“Te canto, porque estás vivo, Camilo
e não porque estejas morto...Carlos Puebla
Nota introdutória
Em memória dos 60 anos da revolução Cubana comemorados nesse mês de janeiro de 2019. Compartilho esse pequeno texto escrito sobre um dos principais personagens dessa epopéia: O Comandante Camilo Cienfuegos – que ao lado do Che Guevara, Fidel e Raul Castro – teve um papel central na vitória do exercito rebelde contra a ditadura de Batista.
Quando comecei a estudar a história da revolução Cubana a figura de Camilo Cienfuegos me chamou bastante atenção. Sobretudo por que apesar de ter tido um papel protagonista ser pouco conhecido fora das fronteiras Cubanas. Tal desconhecimento talvez se dê pelo fato de que Camilo fora, sobretudo um homem de ação.
Foi diante disso, e, sobretudo pelo fato de me interessar por esses personagens que tiveram bastante importância, mas que são de certa forma negligenciados – que decidi escrever essas linhas e publicar ainda em 2015, num livreto intitulado “Símbolos da Luta”. Não foi fácil escrever devido à escassez de material publicado no Brasil sobre Camilo Cienfuegos. De modo que acabei tendo que traduzir algumas coisas do espanhol.
Essa escassez diminuiu, sobretudo, nos últimos dois anos, e hoje já é possível encontrar várias matérias jornalísticas traçando o seu perfil biográfico e ressaltando a sua importância na revolução Cubana.
A reedição e publicação desse texto (revisado e enriquecido com novas referencias) se dá em memória dessa importante data – em que se celebra os 60 anos da revolução Cubana. E assim disponibilizo-o a quem interessar conhecer um pouco mais desse personagem, sobretudo através da fala daqueles que conviveram com ele, em especial Che e Fidel – que ressaltam a sua importância nesse evento histórico que marcou o século XX tanto na América Latina como em todo o mundo.
A revolução e seus heróis
A revolução Cubana foi e continua sendo (mesmo com limites) um exemplo para grande parte da esquerda mundial que luta pela superação do capitalismo rumo à construção do socialismo. Em toda mobilização da classe trabalhadora em luta contra a ordem estabelecida, em qualquer parte do mundo, esta lá a figura de Ernesto Che Guevara como também o simbolismo da revolução Cubana. Mas nem todos que fizeram parte dessa importante luta e que desempenharam importante papel são reconhecidos – tal como Camilo Cienfuegos, Juan Almeida, Ramiro Valdez, Ciro Redondo, Célia Sanchez, Vilma Spin entre outros.
Quando falamos na revolução Cubana logo pensamos nas figuras de Che Guevara e dos irmãos Castros – Fidel e Raul. No entanto uma revolução da magnitude da Cubana não foi feita apenas por um, dois ou três indivíduos, mas por obra de todo um povo – do campesinato, do operariado e da juventude. É obvio que uns acabam ganhando maior destaque (merecidamente) pelo papel brilhante que desempenha, assim quando falarmos na revolução Cubana – no seu exemplo para os povos que lutam por sua liberdade – não podemos nos esquecer de uma figura lendária, que desempenhou um papel tão importante quanto Fidel, Che e Raul – esta figura é Camilo Cienfuegos Gorriarán.
Quem foi Camilo Cienfuegos?
Um herói da revolução Cubana, e é tratado como tal pelo povo de seu país – monumentos, músicas, poesias e livros são feitos em sua homenagem. Todos os anos milhares de flores são jogadas ao mar para recordar sua morte – Camilo morreu em um acidente aéreo quando retornava da frente de batalha rumo a Havana. Havia ido em missão oficial combater grupos contrarrevolucionários. Seu corpo desapareceu no mar e nunca foi encontrado.
Mariana Serafini (2017) afirma que “até hoje, milhares de pessoas vão a praia no dia 28 de outubro, que foi declarado oficialmente o dia de sua morte, e jogam flores ao mar para homenagear o líder que veio do povo, lutou pelo povo e morreu trabalhando pelo povo cubano”.
No entanto Camilo Cienfuegos é uma figura pouco conhecida fora de Cuba, até mesmo nos círculos de esquerda, sobretudo entre os mais jovens. Para se ter uma ideia desse desconhecimento aproveito para fazer um relato de uma experiência pessoal.
Quando aprendi a técnica do stencil passei a customizar camisetas com a imagem dessas figuras de referência para esquerda. E entre estes vários personagens, fiz uma com a imagem do Camilo. E eu circulava com essas camisetas nos movimentos que eu participava. A pergunta mais comum que ouvia seja no Tocantins, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo, quando vestia a camisa com a imagem do Camilo Cienfuegos, era sobre quem era aquela figura. O mesmo não ocorria quando se tratava de Fidel e Che.
A história do guerrilheiro de mil anedotas ou de mil espíritos – tal como é conhecido em Cuba, é fascinante e vale apena ser conhecida por todos nós que resistimos na luta anticapitalista – pela emancipação do povo trabalhador e pela construção do socialismo. Isso se torna ainda mais importante diante dos “tempos medíocres” que vivemos – onde da noite para o dia “asnos” são transformados em “mitos”.
Camilo era um homem de personalidade interessante. Extrovertido e brincalhão. Não tinha medo do perigo e muitas vezes se arriscava em demasia nas batalhas. Quando do inicio da luta do exercito rebelde na Sierra Maestra Che Guevara acreditava que Camilo tinha posições equivocadas e muitas vezes se comportava de forma irresponsável. No entanto ao longo das batalhas foi se mostrando um comandante brilhante, capaz de realizar tarefas que muitas vezes eram vistas como impossíveis.
Para se ter uma ideia dessa veia cômica de Camilo, no filme “Che” dirigido por Steven Soderbergh e estrelado por Benicio del Toro. Há uma cena que retrata uma conversa entre Che e Camilo, onde este ao ver a curiosidade que o revolucionário argentino despertava nas pessoas – comentou que quando terminasse a luta o enjaularia e sairia por toda a Cuba ganhando dinheiro com sua figura, como uma atração de circo.
Mas as façanhas que realizava eram muitas, o que levou Fidel Castro a nomeá-lo Comandante da sua própria Coluna e juntamente com Che Guevara desfechar o golpe final contra a ditadura de Batista. Com o triunfo do exercito rebelde, Camilo Cienfuegos foi encarregado por Fidel de organizar as forças armadas de Cuba sendo responsável pela defesa do território cubano e combatendo as forças reacionárias que estavam se reorganizando. Papel que desempenhara com maestria até sua morte prematura no acidente aéreo.
Breve biografia
Comandante Camilo – o guerrilheiro invicto. Nasceu na bela capital cubana – Havana. Aos 06 de fevereiro do ano de 1932. Em uma família do povo – o pai alfaiate e a mãe doméstica. Foi batizado Camilo Cienfuegos Gorriáran. Aprendeu desde cedo à dureza do sistema hegemônico (o modo de produção capitalista) ao ter que abrir mão dos seus sonhos para ajudar no sustento da família. De acordo com Serafini (2017) seu sonho era se tornar um escutor “mas precisou largar os estudos para trabalhar. Foi zelador, pintor de paredes e trabalhou em outras pequenas tarefas...”.
Na sua juventude, Camilo Cienfuegos seguiu o mesmo caminho que milhares de famílias continuam a fazer nos nossos dias. Partiu para os Estados Unidos da América em busca de condições de vida melhor. Chegando ali, o seu espirito rebelde não lhe permitiu que se silenciasse diante da forma desumana que os imigrantes eram tratados. “No gigante vizinho, participou de manifestações em defesa dos direitos dos imigrantes e, devido à atuação política, foi deportado”. (Mariana Serafini, 2017).
Martha C. Moya (2017) afirma que “historiadores asseguram que a Guerra Civil Espanhola marcou a consciência do jovem Camilo Cienfuegos, mas o assalto ao Quartel Moncada por Fidel Castro e um grupo de jovens do movimento 26 de julho em 1953 fixou nele a vontade de se somar a luta pela independência definitiva de sua pátria”. Nessa linha, Serafini (2017) diz que Camilo Cienfuegos apesar de ter sido um dos lideres mais importante do processo revolucionário em Cuba, foi um dos últimos a se integrar a expedição do Gramma organizada por Fidel Castro.
Isa (2014) ressalta que o valor e a audácia de Camilo foram fatores chaves no seu desenvolvimento guerrilheiro na Sierra Maestra para cumprir missões decisivas no desfecho da guerra. E em abril de 1958, foi alçado ao posto de comandante, o mais alto da guerrilha. A partir dai assumiu o comando da Coluna II (Antonio Maceo) e juntamente com o Comandante Che Guevara, por ordens de Fidel, empreendeu a ocupação de todo o território cubano pelo exercito rebelde.
Comandante Camilo – o guerrilheiro invicto.
Quando escreveu “Guerra de guerrilhas” a intensão do Ernesto ‘Che’ Guevara era que Camilo análise criticamente fazendo apontamentos antes da publicação. Brilhante como era no combate da guerra de guerrilhas com certeza Camilo teria uma grande contribuição a dar na confecção desse material. Não podendo fazê-lo ante sua morte prematura, o livro foi dedicado a ele – como uma homenagem póstuma do exercito rebelde á seu grande capitão – “o maior capitão de guerrilhas que a revolução Cubana produziu... um revolucionário sem ressalvas e um amigo fraterno” segundo Guevara.
Ainda de acordo com Ernesto Che Guevara (1960) “Camilo foi um companheiro de cem batalhas, o homem de confiança de Fidel em um dos momentos mais difíceis da guerra e um lutador abnegado que sempre fez do sacrifício um instrumento para forjar o seu caráter e o da tropa...”. Guevara (1960) ressalta que “Camilo não pode ser visto como um herói isolado realizando façanhas extraordinárias. Mas sim como parte do povo que lhe formou, como forma seus heróis, seus mártires, seus condutores...”.
Uma de suas características marcantes era a audácia:
“Não sei se conhecia a máxima de Danton sobre os movimentos revolucionários – “audácia, audácia e mais audácia.” de todas as maneiras a praticou com suas ações. Dando ademais um condimento as condições necessárias ao guerrilheiro: A análise precisa e rápida da situação e o pensamento antecipado sobre os problemas futuros a resolver.” (Che Guevara, 1960)
Fidel ressaltava que “Camilo não tinha a cultura dos livros, tinha a inteligência natural do povo. Era um homem de ação, gostava da luta, era um artista na arte da guerra de guerrilhas”. Tanto que nunca perdera uma batalha – dai também ser conhecido como o guerrilheiro invicto. Ernesto ‘Che’ Guevara lamenta que sua morte tenha acontecido no momento em que era conhecido por todo o povo, que era querido e admirado. “Camilo é o exemplo da força do povo é a expressão mais alta do que pode dar uma nação, em uma guerra na defesa dos seus ideais”.
Ainda de acordo com Ernesto ‘Che’ Guevara (1960) não devemos enclausura-lo, “para aprisiona-lo em moldes e depois matá-lo. Devemos sim dizer que nesta guerra de guerrilhas não tenha existido um soldado comparável a Camilo. Revolucionário completo, homem do povo”.
Quem teve a oportunidade de conviver com Camilo trás na memória lembranças da figura carismática, extrovertida e extremamente capaz. Era de fato um homem de mil anedotas. Ferrenho combatente, comandante brilhante e amigo fraterno. Figura encantadora com seu chapéu de ‘cowboy’, sua longa barba e um sorriso encantador. Como prova da admiração e do carinho que tinha por Camilo Cienfuegos, Che Guevara colocou o nome do guerrilheiro invicto em um dos seus filhos.
A guerrilheira Vilma Espín ressalta que “Camilo é uma figura legendaria... um misto de força e poesia ao mesmo tempo. Se tivéssemos que inventar um nome para um personagem de legenda poderíamos por o nome de Camilo Cienfuegos. Até mesmo a morte de Camilo, perdido no mar, a maneira de relembra-la, deixando uma flor na água. E todas as suas façanhas, são ações legendárias.”
Para Ernesto Che Guevara (1960) “Camilo, o guerrilheiro, é objeto permanente de evocação cotidiana, uma coisa que podemos dizer de Camilo é que colocou o seu sinal preciso e indelével a revolução cubana e que está presente nos outros que não chegaram e nos que estão por vir em sua ressureição continua e imortal, Camilo é a imagem do povo”.
Eis ai por que desde o primeiro momento Camilo foi e continua sendo tão venerado pelo povo cubano. Pois o povo se reconhece nele – no seu exemplo de tirar do sofrimento, forças para lutar por sua libertação. Um exemplo mais do que necessário nos dias atuais – onde ser submisso ás classes hegemônicas tornou-se motivo de orgulho.
Em lugar de uma conclusão
Durante os anos não foram poucas as homenagens feitas a Camilo na forma de crônicas, poemas e canções. Mas ouso dizer que nenhuma que chegue aos pés do “Canto á Camilo” de autoria do Carlos Puebla – onde o artista sintetiza em uma canção de poucos versos o sentimento do povo cubano em relação à partida prematura de Camilo. Deixando claro que ele permanece vive através dos exemplos que os legou. “Te canto, porque estás vivo, Camilo. E não porque estejas morto... Por que vive tua presença, no povo que te estuda. Por que estás vivo na luta, e vivo na independência..” E assim concluímos, com os belos versos de Puebla e dando um viva a Camilo, a Revolução Cubana e ao Movimento Comunismo Internacionalista.
Pedro Ferreira Nunes
Casa da Maria Lucia – Lajeado/TO. Lua Crescente, Inverno de 2019.REFERÊNCIAS
ÁLVAREZ, Guillermo Cabrera. El hombre de las mil anécdotas. Disponível em: www.cubadebate.cu. Acesso em: 06 de Fev. 2014.
BELLONI, Diogo. Camilo Cienfuegos, chefe do Exercito Rebelde Cubano. Disponível em: http://averdade.org.br/2013/02/camilo-cienfuegos-chefe-do-exercito-rebelde-cubano/. Acesso em: 17 Jan. 2019.
BRASIL DE FATO. Camilo Cienfuegos, o guerrilheiro de sorriso sincero nascido em 6 de fevereiro. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2017/02/06/camila-cienfuegos-o-guerrilheiro-de-sorriso-sincero-nascido-em-6-de-fevereiro/. Acesso em: 16 Jan. 2019.
GUEVARA, Ernesto Che. La Guerra de Guerrillas. Havana - Cuba,1960.
MOYA, Martha C. Camilo Cienfuegos recordado em Cuba no 85º aniversário de seu nascimento. Disponível em: http://www.radiohc.cu/pt/noticias/nacionales/120766-camilo-cienfuegos-recordado-em-cuba-no--85º--aniversario-de-seu-nascimento. Acesso em: 14 Jan. 2019.
OASIS DE ISA. Camilo Cienfuegos y la sonrisa que amo. Disponível em: https://oasisdeisa.wordpress.com/2014/10/28/camilo-cienfuegos-y-la-sonrisa-que-amo/. Acesso em: 18 Jan. 2019.
SERAFINI, Mariana. Há 85 anos, nascia Ciefuegos, o carismático líder da revolução cubana. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/noticia/292983-1. Acesso em: 18 Jan. 2019.