muitos jovens vivam perigosamente. A verdade é que me alegro que seja assim. O que me deixa triste é ver um jovem se comportando de forma contrária. Não sabe ele que está caminhando para uma morte prematura – a pior morte possível – morrer em vida. 

Para concluir vale a pena lembrarmos de Nietzsche e sua filosofia de afirmação da vida. Aliás, nosso filósofo em “além do Bem e do Mal” fala sobre como esse período da nossa vida irá nos afetar no futuro. Sobretudo pelo fato de que nesse período de transição acabamos punindo a nós mesmos pela desconfiança nos nossos sentimentos. E assim quando nos tornamos adultos a tendência é tomar partido contra a juventude. Já nós que agimos de forma contrária certamente temos uma posição mais compreensiva. 


Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

sábado, 20 de maio de 2023

Resenha: As Crônicas de Sucupira Gothan City

Com uma forte influência do funk e do soul, embrulhados numa atitude rock in roll. Magoo e o bando urtiga nos apresenta em “as crônicas de Sucupira Gothan City” o cotidiano de quem vive na capital tocantinense através de letras extrovertidas, reflexivas, noias delirantes e crítica social. E com isso levam adiante a bandeira do underground tocantinense ainda pouco relevante no cenário cultural do Estado.

O álbum trás 8 canções composta por Fernando Magoo – o front man da Trup. Abrindo o disco temos “O hippie chique” numa pegada bem soulfunk – que me lembrou BNegão e os Seletores de Frequência. E mostra a qualidade musical da banda (que trás André Ricardo e Artur Peri nas guitarras, André Fernandes no baixo e Rodrigo Rodrigues na bateria).

Na sequência temos “Sucupira Ghotan City” com uma forte influência da Nação Zumbi. E na letra um retrato da capital tocantinense marcado pelo calor de 50 graus, os pés de pequi, uma fauna diversa e suas contradições (é na minha opinião a melhor canção do álbum tanto em relação a música como a letra). Depois temos “mendicâncias” trazendo no seu som influências da música tradicional nordestina, sobretudo o repente. É também, na minha análise uma das melhores canções, com destaque para letra que fala da sina de muitos nortistas que são obrigados a deixar sua terra em busca de melhores condições de vida. E o refrão então: “ é pinga, é cachimbo, é seringa, é porrada,  é porrada...”. 

A canção de número quatro do álbum é a “Malditos Caramujos” numa pegada Bnegão e Seletores de Frequência a letra parece uma viagem de quem acabou de fumar um beck. Na sequência temos “Para Laika” numa pegada ala Bayana System, que trás na letra uma crítica a contemporaneidade caracterizada pelo domínio de uma racionalidade tecnológica.

“Papapa” é a sexta canção que compõe o álbum, trazendo no seu som influência de som nortistas como a guitarrada paraense. Em relação a letra temos mais um retrato da vida na capital referente a curtição: “a sutil arte de tocar o foda-se em Sucupira Gothan City é instigada pelo sol escaldante para um gole de cerveja ou uma dose gelada de paratudo na distriba”. É bom isso, não?! “Crack is beat” é  a penúltima. Numa pegada mais clássica, inclusive com direito a solo de guitarra ala Keith Richards, a canção alerta para o perigo de uma certa droga. Para fechar temos “Revoada” que é uma espécie de poema de despedida, onde Magoo destila crítica ao que ver ao seu redor.

Temos em “As crônicas de Sucupira Gothan City” um ótimo álbum de rock alternativo. Tanto as letras como a música não deixa a desejar ao que é produzido no cenário musical a nível nacional. É importante ressaltar a qualidade técnica da gravação onde conseguimos perceber a competência dos músicos que compõem a banda, a qualidade musical dos arranjos e força lírica das letras composta pelo Fernando Magoo. 

Outro aspecto importante é que mesmo que ao longo da nossa análise tenhamos salientado a referência a algumas bandas – que certamente são referências para o Magoo e o bando urtiga, conseguimos perceber uma pegada original – onde eles pegam essa influência e imprime sua identidade. Não tenho dúvida que se estivesse num contexto onde houvesse um cenário underground mais fortalecido, esse trabalho seria melhor acolhido e reverenciado. 

Por outro lado, que bom para nós que apreciamos esse tipo de som, ter artistas com essa disposição de abrir caminhos num Estado com fortes raízes conservadoras. Inclusive, Palmas, como podemos perceber ao analisar o resultado das eleições de 2022 no munícipio. De modo que a referência a famosa Sucupira do romance do Dias Gomes foi uma excelente sacada.

Outro aspecto importante que a música do Magoo e o bando urtiga trás é um olhar para o lugar onde vivem não mais de uma perspetiva acrítica – de culto as belezas naturais. Mas como alguém que tenta se encontrar nessa cidade singular que está crescendo a cada dia no coração do Brasil – uma cidade que quer se tornar metrópole mas não deixa suas raízes interioranas.

Enfim, e a própria banda faz parte desse processo de transformação da capital. A medida que a cidade vai crescendo vai surgindo fissuras e nessas fissuras aparecem as contradições e dessas contradições surgem indivíduos capazes de transformar tudo isso em arte. É o que temos em as crônicas de Sucupira Gothan City.

Por Pedro Ferreira Nunes – é um rapaz latino americano que gosta de ler, correr, escrever e ouvir Rock in roll. 


segunda-feira, 15 de maio de 2023

Notas sobre gestão ambiental e desenvolvimento sustentável

A questão ambiental tem tomado cada vez mais espaço no debate público. Os efeitos da mudanças climáticas tem mostrado a urgência dessa tematica. Temos visto o surgimento de um movimento global, liderado sobretudo pela juventude, que cobra das autoridades ações concretas de proteção ao meio ambiente. Nessa luta a educação ambiental ganha um papel importante na busca pela conscientização e comprometimento de todos com o Meio Ambiente, pois em última análise, proteger a natureza é proteger a vida.

Na obra “Gestão ambiental e desenvolvimento sustentável” (2009), de autoria de Cynthia Roncaglio, Nadja Janke, Nathieli K. Takemori Silva, Ney de Barros Bello Filho e Sandro Menezes Silva, temos um conjunto de textos que abordam essa temática. Há um enfoque legalista da questão salientando o surgimento do direito ambiental e a necessidade de políticas públicas orientadas pela norma jurídica. Percebemos que houve um avanço em relação a questão ambiental no âmbito jurídico e na elaboração de políticas públicas. No entanto a efetivação ainda parece muito distante. Sobretudo pensar num desenvolvimento sustentável nos marcos do modelo de produção atual. 

A seguir elencamos alguns pontos que achamos relevante para compreensão da temática da gestão ambiental e desenvolvimento sustentável a partir da leitura do livro acima citado. E no final fazemos algumas considerações. 

O Ponto de partida para falar em gestão ambiental e desenvolvimento sustentável é entender o surgimento do direito ambiental;

Quando falamos em direito ambiental estamos falando de uma técnica de preservação da natureza;

Essa técnica se faz necessária diante da relação entre o homem e a natureza. Uma relação nem sempre saudável. Carecendo por tanto de um instrumento de mediação e controle;

O controle social é um elemento importante para que a relação entre homem e natureza se dê de forma sustentável;

No Brasil a questão ambiental teve diferentes fases. Na primeira era vista a partir de uma perspectiva comercial. Num segundo momento, sobretudo a partir da década de 1950, passa-se então a uma perspetiva legalista com o surgimento de normas jurídicas. No período atual segue a tendência global de defesa do Meio Ambiente; 

Quando falamos em defesa do  meio ambiente  alguns elementos são importantes: O primeiro é a autonomia. Cada país é autônomo no processo de elaboração e efetivação de políticas públicas de proteção ao meio ambiente. No entanto deve levar em consideração alguns princípios tais como: 1 – O direito ao meio ambiente; 2- a prevenção; 3- precaução; 4- Função ambiental da propriedade; 5- poluidor pagador; 6- usuário pagador; 7- informação; 8- Solidariedade intergeracional; 9- Cooperação Internacional;

No Brasil o Sistema Nacional do Meio Ambiente  (SISNAMA) criado pela lei 6.938/81 é o responsável pela gestão das políticas ambientais;

A lei 6.938/81 é considerada o marco de surgimento do direito ambiental no Brasil;

O SISNAMA é um conjunto de órgãos que tem como objetivo a preservação do Meio Ambiente – para tanto é necessário a compreensão de três conceitos básicos: 1- Meio Ambiente; 2- Poluição; 3- Poluidor;

O SISNAMA é responsável pela elaboração da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Nesse processo de elaboração é importante a apropriação dos instrumentos jurídicos para que a ação governamental não se dê fora dos princípios estabelecido pelo Direito Ambiental;

O objetivo da política Nacional do Meio Ambiente é a compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do Meio Ambiente e do equilíbrio ecológico;

A partir desse objetivo surge outros;

Para que os objetivos sejam alcançados é necessário instrumentos que entre outras coisas estabeleça padrões de qualidade ambiental;

A qualidade ambiental é importante sobretudo quando pensamos nas nossas matrizes energéticas. Por exemplo no Brasil, as fontes renováveis ainda representam a menor parcela da produção de energia;

Quando falamos em matrizes energéticas é preciso salientar a relação entre consumo e produção. Quanto mais consumo, se faz mais necessário a produção de energia. E nesse processo de produção crescente há os impactos ambientais;

A avaliação dos impactos ambientais são importante para que sejam minimizados ao máximo;

Essa avaliação surgiu por pressão Internacional;

No processo avaliativo dos impactos ambientais deve se levar em consideração as fases de: planejamento, implantação e operação;

É a partir dessas avaliações que são liberado licenças (prévia, de instalação e operação) pelo órgão ambiental estadual;

Para que esssas licenças sejam liberadas é necessário um estudo de impacto ambiental (RIMA) elaborado por uma equipe multidisciplinar;

Tal estudo deve levar em consideração um desenvolvimento sustentável – que não pode ser pensado sem entendermos a relação entre homem e natureza e conceitos como desenvolvimento, ecologia e meio ambiente;

Eco desenvolvimento ou desenvolvimento sustentável deve ter como perspectiva o bem-estar coletivo;

O Eco desenvolvimento deve se opor a um modelo de progresso que visa apenas o progresso econômico;

Outro fator importante quando se fala em sustentabilidade é que para se obter um padrão mínimo nesse campo é preciso reduzir o consumo de matéria e energia;

A elaboração de políticas públicas que não se reduz a resolver conflitos de interesses é outro fator importante para se alcançar um desenvolvimento sustentável; 

O aumento da destruição ambiental nos levou a um horizonte de insustentabilidade nesse campo. Como resposta a esse movimento observamos um processo de esverdeamento das políticas públicas;

No processo de elaboração e efetivação das políticas públicas de proteção ambiental a participação da comunidade é fundamental. Por isso, sobretudo na esfera local deve se favorecer essa participação;

Cada vez mais tem havido um esforço global em defesa do Meio Ambiente através de espaços de discussão e planejamento coletivo como as Conferências Mundiais do clima;

Algumas considerações 

Conhecer como se dá a gestão ambiental e a perspectiva de construção de um desenvolvimento sustentável é fundamental para contribuir com a mudança de paradigma acerca da questão ambiental;

É inegável que a questão ambiental tornou-se um tema central na nossa sociedade. O debate acerca da nossa relação com a natureza já não pode ser ignorado por ninguém; 

Como resultado desse movimento observamos o surgimento do direito ambiental e de uma legislação pró meio ambiente sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Mas uma questão que nos surge é o distanciamento entre o que diz a norma jurídica e as ações dos governos e empresas;

É preciso entender que a lei por si só não garante que haverá uma mudança de perspectiva em relação ao Meio Ambiente. A educação é fundamental se quisermos vislumbrar essa mudança de paradigma; 

Por fim há de se questionar a possiblidade real de haver um desenvolvimento sustentável tutelado pelo mercado, isto é, no âmbito do modo de produção capitalista.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


quarta-feira, 10 de maio de 2023

O Ensino do Ensino Religioso – uma breve reflexão a partir da nossa experiência em sala de aula


O discurso a favor da promoção da diversidade religiosa se esbarra nos casos de intolerância. Sobretudo por parte de agentes que deveriam garantir o que está na Constituição Federal de 1988, isto é, a laicidade do Estado e a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença. Nesse contexto o Ensino Religioso torna-se um componente curricular importante na educação básica, desde que seja trabalhado numa perspectiva de promoção da diversidade religiosa e o combate a intolerância. 

Houve um grande embate sobre o Ensino Religioso na educação básica, tanto que a questão foi matéria de análise do Supremo Tribunal Federal (STF). Mais especificamente a questão do ensino religioso confessional, isto é, a possibilidade de se optar pelo ensino de uma religião específica. Com a decisão favorável dos ministros a Base Nacional Comum Curricular  (BNCC) incluiu como obrigatório o Componente Curricular de Ensino Religioso, podendo ser trabalhado numa perspectiva confessional. No entanto, garantindo ao estudante, sem prejuízo a sua carga horária formativa, a opção de escolha.  

Temos ai um ponto fundamental, isto é, o estudante não é obrigado a cursar um componente curricular que vai contra a sua liberdade de consciência e de crença. Por tanto a família e a escola devem estabelecer um diálogo a esse respeito para que não aja conflitos e mau entendidos quanto ao que será trabalhado – o que acontece muitas vezes é que esse diálogo não ocorre. Muitas famílias não sabem que o Ensino Religioso é facultativo. 

Por outro lado, mesmo sendo trabalhado numa perspectiva confessional, não significa que não possa promover a tolerância entre as diferentes religiões. O que é inaceitável é que aja intolerância num ambiente onde o aprender a conviver é um dos seus quatro pilares.

Analisando as orientações para o ensino do Ensino Religioso na rede estadual de Educação do Tocantins, percebe-se que não há uma perspectiva confessional, pelo contrário. No entanto, na prática fica muito na mão dos agentes que materializam os objetos do conhecimento trabalhado, no caso as unidades de ensino e os Professores.

Na nossa experiência com esse componente curricular buscamos trabalhar a partir da realidade do estudante, mas sem deixar de apresentar e discutir outras realidades sobretudo na perspectiva do aprender a conviver. De modo que o nosso ponto de partida foi uma escuta para a partir daí elaborar as atividades a serem trabalhadas. E ao final do bimestre uma avaliação coletiva acerca das aulas. A patir daí dividimos as habilidades e objetos de conhecimentos, a serem trabalhados, em quatro eixos, sendo eles: 1- Religião e Cultura; 2- Religião e Ética; 3- Religião e Cidadania ; 4- Religião e Direito a Humanos.

Desse modo mais do que conhecer uma determinada religião, a nossa perspectiva é mostrar como a tradição religiosa, a partir de diferentes culturas, foi se constituindo ao longo da história e propondo reflexões acerca da influência dessa tradição na nossa formação. 

Analisando avaliação feita pelos estudantes sobre as aulas de Ensino Religioso ficou muito evidente o destaque para “o conhecer outras religiões” (diferente daquelas que suas famílias e eles praticam ou que existe na sua comunidade). Uma das falas destacam: “até agora esse é o único professor de Ensino Religioso que fala de outras religiões”. Essa mesma estudante do 8° Ano do Ensino Fundamental questionada sobre o que mais havia gostado nas aulas de ensino religioso disse: “gosto de ver a diferença entre cada religião, ver o quanto tem gente diferente nesse mundo”. Outro estudante também seguiu essa linha: “Sobre as outras religiões conheci mais um pouco”. Outro disse: “É muito legal saber mais sobre religião”. Outro destacou o “debater mais sobre questões sociais e como a religião interfere ou tem haver”.

Um ponto importante a se ressaltar é que essas outras religiões não foram trabalhadas a partir de uma perspectiva pré-conceituosa – postura que leva a intolerância. Nosso comportamento foi como um mestre ignorante, isto é, se colocando numa posição de que não sabe,  para junto com os estudantes, buscar saber. E nessa caminhada o que temos descoberto é que as diferentes religiões tem mais pontos que as une do que as separa. Por que então não se promover uma convivência respeitosa?

Enfim, é nessa perspectiva que temos desenvolvido o ensino do Ensino Religioso. Acreditamos que esse caminho contribuí para promoção da diversidade religiosa bem como ao combate a intolerância. Não estamos dizendo que esse é o único caminho. O fundamental, no entanto,  é garantir que a escola seja um ambiente de acolhida para os indivíduos de diferentes religiões. E isso ultrapassa as aulas de Ensino Religioso. É uma questão de direitos humanos, que toda escola, sobretudo a pública, tem a obrigação de garantir.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.