sexta-feira, 15 de setembro de 2023

O desafio da avaliação na Educação Básica a partir do que diz a LDB e o DCT – Tocantins

As mudanças que vem ocorrendo no campo educacional exige da nossa parte pensar cada vez mais no processo avaliativo para além da preocupação com notas e índices. Quando o aspecto qualitativo for mais importante que o quantitativo a melhoria dos índices será automático. Uma educação onde a preocupação com a nota vem antes da preocupação com conhecimento não pode prosperar. Ora, a nota é uma consequência se você adquire conhecimento.

Não é possível pensar o processo formativo sem a avaliação. Ou seja, sem uma análise-reflexiva do aprendizado do estudante numa determinada etapa de ensino. Por isso, não podemos reduzi-la a uma prova ou uma nota – que muitas vezes é utilizada para punir e excluir. Avaliar é levar em consideração diferentes fatores. Desse modo quando reduzimos a uma única dimensão o nosso processo avaliativo, o resultado não pode ser outro se não um equívoco.

Quando analisamos a legislação educacional, sobretudo a lei de diretrizes e bases da educação  (LDB – 9394/96), com alterações da lei 13.415/17, encontramos o seguinte:

§ 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa serão organizados nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:


I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção

moderna;


II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.”

Temos ai o apontamento de que a avaliação deve ser abrangente, levando em consideração tanto os aspectos objetivos como subjetivos, e utilizando diferentes estratégias e ferramentas que demonstre que o estudante domina os princípios do conhecimento científico e tecnológico, bem como as diferentes formas de linguagens. 

Abro um parêntese para salientar que parece que há uma falha dos nossos legisladores ao reduzir a formação básica apenas ao domínio dos princípios do conhecimento científico, tecnológico e nas diferentes formas de linguagens. Faltou a dimensão ética, defesa dos direitos humanos, da democracia e o exercício da cidadania. 

É importante não perder de vista que estamos falando da educação básica. Desse modo, no processo avaliativo não podemos exigir que o estudante saía do Ensino Médio como um especialista. Daí que a legislação é clara a falar num domínio dos princípios. Para ter uma formação mais aprofundada temos a formação superior.

Seguindo o que determina a lei de diretrizes e bases da educação  (LDB – 9394/96), o Documento Curricular no Território do Tocantins (DCT), pontua a existencia de três tipos de avaliação que deve ser apropriada pelo corpo docente, tendo em vista que todas tem a sua importância dentro das suas especificidades.

O primeiro tipo de avaliação que o DCT destaca é a diagnóstica que não tem como objetivo atribuir nota ou valores. “São utilizadas como indutoras do processo de ensino, funcionando como um guia durante o processo.” A segunda é a somativa, compreendida como “um instrumento necessário que configura o resultado do desempenho dos estudantes ao final de um período de estudos, geralmente com fins de certificação”. Por fim, tem a avaliação formativa “que se baseia em critérios referenciados com foco no estudante, de forma que para avaliar o progresso da sua aprendizagem, deve ser considerado seu esforço individual, seu contexto particular de possibilidades, e o seu progresso ao longo do tempo de estudo.”

Percebemos que esses diferentes tipos de avaliação deve dialogar entre si. Não podendo um ser trabalhado de forma isolado. Num contexto onde o objetivo é o desenvolvimento de competências e habilidades, o DCT ressalta a necessidade de se pensar em instrumentos adequados “à natureza da habilidade trabalhada e seu respectivo objeto de conhecimento, em que habilidades com trato cognitivo requerem avaliação com foco no cognitivo (geralmente conceitos), as que exigem o desenvolvimento de procedimentos para a promoção de situações em que o estudante possa demonstrar a execução do mesmo, enquanto no trabalho com habilidades com foco no atitudinal requer que o docente promova situações em que prevaleça a análise, reflexão e adoção de novas posturas frente aos desafios propostos.”

Nesse sentido o DCT do Tocantins orienta que a escola deve construir coletivamente sua proposta avaliativa, adotando instrumentos variados e levando em consideração os três tipos de avaliação (diagnóstica, formativa e somativa).

Ainda de acordo com o DCT: “A avaliação é entendida como caminho para construção do conhecimento de maneira integral, com foco nas múltiplas dimensões do desenvolvimento dos estudantes, visto que envolve suas competências e habilidades. Composta de várias etapas, deve ser o resultado da análise crítica da prática pedagógica, considerando os professores e os estudantes como sujeitos da avaliação.”

Diante disso o nosso desafio na escola, sobretudo no processo de construção do Projeto Político Pedagógico  (PPP) – que é onde decidimos coletivamente, entre outros, qual o modelo de avaliação adotaremos. É pensar a avaliação como uma análise-reflexiva do aprendizado do estudante. Outro ponto é a necessidade de desconstruir a avaliação de uma perspectiva vertical. Ou seja, de um movimento do professor para o aluno. Ora, a avaliação só tem sentido se ela provoca uma autoavaliação nos atores do processo. Essas autoavaliações por sua vez provocará uma nova avaliação. Com isso percebemos um movimento dialético provocando mudanças qualitativas. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP Lajeado.


domingo, 10 de setembro de 2023

Conto: As moscas

Para pequena Maria Cecília 


Enquanto esperava o ônibus de volta da faculdade para casa não pôde deixar de ouvir a conversa entre duas meninas que também estavam ali esperando suas condução.

- O que você andou aprontando nesse final de semana?

- Fui na praia do lixão. Respondeu sorrindo. 

- Praia do Lixão?

- Amiga. É assim que a gente apelidou aquela praia. Tem um lixão bem na entrada.

Ele conhecia bem o lugar. Sempre passava ali correndo de tardezinha. Pensava consigo: - que bela referência para o principal ponto turístico da cidade.

Essa lembrança veio a sua cabeça quando passava correndo por aquelas bandas: - se aquelas meninas voltarem aqui já não veram aquela paisagem degradante. Creio que saíram com outra impressão. A usina de compostagem foi desativada e o mato verde dá uma impressão de área recuperada. 

Mas se caso elas resolvessem, assim como ele, praticar uma corrida por aquelas bandas veriam que não passa de aparência. O odor que dali exala não deixa dúvidas – o lixão continua ativo contaminando o solo e o ar. E o pior é que além da praia agora há um setor de moradias.

- Como fica a saúde das pessoas que moram ali? Pensou sobretudo nas crianças. – Respirar esse ar certamente não é saudável. 

- E as moscas. Disse-lhe certa vez um amigo.

- Mas moscas tem em todo lugar.

- Não como lá. 

Ele não tinha como discordar. Não morava lá. Passava apenas correndo. E apesar do odor não podia deixar de invejar aqueles que ali viviam, por terem uma bela vista da cidade.

- A gente até evita de chamar um amigo para um almoço em casa. Ter que ficar abanando mosca da comida. Ninguém merece.

Ele não disse nada. Mas pensou que havia naquela declaração uma certa dose de exagero.

- Um dia você vai ver. 

Moscas há em todo lugar. Mas não naquela quantidade. Imediatamente ele lembrou do amigo. – É,  não era exagero. Foi durante um almoço de celebração de aniversário de outro amigo que morava por ali que ele viu o fenômeno. Mesmo não sendo um especialista ele tinha certeza que aquilo não era natural. 

- Essas moscas. Era o que mais se ouvia por ali.

Ele lembrou da célebre peça do Jean-Paul Sartre (As moscas, 1943) – onde o filósofo e escritor francês faz uma alusão a ocupação nazista da França a partir da lenda grega de Oristes. Mas as moscas aqui não são simbólicas. São bem reais. Porém há algo em comum entre as moscas de Sartre e a daquele lugar. Ambas nos leva a política. Nesse sentido o povo daqui tem muito que se inspirar na peça Sartreana. Sobretudo a necessidade de resistência para mudar determinada situação. 

– Haverá algum Orestes nesse lugar? Certemente não na Câmara de Vereadores da  cidade. Pensa consigo.

Mais um dia de corrida por aquelas bandas. Ele não pôde deixar de observar as crianças brincado, enquanto as moscas as espreitam. Qual será o futuro daquelas crianças? Questinava-se. Enquanto isso no seu fone de ouvido, Jão  da Periferia S.A berra: “Todos devemos protestar/Não podemos nos intimidar/A terra nunca foi lugar de amor e paz/E quem está aqui tem que lutar”. Quem sabe um dia. Quem sabe um dia. Dizia para si mesmo.

Por Pedro Ferreira Nunes – apenas um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Nos corredores do HGP

Algum dia do mês de Julho de 2021 - a mim  me pareceu que não tinha mais de 18 anos. Mas confesso que não sou muito bom em fisionomias. Na situação em que estávamos – no corredor de um hospital público – há uma aproximação maior, ainda que não queiramos. Eu acompanhando minha mãe. Ela em observação – mais tarde descobriria que era devido uma depressão severa que havia feito tentar o suicídio. 

Vendo aquele cenário triste, pensei comigo: - Se as pessoas fossem um pouco mais inteligentes agiriam de forma a evitar que um dia pudessem cair num lugar desses. Mas infelizmente não é bem assim. Por isso o negócio da saúde é tão lucrativo na nossa sociedade. Lembrei do Rousseau e a crítica que ele faz aos médicos. Lembrei também de um poema de Dom Pedro Calsadaglia criticando a mercantilização da saúde. Se estivéssemos pagando certamente não estaríamos naquela situação. O que é lamentável, pois todos deveríamos ter acesso a um sistema de saúde  pública de qualidade. 

A noite seria longa. Sem leitos disponíveis tínhamos que nos conformar com as cadeiras do corredor. Para fazer com que aquelas horas fossem mais tragáveis possíveis melhor era estabelecer uma relação de cooperação entre nós. E isso não foi nenhum pouco difícil. Parece que há uma espécie de união natural na dor. Foi nesse contexto que conheci aquela menina e um pouco de sua história de vida. 

De início ela parecia um pouco tímida. Já eu estava super ambientado (com minha boina na cabeça e uma bandana no rosto estilo soldado do EZLN, que “pouco” chama atenção) ajudando no que era possível aqueles que estavam mais necessitados que nós. 

Vi que havia uma cadeira vazia. E como ela estava em pé ao meu lado falei para sentar. Inicialmente ela disse que não, mas depois sentou. Talvez a minha iniciativa, demonstrando preocupação e cuidado, fez ela me ver com outros olhos. Já num segundo momento a iniciativa partiu dela. O motivo da conversa – minhas tatuagens. 

A partir dali ela foi se abrindo comigo. Logo confessou que gostava de meninas. Disse que achava homens negros lindos. E não via problemas gostar de meninas e achar os homens lindos – ainda que não sentisse atração por eles. Algumas senhoras ficaram horrorizados com aquela declaração. Eu sorri. Gostei da atitude dela. Ela então percebeu em mim alguém que não a julgava por ser quem era ela. E então nossa amizade se fortaleceu.

Algo naquela menina solitária me atraia. E eu quis saber mais sobre ela. E como cada vez mais ela me dava intimidade para pergunta-la eu o fiz. Por que ela estava ali? Qual era o seu problema? Já que aparentemente ela era perfeita. Ela não fez rodeios: - eu tentei suicídio, me mutilo há muitos anos. E me mostrou tanto nos pulsos como nas costas as marcas. E o que teria ocasionado isso? O pé na bunda de uma namorada? Eu quis saber. Ela disse: - A morte de minha mãe. Fiquei sem palavras. 

O que dizer para alguém que quer tirar a própria vida? O que fazer para que ela pense diferente? Da minha parte nada. Só me restava o silêncio. Eu não tinha como sentir a dor dela. De modo que qualquer coisa que eu falasse seria deslocado da realidade. E para fazer discurso vazio era melhor o silêncio. Talvez o meu silêncio demonstrasse mais respeito com sua dor do que tentar empurrar algum discurso vazio para convencê-la do contrário. 

Já o setor de psiquiatria do hospital seguia o caminho dos antidepressivos. Até quando resolveriam? Quem sabe.

Nas horas que passamos juntos ao invés de julga-la, busquei demonstrar compreensão. Ao invés de critica-la lhe apoiei. Do meio para o fim ela já estava planejando uma festa onde eu seria o convidado especial. – vai dá certo, respondi sorrindo. Ela me pediu um abraço. Ultimamente isso tem sido quase um mantra para mim. Ainda que tenho consciência que nem sempre vai dá certo. Mas tudo bem, por que a vida é assim. E assim como defendia Platão e Aristóteles devemos aprender isso desde cedo.

Não sei o que aconteceu com ela depois daquela noite. Sei que ela foi para casa um pouco melhor do que chegou ali. Espero que ela possa encontrar o apoio afetivo tão necessário para que possa vencer essa doença que lhe faz atentar contra a própria vida (ao contrário do que alguns ainda pensam, depressão é doença sim. E tem levado muito dos nossos jovens). 

Que nos seus episódios de crise mais aguda ela possa se lembrar daquele momento que foi tirar sangue e me pediu para acompanha-la. Vendo o seu nevorsimo lhe estendi a mão e ela agarrou firmemente. Ela então viu que não estava sozinha e venceu o medo. 

Por Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in Roll. 


quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Projeto de Vida: trabalhando a empatia e cooperação a partir da leitura de “Quando meu pai perdeu o emprego”

Uma das competências que buscamos desenvolver no processo de ensino-aprendizagem a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é a empatia e cooperação. No componente curricular de Projeto de Vida, nos anos finais do Ensino Fundamental, buscamos trabalha-lá a partir da literatura. Nesse contexto uma das obras utilizada foi o romance “Quando meu pai perdeu o emprego” do Wagner Costa.

A estória nos trás uma realidade que não é muito distante da maioria dos nossos estudantes que são oriundos de famílias da classe trabalhadora. O que contribui para que as questões propostas sejam melhor assimiladas. Por exemplo, o fato de que a perda do emprego além da questão econômica e social, trás também o aspecto emocional. É o que percebermos no decorrer da narrativa que mostra os conflitos entre os personagens diante de uma situação que exige sacrifício e maturidade ou melhor, empatia e cooperação. 

Imagina uma família de classe média composta por – marido, esposa e quatro filhos – duas crianças e dois adolescentes. Nessa família apenas o marido trabalha. No entanto o seu salário consegue proporcionar um bom padrão de vida a todos. Certo dia porém ele será demitido e essa demissão irá colocar a prova a unidade familiar para superar a crise que irá se instalar no ambiente doméstico.

Entre os personagens destacamos os dois filhos (Pedro Paulo ou Pepê e o Beto), sobretudo por que eles apresentaram comportamento diverso diante da nova situação. De um lado veremos um tentando se colocar no lugar dos outros – buscando diálogo e cooperando para superar as dificuldades, inclusive procurando um emprego para ajudar no orçamento familiar. Do outro lado temos o oposto – um comportamento egoísta, que fica buscando culpados, fugindo da realidade, que prefere bater boca que dialogar, que tenta sabotar ao invés de cooperar.

Durante a leitura os estudantes foram instigados  a refletir sobre tais comportamentos. Para tanto elaboramos algumas questões norteadoras como por exemplo: O que aconteceu quando o pai perdeu o emprego? Qual o personagem que você se identifica e por que? Descreva um trecho que houve um comportamento empático? Descreva um trecho que houve cooperação? O que mais ti afetou na estória e por que? 

Um aspecto importante a se ressaltar é que antes da leitura havíamos trabalhado conceitualmente o que é empatia e cooperação. E durante e posteriormente a leitura buscamos aprofundar essa compreensão introduzindo também a questão do diálogo – a partir da concepção de Paulo Freire. 

Por falar em Paulo Freire, além da empatia e da cooperação, em “Quando meu pai perdeu o emprego” temos um conceito freriano muito importante – a esperança. Aliás o ponto de partida do romance é justamente uma mensagem de esperança deixada pelo avô (pai do pai) de que se houvesse união e cooperação certamente a família iria superar aquela jornada. Podemos dizer assim, que a esperança ressaltada pelo autor segue a linha defendida por Paulo Freire, isto é, esperança do verbo esperançar – ou seja, é preciso agir para que as coisas aconteçam. 

O livro foi trabalhado nos anos finais do ensino fundamental. No entanto, observamos que  foi melhor assimilado pelas turmas do 8° e 9° Ano. A recepção da obra pelos alunos e o engajamento deles durante a leitura foi algo bastante significativo – que nos mostrou ter sido um acerto a escolha do livro. É importante também ressaltar a escrita do Wagner Costa – acessível e envolvente. E o fundamental, a estória é narrada em primeira pessoa, isto é, quem nos conta o fato é o Pepê. Desse modo, o autor fez o exercício de se colocar no lugar de um jovem, pela recepção dos nossos estudantes conseguiu se conectar com eles.

Enfim, com esse exercício de trabalhar a empatia e cooperação a partir da literatura, seguimos uma estratégia defendida por nós a partir de autores como os filósofos  Lipman e Norman. Óbvio, trazendo para nossa realidade – eis ai um aspecto fundamental que garantiu que o trabalho proposto fosse exitoso. Por tanto é importante planejar o que se quer trabalhar e a partir daí escolher uma obra literária que minimamente dialoga com o contexto que o estudante está inserido. E posteriormente avaliar se os objetivos foram alcançados. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.


sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Um poema para quem Partiu

 


Descansa

Descansa, minha querida 
a sua hora chegou.
Cumpriste a tua sinal
Fostes exemplo de amor.

Não temas pelos teus filhos
saberão se virar.
Preservaram tua memória 
esquecida não será. 

Aos teus amigos 
deixarás ternas saudades.
Ninguém poderá negar
que fostes uma amiga de verdade.

Cumpriste a sua sina
o melhor que poderia.
Se alguma vez falhaste 
não foi por que queria. 

Descansa, minha querida  
a sua hora chegou.
Cumpriste a tua sinal
fostes exemplo de amor.

Pedro Ferreira Nunes – Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO.




domingo, 20 de agosto de 2023

Ensaio: A conversa

Por mais que John tentasse afastar-se de Luna, não conseguia. Quando ela surgia diante dele tudo que ele havia planejado para resistir á sedução dela ia por água abaixo. Para John tal relação era muito próxima da que um viciado tem com a cocaína ou outra droga qualquer – alguns minutos de prazer extremo e o resto do tempo de profunda depressão. O relacionamento com Luna terminantemente não fazia bem para John. Ela era uma droga pela qual ele era extremamente viciado. E por mais que ele tentasse superar este viciou, não estava conseguindo. Quando ele conheceu Suzy, e no auge de sua relação com ela chegou a pensar que Luna não fazia mais parte da sua vida, no entanto ele estava redondamente enganado – ele podia conhecer muitas mulheres, apaixonar-se por elas, mas era Luna a única com o poder de fazê-lo fazer coisas que ele não queria.

Muitas vezes John agia de forma dura com a Luna, tratava-a friamente. No entanto ela sabia que aquilo tudo era apenas da boca pra fora. Que quando ele se rendia mostrava-se o amante sensacional que era. Uma pessoa carinhosa e amorosa, inteligente, amigo e companheiro inseparável. John era uma das raras pessoas naquele lugar com quem você podia ter uma ótima conversa. Era um sonhador, o que não podia ser diferente sendo o aspirante a poeta que era. E o seu jeito diferente de ser fazia dele uma ótima companhia para todos ali. Quando Luna estava se sentindo sozinha, precisando de alguém que de fato lhe desse carinho, e não apenas pau como os outros caras com quem ela se relacionava. Não pensava duas vezes corria para os braços de John, pois ele era seu porto seguro. Onde podia se atracar com segurança após as aventuras que vivia.

- Preciso conversar contigo John.

- Quando?

- Agora, pode ser?

- Sim. Mas é só conversar mesmo né?

- Vamos para um lugar mais tranquilo.

- Ok.

John estava com seus amigos tocando violão, tomando cachaça e fumando tabaco. Era assim que eles passavam as frias noites lajeadense. Como também pensando em planos mirabolantes para mudar a cidade, planos que já mais sairiam do papel. Depois que Suzy decidiu afastar-se dele, ele também não pretendia reatar seu romance com Luna. Mas não quis resistir a conversar com ela. Mesmo imaginando o que Luna queria com ele.

- E então, como você esta? Dá ultima vez que nos falamos você me tratou tão mal, não quis nem conversa comigo.

- Eu ti tratei mal? Ora você some, depois aparece, dai diz que quer ficar comigo, depois me manda ir se ferrar, diz que sou ruim de cama. E ai fui eu que ti tratei mal?

- Ah, John você sabe que falei tudo aquilo só da boca pra fora. Só pra ti provocar por que você me tratou com a maior frieza, aliás, é assim que você tem me tratado ultimamente. E não sei o porquê disso. Já que a gente se gosta tanto.

- Você insiste numa estória que já deu o que tinha que dá. Por que não aceitarmos que o nosso relacionamento não tem futuro. Que ultimamente a gente só tem se magoado. Que a nossa paixão já não é mais como antes.

- Será mesmo? Acho que você só está falando isso da boca pra fora. Você é louco por mim que sei, eu sou louca por ti, pode não parecer, mas sou sim. A gente se dá tão bem quando você tira essa mascara de durão que não tem nada a ver contigo.

- A gente não dá mais certo como namorado. Não vou dizer que não é bom ficar contigo. O problema é depois quando você vai embora. Quando fico sozinho morrendo de saudades suas e você por ai com outros.

- John amor a dois sufoca. Nos lembremos dos ensinamentos do Raul – se eu ti amo e tu me amas, um amor a dois profana, o amor de todos os mortais... Às vezes a gente precisa dá um tempo um do outro para viver novas experiências com outras pessoas. O importante é quando a gente se reencontra a chama da nossa paixão reacende bem maior que antes. E também eu nunca ti proibi de ficar com outras, desde que não seja nada sério. Desde que você volte para mim.

- Eu não consigo viver assim Luna. E mesmo gostando de ti, eu prefiro abrir mão desse amor a viver em um relacionamento que não me faz bem. E quando em um relacionamento um dos dois não está contente é melhor terminar... Antes que vire ódio.

- Então o que você quer é ser o meu dono? Ter exclusividade sobre mim?

- Não, não estou ti pedindo isso.

- Ora como não. Isso que é um relacionamento tradicional.

- Eu não estou propondo uma relação de posse, mas sim de cumplicidade. Mas vejo que isso é impossível entre nós.

- Ok. John. A partir de hoje serei apenas sua. Vamos morar juntos, nos casar e ter filhos. Que tal?

- Não é assim não. As coisas não funcionam assim de uma hora para outra.

- Como não? Não é isso que você quer?

- Mas não assim do dia pra noite. A gente precisa estabelecer um processo de confiança entre nós.

- Você não confia em mim?

- Você tem me dado algum motivo para que eu ti dê confiança?

- Para ficarmos juntos temos que esquecer o que passou.

- Isso não. Temos que aprender com o passado, já que não podemos apaga-lo.

- Tá certo.

- E também você não pode prometer o que não pode cumprir;

- Então o que você quer?

John não soube responder a Luna. O fato é que ele já não sabia o que queria com ela.

Por Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Como saber se a cidade está realmente num bom caminho?!

Para saber se uma cidade está realmente num bom caminho devemos nos questionar como anda a política educacional. É a partir dessa que podemos vislumbrar mudanças qualitativa em relação às expressões da  questão social que afetam a municipalidade – como por exemplo, a baixa escolaridade, o desemprego, a pobreza, a violência, tráfico e consumo de drogas, e a gravidez na adolescência. Diante disso, se não vemos nenhuma ação da gestão municipal no sentido de garantir valorização e qualificação para os profissionais da educação, melhoria estrutural das escolas e políticas de acesso e permanência dos estudantes, não podemos dizer que a cidade está num bom caminho.

Esse pensamento me veio a cabeça durante uma busca ativa realizada para formação de turmas da educação de jovens e adultos (EJA). Num primeiro momento fiquei feliz com a quantidade de pessoas que encontramos, apenas num setor da cidade, com a educação básica incompleta. Depois fiquei triste, pois uma cidade não pode estar num bom caminho com tanta gente assim fora da escola. Fico me perguntando se os agentes públicos locais estão realmente preocupados com a municipalidade. Não vejo nenhuma manifestação, seja da situação ou oposição, acerca desse problema – que se não é, deveria ser de conhecimento de todos. E assim, essa expressão da questão social vai sendo naturalizada. E a partir daí vai se criando uma  cultura em que estudar é desnecessário.

Podemos sentir isso inclusive na educação das crianças e adolescentes que frequentam a escola e demonstram uma grande dose de apatia em sala de aula. O exemplo que esses jovens tem, muitas vezes em casa, é do estudo como algo supérfluo. Ou seja, de algo do qual se pode abrir mão. Acreditam no canto da sereia que vende uma vida de sucesso como jogador de futebol ou influencer. Quando menos perceberem estarão presos num trabalho precarizado onde ganham o mínimo para subsistência. Repetindo assim um círculo de fracasso familiar.

Para que essa realidade mude a educação precisa ser encarada como um problema de toda a sociedade. Estamos falando de uma questão muito séria para ser deixada apenas nas mãos dos agentes públicos. Desse modo é fundamental que as pessoas participe efetivamente das discussões e deliberações acerca das políticas educacionais do município. 

Essa participação parece um tanto distante, sobretudo quando se percebe que parte significativa das famílias não acompanha efetivamente  a vida escolar dos filhos. E se não estão preocupados com a educação dos próprios filhos, imagina com a política educacional do municipio – aqueles que tem condição de mandar os filhos estudarem em outras cidades menos ainda.

Apesar dessa realidade não podemos tirar do nosso horizonte a perspectiva de uma política educacional com a participação de todos. Óbvio que não temos a ilusão de que isso ocorra do dia para a noite. É necessário todo um trabalho de conscientização no sentido de mostrar que não é possível vislumbrar qualquer perspectiva de mudança qualitativa, seja interna ou externa, sem educação. 

Obras são importantes, melhoria da infraestrutura – da prestação de serviços entre outros. Pois gera emprego, aumenta o consumo e aquece a economia. Mas isso por si só não resolve. Pode até atender uma necessidade imediata por sobrevivência. Mas não resolve questões estruturais como as que pontuamos no início. Não estamos querendo dizer com isso que a educação resolve tudo. Mas certamente sem ela nada se resolve. Por isso não podemos ficar contentes com uma cidade que negligência o acesso e permanência dos seus cidadãos na escola – seja ele menor ou maior de idade.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.