sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Conto: O Menino e o Boto

Para meu sobrinho, Pedro Henrique.

As águas do rio Tocantins estavam cheias. Era período de chuva e os botos animados seguiam a correnteza brincando animadamente com os cardumes de peixes que subiam rio acima para reproduzirem.

Enquanto isso os pescadores agoniados tentavam espanta-los batendo com o remo na água. Preocupados com suas redes.

- Vai pra lá bicho ruim. Não vão rasgar nossas redes.

Porém os botos não se importavam. Achavam que os pescadores estavam brincando com eles. O que deixava os pescadores ainda com mais raiva daquele animal “perverso” que destruía suas redes e roubavam-lhes os melhores pescados. Isso mesmo, por essas bandas do Tocantins os botos são visto como animais perversos. Não faltando estórias a cerca das suas peripécias – Estórias de mistérios que quase sempre desperta medo na população ribeirinha.

Mas não aquele menino que pescava piaus naquela tarde a beirada do rio. Ele não compreendia por que tanto medo de animais tão belos e encantadores.

O menino cresceu ouvindo estórias terríveis sobre o que os botos aprontavam por ali – viravam embarcações com mulheres gravidas, matavam pescadores, comiam gente. E assim hora e outra se ouvia estórias de uma canoa que havia sido tombada por um boto ou de um pescador desavisado que havia caído no rio e sido devorado por uma daquelas criaturas.

- Menino, nem pense em tomar banho no rio sozinho, pois si um boto ti pegar você já era.

- Pois é. Ouvi falar que o filho de fulano de tal foi comido por um boto.

- É mesmo cumade?

- É verdade. Seu Zé Pescador que falou.

Mas o menino não acreditava muito naquelas conversas. Mesmo assim ele não tinha coragem de entrar nas águas do rio Tocantins sozinho. Quando ia pescar, só na companhia dos pais ou dos irmãos mais velhos. E só pescava da beirada sem por se quer o pé na água.

Naquela tarde que ele pescava piaus tranquilamente ouviu um barulho muito perto de onde estava. O que seria? O seu irmão que havia ido pescar com ele tinha saído para jogar tarrafa e lhe deixou sozinho por um momento. No entanto ordenou-lhe:

- Não coloque nem o pé na água que já volto. Mas o menino estava inculcado com aquele barulho.

– O que seria aquele barulho?! Questionava-se.

Curioso o menino decidiu olhar mais de perto para ver o que era e para sua surpresa descobriu que havia um boto preso numa rede de pescar. O boto debatia-se tentando escapar da rede, mas quanto mais se debatia mais preso ficava.

- Socorro, socorro. Gritava o boto.

- E agora o que eu faço? Pensava consigo o menino.

– Se eu soltar ele será que depois não vai me comer? Não vai me levar para o fundo da água e me matar afogado? Pensava o menino se lembrando das estórias terríveis que ouvia sobre os botos.

- Socorro, socorro. Continuava o boto a gritar.

Foi então que o menino tirando uma coragem não se sabe da onde decidiu entrar na água para salvar o boto. Sabia que tinha que fazê-lo bem de pressa, pois se seu irmão ou outro pescador chegasse e visse aquela cena com certeza iria matar o pobre animal que era apenas um filhote. E assim após muita luta enfim o menino conseguiu libertar o boto. Que muito feliz agradeceu:

– Obrigada amiguinho, obrigada amiguinho. Já mais vou esquecer o que tu fez por mim.

E o boto seguiu livre nadando pelas águas do Tocantins, pulando de felicidade e acenando para o menino – que por sua vez não podia esconder a alegria de ter salvado o jovem boto. Mas decidiu guardar aquela alegria apenas para si. Pois não contaria para ninguém o que tinha feito. Até por que seus pais seriam capazes de proibi-lo de ir ao rio Tocantins se soubessem.

O tempo passou e o menino já era um homem. Não virou um pescador como seu pai e seus irmãos. Virou um biólogo que se dedicava a estudar a vida aquática no rio Tocantins – preocupado com a diminuição de algumas espécies de peixes que outrora se encontrava em abundancia por ali.

Certo dia em uma expedição de estudos sobre os cardumes de peixes no rio Tocantins a embarcação de sua equipe foi surpreendida por um grande temporal e o forte banzeiro conseguiu virar o barco que ele estava. Ele estava muito longe da margem, não sabia nadar muito bem. Não tinha jeito – com as condições do tempo com certeza morreria afogado.

Quando o jovem já estava perdendo as forças de tanto se debater na água para que não morresse afogado nas profundezas do Tocantins – um boto apareceu e lhe puxou até a margem do rio. Ele quase desacordado reconheceu bem pelas cicatrizes no animal – era o boto que ele havia tirando daquela rede de pescador quando criança.

– Obrigada amiguinho, obrigada amiguinho. Já mais vou esquecer o que tu fez por mim.

Pedro Ferreira Nunes – Poeta e Escritor Tocantinense.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

O amor pode destruir o ódio?!

Parece uma questão clichê de folhetim barato não é mesmo?! Até por que o mundo caminha no sentido contrário, isto é, o triunfo do ódio sobre o amor. Sendo assim como acreditar que o amor pode destruir o ódio? Antes de tentar responder a questão levantada é preciso saber: Afinal de contas o que é o amor? O que é o ódio? Qual a relação entre esses dois afetos? Não são questões difíceis de serem respondidas se partirmos dos clichês. Mas não é nosso objetivo aqui. Nosso objetivo é falar do amor e do ódio através da perspectiva filosófica de Baruch Spinoza, especialmente na sua obra: “Ética Demostrada a Maneira dos Geômetras”, Terceira parte - Sobre a Origem e a Natureza dos Afetos.

Desse modo antes de falar sobre o amor e o ódio propriamente, é preciso entender o que Spinoza compreende por afetos. Afetos são “afecções do corpo que aumentam ou diminui, ajuda ou limita a potência de agir do corpo”. E nessa afirmação encontramos um conceito central no pensamento de Spinoza – potência. Outro conceito importante é esforço. Potência e esforço são fundamentais para compreendermos a relação entre amor e ódio. E a compreensão dessa relação entre amor e ódio passa pelo entendimento de quais seriam nossos afetos primários. E quais seriam? O Desejo, a Alegria e a Tristeza. Segundo Spinoza o Desejo (Cupiditas) é o apetite com a consciência dele mesmo. Alegria (Laetitiae) é uma paixão pela qual a Mente passa a uma perfeição maior. Já a Tristeza (Tristitiae) é uma paixão pela qual ela passa a uma perfeição menor. É a partir dos afetos primários que se originam todos os demais. Inclusive o amor e o ódio.

Pronto, já sabemos de onde se origina o amor e o ódio, mas o que seriam essas afecções? Para Spinoza o Amor (Amor) é uma alegria concomitante a uma causa externa e que buscamos conservar. Já o Ódio (Odium) trata-se de uma tristeza concomitante a uma causa externa da qual buscamos nos afastar ou destruir. E como podemos amar ou odiar? Amamos pela Simpatia (Sympathia) que é Alegria. E Odiamos pela Antipatia (Antipathia) que é Tristeza. Parece simples, não é?! Mas não é tão simples assim.

Spinoza afirma que quando nossa mente é afetada por dois afetos simultaneamente, por exemplo, o amor e o ódio. Quando posteriormente for afetado por um deles, também será afetado pelo outro. Dessa forma por acidente, qualquer coisa pode ser causa de alegria, tristeza ou desejo. Em suma, podemos simultaneamente amar e odiar o mesmo objeto. Estes afetos contrários ao estado da mente provoca a flutuação da alma (animi fluctuario) – hora amamos, hora odiamos. Essa flutuação se dá pelo fato de que o corpo humano é composto de muitíssimos indivíduos de natureza diversa. Logo pode ser afetado de diversos modos.

Para Spinoza, amamos quem nos ama e odiamos quem nos odeia. Sendo assim, se odeio farei mal e se amo farei bem. Isso também parece uma questão óbvia né?! Mas é ai que está o problema. Como todos querem ser amados e louvados acabam se odiando e, por conseguinte fazendo o mal – Numa sociedade que cultua o individualismo, como é o caso da sociedade baseada no modo de produção capitalista, essa máxima tem sido levada ao extremo. Desse modo não é de se admirar que não raramente passemos a odiar aquilo que amávamos. E se alguém começar a odiar a coisa amada esse ódio será maior que o amor. Pois a tristeza será maior, tanto pelo ódio como pelo fato que já amou a coisa.

Mas o contrário também pode acontecer – alguém pode começar a amar a coisa odiada e esse amor será maior que o ódio. Dai que nosso filósofo afirma que o amor pode destruir o ódio. E aqui chegamos a nossa questão inicial – para Spinoza o amor que se origina do ódio, o amor que vem daquilo que odiávamos é maior. Seria, portanto preferível buscar amar aquilo que odiamos? Já que isso nos permitirá alcançar uma espécie de “amor supremo”? Spinoza brinca dizendo que seria a mesma coisa de querer ficar doente para depois obter a cura. E isso ninguém quer.

O que podemos concluir de tudo isso? Que sim, que o amor pode destruir o ódio, mas também que o ódio pode se sobrepor ao amor. Isso dependerá de agirmos racionalmente e da potência e do esforço de perseverar em uma dessas direções. 

Pedro Ferreira Nunes é – Educador Popular e bolsista do Pibid-Filosofia da UFT na Escola Estadual Frederico José Pedreira Neto.

*REFERÊNCIA: SPINOZA, Baruch. Ética Demostrada a Maneira dos Geômetras - Terceira Parte “Sobre a Origem e a Natureza dos Afetos”. Tradução: Roberto Brandão. Disponível em: http://docs11.minhateca.com.br/66423427,BR,0,0,BARUCH-Spinoza-Etica-Demostrada-a-maneira-dos-Geometras-PT-BR.pdf. Acesso em: 16 Out. 2017.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Poema: Hasta la victoria siempre!

Venho de outros tempos
Forjado em mil batalhas
‘hasta la victoria siempre’
A nossa luta não para.

Em Palmares com Zumbi
Em Canudos com Conselheiro
Eu lutei até o fim
Ao lado dos meus companheiros.

Com Lampião no sertão
Zé Porfírio em Goiás
João Pedro lá em Sapé
Lutas monumentais.

Ao lado de Marighela
Com muito orgulho lutei
Na guerrilha do Araguaia
Confiante eu marchei.

Marchei com a Coluna Prestes
Com Julião nas ligas camponesas
Na revolta da chibata
Atuamos com firmeza.

No eldorado dos Carajás
Vi muitos companheiros tombar
E no massacre de Corumbiara
Eu também estava lá.

Ao lado de Chico Mendes
Na defesa da floresta
E com o cacique Raoni
Defendendo o que nos resta.

No Pinheirinho em São José dos Campos
Resistimos bravamente
No Parque Oeste Industrial
Não foi diferente.

Mataram-me tantas vezes
Outras tantas fui aprisionado
Me espancaram brutalmente
Sem dó fui torturado.

Mas continuo de pé
Resistindo e lutando
Podem me matarem sempre
Que acabo me levantando.

Sou o povo brasileiro
Que constrói este país
Haveremos de triunfar
Seremos um povo feliz.

Viemos de outros tempos
Forjado em mil batalhas
‘Hasta la victoria siempre’
A nossa luta não para.

Pedro Ferreira Nunes
Casa da Maria Lucia. Lajeado – TO. Lua Nova, Inverno de 2018.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Mais um período de luta na defesa dos interesses das e dos Estudantes de Filosofia da UFT

 
Mais um período de luta na defesa dos interesses das e dos Estudantes de Filosofia da UFT 
 
Chegamos ao final de mais um período na Universidade Federal do Tocantins – Campus de Palmas. E queremos através deste boletim prestar conta e fazer um breve balanço da gestão Despertar é preciso! A frente do CAFIL – Centro Acadêmico de Filosofia da UFT. Bem como apontar alguns desafios para o próximo período.
Desde já desejamos a todas e todos um final de período exitoso, boas férias e que possam recarregar as energias para enfrentar os desafios do ano vindouro.
Consolidação de uma gestão democrática e participativa
A gestão Despertar é preciso! Assumiu o CAFIL (Centro Acadêmico de Filosofia da UFT) em março de 2017. E desde então temos pautado nossas ações nas decisões coletivas – ocupando os espaços de representação (Colegiado de Filosofia e Conselho Diretor), bem como nos demais espaços que se faz necessária a nossa presença. Sendo que no período atual essa política foi consolidada. Bem como uma política de comunicação através dos informes e das publicações via grupo do wattssapp, no facebook e no nosso blog.
O que também conseguimos consolidar foi à parceria com a Coordenação do Curso de Filosofia, por exemplo, na Recepção dos Calouros, na semana intercursos – Os 100 anos da Revolução Russa e na II Jornada Filosófica. Fizemos mais um pedido de camisetas e fortalecemos mais ainda a imagem do curso de filosofia no campus de Palmas. Hoje sem duvidas a atuação do Centro Acadêmico de Filosofia é referência para o movimento estudantil na UFT e já não nos ignora tal como outrora.
Todas essas conquistas são frutos da luta coletiva – se não houvesse um amplo apoio das e dos estudantes de Filosofia da UFT essas conquistas não seriam possíveis. Inclusive destacamos a contribuição de estudantes do curso que não fazem parte da coordenação geral do CAFIL, mas que não se negaram a assumir tarefas e contribuir na realização dessas ações. E assim vamos construindo um trabalho de base para que quando terminar nossa gestão o CAFIL não entre em vacância como em outros momentos.
Fortalecimento do Movimento Estudantil na UFT
O CAFIL teve um papel de destaque nas eleições do DCE-UFT – contribuindo assim para que fosse reconstituído o principal instrumento de representação das e dos estudantes na Universidade. O DCE estava em vacância há quase 01 ano. Fizemos parte da comissão eleitoral (representando o campus de Palmas) e mesmo diante de todas as dificuldades cumprimos o nosso papel de cabeça erguida até a realização das eleições e a posse da nova gestão. Acompanhamos também as eleições para o Diretório Acadêmico de Palmas e ficamos felizes em ver os estudantes do curso de Filosofia participando do processo e inclusive compondo chapas. Sem duvidas estamos com uma representação estudantil mais forte, claro, isso não é fruto apenas da nossa luta, mas de todas as entidades estudantis da UFT, e, sobretudo das e dos estudantes que mesmo não fazendo parte dessas entidades participaram do processo.
Executiva Nacional de Estudantes de Filosofia - ENEF
O CAFIL fez parte da recriação da Executiva Nacional de Estudantes de Filosofia, que ocorreu no 33º ENEFIL na cidade de Fortaleza - CE, juntamente com centros acadêmicos e diretórios acadêmicos de todas as regiões do país. Sem dúvidas um marco importante na articulação e organização nacional das e dos estudantes de filosofia para fortalecer a nossa resistência contra os ataques à educação, o sucateamento da universidade pública e especificamente ao curso de filosofia por parte do governo ilegítimo de Michel Temer.
Desde então temos mantido contatos permanente com a executiva nacional de estudantes de filosofia e temos estreitado relações com representantes da região norte amadurecendo a possibilidade de construção do EREFIL – NORTE (Encontro Regional de Estudantes de Filosofia da Região Norte).
Participação no ENEFIL
A delegação da UFT Foi uma das maiores delegações do 33º ENEFIL. A maioria estava participando pela primeira vez de um evento desse porte – Era uma delegação inexperiente, mas que, no entanto teve uma participação significativa, inclusive apresentando trabalhos. Problemas ocorreram e que devem ser corrigidos nos próximos eventos, mas nada que tenha prejudicado a participação da delegação como um todo.
Nesse sentido devemos o quanto antes nos planejar e nos organizar para participar da próxima edição que se realizará em Santa Maria – RS, em 2018. Não podemos abrir mão de estarmos num espaço tão importante para nossa formação. Desde já assumimos o compromisso de lutar incansavelmente para garantir a participação de uma caravana da UFT no evento.
Oferta de disciplinas de Verão no curso de Filosofia – Uma conquista importante
Uma conquista importante no qual nós do CAFIL tivemos um papel importante foi à aprovação pelo Colegiado de Filosofia da oferta de disciplinas de verão. Com isso os estudantes que estão com pendencia nas disciplinas que serão ofertadas terão a possibilidade de regularizar sua situação. É claro, essa conquista só foi possível por que conseguimos sensibilizar os professores e a coordenação do curso da importância da oferta dessas disciplinas. No entanto é fundamental que os estudantes não deixem passar essa oportunidade. E assim, se for bem sucedido essa experiência, teremos condições de reivindicar futuramente a oferta de mais disciplinas.
Recepção dos Calouros dos cursos de Filosofia e Teatro
Num período em que houve tantas denuncias de trotes machistas, racista e homofobicos na UFT. Inclusive tomando as manchetes da imprensa regional. O CAFIL juntamente com acadêmicos do curso de Teatro organizou uma recepção conjunta com apresentações artística dos veteranos e com uma roda de conversa sobre o papel do movimento estudantil na universidade. Além disso, elaboramos e distribuímos um boletim especialmente para os calouros falando sobre o papel do Centro Acadêmico, sobre a vida universitária e nos colocando a disposição para auxilia-los no que fosse necessário. Foi com certeza um momento marcante e muito exitoso que nos comprometemos em repetir no próximo período.
Desafios para o próximo período
Nesses quase dez meses a frente do Centro Acadêmico de Filosofia da UFT tivemos importante conquistas, mas temos consciência que é possível muito mais. E nos comprometemos em continuar buscando fortalecer e preservar as conquistas que alcançamos, mas também avançar no sentido de conquistar muito mais. No entanto precisamos do apoio de todas e todos. Não só do apoio, mas também da participação efetiva na construção e nas ações do CAFIL. Pois como falamos em outro momento – um Centro Acadêmico forte, autônomo e de luta só é possível com o envolvimento de todas e todos os estudantes do curso e não apenas de sua coordenação geral.
Nesse próximo período vamos intensificar a luta para garantir uma sala para o CAFIL. Uma questão prioritária, que estamos devendo aos estudantes do curso de filosofia. Queremos deixar claro que não abrimos mão dessa demanda. A direção do Campus de Palmas nos garantiu uma sala, mas até agora não cumpriu sua promessa. Esperamos que eles cumpram com o que fora acordado o quanto antes.
Também iremos propor a confecção de novas camisetas do curso de filosofia com uma nova arte e cores. Sendo que este novo modelo de camiseta será submetido para ser aprovado ou não por todas e todos do curso de filosofia.
Faremos uma assembleia geral no inicio do próximo período para avaliarmos coletivamente o primeiro ano de gestão (da gestão Despertar é preciso!) a frente do CAFIL – Centro Acadêmico de Filosofia da UFT. E a partir dai decidir a cerca da continuidade ou não dessa gestão, da realização de novas eleições, modificações estatutárias (se necessárias) entre outros.
Por fim, nos colocamos a disposição de todas e todos. Estamos abertos ao diálogo e as criticas para que possamos melhorar cada vez mais a nossa gestão.
Abraços revolucionários, atenciosamente,
Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia – CAFIL da Universidade Federal do Tocantins.
...Aquí está una de las tareas de la Juventud, impulsar, dirigir con el ejemplo la producción del hombre del mañana, y en esa producción y en esa dirección está incluida la producción propia, porque nadie es perfecto..”. Ernesto Che Guevara.

A greve sabotada. Que fazer?


Quando tomei conhecimento de que a greve geral convocada para o dia 05 de dezembro havia sido cancelada imediatamente me veio à cabeça o livro “Que fazer?” uma das principais obras de Vladimir I. Lênin. Nesse livro o líder bolchevique trava uma polêmica importante com a ala oportunista do Partido Social Democrata Russo. Polêmica que culminará na divisão do partido e a criação da fração bolchevique que terá um papel fundamental na orientação dos operários, camponeses pobres e Soldados para tomada do poder em outubro de 1917.
E o que o livro de Lênin tem haver com a greve sabotada pelas principais centrais sindicais do país? Resguardando o contexto histórico em que o livro foi escrito e a que se pretendia acredito que essa obra nos trás uma tarefa bastante atual – romper com setores oportunistas (tanto no terreno sindical, no movimento popular, estudantis e partidos) que defendem a conciliação de classes ao invés da luta e da resistência.
A sabotagem da greve do dia 05 de dezembro não é um fato isolado, não nos esqueçamos de que no mês de junho também essas mesmas centrais convocaram uma greve geral, mas que, no entanto não jogaram nenhum peso na sua realização. Agora fizeram pior, cancelaram a greve, desmoralizando assim mais ainda o já tão desmoralizado o atual movimento sindical brasileiro, caindo no descredito e contribuindo para uma maior fragmentação da já tão fragmentada esquerda no país.
Outra questão importante é que algumas dessas organizações jogaram mais peso mobilizando os trabalhadores para acompanhar um depoimento do Lula em Curitiba do que para protestar contra a aprovação da reforma trabalhista ou agora na reforma da previdência.
Dizei-me que autoridade essas organizações tem para se dizer representantes dos trabalhadores se quando é para defender os interesses destes preferem a conciliação com a burguesia? Diante desse contexto ouso dizer que o nosso principal inimigo não é o governo Temer – um governo fraco que já teria caído há muito tempo. Mas isso se tivéssemos organizações com legitimidade junto a classe trabalhadora para orienta-la. Desse modo uma tarefa fundamental se os trabalhadores quiserem avançar na luta em defesa dos seus direitos é passar por cima das direções burocratizadas de sindicatos, centrais sindicais e partidos políticos. Em suma, romper com os setores oportunistas que atuam no sentido de segurar os trabalhadores para que não radicalizem na luta por direitos.
Que nos acusem de divisionistas, de ultrarradicais, de “frescos”, de não buscar construir a unidade. Ora, não se constrói a unidade da classe em gabinetes, em discursos, em artigos. Constrói-se a unidade nas ruas, nas lutas, na resistência. E é isso que procuramos fazer. Não buscando conciliar o inconciliável como estes senhores prometem fazer. Desse modo acusar-nos de preferir o caminho da luta ao da conciliação deve ser para nós um motivo de orgulho. Se querem o caminho da conciliação que assim seja. Se preferem seguir para o “pântano” que façam bom proveito. “[... Até consideramos que vosso lugar é precisamente o pântano, e nos sentimos dispostos a prestar toda a colaboração que estiver a nosso alcance para levar-vos até lá...]”. (Lênin, 2015; 52).
As palavras de Lênin contra os oportunistas são bastante atuais analisando o contexto que vivemos. De modo que precisamos resgata-las e reafirma-las para que os trabalhadores não se iludam com discursos que nos levaram a situação que estamos hoje. E que não mudará via eleições como alguns querem nos fazer acreditar. Aliás, essa mudança de postura, essa moderação no discurso, não é nada mais do que a busca por acomodar interesses eleitorais. Uma linha prejudicial à esquerda – que tem crescido nos lugares onde radicaliza o discurso e não onde prega a conciliação.
Em “Que fazer?” Lênin (2015) afirma “[... nossa tarefa imediata é combater o joio. A nossa tarefa não consiste em semear o trigo em pequenos vasos. Ao arrancar o joio, limpamos o terreno para que o trigo cresça... devemos preparar ceifeiros que hoje saibam arrancar o joio e amanhã colher o trigo...]”. Uma tarefa que também nos parece bastante atual no presente contexto. Sobretudo por que revela a preocupação com a formação de quadros e o trabalho de base. Algo que foi quase que completamente abandonado pelas organizações dos trabalhadores na ultima década – o que contribuiu para burocratização, a estagnação e o descredito nessas organizações.
Um bom exemplo nesse sentido são as eleições do principal sindicato de trabalhadores do Tocantins (SINSEP – Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Tocantins). Onde o atual presidente concorre o quarto mandato. E só foi possível a inscrição de uma chapa de oposição devido à intervenção judicial. Infelizmente isso não é um fato isolado e nem uma realidade apenas do movimento sindical no Tocantins. A burocracia sindical impede qualquer tipo de renovação, afastando assim os jovens trabalhadores para que participem ativamente da vida sindical, assumindo tarefas.
Essa questão vai de encontro com a afirmação de José Paulo Netto de que o problema da esquerda atualmente é a questão organizacional. Precisamos pensar estruturas organizacionais alternativas que superem essas organizações burocratizadas que ao contrario de potencializar, amortiza a luta de classes. De acordo com Netto (2015) “[... a crise contemporânea do capital abre para nós uma oportunidade concreta de, exercitando a crítica radical, fomentar a reconstituição e a renovação de uma cultura política socialista...]”. Estamos à altura dessa tarefa? Não pretendemos fechar questão aqui. Fica por tanto a reflexão.
Pedro Ferreira Nunes é Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio. Atualmente faz parte da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Crônicas interioranas: Quati branco


Não era a primeira vez que Sidnei – o famoso quati branco – era levado para passar uma temporada no hospital de urgência de Palmas. A verdade é que no ultimo período isso estava se tornando uma rotina.
O médico lhe proibia terminantemente de colocar um pingo de cachaça na boca, ele então retornava para casa, jurava de pé junto para todos que já mais tomaria se quer uma dose de pinga. E resistia bravamente em sua resolução – um mês, dois meses, até três meses. E quando todo mundo acreditava que ele havia superado o vicio, o miserável aparecia travado na cachaça.
E quando começava beber não havia quem o fizesse parar. Era dia e noite, semanas e semanas enfiado na cachaça. Só parava quando o seu organismo já não suportava mais e tinha que ser levado as pressas para o hospital de urgência de Palmas.
E lá ficava uma, duas, três semanas, até um mês. Escutava a ladainha do medico o mandando escolher entre a vida e a cachaça. Recebia alta, voltava para casa, jurava para todo mundo que não tomaria mais bebida alcoólica. Ninguém acreditava num primeiro momento. Com o passar dos meses o povo começava acreditar, mas logo ele aparecia engatado na cachaça novamente.
- Homem, tu larga essa cachaça que tu morre diabo.
- Eu num tô bebendo não.
- Como não tá bebendo? E esse cheiro de cachaça? Eu sou besta por acaso?
- Só tomei uma dosinha.
- Bom. O médico já ti avisou. Continua desce jeito que tu vai parar de baixo do pé de gameleira.
Nem com a ameaça de ir parar na cidade dos pés juntos o pobre miserável conseguia largar a cachaça. Porém da ultima vez ele exagerara e foi levado já nas ultimas para o hospital de urgência. Estava tão mal que todos por ali já contavam como certo a sua morte.
Passou-se uma, duas, três, quatro semanas e nada do quati branco melhorar. E as noticias que chegavam em Lajeado não eram animadoras.
- O quati branco esta a beira da morte.
- É. Dessa ele não escapa.
E não escapou mesmo. A noticia foi recebida com muita tristeza pela sua família e seus companheiros de cachaça.
- É. Ele bebia suas cachaças, mas não fazia mal a ninguém.
- É mesmo.
Agora já não se podia fazer nada, o pobre quati branco estava morto. Perdeu a batalha que vinha travando há vários anos contra a cachaça. Aos familiares e amigos restava organizar o velório, comprar o caixão, abrir a cova e então despedir-se do ente querido – que deixaria saudades.
Chega então o grande momento aguardado – a chegada do corpo para ser velado. No entanto para surpresa geral, o miserável não havia morrido. Estava vivíssimo da silva. Tudo não havia passado de um engano. Outro homem com nome de Sidnei havia morrido no mesmo hospital que ele estava internado e na hora de comunicar a família do morto erraram de enderenço. E assim a noticia que chegará em Lajeado é que havia sido o pobre do quati branco que se encontrará com “o único mal irremediável”.
- Essa misera tá viva? Vamos enterrar ele. Ora depois de todo o trabalho que ele nos deu? Vamos enterra-lo vivo. E assim o povo fez. Enterrou o pobre coitado vivo.
Não, não foi isso que aconteceu. A verdade é que sua família e seus companheiros fizeram uma grande festa regada a muita cachaça em comemoração ao retorno da terra dos mortos feita pelo quati branco. Claro, ele não tomou nenhuma dose, pois após a experiência que vivera, jurou de pés juntos que nunca mais colocaria uma dose de cachaça na boca.
Mas como vocês podem imaginar, após alguns meses ele voltou a tomar todas. E assim a sua batalha contra a cachaça continua, resta saber até quando ele vai resistir.

 Pedro Ferreira Nunes é Peta e escritor Popular Tocantinense.

Crônicas da UFT: Miguel Arroyo entre nós.


Ninguém tem maior consciência da opressão do que aquele que a sofre. Ninguém tem maior consciência da pobreza do que aqueles que a sofrem. E Ninguém melhor reage a pobreza do aqueles que a sofrem.
Miguel Arroyo, Simpósio Educação, Pobreza e Desigualdade Social – UFT, Campus de Palmas. 24 de Nov. 2017.
Era uma noite de sexta-feira. Estava frio devido à chuva que caíra ao longo do dia na capital tocantinense. Assim que terminou minha aula mais do que de pressa me encaminhei para o Cuica para ver se conseguia pelo menos pegar a parte final da fala do professor Miguel Arroyo na abertura do simpósio sobre “Educação, Pobreza e Desigualdade Social”. Ora, quem milita na educação ou pretende tornar-se um educador não pode deixar passar a oportunidade de ouvir um sujeito tão importante. Até por que não é todos os dias que temos o professor Miguel Arroyo entre nós.
Cheguei ao Cuica exatamente no momento que a fala do professor Miguel Arroyo se encaminhava para o fim. E quão lotado estava o Cuica, o que me surpreendeu positivamente, já que apenas duas vezes havia visto o Cuica lotado desde que ingressei na UFT – e não era nem de estudantes e nem de professores, mas sim de latifundiários e seus representantes políticos que haviam ido ouvir a então ministra da agricultura Kátia Abreu falar sobre o MATOPIBA. Agora não, agora era diferente. O auditório estava lotado de estudantes e professores de vários cantos do Tocantins que vieram discutir o papel da educação no combate a pobreza e a desigualdade social.
Apesar do pouco que ouvi foi tão marcante que posso afirmar ter sido o principal momento vivenciado por mim durante esse ano na UFT. Afinal de contas, como diz a canção: “quando se sabe ouvir não precisa muitas palavras” não é mesmo?! Também é preciso destacar que existem figuras tão diferenciadas que conseguem com poucas palavras transmitir muito mais do que as aulas de todo um período na universidade – Miguel Arroyo é uma dessas figuras. Eis ai bem objetivamente a diferença entre ser educador ou um professor simplesmente.
E o que ele disse de tão marcante assim? No pouco que pude ouvir, ele nos chamou a atenção para o papel da resistência. É através da resistência que tomamos consciência, que nos libertamos e que nos humanizamos. Para Arroyo, como educadores devemos questionar o que está posto, resistir, lutando para se libertar e dessa forma se humanizar. Em suma, antes de querer transformar o outro devemos transformar a nós mesmos, antes de querer libertar o outro, devemos libertar a nós mesmos e antes de querer humanizar o outro devemos humanizar a nós mesmos, um processo que se dá através da resistência, da luta por libertar-nos.
Arroyo foi enfático ao afirmar: “Ninguém tem maior consciência da opressão do que aquele que a sofre. Ninguém tem maior consciência da pobreza do que aqueles que a sofrem. E Ninguém melhor reage a pobreza do aqueles que a sofrem”. Assim ele se coloca contrariamente a concepção pedagógica equivocada daqueles que acreditam que estão se formando professores e irão transformar o mundo – que irão conscientizar os oprimidos, que irão acabar com a pobreza. Ora, é muito arrogância achar que os pobres e oprimidos não tem consciência. A estes, Arroyo reafirma uma questão fundamental, a libertação do oprimido é obra do próprio oprimido, a superação da pobreza é obra daqueles que sofrem com a pobreza.
O professor Miguel Arroyo chama atenção para o fato de que não é só a escola que humaniza. Tal afirmação se deu quando ele se questiona a cerca do que humaniza os pobres, já que a pobreza os desumaniza. Ele responde: “Não é só a escola. A suas resistências contra a pobreza é que os humaniza”. E não falta exemplo que corroboram com a afirmação do professor Miguel Arroyo – podemos destacar em especial a luta dos sem teto, dos sem terra, dos indígenas e dos quilombolas.
E na atual conjuntura política do país o maior exemplo de resistência contra o governo Temer e suas reformas é justamente do MTST – um movimento que organiza os setores mais pauperizados da sociedade e faz um importante trabalho de formação de base. Por fim, o professor Miguel Arroyo afirmou “Pobre é resistente. Nós somos pobres aniquilados pela pobreza. Vitimas da pobreza, mas resistindo, resistindo”. E citando Paulo Freire conclui: “Paulo Freire sempre falou “os oprimidos resistem, por libertar-se da opressão””.
Quando o professor Miguel Arroyo terminou sua fala não teve que não se contagiasse, e todo o auditório foi tomado por uma onda de aplausos e gritos entusiasmados em sua saudação – o que perdurou por mais de minuto. Com certeza a fala do professor Miguel Arroyo nos enche de animo para continuarmos a tão necessária resistência contra a opressão que assola o nosso povo. E por fim para coroar a noite a arte de resistência através dos acordes de violão e das cantigas do Juraildes da Cruz e a poesia do poeta Paulo Aires encerraram o momento.
Pedro Ferreira Nunes é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, e vindo do interior”.