terça-feira, 7 de maio de 2019

Freud “Psicologia das Massas e Análise do EU”

“Não há tempo há perder
as engrenagens não podem parar.
Não há tempo pra pensar
não há tempo pra sofrer...”.
Inocentes

Por Pedro Ferreira Nunes

Para tratar da Psicologia das Massas Sigmund Freud (1856-1939) partirá da contribuição de dois autores: Le Bon – especialmente a descrição que esse autor faz da alma coletiva. E McDougall que trabalha a organização da massa. Freud, no entanto, vai além, ao enfatizar que mais do que compreender o que é uma massa, é preciso entender como ela adquire a capacidade de influenciar de modo decisivo a vida psíquica do indivíduo.

Freud concorda com a descrição que Le Bon faz da alma coletiva, sobretudo de que “a massa é impulsiva, volúvel, e excitável” – ainda que apontando algumas críticas, por exemplo, quando Le Bon descreve as novas características que o indivíduo adquire ao entrar numa massa, a saber: um sentimento de poder invencível, o contagio mental, e a sugestionabilidade. Para Freud é evidente que a segunda e a terceira não são do mesmo tipo. Porém Le Bon não deixa isso bem claro. 

Mas a principal crítica de Freud a Le Bon é acerca do papel do líder e a importância do prestigio – para Le Bon o prestigio pode ser adquirido de forma artificial ou pessoal. Para Freud isso não “se harmonizar com a sua brilhante descrição da alma coletiva”. É por isso que mais adiante ele trará a questão libidinal como um fato importante para compreender a relação entre o líder e a massa. Uma relação que vai além do prestigio.

Freud chama atenção para “outras abordagens da vida anímica coletiva”. Segundo ele apesar de autores como Le Bon terem feito uma boa descrição da alma coletiva, é preciso “reconhecer outras manifestações da formação de massas, atuando em sentido contrário, e que devem conduzir a uma bem mais alta avaliação da alma coletiva”. É então que ele analisará a contribuição de McDougall – que se desenvolve, sobretudo em torno do processo de organização da massa. Essa organização é que difere a massa de uma multidão, por exemplo. 

Para Freud esse esforço de organização da massa é a busca em prove-la “daquelas mesmas qualidades que eram características do indivíduo e que nele foram extintas pela formação da massa”, por exemplo, uma identidade particular que a diferencia de outras massas. A partir dai surge uma questão que também carece de analise que é a afetividade.

Num interior de uma massa o indivíduo sofre uma intensa transformação. Por um lado, a sua afetividade é intensificada, por outro a sua capacidade intelectual diminui. De modo que é impossível compreende-lo a partir unicamente da perspectiva racional. Freud defende que não é possível compreender o indivíduo na massa sem a questão do libido – da afetividade. Ele defende que as relações de amor também constituem a alma coletiva. “Se o indivíduo abandona sua peculiaridade na massa e permite que os outros o sugestionem, que ele o faz por que existe nele uma necessidade de estar de acordo e não em oposição a eles, talvez, então, por amor a eles”.

Outro ponto importante abordado por Freud é acerca dos diferentes tipos de massa, por exemplo: Passageiras e duradouras, homogêneas e não homogêneas, naturais e artificiais, primitivas e diferenciadas. Ele, porém, se desdobrará na análise de duas massas artificiais – igreja e exército. Que também podem ser definidas como duradouras, não homogêneas e diferenciadas. Em suma, massas que não são organizações simples. E o ponto fundamental para essa análise é o fator libidinal que existe no interior dessas organizações (tanto exército como a igreja) mantendo a massa coesa.

Para mostrar como a essência da massa reside nas ligações libidinais, Freud trás o exemplo do pânico, que pode ser notado sobretudo no exército. “o pânico surge quando uma massa desse tipo se desintegra. É caracterizado pelo fato de as ordens do superior não serem mais ouvidas e cada um cuidar apenas de si, sem consideração pelo demais. As ligações mútuas cessaram, e uma angústia enorme e sem sentido é liberada”.

Nas massas os instintos amorosos estão desviados de suas metas originais, o que não significa que aja menos energia. Segundo Freud: “Já notamos, no quadro do habitual investimento sexual de objeto, fenômenos que correspondem a um desvio do instinto em relação a seus fins sexuais. Nós os descrevemos como graus de enamoramento, e reconhecemos que envolvem certa diminuição do Eu”.

Além dessas questões apresentadas brevemente acima, Freud também abordará a questão da identificação – a mais antiga manifestação de uma ligação afetiva a uma outra pessoa. E o instinto gregário – a compreensão do homem como um animal de horda, membro individual de uma horda conduzida por um chefe. Entre outros pontos.

Trata-se de uma obra bastante rica, cuja leitura, contribui sobremaneira para compreendermos um pouco melhor não só a conjuntura política do nosso país (o fenômeno Bolsonaro) como também o que vem ocorrendo em outras partes do globo como a crise na Venezuela e a ascensão da extrema direita na Europa e nos Estados unidos da América.

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Psicologia das Massas e Análise do EU. Volume Autônomo. Editora Psicanalítica internacional: Viena, 1921.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Bolsonaro e a anti-filosofia

Ao camarada Fernando 

O discurso do presidente Jair Bolsonaro e do seu ministro da Educação –  Abrahan Weintrab contra os cursos de humanos, especificamente Filosofia e Sociologia, bem como a afirmação de que os jovens devem ter uma formação mais técnica e não se envolver com política revela o seu caráter anti-filosófico (ainda que um dos principais influenciadores do seu governo se autodenomina de filósofo e o seu ex-ministro da Educação também é oriundo dessa área). Para entender por que o presidente e seus seguidores tem um discurso anti-filosófico compreendamos no que consiste a anti-filosofia.

Continue acreditando que está pensando com a sua cabeça;

Eis uma das características da anti-filosofia – achar que está pensando pela própria cabeça quando na verdade está reproduzindo o pensamento do outro. Marx há muito tempo atrás já chamava atenção para esse problema ao falar da alienação – um processo onde o individuo perde o centro de si mesmo. Marcuse ao retomar essa temática na segunda metade do século XX, chama atenção para o domínio de uma racionalidade tecnológica que busca suprimir os antagonismos de classes, introjetando valores e criando falsas necessidades. Diante disso é importante salientar o que Kant dizia sobre a necessidade dos indivíduos saírem da minoridade. Para tanto é necessário pensar por si mesmo – o que segundo ele – muita gente não o faz, por entre outras coisas: comodismo, covardia, preguiça e medo.

Por nenhum motivo pare para pensar: o país precisa de técnicos e não de filósofos;

Eis ai mais um ponto que caracteriza a anti-filosofia – o discurso que busca convencer os cidadãos a acreditar que a filosofia é algo desnecessário ou coisa de esquerdista buscando doutrinar os jovens e destruir os valores da família. Sendo assim, ela deve sumir da grade curricular de ensino e ser substituída pela educação profissional técnica. Pois afinal de contas por que perder tempo com uma disciplina que promove o pensamento ao invés de focar na formação de mão de obra barata para o mercado? Pensar significa a possibilidade de se libertar da alienação, se libertar da alienação significa pensar com a sua cabeça e pensar com a sua cabeça é muito perigoso para a classe dominante. Daí que essa classe dominante não mede esforços para fazer da filosofia e dos filósofos (os dignos desse nome), inimigos.

Nunca questione: viva a sua vida em paz e não se meta em nada;

Para anti-filosofia questionar é um ato de desordem, de subversão. Desse modo aqueles que ousarem merecem ser reprimidos, presos, torturados e até eliminado – como Sócrates. A anti-filosofia não precisa de indivíduos autônomos, mas seguidores. Pois seguidores não questionam apenas seguem ordens. É a partir dessa lógica que compreendemos a divisão entre cidadão de bem e o que seria um mau cidadão – cidadão de bem é o que não questiona, vive a vida em paz não se metendo nos problemas políticos, já o mau cidadão é aquele que questiona, que cobra, que incomoda aqueles que querem manter as coisas tal como estão.

Nunca pergunte, nunca duvide: basta guiar-se pelo bom senso;

O bom senso para anti-filosofia é aceitar a opressão e a exploração sem questionar. Se você se rebela, protesta, luta pelos seus direitos é considerado um vândalo – um criador de problemas. E como tal será tratado pelo status quo. Portanto seja um “cidadão de bem”, aja com bom senso, fecha os olhos para ás injustiças cometida contra quem quer que seja. Não se meta em conflitos e não deixe de agradecer e rezar que a sua recompensa virá quando você morrer.

Para vencer na vida, vale mais a prática do que a teoria;

É esse tipo de discurso que fundamenta a defesa de uma educação tecnicista ao invés de uma educação humanista. A idéia consiste em afirmar que a prática é mais importante que a teoria, colocando-as em pólos opostos. Para Lênin esse é um dos traços mais repugnantes da moral burguesa – a separação entre teoria e prática. Tal separação contribui para manutenção da dominação da classe hegemônica. Sobretudo ao limitar o acesso ao conhecimento das classes subalternas. Esse discurso de que “para vencer na vida, vale mais a prática do que a teoria” esconde no fundo a idéia de que o conhecimento é para alguns poucos privilegiados.

Não exija uma educação problematizadora; seja um arquivo de conhecimento a serviço da técnica e em vista de seu futuro profissional;

Sendo assim o melhor modelo de educação é a bancaria, que segundo Paulo Freire, é aquela em que “a educação se torna um ato de depositar”. E sendo um ato de depositar os educandos são meros depositários e o educador o depositante. Ainda de acordo com Freire “na visão bancária da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão”. Logo se vê que se trata de uma educação autoritária ou unidimensional como diria Marcuse. O educador não pode problematizar o conteúdo que está sendo trabalhado e o educando muito menos deve questionar.

É muito importante que se convença que você nada pode fazer;

Por tanto seja um individuo acomodado. Afinal de contas as coisas são assim, sempre foram assim e sempre serão assim. Ora, o que pode você, uma gota d água num imenso oceano, fazer? Nada, não é mesmo?! E se você ousar pode ser perseguido, pode perder algum privilegio e ainda assim nada mudará. Pelo contrário, pode até piorar pra ti. Não percebe o infeliz, que é exatamente esse tipo de postura que faz com que as coisas pareçam impossíveis de mudar.

Diante da injustiça, da violação dos direitos humanos, diante dos problemas e desafios do mundo e de sua região, você nada sabe, nada viu, nada ouviu;

O que importa se camponeses pobres são assassinados nos rincões do Brasil na luta por reforma agrária? Que índios são expulsos de suas terras? Que jovens negros estejam sendo exterminados nas periferias das grandes cidades pelas mãos da polícia?  O que tenho haver com assassinatos de LGBTT´s? Com o avanço do agro e do hidronegócio destruindo os biomas naturais? Com pessoas submetidas a regime de trabalho análogo a escravidão? Com o governo retirando direitos dos trabalhadores? Com verbas da saúde, educação e cultura sendo desviadas para o ralo da corrupção? Diante de tudo isso, você nada sabe, nem viu e muito menos ouviu, não é mesmo?!

A partir dessa caracterização do que seria a anti-filosofia, analisem vocês mesmos por que dizemos que o discurso de Jair Bolsonaro e seus seguidores é anti-filosófico, e tirem a suas próprias conclusões da lógica e da conseqüência desse tipo de discurso.

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

*Referência: Introdução à Filosofia – A anti-filosofia. Universidade Católica de Pernambuco. Subsídios didáticos – fascículo I. Recife – 1984, p. 9.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Greve dos Trabalhadores da ADAPEC-TO: É preciso resistir aos ataques do governo Carlesse.

Após completar os 100 primeiros dias á frente do Governo do Tocantins, Mauro Carlesse (PHS) enfrenta o primeiro movimento grevista no serviço público estadual. Trata-se da greve dos trabalhadores da Agência de Defesa Agropecuária (ADAPEC) que reivindicam melhores condições de trabalho bem como o pagamento de despesas. Qual a postura do Governo diante da Greve? Qual a sua importância para outros movimentos grevistas que virão? São questões importante que merecem nossa atenção. 

A deflagração da greve dos trabalhadores da ADAPEC foi decidida em assembleia geral da categoria realizada no dia 20 de Março. Mas só a partir do dia 16 de abril é que os trabalhadores cruzaram os braços nos 139 municípios tocantinenses por tempo indeterminado – o que só se deu por que não houve abertura de diálogo por parte do governo. Os trabalhadores até que tentaram, mas diante da intransigência do governo Mauro Carlesse, em pelo menos ouvir as demandas da categoria, os trabalhadores não tiveram alternativa se não cruzar os braços. 

Só então é que o governo decidiu soltar uma nota afirmando que os serviços prestados pela ADAPEC ao público não serão afetados e que as reivindicações da categoria serão atendidas ou melhor, já estão sendo atendidas. Como por exemplo o pagamento das despesas, que esta em atraso, meses de janeiro e fevereiro. A nota afirma que “a quitação do primeiro mês já foi autorizado pelo grupo executivo e será pago na próxima semana” e o mês de fevereiro também será quitado em breve. 

Já em relação a melhoria das condições de trabalho, a nota afirma que vários equipamentos como cadeiras, impressoras e computadores já foram adquiridos e logo, logo chegaram as sedes no interior. E também destaca que a Secretária de Infraestrutura está fazendo um levantamento a partir da demanda da Agência de Defesa Agropecuária para fazer melhorias nos locais de trabalho. 

Em suma, a nota do governo comprova a denúncia feita pelos trabalhadores acerca da falta de condições de trabalho bem como o atraso no pagamento das despesas. E também é uma prova de que não houve diálogo com a categoria. Pois se tivesse tido diálogo a greve não seria necessária. A não ser que o diálogo não apontasse para resolução dos problemas denunciado pelos trabalhadores.  Mas pelo que diz o Governo, não é para isso que se está caminhando. Basta saber se o que foi dito de fato será cumprido ou é apenas uma tentativa de desmobilizar o movimento diante da repercussão negativa para o Governo. 

Afinal de contas não está se falando de qualquer categoria, mas de fiscais agropecuários, que em um Estado que tem como base da sua economia o agronegócio, desempenham um papel fundamental, como por exemplo, fortalecer barreiras sanitárias para que animais infectados com alguma doença não adentre no Tocantins – se isso acontecesse imagine o estrago para uma economia que exporta carne para outros países. Pior ainda é para nós consumidores que já comemos tanto veneno devido ao uso abusivo de agrotóxico nas lavouras.

O Governo através da ADAPEC insiste que mesmo com a greve a população não sofrerá prejuízos pois o atendimento de suas demandas está garantido. Não duvidamos disse. Mas não podemos deixar de perguntar como isso é possível? Se o próprio governo reconhece que a infraestrutura não é das melhores e se os trabalhadores estão em greve. 

É claro que essa afirmação do governo não passa de um engodo. É óbvio que com a greve os serviços são afetados, pois se com todo o efetivo trabalhando os serviços não são dos melhores imagine com uma categoria importante em greve.

Dito isso, a partir da greve dos trabalhadores da ADAPEC podemos vislumbrar qual é a postura do Governo Carlesse diante dos movimentos grevistas. O primeiro ponto é a indisposição para o diálogo, o segundo é a tentativa de desmobilizar o movimento prometendo atender as reivindicações por meio de nota a impressa (e não dialogando com a categoria). Se isso não alcançar êxito não é difícil prever o terceiro ponto, a criminalização através de um processo de judicialização, reivindicando a ilegalidade da greve. Isso no entanto não pode servir para nos desmobilizar, pelo contrário, reafirma a necessidade da luta para garantir direitos, melhores condições de trabalho bem como a oferta de serviços de qualidade a população como um todo. 

Ainda que a pauta da greve é em cima de demandas da categoria, o movimento grevista ganha importância para a classe trabalhadora tocantinense como um todo, especialmente os servidores públicos, pois aponta para a necessidade de resistir aos ataques do governo Carlesse aos direitos dessas categorias bem como ao sucateamento dos órgãos governamentais e a prestação de serviços públicos sem qualidade. Pois como já estamos alertando há algum tempo a agenda neoliberal do governo se aprofundada fará muito mais estragos do que temos acompanhado até agora, nesses quase quatro meses de gestão.

Por fim, cabe ressaltar que numa conjuntura um tanto difícil para a classe trabalhadora – que reivindicar parece um crime, os trabalhadores da ADAPEC dão um ótimo exemplo, mostrando que diante da intransigência dos governos em não querer dialogar, a greve contínua sendo uma importante ferramenta, da qual não podemos abrir mão. Ou depois da aprovação pela Assembleia Legislativa do Tocantins da Medida Provisória 02 que retira direitos dos Servidores, alguém ainda tem alguma ilusão sobre quais interesses os deputados estaduais do Tocantins defende?

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior “.

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Cidade Solidão: Inocentes e o papel da arte

O filósofo franckfurtiano Herbert Marcuse no final da década de 1960 chamava atenção para a importância da arte como a única linguagem capaz de resistir ao projeto autoritário de dominação de uma sociedade unidimensional, através da introjeção de uma racionalidade tecnológica. Ele dizia que “em um mundo em que o sentido e a ordem, o “positivo”, têm que ser impostos por todos os meios possíveis de repressão, as artes por si mesmas assumem uma posição política: a posição do protesto, da repulsa e da recusa”.

A banda de Punk Rock Paulista Inocentes que tem na sua trajetória clássicos como “Pátria Amada”, “Garotos do subúrbio”, “Miséria e Fome”, “Intolerância”, “Rotina” entre outras. Seguem essa linha nos seus trabalhos – do protesto, da repulsa e da recusa. E agora no seu mais novo material – o EP Cidade Solidão – não é diferente. Um trabalho que assume uma posição de protesto como fica evidente nas letras das canções “Donos das ruas” e “Fortalece”. Como também de repulsa e recusa ao establishment como em “Cidade Solidão”, “Escombros” e “Terceira guerra” cover de outra lenda do punk brasileiro, a banda Fogo Cruzado.

Desse modo, Cidade Solidão segue a pegada dos trabalhos anteriores da banda, mas com uma sintonia cada vez maior entre os quatro integrantes: Clemente  (voz e guitarra), Ronaldo (Guitarra), Anselmo (Baixo) e Nonô  (Bateria). Essa é considerada a formação clássica da banda que está tocando junta há quase 30 anos. 

Nesse novo trabalho a banda Inocentes reafirma a sua verve subversiva com refrãos como “Os donos das ruas! Os donos das ruas! Querem mais que diversão! Os donos das ruas! Os donos das ruas! Tem o futuro em suas mãos”. Diante disso poderiamos questionar: quem são os donos das ruas? As ruas tem dono? Bem, se as ruas tem um dono, esse dono é o povo. E mais ainda a juventude que é a sua vanguarda – que tem nas mãos o poder de resistir ao avanço da agenda conservadora tanto no Brasil como em outras partes do mundo. Mas para tanto precisa sair da bolha virtual em que se encontra e tomar as ruas para se fazer ouvir e poder dizer – “as ruas são nossas outra vez!!!”.

Em “Fortalece” temos uma bela mostra da capacidade poética do Clemente em compor letras belas. Já nas primeiras frases ele manda o recado: “Tudo aquilo que me faz chorar. Tudo aquilo que me faz sofrer. Fortalece”. Adiante a letra diz “o mundo vai girar, e tudo vai mudar. E nada mais será, como está.  Sua hora vai chegar “. Filosofando um pouco podemos dizer que ai esta um bom exemplo de como fazer uma leitura da realidade a partir do método dialético – que vê as coisas em movimento e não como algo estático. Ora se hoje estamos por baixo, não significa que não podemos mudar essa realidade.

A faixa que dá título ao EP “cidade solidão” não segue a mesma vibe das outras duas canções inéditas do disco. O recado da letra é um tanto pessimista: “Eu vejo o futuro, pelo retrovisor. Nosso tempo já se foi, ele acabou”. Aqui não há dialética, mas um grito de desespero diante de um mundo que parece está caminhando para um grande precipício – com os interesses individuais se sobrepondo aos interesses coletivos.  É compreensivo o tom pessimista, ainda mais quando analisamos a realidade que nos cerca. Por outro lado podemos dizer que essa canção nos alerta para condição de isolamento que nos encontramos nas cidades, sobretudo num contexto de domínio das redes sociais, condição essa que levará ao nosso fim, se não formos capazes de romper com essa solidão, que nos isola e nos enfraquece.

“Escombros” segue a linha pessimista da faixa anterior. “A Cidade perturbada. Fria, morta e fálica. Com seu véu de pó e fumaça. A felicidade nunca chega. Sempre está por vir. Persegui-se a vida, a vida inteira “. Essa é uma releitura de uma canção de autoria da própria banda, gravada em 1996, que saiu no álbum Ruas. E comparando com a canção anterior (cidade solidão) percebemos que a vida na cidade, sobretudo nos grandes centros, não mudou tanto assim, talvez para pior. “A fé louca e cega, da multidão desgovernada. Mas há quem não crê em nada. Nas carcaças de concreto. O passado deixa marcas. Há coisas que nem o tempo apaga”. A partir desse trecho da canção se compreende o por que a banda Inocentes decidiu regrava-lá. Ela descreve de forma inconteste o período que estamos vivendo no Brasil. 

Por fim os Inocentes nos brinda com um cover da banda Fogo Cruzado, “Terceira guerra “. Uma canção com um refrão que no fundo é um alerta: “o mundo vai acabar, o mundo vai acabar”. A canção composta na década de 1980, mostra-se atual, sobretudo quando vemos figuras da estirpe de um Donald Trump na presidência dos EUA e a ascensão da extra direita mundo afora, inclusive no Brasil com Bolsonaro.  Desse modo, se essa trupe continuar dando as cartas não é nenhum exagero falar que o mundo vai acabar. Ainda que para nós, a plebe.

Em Cidade Solidão os Inocentes seguem fiéis a sua trajetória de  não fazer concessão ao mercado – produzindo músicas descartáveis que são consumidas e rapidamente esquecidas. Musicas que servem para a imposição de uma visão positiva da sociedade, onde não cabe questionar e nem criticar, mas aceitar o domínio do status quo.  A banda Inocentes vai na contramão, chamando atenção para os aspectos negativos dessa sociedade e apontando para necessidade de resistência ao domínio do status quo. E com isso eles reafirmam a visão Marcuseana acerca do papel da arte como uma linguagem revolucionária com um imenso poder libertador das potencialidades dos indivíduos de resistirem ao domínio dessa sociedade unidimensional. 

Ainda em relação ao papel da arte, Marcuse defendia que esta poderia contribuir sobretudo no desenvolvido da consciência e da inconsciência para podermos ver as coisas que não víamos ou que não nos permitiam ver, falar e ouvir uma linguagem que não ouvíamos e não falamos ou que não são permitidas de ouvir e de falar. Podemos dizer portanto que Cidade Solidão, da banda punk paulista Inocentes, cumpre esse papel. Como deve ser todo trabalho artístico que não se rende ao domínio do capital e a racionalidade tecnológica. 

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no Banco, sem parentes importantes e vindo do interior “.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Á passos de jabuti: Sobre a decisão judicial acerca do pleito eleitoral de 2016 em Lajeado.


Ao contrário do que ocorre em outros municípios tocantinenses, os processos eleitorais de Lajeado parecem caminhar mais lentamente – utilizando uma expressão popular diria que á passos de jabuti. É a sensação que temos diante da recente decisão judicial sobre abuso do poder político e econômico nas eleições municipais de 2016 – uma decisão um tanto tardia que não põem fim a novela envolvendo os grupos políticos que se digladiam pelo poder na cidade.

Na decisão proferida pelo juiz Marcello Rodrigues (5º zona eleitoral em Miracema) no último dia 03 de abril, é reconhecido o uso ilícito da máquina pública nas eleições municipais de 2016 em Lajeado que elegeu Tércio Neto á prefeito do município. No entanto, para o juiz Marcello Rodrigues, não há qualquer ato que possa ser atribuído ao prefeito Tércio Neto e nem ao seu Vice Gilberto Borges. De acordo com suas palavras “não há provas de que possuíam conhecimento, anuência, ou de que auferiram benefício(s) com os ilícitos praticados, razão pela qual a presente ação deve ser julgada improcedente em face de ambos”.

Com isso o juiz Marcello Rodrigues mantém uma decisão anterior do seu colega Marcos Antônio, que já tinha julgado improcedentes, por fragilidade de provas, as acusações contra Tércio Neto. Marcos Antônio não havia considerado as provas levantadas pela operação colheita da Policia Federal. Na ocasião escrevemos um artigo intitulado “se as provas são frágeis à sentença é fragilíssima...” questionando o argumento da decisão judicial. E com base na denuncia do Ministério Público afirmamos no artigo que “não há argumento que sustente que não tenha ocorrido de forma abusiva à utilização da maquina pública nas eleições municipais em Lajeado”.

O processo seguiu para o Tribunal Regional Eleitoral onde ocorreu uma reviravolta. Foi anulada a sentença proferida pelo juiz Marcos Antônio e decidiu-se pelo retorno do processo a primeira instância, mas agora com a incorporação das provas colhida pela Policia Federal na operação Colheita. E assim o tempo vai passando – um processo que iniciou em 2017 só agora no inicio de 2019 é que foi concluído na primeira instância. Se continuar nessa velocidade, quando for concluído o mandato do atual prefeito já terá acabado.

Mas a decisão do juiz Marcello Rodrigues trouxe algumas novidades, como já dissemos – ele reconhece que houve abuso do poder político nas eleições municipais com a doação de lotes de forma irregular em troca de voto. E em decorrência disso cassou o mandato do Vereador Adão Tavares, a suplência de Manoel das Neves e os tornou inelegíveis por 08 anos juntamente com a ex-prefeita Márcia Reis e o então candidato a Vereador Thiago Pereira da Silva – que também terão que pagar multas no valor estipulado pelo magistrado.

Já os Vereadores Leidiane Mota e Emival Parente, os ex-vereadores Ananias Pereira e Nilton Soares, assim como o prefeito e seu vice (Tércio Neto e Gilberto Borges), foram inocentados por “falta de provas”. O que nos parece, analisando a própria sentença do juiz, uma decisão bastante contraditória e por tanto questionável.

Por exemplo, quando ele afirma: “no tocante às matérias jornalísticas juntadas aos autos, em que o investigado Tércio aparece ao lado da ex-prefeita, ora também investigada, tenho que por serem ambos filiados ao mesmo partido (PSD) e por se tratar de imagens capturadas durante a convenção partidária, evento político público, seria natural estarem no mesmo ambiente, o que não nos permite concluir que compartilhassem do mesmo conluio ideológico”. Já em outro trecho o juiz afirmar que “o fato de os representados Tércio e Gilberto terem sido apoiados politicamente pela então prefeita Márcia, não os torna responsáveis por eventuais condutas indevidas praticadas por esta”.

Diante dessas afirmações nos cabe alguns questionamentos. Primeiro, como alguém pode dar apoio político a alguém com quem não se tem nenhuma proximidade ideológica ou algum interesse em comum? Segundo, ainda que eles não possam ser responsabilizados pela ação ilícita da ex-prefeita, o fato de terem se beneficiado dessa ilicitude não coloca o processo eleitoral em xeque?

Para o juiz Marcello Rodrigues não, na sentença ele conclui o seguinte: “Entendo que está afastada a prática do abuso do poder econômico, porém restou claramente configurada a prática do abuso de poder político ou de autoridade pela investigada Márcia. Ressalto que para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade do fato em alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam e, nos presentes autos, é latente a gravidade da conduta, até pelo seu impacto em influenciar os eleitores que receberam os lotes e os que tinham a esperança de recebê-los. Dessa forma, entendo que restou comprovado o abuso do poder político pela investigada Márcia que utilizou-se de seu cargo e da máquina administrativa para se auto-beneficiar, através da distribuição de lotes a vários eleitores no Município de Lajeado”.

Nessa longa citação há dois trechos que chama atenção. O primeiro é o que afirma que “não será considerada a potencialidade do fato em alterar o resultado da eleição”. Só nos resta perguntar: por que não? Já o segundo é que a ex-prefeita fez para “se auto-beneficiar”. Cabe o questionamento: Se auto-beneficiar em que sentido se ela não era candidata no pleito em questão? O fato é que os maiores beneficiados pelo esquema não foi um individuo, mas um grupo político – um grupo político que elegeu o prefeito, o vice-prefeito e a maioria da Câmara de Vereadores.

Corroborando com esse argumento, peguemos as palavras do próprio juiz em mais um trecho da sua sentença:

“verifico que houve oferecimento, promessa e doação de vantagem pessoal a vários eleitores no município de Lajeado, com o fim de obter-lhes o voto, em pleno período eleitoral, conforme se vê pelas datas das mensagens periciadas, dos meses de agosto e setembro de 2016 e pelos demais elementos de convicção presentes nos autos. Não resta dúvida de que não havia outro critério para escolha dos beneficiários dos imóveis, a não ser o apoio político, concedido através do voto. Ou seja, o benefício que deveria ser realizado com isonomia, transparência e imparcialidade aos munícipes, transformou-se em um instrumento de favorecimentos pessoais”.

A afirmação do juiz Marcello Rodrigues não deixa nenhuma dúvida do que aconteceu nas últimas eleições municipais em Lajeado. E reafirmamos, tais crimes não foram cometidos em beneficio de um e outro político local, mas de um grupo – um grupo político que desde 2008 comanda a prefeitura da cidade. Não reconhecer isso é falta de inteligência ou desonestidade.

Como se trata de uma decisão de primeira instância é obvio que essa novela não acaba por aqui – enquanto puderem recorrer irão recorrer. Pois a final de contas ninguém está disposto a abrir mão tranquilamente das benesses do poder. O problema é que se caminhar nesse ritmo de jabuti a justiça pode chegar muito tarde.

Pedro Ferreira Nunes – “é apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Hábitos que ajudaram os grandes filósofos a pensar melhor

Todos nós desenvolvemos hábitos ao longo de nossas vidas. Alguns recomendáveis, outros nem tanto. Os grandes filósofos não são diferentes. Mas se vamos pega-los como exemplos, fiquemos com os hábitos recomendáveis – aqueles que contribuíram para que pensassem melhor e produzissem o que produziram. Quem sabe, esses exemplos possam nos inspirar, para que tenhamos hábitos que nos ajude a pensar melhor. E estamos precisando, não é mesmo?! 

Para começar, vamos para a Grécia antiga para aprender com Platão e Sócrates o hábito do DIÁLOGO. Jaime R. Hancock lembra que “Platão escreveu todas as suas obras na forma de diálogos. Neles, Sócrates colocou questões que introduziram dúvidas nos argumentos opostos, ajudando a descartar idéias até encontrar a verdade”.  Mas qual a importância do diálogo? De acordo com Hancock “falar é uma técnica muito útil para esclarecer e testar novas idéias”. Citando William Isaacs (autor do Diálogo e da Arte do Pensamento Juntos e diretor do Projeto de Diálogo do MIT) ele afirma que para que o diálogo contribua no nosso processo de aprendizagem é necessário que suspendamos “nossos preconceitos e pontos de vista. Claro, você tem que ouvir, e não planejar o que vai dizer ou como vai virar a conversa. Também é importante fazer perguntas, mas não como trapaça, com o objetivo de explorar um tópico que ignoramos”.

Outro hábito que podemos aprender com os filósofos do período clássico, especificamente com Aristóteles é o do CAMINHAR. Hancock destaca que Aristóteles “fundou a chamada escola peripatética, que significa “itinerante”, já que o filósofo gostava de andar enquanto ensinava suas aulas”. Mas qual a importância do caminhar? Para Hancock “caminhar nos ajuda a pensar: a memória e a atenção melhoram depois de andar (e exercício) e quando andamos regularmente, novas conexões neuronais são criadas. Além disso, um estudo da Universidade de Stanford publicado em 2014 mostrou que dar um passeio ajuda a realizar tarefas que exigem criatividade”. 

Outros filósofos também nos dão exemplo de bons hábitos, como por exemplo, ESCREVER – que é uma forma de refletir. Eu concordo totalmente, aliás, entre conversar e escrever, prefiro a segunda opção. Michael de Montaigne foi um desses que preferiam escrever. A esse respeito Hancock diz que quando Montaigne completou 38 anos, ele se retirou para o seu castelo e dedicou-se a escrever os seus ensaios desde então até á sua morte em 1592. “Montaigne era céptico quanto ao seu conhecimento e usou seus textos para tentar responder a pergunta: “O que eu sei?”Isto é, como Sócrates, mas substituindo o diálogo com outras pessoas pela conversa consigo mesmo graças à caneta e o papel”. 

Bem, chegamos a um hábito que não poderia ficar de fora de forma alguma – o hábito da leitura. Eu particularmente cultivo esse hábito desde a minha infância, influenciado em grande medida pelo meu pai. Na filosofia entre muitos exemplos, Hancock trás o de Karl Popper. De acordo com ele “Popper falou em mais de uma ocasião sobre a biblioteca do seu avô, graças á qual ele gostava de LER”. Outro filósofo que lia bastante era Karl Marx. De acordo com Leandro Konder “Marx lia furiosamente e tomava notas a respeito dos livros lidos”. Hancock ressalta que “além dos benefícios e do prazer óbvio dessa atividade, há estudos que mostram que a leitura mantém o celebro em forma e aumenta a empatia”. Mas infelizmente na nossa cultura a leitura ainda não é um hábito para grande parte da população. 

Outro hábito que podemos aprender com os filósofos é o de ficar um tempo Sozinho. Hancock afirma que “a SOLIDÃO nos permite desconectar mais facilmente e nos concentrar em nossos pensamentos. Também nos ajuda a controlar melhor o nosso tempo e a dedicar ao que realmente queremos: escrever, ler, descansar...”. Ele ressalta que “embora a cooperação e o diálogo sejam importantes, estar sozinho também é essencial para estimular a criatividade, pois ajuda a trabalhar sem interrupções e com liberdade, sem se sentir julgado”. Um dos filósofos que prezavam a solidão era Arthur Schopenhauer que era avesso a compromissos sociais. Nietzsche era outro solitário, além também de gostar de caminhar. 

Hancock, no entanto, alerta para o fato de que não é “necessário se tornar um eremita (na verdade a solidão extrema pode ser prejudicial à saúde) você precisa saber como ficar sozinho e aproveitá-lo...”. Ele diz que “quando se trata de filosofia, devemos lembrar que nunca estamos realmente sozinhos, já que sempre conversamos com nós mesmos. Como escreveu Hannah Arendt, “na solidão surge sempre um diálogo, porque mesmo na solidão há sempre dois”. 

Quando se fala em estabelecer uma ROTINA, outro hábito recomendável, se tratando de filosofia, não tem como não buscar o exemplo de Kant. Kant seguia uma rotina rígida. Hancock afirma que dizia-se de Kant que se podia acerta o relógio quando ele saía para a sua caminhada diária. Todo dia ele acordava às cinco da manhã e bebia um café ou dois. Depois de meditar enquanto fumava seu cachimbo, ele ensinava das 7 ás 11, depois do almoço, caminhava e conversava com seu amigo Joseph Green antes de voltar para casa. Kant era tão rígido quanto a sua rotina que ele ficava irritado com as interrupções e mudanças. Para Hancock “embora o caso de Kant seja exagerado, é importante ter um dia estruturado e um calendário para nossos projetos: o planejamento reduz o estresse, ajuda a definir objetivos e permite avaliar como nossas tarefas progridem. Organizar também nos permite reservar tempo para pensar sobre o nosso trabalho, uma atividade que é tão importante quanto trabalhar”. 

Outro hábito a se destacar é o de TOMAR CAFÉ (e outros pequenos prazeres). Entre os filósofos que amavam tomar café destacamos Kierkegaard e Sartre. Hancock destaca que tomar café é uma boa idéia, pois “a cafeína aumenta os níveis de atenção e energia e ajuda tanto a memória de longo prazo quanto as funções cognitivas em geral, entre outros benefícios”. Além do café podemos nos permitir outros pequenos prazeres como o álcool. Sobre isso Hancock afirma que apesar do consumo de álcool ter “muito mais riscos do que a cafeína, seu consumo moderado também tem efeitos cognitivos positivos, especialmente para prevenir a deterioração do próprio envelhecimento”. Mas quando se fala em consumo de álcool, não está se falando de tomar uma garrafa inteira, mas uma dose. 

Para finalizarmos acerca dos hábitos que ajudaram os grandes filósofos a pensar melhor, destacamos o de DESCANSAR. A esse respeito Hancock trás o exemplo de Freud que tirava três meses anuais de férias. Ele destaca que embora não possamos nos dar ao luxo de ficar tanto tempo assim de férias, é importante termos um tempo de descanso, pois “como publicado pela Scientific American, as férias aumentam a produtividade, melhoram nossa atenção e memória e também aumentam nossa criatividade. Quer seja semanas na montanha ou apenas uma soneca de meia hora, ser preguiçoso de vez em quando “é tão essencial para o cérebro quanto à vitamina D para o corpo”.

Bem os tempos que vivemos são outros – o alto desenvolvimento tecnológico dessa sociedade tem mudado completamente nossos hábitos. Daí que o que aparenta ser tão simples como dialogar, caminhar e ler se torna hábitos tão difíceis nos nossos dias. Sobretudo por que estamos tão condicionados a essa racionalidade tecnológica imperante na sociedade capitalista contemporânea, que não é fácil romper com ela. Mas é nesse contexto que aprender esses hábitos pode ser a saída para esse rompimento. A questão é se estamos dispostos a reaprender a aprender.

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Joh: O andarilho

Joh nascera no sul do país, na capital – Porto Alegre. Rebelou-se na adolescência quando o seu pai – um advogado – queria obrigá-lo a seguir sua carreira. No entanto não era isso que Joh queria. Ele odiava a cultura do ‘tu deves’. Tu deves fazer isso, tu deves vestir isso, tu deve ler isso, tu deve assistir isso, tu deve ouvir isso, tu deve estudar isso. Não, Joh não queria nada daquilo que sua família queria lhe impor, que a igreja queria lhe impor, que a escola queria lhe impor, que a sociedade capitalista queria lhe impor.

Foi assim que um dia Joh conheceu um velho hip que vinha do Peru e de passagem por Porto Alegre apresentou-lhe uma nova perspectiva de vida. Viver desbravando o mundo com uma mochila nas costas – conhecendo novos lugares, novas pessoas, novas culturas. Tendo consigo apenas o necessário para viver. 

Foi então que Joh decidiu jogar uma mochila nas costas e pegar a estrada rumo a lugares desconhecido. Tinha 18 anos, ao contrario de fazer o que o seu pai queria, isto é, entrar na universidade para cursar direito. Ele decide realizar um sonho que tinha desde criança, desbravar todo o seu país, do Sul ao sudeste, depois seguindo para o centro-oeste, indo para o nordeste enfim se embrenhando pelo norte brasileiro. E depois ultrapassaria as barreiras do seu país caindo nos caminhos da “maiúscula América latina”.

Joh sabia muito bem que não era prudente revelar para os seus pais o seu projeto de vida. Pois muito provavelmente seria taxado de louco. Afinal de contas era sempre assim que era chamado quando dizia a eles o que pensava. Por tanto era melhor partir sem falar nada para ninguém, apenas deixou um pequeno bilhete comunicando a seus pais de sua decisão. A decisão de viver a vida aventureira que sempre sonhara.

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Queridos velhos

Sei que tudo que querem de mim, é pensando no meu bem. No entanto nunca se perguntaram o que eu queria. O que eu achava. Não, nunca buscaram estabelecer o mínimo de dialogo comigo. Apenas estabeleciam o que achavam ser melhor para mim, e eu simplesmente tinha que fazer. Novamente afirmo, sei que tal pratica sempre foi pensando no meu bem. Mas acredito ter idade e discernimento o suficiente para decidir o que de fato é bom para mim. Sei que não me compreenderam. Chamaram-me de louco, mas não peço que concordem, apenas que respeitem a minha decisão. 

Vou fazer o que devia ter feito há muito tempo, seguir o meu caminho, fazer o que sempre sonhei e quis fazer. Vou vagar por ai com uma mochila nas costas, descobrir esse país tão incrível que muito pouco conheço – conhecer novos lugares, novas pessoas, novas culturas. Levando comigo apenas o necessário para sobreviver, e quando algo me faltar, sei que contarei com a caridade desse povo humilde e hospitaleiro que é o povo brasileiro. 

Não se preocupem se acaso eu nunca mais os ver, saiba que eu os amei muito, tal como a meus irmãos. E que acima de tudo morri feliz por esta fazendo o que gosto. Mas é claro que espero um dia revê-los e abraçá-los ternamente.

Do seu filho rebelde,

Joh
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Ao ler a carta de Joh seus pais não puderam conter o choro, mas já não podiam fazer nada, só após uma semana de sua partida é que Joh mandou a carta falando de sua partida. Por tanto ele já estava bastante longe de Porto Alegre, da casa dos seus pais. Agora era rezar para que pudesse um dia ver o filho retornando novamente para casa. 

Os primeiros dias foram muito duros, sobretudo para o pai de Joh que não parava de pensar o quanto tinha sido exigente com ele. Além de Joh o casal tinha mais dois filhos, estes ao contrario de Joh, seguiram o desejo dos pais. Estudaram direito e ambos tornaram se advogados como o pai.

Joh era por tanto a ovelha negra da família, era o caçula também, por tanto seu pai pensava agora. – Devia ter pegado mais leve com ele, não obrigar a fazê-lo o que não queria. Como gostaria de vê-lo agora, lhe abraçar e lhe pedir desculpa por tudo. Mas era tarde, quem sabe um dia não teria essa chance.

Pedro Ferreira Nunes, in A Ilha dos Espíritos.