sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Crônicas do Post Mortem: Matanza Inc e a filosofia Nietzschiana

Á minha sobrinha, Nathany

O álbum de estréia da nova fase do Matanza (com Inc no nome e Vital Cavalcante no vocal) me fez lembrar do velho Nietzsche e a sua crítica contudente a moral cristã – que nega a vida impedindo assim que possamos vive-la em sua plenitude. O Matanza Inc nas suas “Crônicas do Post Mortem” nos apresenta indivíduos que não negam a vida, pelo contrário, buscam vive-lá plenamente, sem despresar os prazeres da carne, sem medo do que vem depois. 

Aliás, deixam isso claro em “Péssimo dia” onde Vital berra: “não faço a menor ideia do que vem depois, nunca foi até o momento uma preocupação, por isso vai embora padre não me fale em absolvição”. Nietzsche despreza os conselhos dos teólogos, elege esses como seus inimigos – como a antitese da sua filosofia. Pois eles são os responsáveis por difundir valores decadentes que negam a vida. Como por exemplo, a compaixão.

Em “Para o inferno” temos um desprezo de forma mais contudente ao espírito de teólogo: “disseram para eu me preocupar com minha alma, pois haveria no meu dia um julgamento, e numa lista conta quem está devendo. Eu só posso responder com muita calma, que não vejo nisso mero cabimento, não acredito em nada do que estão dizendo. Mas se for como você me diz: para o inferno irei feliz, pois tudo o que fiz valeu muito apena”. 

E em “Tudo de ruim que acontece comigo” deixam claro: “se fiz errado eu fiz consciente”. Não há arrependimento, não há lamentação. O que há é consciência de que nossas escolhas tem consequências boas e más, e que a questão portanto é estarmos preparados para lhe dar com essas consequências. E para lhe dar melhor com essa essas consequências é necessário superar os velhos conceitos de verdadeiro e não verdadeiro fundados na moral cristão – é o que propõem Niestche. 

Marco Donida (Guitarrista e Compositor da banda) mostra o seu gênio criativo mais uma vez através de canções com frases icônicas. E até ouso dizer (na condição de leitor de algumas obras de Niestche) que ele assinaria em baixo várias dessas frases, como por exemplo: 

“A derrota muito me serviu de aprendizado, não se mistura certo com errado”.

“Se deixar  a vida fica muito chata”.

“São muitas maneiras de arruinar a sua vida, não precisa escolher uma só”.

“A vida é uma peça fadada ao fracasso, a esperança uma péssima atriz”.

“Tantas mulheres eu tive e não tive o amor de nenhuma. De tantas garrafas de whisky não guardo lembrança qualquer”.

“A gente pensa que sabe o que faz, a gente pensa que sabe o que diz, percebe o erro sempre tarde de mais, acaba sempre infeliz”.

“Se fiz errado eu fiz consciente, sempre soube onde tudo termina, estou num trem com destino a ruína, onde não há mais recomeço”.

“Para o inferno irei feliz, pois tudo o que fiz valeu muito apena”.

“Nunca procurei na vida algum sentido”.

“Não deixe nada pra depois, termine tudo que puder, use o tempo que tiver, faça diferença”.

“Não se resolve nada no desespero, não há problema que não possa piorar”.

“O delírio impede de raciocinar”.

“Resta você reconhecer que se saiu muito mal, sinceridade em admitir que sabia de menos”.

Aos que não conhecem e querem ter uma idéia dos aforismos Nietzschianos, e assim compreender melhor a relação estabelecida aqui. Recomendo a leitura de “Nietzsche para estressados: 99 doses de filosofia para despertar a mente e combater as preocupações”. O livro contém 99 máximas do nosso filósofo relacionadas a questões do cotidiano seguidas de interpretações de Allan Percy. Mas, mais recomendável ainda é a leitura das obras do próprio filósofo, cito algumas: Humano demasiado humano (1878), A Gaia Ciência  (1882), Além do Bem e do Mal (1886) e Ecce Homo (1908).

Mais sujo e pesado

Foi o que senti ouvindo Crônicas do Post Mortem – e eu particularmente gosto bastante dessa pegada. Marco Donida (Guitarra), Mauricio Nogueira (Guitarra), Doni “Don” Escobar (Baixo) e Jonas Cáffaro (Bateria) estão cada dia numa sintonia melhor. E o vocal do Vital Cavalcante encaixou perfeitamente. E o melhor é que ainda há uma boa margem para que a sintonia entre o vocal e a banda fique cada vez mais afiado – o que se dará a medida que eles forem adquirindo mais quilometragem de estrada fazendo shows. 

Outro ponto a se destacar é que mesmo com as mudanças a banda mantém o seu DNA, tanto no som como nas letras. O que muito me agradou e creio que a muita gente também – é só analisarmos a receptividade do álbum e o feedback do público nos shows cantando as músicas novas. O que é uma prova de que não havia muito sentido o fim da banda que está em pleno auge criativo e tem um público fiel.

Em tempos de ascensão do discurso fundamentalista cristão 

O Matanza Inc ousa desafiar esse discurso com um álbum que tem como subtítulo Guia para demônios e espíritos obssessores e que trás nas suas faixas estórias de figuras que transgride os valores que o discurso fundamentalista tenta nos impor. Sobretudo em canções como Seja o que Satan quiser e Para o inferno. Não há um protesto explícito nas canções, é mais uma provocação (no melhor estilo Matanza), uma boa dose de desdém ao discurso hegemônico atual. E talvez ai esteja uma boa forma de resistência a esse discurso – o menosprezo.

Aliás, questionado em uma entrevista sobre a alusão ao diabo presente  nas composições do Matanza ao longo da sua discografia (e o álbum dessa nova fase não é exceção), Donida responde que:

“O diabo é uma invenção da igreja católica para controlar as pessoas através do medo. Quando se glorifica o diabo você afronta os controlados e principalmente os controladores. Nossa música não serve á essas pessoas. O Diabo pra nós é um símbolo de liberdade artistica. A maldade está no coroação dos homens e não em alegorias”.

Tal declaração do Donida deixa bem evidente que a ideia da banda é provocar mesmo, desafiar o discurso hegemônico fundamentado nos valores juidaicos-cristãos. Tal com fez Niestche através de sua filosofia e com declarações incompreendidas como acerca da morte de Deus.

Para finalizar, ainda acerca da relação entre as Crônicas do Post Mortem e a filosofia Nietzschiana. Em “O nascimento da tragédia” Nietzsche nos diz que “devemos reconhecer que tudo aquilo que nasce deve estar preparado para um doloroso declínio, somos obrigados a mergulhar nosso olhar nos horrores da existência individual – e, contudo, não devemos ficar congelados pelo terror”. Essa é a atitude dos personagens das Crônicas do Post Mortem, ainda que essa atitude nos leve ao destino do personagem da canção “a cena do seu enforcamento” condenado a ver eternamente a cena do próprio enforcamento.

“A vida não é muito curta para que fiquemos entediados?”.
Nietzsche 

Por Pedro Ferreira Nunes – “um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior “.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Quem nunca disse uma falácia que atire a primeira pedra

Não estou me referindo ao que o senso comum compreende por falácia – geralmente como sinônimo de mentira, de falsidade. Estou me referindo ao conceito de falácia na perspectiva da lógica – que de acordo com Matthew trata-se de “uma falha técnica que torna o argumento inconsistente ou inválido”. Desse modo cometer uma falácia nem sempre é sinal de falta de caráter, de tentativa de manipulação, mas pela nossa incapacidade de fazermos uma argumentação lógica. 

Para Matthew argumentos falaciosos parecem válidos e convincentes, de modo que só “uma análise por menorizada é capaz de revelar a falha lógica”. Sobretudo por que não existe apenas um tipo de falácia. E algumas delas só mesmo  um especialista em lógica tem condição de perceber. Já outras são bastante comum e de fácil compreensão. Sobretudo se analisarmos os debates nas redes sociais e mesmo no Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores Brasil afora.

Para se ter uma ideia, no seu artigo intitulado “Lógica e falácias”, Matthew nos apresenta 44 tipos de falácia. E ao ler a definição de cada uma delas seguidas de exemplos do cotidiano, cheguei a conclusão que é impossível que um ser humano não diga uma falácia vez e outra. Com essa afirmação posso inclusive  está usando de uma falácia – uma tal de Ad Hoc – que segundo Matthew consiste na explicação de “um fato após ter ocorrido, mas sem que essa explicação seja aplicável a outras situações”. Ora, o fato de ter ocorrido comigo não significa que ocorrerá com os demais. 

Mas camarada, lhe desafio ler o artigo do Mathew, a analisar a definição das diferentes falácias e depois me dizer que nunca utilizou um argumento falacioso – que nunca caiu na tentação de utilizar seu exemplo pessoal para explicar um determinado fato. Nunca questionou uma fala só por que foi dita por determinada pessoa. Nunca disse: - ah, no meu tempo as coisas eram melhor. Nunca fez uma generalização apressada. Nunca apelou para a natureza para dizer que as coisas são assim e ponto. Nunca fugiu do assunto em questão. Nunca disse que algo vai acontecer sem comprovar no entanto. É, a lista é grande, paremos aqui por enquanto.

Creio que reconhecer que não raramente utilizamos esse artifício no nosso cotidiano na relação com as outras pessoas é um passo importante para que não só evitemos de cometer essa falha lógica na nossa argumentação como também para que tenhamos maior capacidade de identificar e rebater esse tipo de argumento, sobretudo aqueles que tem claramente a intenção de manipular a opinião pública – Essa manipulação da opinião pública através de discursos falaciosos é muito presente no debate político, no discurso religioso e na imprensa. 

No discurso político um bom exemplo é a fala de que o Brasil não pode virar uma Venezuela daí a necessidade de tirar a esquerda do poder, pois todo país governado pela esquerda tem como destino se tornar uma nova Venezuela. Mathew diria que se trata de uma falácia denominada de Declive Escorregadio – que consiste em dizer que a ocorrência de um evento acarretará numa determinada consequência, mas sem apresentar provas para tal afirmação. Diga-se de passagem, Bolsonaro e seus aliados são mestres nesse tipo de falácia. 

Outro exemplo do discurso falacioso no debate político atual é em relação a defesa da facilitação do acesso a armas de fogo por parte da população, sobretudo por que segundos eles, isso significa o respeito ao anseio da maioria da população. Esse tipo de falácia é conhecida como Argumentum ad Populum – que apela para popularidade de determinada demanda. Mathew salienta que “esse tipo de falácia é comumente caracterizado por um discurso emotivo”. E é justamente apelando para emoção que segue o discurso de quem defende o armamento da população, inclusive apresentando situações pessoais, recorrendo assim a outra falácia que é a Evidência Anedótica – que consiste em relatar experiências pessoais como prova de validação de um argumento.

Aliás, a Evidência Anedótica é uma falácia bastante comum no discurso religioso. Especialmente dos neopentecostais que se utilizam dos testemunhos de fiéis para convencer os demais da validade de uma crença. Mathew trás o seguinte exemplo de uma argumentação desse tipo: “há abundante provas da existência de Deus; ele ainda faz milagres. Semana passada eu li sobre uma garota que estava morrendo de câncer, então sua família inteira foi para uma igreja e rezou, e ela foi curada”. Mathew nos diz que anedotas podem até servir para ilustrar algo, porém não é prova de nada. Pois o fato de ter acontecido algo comigo não significa que ocorrerá o  mesmo com outra pessoa. 

Outra falácia comum no discurso religioso é a Dicto Simpliciter ou Generalização absoluta – que consiste em aplicar uma regra geral a uma situação particular. Essa falácia ocorre, segundo Mathew, sobretudo quando envolve questões legais e Morais. Um bom exemplo é acerca da descriminalização do aborto: “Cristãos são contra o descriminalização do aborto, você é cristão, logo é contra a descriminalização do aborto”. Ora, não necessariamente. Há cristãos que defendem sim a descriminalização do aborto assim como outras bandeiras contrárias aos dogmas morais defendidos por alguns líderes religiosos.

No caso da imprensa uma falácia bastante presente é a denominada de espantalho – que segundo Mathew “consiste em distorcer a posição de alguém, para que possa ser atacada mais facilmente”. Quando isso ocorre, não se está lhe dando com os verdadeiros argumentos. É possível perceber essa prática nas coberturas jornalísticas acerca de grandes escândalos e nos supostos debates (que na verdade não é um debate pois apresenta apenas uma posição) acerca de temas como a reforma da previdência por exemplo. 

Outro exemplo de falácia presente na imprensa é a que se denomina de Ignorantio Elenchi ou Conclusão Irrelevante – que segundo Mathew “consiste em afirmar que um argumento suporta uma conclusão em particular, quando na verdade não possuem qualquer relação lógica”. Um bom exemplo é a cobertura acerca da atuação do então juiz Sérgio Moro nos processos da operação Lava jato revelados pelo site The Intercept. Nesse caso a falácia consiste em dizer que a lava jato é importante para o país, de modo que mesmo que Moro tenha transgredido algumas regras, a mesma não pode ser destruída. Ora não se está colocando em questão a continuidade ou não de uma operação, mas a atuação de um determinado magistrado. Mathew salienta que “lamentavelmente, esse tipo de argumentação é quase sempre bem-sucedido, pois faz as pessoas enxergarem a suposta conclusão numa perspectiva mais benevolente”.

Bem fiquemos por aqui. Concluímos afirmando que aquele que nunca disse uma falácia que atire a primeira pedra – ora, sejamos honestos camaradas. É difícil, se não impossível, não cometer uma falha lógica vez e outra, até por que não somos seres puramente racionais. A questão é, como já dissemos nesse texto, ter consciência disso, sobretudo para que não caiamos em argumentos falaciosos que tem a clara intenção de manipular-nos.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Adeus, brancão! Ou a última viagem.

Brancão (como era carinhosamente apelidado o ônibus que fazia o transporte dos universitarios de Lajeado) não era só um ônibus. Ele era sobretudo um passaporte de um futuro diferente para muitos lajeandenses – um futuro com mais dignidade. De modo que foi com muito pesar que o vi tomado pelas chamas naquela que seria a sua última viagem.

Foi nele que viajei boa parte dos quatro anos da minha via crussis rumo a UFT para me graduar em filosofia. E não fui o único. Se hoje Lajeado tem entre seus filhos: pedagogos, educadores fisicos, engenheiros, enfermeiros, assistentes sociais, tecnicos em enfermagem, técnicos ambientais, eletrotécnicos, administradores, advogados entre outros – o brancão tem uma enorme cota de contribuição. De modo que sei que o sentimento de pesar não é apenas de minha parte mas de todos aqueles que usufruiram dos seus serviços.

É fato que algumas vezes ele nos deixava na mão, e nos últimos anos então nem se fala. Mas também com a jornada que ele fazia não há veículo que suporte. Além de transportar os universitários de segunda á sexta (de Lajeado para Palmas e Palmas para o Lajeado). Também transportava os alunos da rede municipal de ensino, os idosos do grupo de convivência da terceira idade, usuários da saúde para fazer exame em Palmas. Além das viagens esporádicas nos finais de semana para atender eventos particulares.

Já se tinha consciência que o brancão precisava reduzir suas atividades ou até mesmo se aposentar. Por isso cobravamos da prefeitura um novo veículo para atender exclusivamente os universitários. Mas até então essa aquisição ficara apenas como promessa de campanha. E assim quando o brancão nos deixava na mão tínhamos que nos virar ou se apegar com o amarelinho. E que tortura não era viajar no amarelinho. 

- Alguém tem notícia do brancão?

- Será que hoje é o brancão? 

- Aquele amarelinho ninguém merece. 

- Eh, pelo que vi falar o brancão não tem jeito mais não. 

Mas contrariando os prognósticos o brancão voltava. E quão felizes não ficávamos ao vê-lo. Pois significava que teríamos uma viajem com o mínimo (do mínimo, do mínimo, do mínimo) de conforto e num tempo menor (dava até para ir na copiadora tirar xerox e não chegar atrasado na aula e chegar antes da meia noite em casa).

É, sabíamos que a hora do brancão estava chegando, mas já mais poderíamos imaginar que seria assim. Queríamos que ele tivesse uma aposentadoria digna. Afinal de contas, após tanto serviço prestado aos cidadãos dessa pequena cidade, tinha esse direito. Mas não foi esse o seu fim. Acabou sucumbido pelo fogo naquela que se tornou a sua última viajem. E agora será apenas uma lembrança na nossa memória. 

Por Pedro Ferreira Nunes – “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Quando o ódio triunfa

O que faz um ser humano em um carro atropelar um grupo de pessoas colocando em risco a vida dessas pessoas? A que nível chegou o seu desprezo pela vida do outro? Quando foi que se perdeu a capacidade de aceitar o diferente? Se é que um dia já fomos capazes. Nessa situação uma coisa é fato – não há mais respeito, não há mais diálogo, não há mais empatia. O que há é o triunfo do ódio. 

Nesse contexto é importante lembrar o que dizia o filósofo holandês Baruch Spinoza – de que nós nos deixamos guiar pelas paixões ao invés da razão. O que não é bom pois nos leva a posições extremas. Sendo assim, Spinoza defende a necessidade de controlarmos as paixões tristes como o medo, a cólera, o remorso e a inveja. E esse  controle só é possível na medida que agimos racionalmente. 

Foi o que não fez o senhor Leo Luiz Ribeiro ao atropelar com sua caminhonete um grupo de manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que protestavam em Valinhos – interior paulista – por políticas públicas que lhes propiciassem melhores condições de vida. A atitude criminosa  do senhor Ribeiro teve como consequência a morte de um manifestante – o senhor Luiz Ferreira da Costa. 

Esse episódio é bastante significativo e nos ajuda a compreender os dias em que vivemos – dias em que perdemos a capacidade de conviver com posições contrárias as nossas. Com isso quem pensa e age diferente de mim deve ser bloqueado no meio virtual e eliminado na vida real - sem remorso, sem pudor. Tal postura é típico de quem não consegue controlar suas paixões e agir racionalmente. 

E isso é possível? Controlar as paixões e agir racionalmente? Spinoza nos dirá que sim. Para tanto se faz necessário compreender os afetos. E ele nos dá uma importante contribuição nesse sentido ao buscar elaborar, segundo Frédéric Lenoir, uma verdadeira ciência dos afetos. 

Para o filósofo holandês são três os afetos primários do qual se derivam todos os demais, a saber – O desejo, a alegria e a tristeza. E de acordo com Lenoir, para Spinoza “todos los afectos son expresiones particulares del deseo, y serán una modalidad de la alegria si aumentan nuestre capacidad de obrar o de la tristeza si la disminuyen”. E está em nossas mãos a decisão se iremos nos guiar por afetos alegres ou se nos guiaremos por afetos tristes como o ódio por exemplo. 

Em relação ao ódio, Lenoir  nos diz que este “tiene por objeto um ser cuya ideia disminuye nuestra capacidade de atuar y nos sumerge em la tristeza”. E sua causa é exterior. Isto é, não está em nós. Sendo assim,  somos afetados pelo ódio, a partir de uma idéia que temos do outro. E aqui está uma importante chave para compreendermos o chamado discurso do ódio – que em última análise prega a eliminação do outro, do diferente. E defende uma sociedade uniformizada. 

Seu Luiz Ferreira é mais uma vítima dessa lógica que busca alimentar nas pessoas suas paixões tristes. Tornando-as indivíduos frágeis e facilmente manipuláveis. Vítima também foi o MST e todos os movimentos sociais, bem como os cidadãos, que lutam por seus direitos e por uma sociedade verdadeiramente democrática em que as diferenças de posição sejam resolvidas no bom debate e não através da violência. 

Diante do que foi exposto até aqui, concluímos dizendo que não há que se ver o assassinato (pois foi isso que aconteceu – um assassinato) do Seu Luiz Ferreira como algo isolado. Mas como mais um exemplo como tantos outros que aconteceram e ainda acontecerão em decorrência do discurso de ódio  (inflamado pelas redes sociais) que domina o Brasil e outros paises do globo nos dias atuais. Um discurso que segundo Samir Nair, gera nos seus seguidores “una potente liberación de instintos agresivos”. E com isso temos o triunfo do ódio. 

Será  que é necessário que nos matemos?
Não utilizemos a inteligência que temos.
Voltados uns contra os outros
Mate o seu próprio povo.
E aí o sistema 
Te vence de novo. 
Inocentes 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universdidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Sobre Raposas e Galinhas: O Novo Código Florestal do Tocantins em discussão na ALETO.

Quem nunca ouviu a expressão “raposa cuidando do galinheiro”?! Geralmente utilizada para ilustrar uma situação em que alguém que tem interesse contrário a determinada coisa é colocado para cuidar dessa coisa. Por exemplo, na esfera política, colocar um banqueiro para cuidar da reforma da previdência social. Ou colocar para cuidar da educação pública um economista que defende os interesses do mercado. Ou ainda colocar um ruralista para cuidar do meio ambiente. Ora, esperar outro resultado se não um retrocesso nessas áreas é um tanto de ingenuidade. 

É nessa linha que caminha a proposta de um Novo Código Florestal do Tocantins  proposto pelo deputado tucano Olyntho Neto (PSDB). Ou alguém acredita que um deputado que defende claramente a pauta ruralista irá propor um código florestal menos flexível na defesa do meio ambiente? Ainda mais um parlamentar que tem em seu histórico denúncias do Ministério Público Federal por crime ambiental e investigações em andamento da Polícia Civil também por um possível envolvimento em crime ambiental no caso do lixo hospitalar envolvendo empresa da sua família. 

No caso da denúncia do Ministério Público Federal (MPF), feita ainda em 2016, o “deputado é acusado de extrair areia do Rio Araguaia, de forma ilegal, para construção de praia particular” juntamente com outras duas pessoas – o comerciante Hernandes Neves de Brito e o pecuarista Naim Halloun. De acordo com o MPF a extração de areia sem a devida licença dos órgãos de proteção ambiental se configura num crime. Ainda de acordo com o MPF “apesar da confirmação do crime, cuja pena é de um ano, já houve prescrição do delito. Entretanto, como a extração foi no Rio Araguaia, que é bem da União, os denunciados podem responder, perante o Tribunal Regional Federal da 1°Região (TRF1), por crime contra o património público, na modalidade de usurpação”.

No caso do descarte ilegal de lixo hospitalar, a Polícia Civil abriu investigação para apurar um possível envolvimento do deputado tucano. De acordo com o G1 Tocantins (2019) “entre as suspeitas, está a de que o parlamentar seria um dos controladores da empresa dona do galpão onde parte do Lixo foi encontrado”. A outra parte foi encontrada na fazenda Caeté de propriedade da família do deputado. 

Há também outro inquérito da Policia Civil para apurar o envolvimento do Olyntho Neto no caso do Lixo hospitalar. Segundo o G1 Tocantins o motivo desse inquérito foi a descoberta de um documento encontrado em um cartório onde “um assessor parlamentar de Olyntho Neto tinha autorização da Sancil Sanatônio para representá-la em contratações com o poder público” sendo que “a Sancil era a empresa responsável pelo recolhimento do lixo”.

Diante dessas questões é um tanto preocupante que a proposta de um Novo Código Florestal para o Tocantins parta de uma figura dessas, que no mínimo, nos parece bastante questionável, sobretudo no que diz respeito a questão ambiental. 

Não é de agora que o deputado tucano defende essa pauta na assembléia legislativa. Na legislatura passada ele já havia defendido a necessidade de alterações no código florestal do Estado para um melhor desenvolvimento do potencial agropecuário e mineral do Tocantins. E agora surfando na onda do Governo Bolsonaro que vem desmantelando os órgãos de proteção ambiental e patrocinando ações de ataques a política de proteção ao meio ambiente – Olyntho Neto retoma o projeto de um Novo Código Florestal do Tocantins. E obteve uma importante vitória com a aprovação do seu requerimento que propôs a criação de uma comissão especial para discutir a questão na Assembléia Legislativa do Tocantins. 

Olyntho Neto ressalta que a ideia do novo código florestal é “destravar o desenvolvimento” econômico do Tocantins “com segurança jurídica” – Um discurso bastante semelhante ao do governo Bolsonaro e a bancada ruralista no congresso nacional. Nesse discurso destravar o desenvolvimento econômico e garantir segurança jurídica significa flexibilizar as leis ambientais mais ainda – significa dar uma licença ainda maior para que o Agro e o Hidro Negócio avance na destruição do cerrado não importando quão nefastos serão os impactos socioambientais.

Como a atual legislatura é composta na sua maioria por representantes do setor ruralista não é difícil prevê como será o Novo Código Florestal que os deputados aprovaram – um código florestal benevolente com aqueles que cometem ou já cometeram crimes ambientais. Como por exemplo o deputado Olyntho Neto e o seu pai João Olinto Garcia de Oliveira, como bem apontam as investigações da Polícia e denúncias do Ministério Público 

Enfim, tudo está muito claro nesse projeto de criação de um Novo Código Florestal do Tocantins como é claro o destino de um galinheiro cuidado por uma raposa. Mas é óbvio que as coisas podem mudar – a questão é saber até que ponto nós – que não concordamos com esse projeto de uma flexibilização ainda maior da nossa legislação de proteção do meio ambiente – temos disposição para fazer essa mudança acontecer.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Largada para corrida eleitoral de 2020 em Lajeado

Foi dada a largada para a corrida eleitoral de 2020 que elegerá uma nova gestão (ou que manterá a atual) para comandar a prefeitura municipal de Lajeado. Não que já não viesse ocorrendo nos bastidores articulações com vistas a definição dos nomes que estarão na disputa (articulações que continuaram). Mas agora essas articulações tornaram-se públicas – pelo menos por parte de um grupo político. 

Foi o que ocorreu no evento de inauguração do asfalto da avenida Norte-Sul e entrega de maquinário agricola realizado pela gestão atual na noite de quarta-feira (14/08) na entrada da avenida Norte-Sul, no Setor Aeroporto. O evento teve claramente um perfil de comício – com direito a discursos, churrasco para população e show de forró. Foi uma espécie de convenção para o lançamento da candidatura a reeleição do prefeito Tércio Neto (PSD) dando assim a largada para corrida eleitoral de 2020 em Lajeado.

Se o prefeito Tércio não fez isso de forma explícita é por que a legislação eleitoral proíbe que se faça campanha antecipada – ainda mais ofertando churrasco e show de forró. Mas para bom entender não precisa muito mais para entender a mensagem do prefeito para população e seus adversários. 

Aliás, diria que particularmente para seus adversários, foi também uma tentativa de demonstração de força. Por isso um evento com apelo popular que pudesse mostrar a popularidade da atual gestão. Mas isso pode ser um erro – Tércio e seu grupo político poderão se iludir acreditando ter uma força que não tem só por que algumas centenas de lajeandenses foram comer churrasco e dançar forró no evento de inauguração da prefeitura. Ora, isso não quer dizer que as pessoas que ali foram apoiam a gestão e menos ainda votaram em Tércio e seus aliados.

Mas errando ou não, Tércio Neto e seu grupo político inegavelmente deram largada para a corrida eleitoral de 2020 em Lajeado – independentemente dos ônus e bônus que isso possa acarretar. E com isso obrigam seus adversários a se movimentarem também. Pois a falta de movimentação pode ter  consequências irreversíveis – entre elas, perder gente para base da gestão atual. 

Não falta na cidade pessoas descontentes com a atual administração da prefeitura de Lajeado. Pois como já escrevemos em outros artigos trata-se de uma  gestão marcada pela falta de planejamento e por apresentar pouco resultado até agora. Mas é necessário iniciativas para organizar esses descontentes, pois se não a oposição dificilmente conseguirá derrotar o atual grupo político no poder.

Nos bastidores especulam-se alguns nomes para enfrentar Tércio Neto na disputa pela gestão da prefeitura de Lajeado. Mas por enquanto são só especulações. E como não faço minhas análises em cima de especulações, não irei nem me dar o trabalho de citar esses nomes aqui e muito menos analisa-los. Farei isso quando sairmos do campo das especulações para o campo dos fatos.

E fato até agora é a candidatura de Tércio Neto  (PSD) á reeleição. Óbvio que estamos há um bom tempo das eleições de 2020. Até lá muita coisa pode acontecer (inclusive nada). Mas o fato desse grupo político se fechar em torno do projeto de reeleição do atual prefeito já o coloca um passo na frente nessa corrida eleitoral. Sobretudo, porque, por enquanto, a corrida é apenas dele consigo mesmo.

Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Não houve fogos

“Ou toma a frente ou a frente tomara você”.
Plebe Rude 

Seis de agosto de Dois Mil e Dezenove – um dia histórico no Brasil. E como todo dia histórico só teremos consciência mais precisa disso daqui alguns anos. Quando parte significativa da população estiver submetida a uma situação de miséria – sem direito a uma aposentadoria digna. 

Não que essa não seja a realidade de muitos trabalhadores hoje no Brasil, mas com a aprovação da reforma da previdência do governo Bolsonaro patrocinada pelas elites econômicas, a situação tende a piorar. E quando esse dia chegar (e não tardará muito) iremos nos perguntar: aonde estávamos? O que fizemos para impedir que a câmara dos deputados aprovasse  a reforma? Por que não nos manifestamos? Por que não tomamos as ruas? Por que não colocamos fogo no congresso?

Diante dessas questões não poderemos deixar de nos sentir culpado. E de fato somos – pagaremos um preço alto por isso – e todos tem consciência. Por isso que ninguém se emocionou nas ruas como o presidente da Câmara – o deputado Rodrigo Maia (DEM). Por isso ninguém comemorou (como se a seleção brasileira de futebol fizesse um gol numa final de copa do mundo) como o ministro da Casa Civil – Onyx Lorenzoni. Por isso não houve fogos – nem mesmo por parte dos trabalhadores que tem alguma ilusão com o governo Bolsonaro. 

O clima de comemoração por parte dos trabalhadores ficou só na propaganda do governo. Mas não são pessoas reais. Trata-se apenas de uma peça publicitária com o objetivo de convencer a população de que as mudanças são para o bem da nação. No entanto, sabemos bem, a propaganda do governo (como é a propaganda de todos os governos) omite a essência do projeto para poder manipular a opinião pública. 

Com isso, mais do que nunca a música “propaganda” do Sepultura faz sentido: “Don’t, don’t believe what you see. Don’t, don’t believe what you read. No!” (Não acredite no que você vê. Não acredite no que você lê. Não!). E a reação da população diante do teatro  na câmara dos deputados (que tende a se repetir no senado) mostra que a propaganda do governo tem convencido muito pouco – por isso não houve fogos de comemoração.

Mas se não houve fogos comemorando a aprovação da reforma da previdência na câmara dos deputados, também não teve grandes  protestos, paralisações e manifestações nas ruas. O que houve foi uma espécie de indiferença – uma indiferença que contribuí mais ainda para que a reforma da previdência seja aprovada no senado sem maiores resistência. E também para que o governo e o congresso tenham se animado na direção de uma reforma tributária (claro, patrocinada pelas elites econômicas).

É, a nossa indiferença  talvez seja o elemento que fez do dia seis de agosto de dois mil e dezenove um dia histórico marcante – mais do que a aprovação da reforma da previdência em si. Afinal de contas, as vezes, o pior não é perder. Mas como se perde. E não há pior derrota (pelo menos na minha visão) do que aquela que perdemos sem lutar até o último segundo – o que foi feito pela bancada de oposição, e é preciso reconhecer. Óbvio dentro do limite que o parlamento permite. De modo que não dá para colocar nas costas deles a responsabilidade pela derrota – eles fizeram o possível e conseguiram reverter alguns pontos que tornavam a reforma ainda mais dura.

Agora é preciso perguntar: Onde estavam as centrais sindicais? Os sindicatos? Os movimentos sociais? Onde estávamos? O que fizemos no dia seis de agosto de dois mil e dezenove? Por fim, outra questão que não podemos deixar de fazer é: Ainda é possível reverter a derrota no senado? Possível é, mas as perspectivas não são animadoras. Sobretudo porque enquanto continuarmos afetados pela indiferença (numa espécie de estado de letargia) não teremos capacidade de agir para reverter qualquer situação. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.