sábado, 13 de março de 2021

Eu também vou comentar: Sobre a anulação das condenações do Lula

No ritmo de torcida de futebol que se transformou a nossa política essa semana foi como se um time tivesse se sagrado campeão de um importante campeonato. Sim, estou falando da decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal que anulou as condenações do Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, provocando uma tsunami de postagens nas redes sociais, tanto contra como a favor do Lula. 

Confesso que não fui afetado pela euforia dos que comemoraram, nem pelo ódio dos que discordam da decisão. Mas de tristeza por ver que parte significativa da militância progressista coloca nas mãos de um “porvir” a possibilidade de mudança do contexto caótico que estamos vivendo. Ainda mais quando esse “porvir” seria a eleição (dentro do jogo democrático burguês) de uma espécie de “salvador”. É meus camaradas, já vimos essa história algumas vezes e sabemos bem como ela acaba.

Bom, não entro aqui no mérito da decisão do Ministro Edson Fachin. Mas é importante ressaltar que desde que o site The Intercept Brasil tornou público uma série de mensagens trocadas pelo então Juiz Sergio Moro com os Promotores da Operação Lava jato. É impossível negar que não houve fraude processual contra o Ex-presidente - Luiz Inácio Lula da Silva. Por outro lado, não creio que se acredite cegamente que Lula é totalmente inocente das acusações que pesam sobre ele. Caberá a justiça (da classe dominante) definir se ele é culpado ou inocente. Até por que no meu caso, não tenho formação jurídica como também não estudei essas acusações a fundo para poder expressar qualquer juízo a respeito.

É importante chamar atenção para esse aspecto, pois para alguns é como se a decisão do Juiz Edson Fachin tivesse declarado que Lula é inocente. E não foi o que aconteceu, o que aconteceu foi a anulação de processos que deveriam ter ocorrido em outro Tribunal Regional, no caso o de Brasília e não de Curitiba. A decisão, portanto, é que se corrija esse erro processual. No entanto nada garante que ao final o resultado não seja o mesmo, isto é, a condenação do ex-presidente. Até por que ao que parece a decisão parece mais favorecer a Sérgio Moro, que poderia escapar das acusações de suspeição, do que o próprio Lula.

Analisando todo esse cenário, para mim duas questões se evidenciam: o desespero e a falta de perspectiva por parte dos setores progressistas brasileiros. Ora, não há outra definição se não de desespero e falta de perspectiva colocar numa “possível” candidatura do Lula em 2022, a esperança de derrotar o Governo Bolsonaro.

Até lá o que fazemos? Continuaremos de braços cruzados ou destilando ressentimentos nas redes sociais enquanto Bolsonaro aprofunda seu projeto de espoliação dos direitos dos trabalhadores e desmonte do Estado? Ficaremos assim a espera de uma nova eleição onde tudo pode mudar ou aprofundar o que aí está? Pobre de nós, pobre de nós. 

Lula, inegavelmente, contínua sendo um grande líder político do campo progressista no Brasil, quiçá da América Latina. Mas é importante não se esquecer das suas contradições, sobretudo enquanto Governo. Foram muitos erros cometidos durante os seus mandatos (e os de Dilma). No entanto esses erros não são assumidos e não se vê uma autocrítica por parte do Partido dos Trabalhadores  (PT). De modo que o campo progressista não pode colocar na mão de Lula e do seu partido as perspectivas de mudanças – mudanças necessárias para destruir a ordem dominante. 

Certamente tanto Lula como o Partido dos Trabalhos tem um papel importante nesse processo, restará saber se utilizaram esse poder para fortalecer um projeto comum da esquerda ou do Partido. Quanto ao campo progressista a tarefa imediata contínua sendo o trabalho de base e a luta pelo impeachment do Bolsonaro. Pois, para finalizar, repito, é inaceitável que coloquemos as nossas perspectivas de mudanças numa eleição futura numa “possível” candidatura do Lula. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Pós-Graduando em Filosofia e Direitos Humanos. 

domingo, 7 de março de 2021

Literatura Tocantinense: “Metamorfose” de Virgínia Nery

Minha arma é meu poema

Virgínia Nery 


Há um tempo encontrei num sebo um livro de poesia de uma autora tocantinense. E como um leitor de autores Tocantinenses não pensei duas vezes em adquirir. O livro em questão chama-se “Metamorfose” e a sua autora é Virgínia Nery. Como estamos no mês das mulheres, decidi escrever algumas linhas sobre essa obra, como uma forma de homenagear nossas mulheres que são referências em várias áreas, inclusive na literatura.

“Metamorfose” foi publicado em 2004 pela editora kelps. Conta com uma carta prefácio do ótimo Poeta de Divinópolis – Paulo Aires. E com 88 poemas e mensagens que abordam desde questões sociais, passando pela cultura regional e por questões pessoais. Tudo num estilo livre. Formada em Serviço Social, Virgínia Nery demonstra uma enorme sensibilidade diante das expressões da questão social. E ouso dizer que parte significativa da sua inspiração vem das algúrias enfrentadas na sua profissão. 

“Não posso dormir indolente, por sobre o grito da dor de tantos outros”. Escreve nossa poeta numa espécie de desabafo no poema “Meus braços”. Em “Lamento” ela segue a mesma linha: “Choro por sobre esse povo senhor, de olhar sem brilho, de sonhos desfeitos. Rogo-te por estas mães sofredoras, cujas bocas famintas dos filhos, gritam por um alento que lhes aplaquem a fome”. Em “Tormento” temos o problema da fome novamente: “Sofro no íntimo, a dor mórbida e silenciosa dos gritos dolorosos da fome, e vejo a raça humana se dilacerando e morrendo a míngua pela ausência do indispensável”.

Através dos seus poemas Virgínia Nery se revela, falando da sua origem nordestina e da importância da escrita como um exercício de liberdade. “No mundo das letras, consigo expressar, o tamanho, da minha rebeldia, a dimensão exata, da minha indignação”. Confessa ela no poema “No papel”. Em “Inquietude” destilando rebeldia ela diz: “Não posso aceitar os rótulos, as fórmulas, as fórmulas esdrúxulas, minúsculas, ridículas”. Em “Lunático” ela nos diz: “Há um louco dentro de mim. Que insiste em falar coisas, que os outros não querem ouvir”.

Virgínia Nery reflete sobre o poeta e a solidão no belo poema “Solidão” - “um poeta é quase sempre sozinho/nos versos de sua vida/E ainda que lhe chegue a companhia.../Seus versos/Adormecem incansáveis vezes/nos braços da solidão”. Reflete sobre a vida em “Caminhos” onde diz: “A vida/ é a experiência máxima/que nos ensina a trabalhar/sabiamente nossas falhas/impulsionando-nos para novas direções”. Em “Contagem”  afirma: “Somos prisioneiros do tempo”. Já em “Consciência” nos diz: “Não posso querer dar-me ao luxo de ter frequentes crises existenciais”. E em “Recortes” afirma a sua crença na coletividade: “a paz começa dentro de nós, consolida-se no lar e alcança vitória plena na vida em comunidade”. E é na vida em comunidade, pensando no bem comum que surge a maioria dos poemas contidos em “Metamorfose”.

No poema  “Poética” Virgínia Nery diz: “Minha arma é o meu poema”. Na poesia ela pode se expressar livremente, ao contrário do seu ofício de assistente social onde pouco pode fazer diante de uma burocracia estatal que está mais a serviço da perpetuação da miséria do que da sua superação. “A boca que abro é a voz que não calo/ É o grito que manifesto/no pouco e no resto/de resistência que ainda me cabe”. Sim querida Virgínia, resistir é preciso. Agora  mais do que nunca diante do momento sombrio que vivemos.

Em “As ideias estéticas de Marx” o filósofo Adolfo Sánchez Vásquez diz que “quanto mais se banaliza a existência humana, quanto mais se subtrai sua verdadeira riqueza, tanto mais sente o artista a necessidade de explicitar sua riqueza humana num objeto concreto-sensível”. É justamente isso que percebemos no fazer literário de Virgínia Nery.

Os poemas de “Metamorfose” é um grito de resistência contra a desumanização. Nessa linha voltemos a Adolfo Sánchez Vásquez mais uma vez quando ele diz que “já mais a arte foi mais necessária, por que jamais o homem se viu tão ameaçado pela desumanização”.

Com essa obra Virgínia Nery certamente merece está no hall das referências literárias Tocantinenses. Mas é importante destacar que a sua poesia transcende a barreira do regional e se coloca como uma referência para todos aqueles que se rebelam contra o sistema dominante em qualquer parte do mundo.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Trilha do Segredo e Turismo em Lajeado

O fortalecimento do turismo está sempre nos discursos dos diferentes grupos políticos que buscam chegar ao poder em Lajeado. No entanto quando se elegem a conversa muda e o fortalecimento do turismo deixa de ser prioridade. Talvez algumas iniciativas, como a trilha do Segredo,  podem contribuir para que essa história mude. 

Há alguns anos me desafiei a subir o Morro do Segredo sozinho. E decidi gravar um vídeo daquela aventura e compartilhar posteriormente. Não era a primeira vez que subia o Morro do Segredo. Tinha ido lá em 1997 numa procissão. As outras foram com colegas, pelo prazer da aventura. Já sozinho seria a primeira vez. Assim que iniciei a caminhada uma coisa que me chamou atenção foi a ausência de uma trilha (as antigas estavam fechadas por falta de manutenção). E fiz essa crítica pública no vídeo (https://youtu.be/EAV78Jhm82o).

Como uma cidade que diz ter o fortalecimento do turismo como prioridade não dá se quer o mínimo de condição para que se tenha acesso a um dos principais pontos turístico do município? 

Lembrei desse episódio de 08 anos atrás por que recentemente voltei ao Morro do Segredo e fiquei encantado com o que vi. Agora quem quer se aventurar na subida do Morro conta com uma estrutura de primeiro mundo. Com guias a disposição que orientam quanto aos cuidados que se deve ter, afinal de contas se está entrando num parque estadual, referente ao contanto com a flora e a fauna. Garantindo uma subida segura com o equipamento adequado. Em suma, está perfeito. 

Muita gente de vários lugares tem aproveitado como podemos conferir em postagens na Internet. E muitos a medida que forem conhecendo a trilha do Segredo vão certamente querer se aventurar. É uma experiência revigorante, que agora pode ser feita com segurança, e o melhor, respeitando a natureza.


Na minha visão a trilha do Segredo vem para afirmar o potencial turístico da cidade de Lajeado. Quando há investimento esse potencial se torna realidade. Mas ainda falta muito, falta uma política municipal de Turismo. Pois sem essa política municipal ficamos dependente de algumas iniciativas particulares. 

Uma politica municipal de Turismo teria o papel de articular as diversas iniciativas particulares, vê o que precisaria fazer para melhorar – tanto estruturalmente como na qualificação do pessoal – através de uma parceria quem sabe com a UFT, IFTO e UNITINS. Criar um roteiro turístico do município e um Centro de apoio ao turista. 

Ora, é inadmissível que uma cidade que se diz turística não tem um Centro de Apoio ao turista – para recepcionar e orienta-los quanto às atrações turísticas que existem no município e como fazer para chegar até elas. Além de uma fiscalização para evitar o turismo predatório como ocorre no Rio Tocantins abaixo da Usina Hidrelétrica no Verão Tocantinense. 

Quando chamamos atenção para a importância do fortalecimento do turismo através de uma política municipal. É pelo fato de que o turismo significa emprego e renda para muitas famílias. É o que aponta por exemplo autores como Camila Fagundes e Mary Sandra Guerra Ashton (2010), que salientam a necessidade de investimentos de todas as ordens, como por exemplo, nas condições estruturais e qualificação profissional, para que haja um retorno econômico satisfatório, propiciando o desenvolvimento regional.

Ainda de acordo com Fagundes e Ashton (2010) a atividade turística tem um efeito multiplicador, agregando diversas áreas, construindo uma rede que abrange a hotelaria, setor de alimentação, bares, restaurantes e similares, lojas e comércio em geral, agências de viagens e transporte, atrativos dos mais variados. É por isso,  que para essas autoras “a atividade turística vem superando setores como o da indústria e o da agricultura. 

Mas é preciso garantir que esse desenvolvimento se dê de forma sustentável. De modo que o trabalho de conscientização tanto da população local como dos turistas é fundamental. É fundamental também garantir o acesso a população local a esses espaços. Pois há uma tendência a elitizar demais determinados lugares. Sobretudo com a cobrança de taxas entre outros.


Na trilha do Segredo os guias cobram uma taxa. Em outros lugares, como na praia da draga, também há cobrança. Isso se dá sobretudo por se tratar de iniciativas particulares. No caso da Trilha do Segredo vale a pena pagar a taxa, até mesmo como uma forma de contribuir com a manutenção e preservação de um dos patrimônios naturais do município. Por outro lado o poder público deve garantir o acesso aqueles que não tem condição de pagar a taxa mas que também tem o direito de usufruir desse patrimônio. Com isso, concluímos afirmando mais uma vez à necessidade de uma política municipal de Turismo em Lajeado.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Pós-Graduando em Filosofia e Direitos Humanos. 

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Crônica: Sobre amadurecer

Esses dias fiquei ouvindo a euforia dos meus vizinhos assistindo um jogo de futebol na TV. O comportamento passional deles me fez recordar de mim há alguns anos diante dos jogos do São Paulo Futebol Clube. E o pensamento que me veio a cabeça foi – é, eu amadureci. Já não me deixo afetar dessa forma por um jogo de futebol.

Me lembro que quando comecei a acompanhar os jogos do São Paulo Futebol Clube foi como se entrasse numa montanha russa de afecções. Se o time ganhasse, maravilha, até o próximo jogo a alegria estava garantida. Já se o time perdesse eu mergulhava numa tristeza profunda. As vezes chegava ao ponto de não conseguir dormir a noite após uma derrota. Ficava imaginando comigo -  ah, se o nosso goleiro tivesse feito aquela defesa. Ou se o nosso atacante não tivesse errado aquele gol.

Nada me fazia deixar de assistir os jogos do tricolor paulista. Podia está acontecendo o que tivesse acontecendo. Por exemplo, se fosse na quarta-feira e eu estivesse na escola. Era certeza que na hora do recreio não havia muro que me segurava. Já a minha postura diante da TV era um espetáculo a parte. Num simples jogo do campeonato paulista ou do Rio-São Paulo a adrenalina era tanto que eu não conseguia ficar sentado. Andava de um lado para o outro xingando e esbravejando, segundo eu com os jogadores e o juiz, mas no final das contas era com a televisão ou comigo mesmo.

Eu um cara tão calmo não raramente explodia em cólera, gritava, quebrava o que estava na minha mão (por isso evitava de assistir os jogos com o controle da TV na mão), chutava portas, rasgava a camisa, tocava fogo na bandeira, jurava para mim que nunca mais assistiria um jogo do São Paulo. Mas no próximo estava eu lá. 

Hoje já não me deixo afetar dessa forma por um jogo de futebol, ainda que seja uma final de campeonato. Não  deixei de apreciar uma partida de futebol, de torcer pelo São Paulo. Inclusive contínuo acompanhando diariamente as notícias do time. E as vezes até me permito a assistir os jogos. Mas quando começo a ser afetado negativamente, mudo de canal e vou assistir outra coisa, ou ler um livro. Ou ainda ouvir música. O que não me permito mais é sofrer por algo que não está sob o meu controle. 

Talvez eu tenha me tornado demasiadamente racional. E digo isso não só em relação ao futebol. Não vejo mais por que deveria colocar na mão do outro ou de algo a minha felicidade. Não é por que o meu time perdeu que vou ter uma noite ruim. Não é por que alguém não fez aquilo que eu esperava que vou cortar meus pulsos. A vida já nos oferece em demasia doses de sofrimento dos quais não tem como correr. Por que cargas d'água vou me sujeitar a sofrimentos evitáveis?

Mas nem todo mundo age assim, especialmente torcedores como os meus vizinhos que colocam o seu time do coração num patamar de uma divindade. E nessa mistura de futebol e religião os jogadores são idolatrados como Santos. Isso me fez lembrar o que Marx falou sobre a religião ser o ópio do povo. Nessa linha eu diria que o futebol então é a cocaína. Pobre do diabo que cair nas suas garras.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Algumas palavras sobre o livro “Literatura Tocantinense – Entrevistas”

A literatura tocantinense apesar de jovem, e portanto ainda em construção, tem uma produção considerável fruto do trabalho tanto de autores consagrados como de jovens escritores. Mas essa produção e esses autores nem sempre tem o reconhecimento necessário – seus trabalhos são desconhecidos do grande público. Nesse sentido a publicação em 5 volumes da obra: “Literatura Tocantinense” – Entrevistas, organizada pelo Professor e Escritor Pedro Albeirici, chega para  diminuir essa invisibilidade e oferecer um rico material de pesquisa para quem trabalha com literatura ou gosta de uma boa leitura.

Pedro Albeirici é uma referência literária no Tocantins. Autor de diversas obras, tanto ficcional como não-ficcional, entre elas: “Morte no Atlântico Sul”, “Crônicas do Tocantins e outras viagens” e “A boneca viajante”. Licenciado em Letras e Pedagogia, é Mestre em Literatura Brasileira e Linguística e Doutor em Teoria literária. Exerce atualmente o cargo de Professor na Universidade Federal do Tocantins – Campus de Araguaína. A obra “Literatura Tocantinense – Entrevistas” (Editora Veloso), não só foi organizada por ele, como também financiada do seu próprio bolso – um exemplo da sua militância em busca do fortalecimento da literatura tocantinense. 

A obra

A obra consiste em entrevistas realizadas com autores que produzem literatura, a partir do Estado do Tocantins, acompanhadas de uma breve biografia e dados bibliográficos. Isto é, informações básicas para que o leitor possa conhecer os autores e os seus trabalhos publicados. Trata-se portanto, segundo o idealizador e organizador da obra, de uma espécie de minienciclopédia. O que significa que se o leitor quiser de fato ter um contato com a própria obra dos autores apresentados, deverá buscar em outros espaços. Porém terá em “Literatura Tocantinense – Entrevistas” um conjunto de informações básicas de onde poderá partir.

Um aspecto importante a se ressaltar é o perfil democrático da obra. O leitor irá encontrar durante a leitura não só escritores já consagrados a nível regional, mas também autores que estão buscando o seu espaço. Isso se deu, creio eu, pelo critério de que, para participar do projeto o autor deveria ter pelo menos 1 obra publicada. 

Por outro lado, esse critério também inviabilizou a participação de autores que ainda não tiveram condição de publicar um trabalho. E sabendo o quanto é caro publicar um livro nesse país, ainda mais no Tocantins. Somando-se a isso a dificuldade ainda maior de divulgação e distribuição. Não foram poucos. Certamente não teríamos 5 volumes, mas bem mais. E os custos financeiros também seriam bem maiores para publicar essa obra.

Mesmo assim,  quando a gente lê a obra e vê a quantidade de escritores com livros publicados, de todas as regiões do Estado – de pequenos, médios e grandes municípios. Percebemos o potencial da literatura tocantinense – sua pujança – que não é maior por falta de apoio, sobretudo por parte do poder público. 

Os volumes

Cada volume trás na capa uma imagem de uma paisagem exuberante do Estado do Tocantins. Por exemplo, no volume 1 temos a Cachoeira Véu de Noiva  (numa foto do Marcos Filho Sandes), localizada no município de Araguaína. Já a contracapa trás o Rio Araguaia em Garimpinho, também localizado em Araguaína  (numa foto do Marcos Filho Sandes). No volume 2, temos na capa uma paisagem localizada na terra dos Xerente – município de Tocantinia (numa foto do Edivaldo Xerente) e na contracapa a Cachoeira de Santo Antônio localizada no município de Taguatins (numa foto do Fabiano Vieira). No volume 3, temos na capa a famosa Praia do Paredão (numa foto do Fernando Lucena) localizada no município de Miracema. E na contracapa o Rio Tocantins no município de Tocantinópolis (numa foto do Dirceu Leno). No volume 4, temos duas belas paisagens do Jalapão – na capa a Serra do Espírito Santo e na contracapa o fervedouro do Ceiça (ambas em fotos do Toni Ferreira), localizados no município de Mateiros. Por fim, no volume 5, temos na capa o Morro do Segredo (numa foto da Mirtes Aguiar) e na contracapa a Lagoa da Confusão (numa foto do multifacetado Zacarias Martins).

O volume 1 tem o prefácio assinado por José Manoel Sanches da Cruz Ribeiro (Doutor em Literatura Comparada e Professor da UFNT). E trás 32 entrevistas com autores, segundo Cruz Ribeiro, mais renomados da literatura tocantinense, entre eles estão Belinha, Celio Pedreira e Irma Galhardo. E encerra com um posfácio escrito por Ana Inez Freitas de Oliveira Ferreira (Professora do CEM Filomena).

O Volume 2, assim como os demais, tem a apresentação feita por Zacarias Martins e o posfácio por Rubens Martins da Silva (Professor da UNITINS). Conta com 45 entrevistas, entre elas a da Adriana Rabelo, Consola Brito e Eunete Guimarães. O volume 3 conta com 43 entrevistas com destaque para nomes como Everton dos Andes, Gilson Cavalcante e Juraci Teles. O volume 4 conta com 44 entrevistas com destaque para o Paulo Henrique Costa Mattos, Paulo Albuquerque e Leny Dias. Por fim, o volume 5 conta com 42 entrevistas com destaque para a Rhoselly Xavier, Robson Vila Nova e Zeca Tocantins.

Todos os volumes homenageiam o escritor José Francisco da Silva Concesso (em memória) que nos deixou em 2020. 

Uma crítica 

Uma crítica em relação a obra é que senti nas entrevistas falta de um foco maior no fazer literário de cada escritor – suas inspirações, seu processo de criação, se cria mais no campo da ficção ou não, o seu gênero literário preferido e daí em diante. Me parece que o foco dado é no que o autor pensa da importância da literatura e da cultura. O que não deixa de ser interessante. Enfim, o fato é que ao longo da leitura fiquei com essa sensação, inclusive de que algumas perguntas eram repetitivas.

A importância da obra para a educação 

Quem atua na educação básica como Professor na área de Linguagens, se depara no Documento Curricular do Tocantins  (DCT) com a exigência de se trabalhar a literatura tocantinense. No entanto, salvo exceções, não se encontra obras de autores tocantinenses nas bibliotecas das escolas. Ora, tal exigência deveria vir acompanhada de uma política de apoio e incentivo a produção, divulgação e distribuição de obras literárias Tocantinenses, sobretudo nas bibliotecas públicas. 

Com a ausência de uma política nesse sentido fica-se então dependendo de um professor engajado que possa buscar por iniciativa própria adquirir obras como a “Literatura Tocantinense – Entrevistas”. Geralmente são professores que também são escritores e compreendem a importância da formação de novos leitores para o fortalecimento da literatura e da cultura como um todo.

Mas enfim, a obra “Literatura Tocantinense – Entrevistas” organizada por Pedro Albeirici tende a se tornar uma obra de referência da nossa literatura, sobretudo pela sua importância. Aqueles que tiverem a condição de adquiri-lo, os 5 volumes, terão um rico material em mãos. Além de estarem contribuindo para o fortalecimento da literatura tocantinense. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A Esquerda e as perspectivas de mudanças


“deve-se aproveitar a experiência do movimento e dela tirar lições práticas...”.

Lenin

Enfim as primeiras vacinas contra á COVID-19 foram aprovadas e milhares de pessoas mundo afora estão sendo imunizadas – em alguns países mais do que outros, mas estão. Esse talvez seja o começo do fim dessa pandemia – que continua fazendo seus estragos. E continuará até que esse fim chegue, pois não existe vacina contra a mediocridade.

Falando em mediocridade, no dia que a Diretoria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) se reuniu para deliberar sobre o uso emergencial das vacinas produzidas pelo Butantan e pela Fio Cruz, fiquei lendo alguns comentários no chat da transmissão ao vivo. O nível desses comentários me causou imensa tristeza. Me pareceu que estávamos numa partida de futebol. De um lado a torcida a favor, do outro lado a torcida contra. Ninguém estava preocupado com o jogo, mas em agredir a torcida rival. Isto é, ninguém estava preocupado com o conteúdo da discussão, e muitos ali nem com a importância da vacina para combater a pandemia, mas com o fato de que a aprovação ou não significava a derrota do adversário. 

Postura essa vinda dos bolsonaristas não nos causa nenhuma surpresa. Agora o campo progressista entrar nesse jogo é que é o problema. Ora, ao entrar nesse jogo as chances da esquerda reverter a dinâmica atual das coisas tornam-se cada vez mais difíceis. Afinal de contas estamos falando de um jogo que eles dominam muito bem, e fazer o mesmo significa ter que abrir mão de princípios éticos. E abrir mão dos seus princípios éticos, é deixar de ser esquerda.

Creio firmemente que não será abrindo mão de fazer um debate qualificado para agredir o outro que pensa diferente de mim que se derrotará Bolsonaro e seus congêneres. Por isso eu abomino o qualificativo de gado que alguns antibolsonarista utiliza para atacar o posicionamento de defensores do atual governo. É uma postura antidialogica que mina qualquer possibilidade de se buscar reverter uma determinada posição. 

Quando se  bloqueia o diálogo, o que se está bloqueando é a perspectiva de mudança. 

Tenho consciência que não é possível dialogar com todo mundo, sobretudo com aqueles que não querem dialogar. Mas quando eu assumo uma postura antidialogica estou fechando a possibilidade de diálogo para todos e não apenas para os que não querem.

Acredito que os defensores do atual governo se dividem em dois grupos: O primeiro são os mau caráter, os que lucram com o desmonte do Estado e com o caos do Governo. E o segundo são os ingênuos, aqueles que acreditam que Bolsonaro é um enviado dos céus. Com os primeiros não a diálogo, mas enfrentamento. Já com os segundos não é só possível, como preciso se se quisermos vislumbrar alguma possibilidade de mudança. 

Esse diálogo não ocorrerá nas redes sociais – que viraram um lugar onde majoritariamente se destilam ressentimentos. Mas no contato diário através do trabalho de base. Hoje não se faz mais trabalho de base. E como consequência convoca-se uma greve e não há adesão, defende o impeachment do Presidente, mas não tem força de mobilização para colocar o povo na rua – único caminho para pressionar o congresso a tocar o processo. 

Diante de tudo isso o que nos resta dizer é: Ou a esquerda faz uma autocrítica e repense a estratégia que vem utilizando para derrotar o bolsonarismo ou as perspectivas de mudanças a curto e médio prazo serão cada vez menores. 

Para concluir lembremos das palavras de Lenin no célebre “Que fazer?”, onde fala que a experiência revolucionária e a capacidade de organização são coisas que se adquirem com o tempo. Mas que, no entanto, se faz necessário ter a vontade de desenvolver as qualidades necessárias para que isso ocorra. Sendo que para desenvolver essas qualidades é preciso ter consciência dos seus defeitos. E ter consciência dos seus defeitos é um passo importante para poder corrigi-los.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia. 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Ratos de Porão: 40 Anos injetando indignação e inconformismo nas nossas veias

Você sabe de onde eu venho?

Da terra do carnaval

Onde a maioria é pobre

E se fode pra viver

Ratos de Porão 

Se não me falhe a memória ouvi o som dos Ratos de Porão pela primeira vez em 2006 quando morava em Goiânia. O som em questão era a música “expresso da escravidão”, do último álbum que eles haviam lançado (Homem inimigo do homem), que estava sendo vinculada na programação da Rádio Venenosa FM. 

Aquele som sujo, veloz e pesado acompanhando uma letra com uma dura crítica social me afetou muito. Eu já apreciava canções de protestos, canções que foram fundamentais para formação da minha consciência política, mas nenhuma delas tinham aquelas características. A partir daquele momento passei a me interessar cada vez mais pela banda e por aquele estilo de música. 

No final de 2006, quando assisti um show ao vivo da banda no Goiânia Noise (Festival de Rock), me tornei um super fã da banda. Que show senhoras, que show senhores. A partir dali a minha guinada para o mundo da música pesada se deu de forma irreversível. Passei a apreciar não só a música mas a cultura que dali se forma – os ambientes dos festivais, as pessoas, o jeito de falar,  de se comportar entre outros.

O primeiro disco que adquiri da banda foi o “Só crássicos” (2000) – uma coletânea com vários sucessos, entre eles: Crucificados pelo sistema, Beber até morrer, Igreja Universal, Crise Geral, Aids, pop e repressão e FMI. Depois adquiri o “Ao vivo no CBGB” (2003) com belas performances nas canções: Obesidade mórbida acidental, Toma trouxa, Agressão/repressão e Biotech is Godizlla. 

Ai depois vieram outros, entre eles o último álbum lançado  (Século Sinistro), que creio conseguiu mais do que qualquer um capitar o espírito das jornadas de Junho de 2013. Mas o meu preferido é um álbum ao vivo de 1992 – “RDP ao Vivo”. Os caras simplesmente destroem (num bom sentido) tudo do início ao fim.

Para quem não sabe, a banda Ratos de Porão nasceu em 1981 em São Paulo, no seio do movimento punk. No entanto no decorrer dos anos foram se distanciando, sobretudo em relação ao som, desse movimento. Mas a sua postura crítica em relação ao sistema dominante nunca abandonaram – já mais fizeram qualquer tipo de concessão para entrarem no “maestrim”. 

Desde o seu surgimento a banda passou por diversas formações. E a mais duradoura é a atual que conta com: Jão na Guitarra, João Gordo no vocal, Boca na bateria e o Juninho no contrabaixo.

Agora em 2021 a banda completa 40 anos de caminhada – uma caminhada que tem como legado um rico material que nos ajuda a compreender a história do nosso país. Mesmo que não se goste do som que a banda faz, e eu inclusive compreendo que não se aprecie esse tipo de música, não se pode negar a relevância das mensagens que ela passa através das letras das canções –analisem uma letra de qualquer álbum da banda e me digam o contrário.

Já se vão muitos anos que ouvi pela primeira vez o som da banda. Desde então conheci muitas bandas, tanto dentro como fora do Brasil. Mas os Ratos de Porão continua como a número 01 na minha lista de bandas preferidas. Suas canções não me deixam esquecer da realidade que vivemos e da necessidade de não se acomodar diante dela. É por tanto uma inspiração no momento que eu escrevo algum texto contra o sistema dominante. 

São 40 anos de história, e nessa data importante não poderia deixar de reconhecer todo o legado que a banda construiu até agora, e espero que continuem construindo por muitos e muitos anos. Infelizmente esse reconhecimento não virá de muitos lugares, pois sabemos bem como os nossos artistas são tratados nesse país. Ainda mais artistas com o perfil da banda Ratos de Porão. Mas creio eu, isso não deve ser motivo de ressentimento por parte da banda, mas sim de orgulho. Orgulho por incomodar aqueles que querem manter as coisas tal como estão – que se incomodam quando veem alguém tirando suas máscaras e injetando indignação e inconformismo nas nossas veias.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular.