quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Encontro com Che Guevara

Ontem eu vi o Comandante,
Comandante Che Guevara.
Não sei se foi um delírio,
ou se eu sonhava.

Foi num acampamento,
na margem de uma estrada.
Com uma cuia de Mate,
numa conversa animada.

Eu quis ouvir a conversa,
do grupo me aproximei.
Ele contava histórias,
que já mais esquecerei.

Aventuras da juventude,
de moto pela América do Sul.
Da guerrilha em Cuba,
na Bolivia e no Congo.

Falou da guerra de guerrilha,
da essência da luta guerrilheira.
Da importância do campesinato,
numa revolução verdadeira.

Falou da necessidade,
de derrotar o imperialismo.
Forjar o homem novo,
construir o socialismo.

Disse que construir o socialismo,
não é tão simples assim.
Erros serão cometidos,
mas não significa o fim.

Quanto ao homem novo,
falou que é preciso ter.
Audácia intelectual,
para fazê-lo nascer.

Diante da sua figura,
estavam todos hipnotizados.
Ele parecia uma divindade,
um ser encantado.

Podia ficar muitas horas,
ouvindo ele falar.
Acerca das suas histórias,
e das suas ideias.

Mas ele com um sorriso,
de todos se despediu.
Montou numa motocicleta,
e na estrada sumiu.

Para onde ele foi ao certo,
ninguém soube me dizer.
Mas me indicaram,
aonde deve ser.

Onde tem povo resistindo,
contra qualquer opressão.
Seja no campo ou na cidade,
seja em qualquer nação.

Foi então que entendi,
o que o Yupanqui quis dizer.
"Que algumas pessoas morrem,
para voltar a nascer".

Pobre dos seus assassinos,
dos que tentam lhe matar.
Quanto mais o assassinam,
mais forte ele nascerá.

Foi o que percebi,
no encontro que tivemos.
Na margem de uma estrada,
num humilde acampamento.

Por Pedro Ferreira Nunes -
Casa da Maria Lúcia. Lajeado - TO. Lua Crescente.  Inverno de 2019.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Território em conflito, terra e poder.

Por Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.

Não é de agora que movimentos sociais e
intelectuais ligados a defesa de bandeiras progressitas denunciam o avanço do capitalismo no campo – um avanço que vem acompanhado do aumento da desigualdade, da violência contra os povos campesinos (indígenas, quilombolas e camponeses pobres) e a destruição ambiental. Nesse contexto surge três questões importantes: que modelo de desenvolvimento para o campo é esse? Quais as suas características? Qual as suas consequências? O livro “território em conflito, terra e poder” nos ajuda a responder essas questões.

Escrito a oito mãos (e publicado em 2014 pela editora Kelps) por professores do colegiado do Mestrado em Geografia da Universidade Federal do Tocantins  (campus de Porto Nacional) a obra nos ajuda a compreender como o avanço do capitalismo no campo tem se dado não só no Brasil, como também em outros países latino americano como, por exemplo, o Uruguai – Um avanço que se dá através do processo de mundialização da agricultura com as empresas multinacionais investindo pesado na expansão das fronteiras agrícolas – uma expansão que se dá com o importante apoio dos governos através de determinadas políticas territoriais. 

O livro é dividido em quatro capítulos. O primeiro “A mundialização da agricultura brasileira” é de autoria do Professor e Geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira – que é sem dúvidas uma das maiores referências a nível mundial no campo da Geografia e da questão agrária brasileira. O segundo “A esquerda progressista Uruguaia e a reforma agrária de mercado: 2004-2011” é de autoria do Professor e Historiador José Pedro Cabrera Cabral. Já o terceiro “Políticas públicas e o agronegócio na Amazônia legal/cerrado: conflitos socioterritoriais” é de autoria do Professor e Geógrafo Roberto de Souza Santos. E o quarto capítulo “Demarcação do território Krahô e as relações socioculturais da comunidade no outro novo território” é de autoria do Professor e Geógrafo Elizeu Ribeiro Lira. 

É preciso destacar também a bela apresentação da obra escrita pelo Professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, onde ele salienta os desafios desse grupo de intelectuais que ousaram criar o Mestrado em Geografia na UFT- Campus de Porto Nacional. E se trata de uma ousadia mesmo sobretudo num Estado onde a força do agronegócio é inegável – uma força usada para esconder os conflitos e as relações escusas entre os governos e as elites econômicas como no caso do Projeto Agrícola Campos Lindos. 

A mundialização da agricultura brasileira

Nessa capítulo, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, inicia chamando atenção para o processo de mundialização do capital. Um processo que se deu no final do século XX (fundamentado nas características do capitalismo monopolista) a partir da criação das empresas multinacionais – reflexos da integração do capital em escala mundial. A paritr daí teremos uma produção capitalista internacionalizada. Que se tornou possível graças aos avanços tecnológicos e informacionais (OLIVEIRA, 2014, p. 21).

Outro ponto importante que Oliveira chama atenção é para a relação entre a agricultura capitalista e a mundialização do capital. De acordo com o autor “a agricultura sob o capitalismo monopolista mundializado passou a estruturar-se sobre três pilares: a produção de commodities, as bolsas de mercadoria e de futuros e os monopólios mundiais” (2014, p. 28). E a consequência disso é primeiro, que a produção de alimento deixa de ser prioridade. Segundo, quem controla os preços são os especuladores nas bolsas de mercadoria e futuros. E terceiro, o controle monopolista da produção. 

Ariovaldo Umbelino de Oliveira também chama atenção para o processo de territorialização dos monopólios na agricultura. De acordo com esse autor “a territorialização dos monopólios atua, simultaneamente, no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária e florestal (silvicultura)” (2014, p. 30). 

A partir daí o autor apresenta um importante levantamento desse processo em vários setores da agricultura como o sucroenergético – que tem a atuação de multinacionais como a Bunge Limited, Tereos Internacional, Noble Group e a Shree Renuka Sugar. O setor de celulose, papel e Madeira – onde as principais empresas do ramo também tem a participação de capital estrangeiro como é o caso do Grupo Votorantim e Suzano. O setor de grãos e fibras – onde atua empresas como a ADM – Archer Daniels Midland Company. E o setor de lácteos e café.

Oliveira (2014) ressalta que nesse processo “os proprietários de terras e os capitalistas aliam-se a empresas mundiais de diferentes setores, sejam nacionais ou estrangeiros”. Formando assim uma aliança entre a burguesia nacional e internacional. Aliança que tem culminado na metamorfose do monopólio do território em territorialização do monopólio. E o que seria isso?

É um processo que se dá a partir da formação de novas empresas de capital aberto que atua na bolsa propiciando um lucro maior aos envolvidos através das diferentes formas da renda da terra. O processo funciona da seguinte forma: “essas novas empresas de capital aberto, no campo brasileiro, estão juntando de forma articulada na aliança de classe com o capital mundial, o rentismo típico do capitalismo no Brasil, e, assim, estão fazendo simultaneamente a produção do capital via apropriação da renda capitalizados da terra e a reprodução ampliada do capital acrescida do lucro extraordinário, representado pelas diferentes formas da renda da terra” (OLIVEIRA, 2014, p. 93).

A esquerda progressista Uruguaia e a reforma agrária de mercado: 2004-2011 

Nesse capítulo, José Pedro Cabrera Cabral, inicia fazendo uma caracterização e uma retomada histórica do surgimento da esquerda progressista que chegou ao governo no Uruguai, no ano de 2004. Uma esquerda que foi gestada no interior do movimento pela redemocratização daquele país. E que conseguiu colocar  fim ao bipartidarismo secular que dominava a politica no Uruguai. Mas essa vitoria se deu após um processo de atualização ideológica dessa esquerda, culminando assim numa nova esquerda.

Essa atualização ideológica passou pelo abandono de bandeiras da esquerda tradicional e por uma aproximação do ethos neoliberal. O que ficou evidente com a inclusão de novos conceitos como cultura e mercado – que passaram a permear os discursos dessa esquerda, servindo de base para as novas propostas programáticas no governo (CABRAL, 2014, p. 106). Essa nova esquerda passa a defender a revalorização da democracia “como um fim em si mesma, como um estilo de vida, com ‘base no respeito e na tolerância do outro, de outros valores, de outras culturas, de outras religiões’” (CABRAL, 2014, p. 107).

Trata-se de um discurso conciliatório e é com esse discurso que a nova esquerda Uruguaia chega ao poder. Deixando claro, sobretudo para as elites econômicas que não precisavam se preocupar, pois no seu projeto de desenvolvimento para o país, a nova esquerda não deixaria o setor empresarial de fora. 

Um ponto importante desenvolvido por Cabral (2014) é acerca da aliança que o governo progressista fez com as organizações multilaterais para desenvolver um novo modelo rural no país. Esse modelo de desenvolvimento se deu a partir de uma proposta do Banco Mundial – que com o argumento de combater a pobreza no campo propunha uma contra reforma agrária ou reforma agrária de mercado.

Para Cabral (2014, p. 117) “o objetivo deste modelo de reforma agrária de mercado – MRAM é, na sua essência, acabar com qualquer projeto de reforma agrária redistributiva e com as ações de desapropriações de terras”. A questão agrária passa a não ser mais encarado como um problema social, mas sim familiar. Sai de cena a agricultura camponesa e entra em cena a agricultura familiar, que passa a ser incorporada no mercado. Nessa linha nosso autor ressalta que “em muitos casos o setor da pequena agricultura que produz para o mercado nacional deverá ser objeto de maior atenção e apoio em vista de seu potencial e de sua inexplorada contribuição ao crescimento e a geração de empregos” (2014, p. 119).

A partir daí o autor nos mostra como o governo progressista assumiu e desenvolveu o programa do Banco Mundial para o meio rural no Uruguai – transformado no projeto Uruguai rural que culminaria na reforma agrária de mercado que colocará  o país no processo de mundialização da agricultura. Tal como vimos no capítulo anterior em relação ao Brasil.

Nesse modelo de desenvolvimento para o meio rural as elites econômicas é quem ganha. Pois riquezas, de fato, são geradas, ainda que há custos socioambientais altos. Mas a estrutura agrária não se modifica pois o latifúndio permanece intocável como também a pobreza rural. Cabral salienta que “o avanço do agronegócio não só tem marginalizado a agricultura familiar senão que há afetado os pequenos e médios produtores” que acabam perdendo as terras ou arrendandos-as (2014, p. 163). Diante disso Cabral é enfático ao dizer que nunca na história do Uruguai – um modelo de desenvolvimento rural beneficiou tanto as elites agrárias com o discurso de que beneficiaria todos.

Políticas públicas e o agronegócio na Amazônia legal/cerrado: conflitos socioterritoriais

Nesse capítulo, Roberto de Souza Santos, mostra a importância dos governos (através de políticas públicas) para o avanço do agronegócio, especificamente, na Amazônia Legal e no cerrado, bem como os conflitos socioterritoriais que daí derivam. Para tanto ele parte de uma conceituação do que seria políticas territoriais e em seguida analisa o desenvolvimento dessas políticas na região em voga.

A partir de autores como Silva (2002) e Costa (1997), Roberto de Souza Santos irá defender que políticas territoriais “podem ser entendidas como política pública de investimento sobre o foco local e regional ou políticas de desenvolvimento regional estabelecida pelo Estado” (2014, p. 171-172). Seguindo essa linha o autor salienta que as políticas públicas são implementadas a partir da tomada de decisões e tais decisões são tomadas a partir de um plano político ou de um plano técnico. Sendo que no geral o plano político prevalece em detrimento do técnico.

A partir daí Santos (2014) passa a tratar das políticas públicas voltadas para Amazônia Legal e o Cerrado sobretudo no que diz respeito a expansão agropecuária. Essas políticas começaram em 1912 com a criação da Superintendência de Defesa da Borracha, que depois seria transformado em Banco de Crédito da Borracha, que em 1950 se tornou o Banco de Crédito da Amazônia. 

Durante o governo de Getúlio Vargas e no regime Militar também foram pensadas políticas públicas para essa região. Isso não sem conflitos socioterritoriais devido ao fato de que essas políticas públicas eram voltadas para atender as elites econômicas. Como pontua Santos (2014, p. 178) ao afirmar que “no campo, com a introdução do processo de mecanização agrava a questão social. Para início de conversa, a agricultura mecanizada como está colocada, infelizmente, é mais acessível à grande propriedade, fato que, sem sombra de dúvida, torna mais excludente socialmente o sistema produtivo”. 

No ponto seguinte, Santos irá falar sobre a territorialização do agronegócio na Amazônia Legal e no Cerrado. Que se dá a partir de uma estratégia do modelo de desenvolvimento de mundialização da agricultura – que investe na expansão das fronteiras agrícolas. Nesse processo “cada vez mais o capital no mundo do neoliberalismo adquire uma seletividade do espaço para se fixar e reproduzir em pontos em que a busca da mais-valia é mais acessível e eficaz” (SANTOS, 2014, p. 187). Isto é, não há barreiras que impeça o capital de se expandir na busca por mais e mais lucros. 

No ponto seguinte, Santos (2014) trata do processo de modernização e territorialização. Que se dá pela “apropriação da terra e imóveis na área do cerrado pelo capital real”. Esse capital é cada vez maior de origem estrangeira que em 2007 já controlava uma área de 3.800.000,0 hectares de terras em dez Estados, entre eles: Mato Grosso, Goias, Pará e Tocantins. Aliás, em relação ao Tocantins, o autor enfatiza a sua inclusão nesse processo, sobretudo com o avanço do MATOPIBA.

O autor também analisa políticas públicas como o Proceder que teve e tem uma importância significativa na expansão das fronteiras agrícolas sobretudo no cerrado. Esse programa entre 1975 e 2005 investiu US$ 570.000.000 nesse processo de expansão agrícola no cerrado, no qual o Tocantins também está incluído. Mas todo esse processo não se dá sem conflitos socioterritoriais, é o que nos aponta Santos (2014) ao chamar atenção para os altos índices de violência contra os povos do campo  (índios, quilombolas e camponeses pobres).

Roberto de Souza Santos (2014) salienta as contradições desse modelo de desenvolvimento do agronegócio ao enfatizar o caso do município de Campos Lindos do Tocantins. Cidade criada pelo então governador, José Wilson Siqueira Campos – que patrocinou o Projeto Agrícola Campos Lindos – tornando o município por um lado o celeiro do agronegócio tocantinense e por outro uma das cidades com um índice de desenvolvimento humano entre os piores do Brasil, com uma população de mais de 80% vivendo na pobreza. 

Por fim, Santos (2014) ressalta a forma obscura que o então governo Siqueira Campos doou terras para aliados políticos  (entre eles a hoje senadora Kátia Abreu), expulsando camponeses pobres dos seus territórios. Um exemplo que mostra bem como se dá o avanço do agronegócio no cerrado e na Amazônia Legal. 

Demarcação do território Krahô e as relações socioculturais da comunidade no outro novo território

Nesse que é o último capítulo do livro, Elizeu Ribeiro Lira, fala sobre a saga do povo Krahô na luta por um território onde pudesse cultivar a sua cultura ancestral. Uma saga marcada por violência iniciada pelos bandeirantes em 1809 (quando os Krahôs se encontravam em Carolina - MA) e que se repetiu nos anos seguintes por parte de fazendeiros, com destaque para o massacre de 1940, quando os Krahô já se encontravam aldeiados no município de Pedro Afonso.

Lira (2014) destaca que o massacre teve repercussão nacional o que acabou propiciando para que órgãos e agentes federais atuacem na região mediando o conflito entre os índios e os não índios. Garantindo um território definitivo para os Krahô. “Dessa forma, terminou o ciclo do retirantismo Krahô e suas liberdades territoriais foram reprimidas em outro território, isto é, um território descontínuo, com suas descontinuidades bem visíveis e demarcados por limites determinados e determinantes” (LIRA, 2014, p. 229).

A partir daí o autor passa a abordar como se deu o processo de demarcação desse novo território e a adaptação deles nesse espaço no município de Itacajá no Tocantins sob a coordenação dos órgãos do governo federal. Um processo que se deu não sem suas contradições, conflitos e equivocos. Tal como o de transformar os Krahô em criadores de gado. Mas apesar dos pesares, Lira aponta “que a população Krahô no novo território, felizmente, vem crescendo num ritmo muito bom”(2014, p. 244).

Por fim, Elizeu Ribeiro Lira (2014) também analisa a dinâmica da vida Krahô nesse novo território. Por exemplo, as aldeias e seu funcionamento, a relação com a comunidade externa, o sistema matrilinear e a gênese do domínio territorial nas aldeias circulares. Pontuando que nesses “quase duzentos anos de contato, com uma sociedade diferente e antagonica” a história dos Krahô tem sido uma história de resistência em defesa da sua cultura. 

Enfim, nesses quatro capítulos, os autores nos apresenta um importante recorte do modelo agropecuário que tem dominado não só o Brasil mas outros países da América do Sul também, como o caso do Uruguaia. Os autores com uma pesquisa profunda, apresentando diversos dados, nos oferece uma importante obra para compreendermos esse modelo de desenvolvimento no campo. E deixam evidente, a partir de diferentes abordagens que se convergem, como tem se dado o avanço do capitalismo no campo. Sobretudo graças a uma aliança entre os camponeses ricos e as burguesias nacional e Internacional. O que nos faz refletir sobre a necessidade de aliança entre camponeses pobres, indígenas, quilombolas e proletários como a única alternativa para barrar o avanço desse modelo de desenvolvimento. 

Referência Bibliográfica 

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de, e outros.Território em Conflito, Terra e Poder. Goiânia : Kelps, 2014.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Literatura: Anuário de poetas e escritores do Tocantins 2019.

A literatura tocantinense está em festa com mais uma edição da coletânea “anuário de poetas e escritores do Tocantins 2019” organizada pelo editor e escritor Eliosmar Veloso. A obra é uma oportunidade para poetas e escritores divulgar uma mostra do seu trabalho e dos leitores apreciar a rica e diversificada produção literária tocantinense.

A obra será publicada pela Editora Veloso que tem dado uma importante contribuição no processo de construção da literatura tocantinense. E a previsão de lançamento é novembro durante as comemorações do aniversário da cidade de Gurupi. Também poderam ocorrer eventos de lançamentos em outras cidades. Além disso as unidades de ensino das redes municipais e da rede estadual de educação podem promover eventos com a presença de autores do anuário de poetas e escritores  para discutir o fazer literário e a literatura tocantinense.

Nessa edição de 2019, a organização anunciou a seleção de 154 textos (entre prosa e verso) de 46 diferentes autores de 16 cidades. São números significativos que mostra que mesmo sem políticas públicas (de Estado) de apoio a produção literária, sobretudo no interior, a literatura tocantinense existe e resiste. Especialmente no interior que é de onde vem a maioria dos autores e trabalhos dessa edição do anuário de poetas e escritores do Tocantins – alguns desses autores já estão no hall das referências literárias regional, entre eles Consola Brito, Dourival Santiago e Pedro Alberice.

Das cidades interioranas representadas nessa edição, Tocantinópolis mostra uma pujança literária invejável. É de lá que vem a maioria dos autores que comporão essa edição do anuário – 9 ao todo – o que inclusive tem animado esses autores a pensar na possibilidade de criar uma academia de letras do município. Outras cidades interioranas em destaque é Gurupi e Araguaína (8 e 7 autores respectivamente). Gurupi, aliás, é a cidade de onde vem o organizador da obra. Já a capital Palmas também está representada por 7 autores.

Além dos municípios destacados acima, também terão textos de autores de Filadélfia, Miracema, Miranorte, Lajeado, Tocantinia, Porto Nacional, Paraiso, Palmeiras, Guaraí, Aguiarnopolis, Angico e Babaçulândia – uma lista que tende a aumentar nas próximas edições do anuário, sobretudo na medida que a obra for ganhando mais visibilidade e alcançar um número maior de leitores – isso, creio, animará novos autores a escrever seus trabalhos. Até por que como já dissemos em outros textos em que tratamos sobre arte e cultura no Tocantins – não falta produção artística no Estado, o que falta são políticas públicas de apoio para divulgação desses trabalhos. 

Nessa linha é importante reafirmar a importância do apoio do poder público para produção artística nesse país, sobretudo quando estamos falando de uma produção artística que não se rende aos interesses do mercado – e esse é o caso do anuário de poetas e escritores do Tocantins – uma obra que contribuí para construção de uma cultura literária tocantinense com uma identidade própria.  

Daí é importante destacar a sensibilidade por parte da Prefeitura (através da Secretaria de Cultura) e da Câmara de Vereadores de Gurupi pelo apoio a publicação dessa edição do anuário de poetas e escritores. Que essa iniciativa possa também inspirar outras Prefeituras e Câmaras de vereadores Tocantins afora. E que essas iniciativas não sejam apenas políticas de governo – para que não seja apenas políticas de governo é preciso a aprovação de leis de apoio e incentivo a produção artística tocantinense.

No campo literário especificamente, é preciso retomar o Salão do Livro, fortalecer a FLIP de Porto Nacional e criar mais eventos literários em outras cidades do Estado para que o potencial literário do Tocantins, seja desenvolvido plenamente – o que passa também pelo apoio a produção, publicação, divulgação das obras, formação de novos leitores e por conseguinte de novos autores.

Apesar de ser um Estado jovem, o Tocantins  tem uma riqueza cultural invejável – com uma produção artística diversificada e artistas talentosos. De modo que a partir do momento que o poder público desenvolver politicas públicas para que essa produção artística seja divulgada e os artistas tenham o devido apoio, sem dúvida, o Tocantins dará um salto importante no campo das artes em geral e na construção da sua identidade. 

Vida longa ao anuário de poetas e escritores do Tocantins!!!

Viva a literatura tocantinense!!!

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Quando algo vai mal II: Sobre o número excessivo de contratos na rede estadual de ensino.

“ao longo da história do nosso sistema de instrução-educação-ensino se manteve uma marca: o controle dos seus profissionais”.
Miguel Arroyo

Quando algo vai mal? Com certeza quando mais de 40% do quadro funcional da rede de ensino é de contratos temporários. Sobretudo quando se sabe a lógica que rege esses contratos. De modo que é um tanto preocupante a revelação do Ministério Público de que a rede estadual de ensino do Tocantins se encontra nessa situação e que por tanto deveria fazer um concurso com pelo menos 5,6 mil vagas para substituir esses contratos. 

Desde o início do ano o que não nos falta são notícias lamentáveis no campo educacional. A começar pelo fechamento de várias unidades de ensino (na capital e no interior) prejudicando milhares de alunos. Depois tivemos a denuncia de professores trabalhando sem contrato e por conseguinte sem salário (simplesmente por falta de vontade política do governo estadual), e depois tivemos na assembléia legislativa a discussão acerca da militarização da gestão das escolas da rede estadual da educação. Agora temos a denúncia do Ministério Público acerca do número excessivo de contratos na rede estadual de ensino. 

Mas qual o problema de ter mais de 40% (em 2018 eram extamente 42,40 segundo o MPTO) de contratos temporários na educação?

Durante o meu estágio me deparei com essa situação denunciada pelo MPTO e fiz alguns apontamentos no meu relatório de observação. Entre esses apontamentos – a impossibilidade de construção de vínculo cultural com a comunidade escolar. Pois os professores eram de outros municípios e a falta de estabilidade não permitia que eles permanecessem por muito tempo e construissem o vínculo necessário com a comunidade para melhorar o processo de ensino-aprendizagem.

O que eu não imaginava era que a situação que me deparei na escola em que estágiei – é a regra e não a exceção na rede estadual de educação do Tocantins. O que é mais lamentável ainda. E essa situação é alimentada pelos mesmos políticos que hoje discutem a militarização das escolas na Assembléia Legislativa como o caminho para melhorar a qualidade da educação – qualidade que é prejudicada em grande medida pela interferência política desses senhores que impõem os seus interesses  acima do bem comum.

São eles que se beneficiam politicamente com os contratos temporários ao criar uma relação de dependência entre quem é contratado e quem indica – quem indica controla quem deve ou não ser contratado. E aquele que for contratado deve dançar conforme a música que quem indica põe para tocar, pois se não, será demitido – independentemente se é um bom profissional ou não. Com isso os contratos temporários  influenciam diretamente na qualidade do ensino público, pois além de não se permitir a construção do vínculo cultural com a comunidade, a prioridade é a contratação de profissionais medíocres que se submetem aos jogos de interesses dos governos de plantão e seus aliados.

Um bom exemplo disso é o fato de muitos profissionais aceitar trabalhar sem contrato e sem salário por alguns meses na esperança de terem o contrato temporário efetivado – imagine o desempenho desses profissionais na sala de aula. Aqueles que ousam questionar e denunciar publicamente essa lógica, ainda que sejam excelentes profissionais, são perseguidos e não conseguem trabalhar. O sindicato que representa a categoria quase sempre lava as mãos diante dessas situações, com a justificativa de que representa apenas os profissionais concursados.

Diante disso é louvável a iniciativa do Ministério Público, de modo que não podemos deixar de apoia-lá. Bem como conclamar a toda a sociedade (sobretudo a classe docente) que acredita numa educação para emancipação – uma educação que sirva ao bem comum e não aos interesses das elites – a também apoiar essa iniciativa exigido do governo Mauro Carlesse  (DEM) concurso público da educação já. 

Para finalizar, sabemos que o concurso público por si só não irá mudar positivamente a qualidade do processo de ensino-aprendizagem na rede estadual de educação. Mas essa mudança tão pouco ocorrerá sem esse concurso público – ele é um passo importante para que tenhamos nas nossas escolas e salas de aulas profissionais comprometidos com a educação e não com os interesses do chefe político local que viabilusou o seu contrato temporário. Aliás, o contrato temporário como o próprio nome diz é temporário e no campo educacional precisamos de políticas de Estado e não de governo – precisamos de políticas permanentes e não temporárias. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Uma questão ética ou sobre a decisão do TRE-TO acerca das eleições de 2016 em Lajeado

João, Paulo, José e Raimundo irão disputar uma corrida. Durante a disputa um grupo de pessoas entram na pista e intencionalmente segura Paulo, José e Raimundo, contribuindo assim para que João obtenha vantagem e ganhe a corrida. João afirma que não mandou ninguém entrar na pista e prejudicar seus adversários. E inclusive, nada garante que ele não ganharia a corrida sem essa intervenção. Mas o fato é que ela aconteceu e o beneficiou. Diante disso o que fazer? Anular a corrida e realizar outra dando condições iguais para os competidores? Mas ao fazer isso não se estará penalizando o João que não teve culpa na ação que prejudicou seus adversários?

Eis ai camaradas um belo dilema ético que nos permite fazer uma analogia com a situação que ocorreu nas eleições municipais de 2016 em Lajeado – onde um candidato derrotado entrou na justiça eleitoral pedindo a anulação do pleito em questão e a realização de novas eleições devido a uma possível intervenção  (uso da máquina pública e abuso do poder econômico ) favorecendo o candidato que acabou sendo eleito. Diante dessa suposta interferência cabia a justiça eleitoral decidir se anulava o pleito e convocasse novas eleições para o executivo municipal ou não. E se a opção fosse não, não estaria prejudicando o prefeito eleito (Tércio Neto) que apesar de beneficiado, não autorizou ninguém a cometer qualquer ato ilícito, segundo ele?

Na primeira instância a decisão seguiu a lógica de que apesar de ter havido interferência ilegal no processo (por parte da então prefeita Márcia Reis e alguns vereadores e ex-vereadores como Adão Tavares, Nilton Soares, Ananias Pereira, Manoel das Neves, entre outros) o prefeito e seu vice (Tércio e Gilberto) não tiveram participação direta por tanto não poderiam ser penalizados. Já no pleno do TRE-TO (por 6 x 1) a decisão seguiu a lógica de que ainda que o prefeito eleito e seu vice não tenham tido interferência direta, é óbvio que o processo não ocorreu com a lisura devida e por tanto se faz necessário uma nova eleição. 

Do ponto de vista ético, para nós, a decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins seguiu a única lógica possível. Ainda que se aceite a tese de que Tércio e seu vice não tenha tido envolvimento direto nas ilicitudes que ocorreram no pleito eleitoral de 2016 em Lajeado, não se pode negar que ele se beneficiou. E tendo se beneficiado significa que a disputa não foi justa e se a disputa não foi justa é preciso garantir uma disputa justa entre todos os competidores.

Não é de agora que defendemos essa tese (Ler os artigos: “Balanço das análises de conjuntura  políticas de Lajeado”, “Se as provas são frágeis à sentença é fragilissima: Sobre a decisão judicial que julgou improcedente ação contra o prefeito de Lajeado – Tércio Neto (PSD)”, e “Á passos de jabuti: Sobre a decisão judicial acerca do pleito eleitoral de 2016 em Lajeado”. 

Antes mesmo da posse alertavamos para o fato de que o prefeito e seu vice, assim como alguns parlamentares poderiam nem assumir e se assumissem poderiam não chegar ao fim do mandato. Por tanto não foi nenhuma surpresa para nós a decisão da justiça eleitoral. Mas não é com alegria que recebemos essa notícia, sobretudo pela demora excessiva da justiça eleitoral em tomar uma decisão final sobre esse caso. 

Ora, decidir por uma nova eleição faltando pouco mais de um ano para as eleições regulares e para a finalização do mandato atual é algo difícil de compreender.  E quando a justiça demora em demasia para se fazer valer, acaba virando injustiça. Uma injustiça sobretudo com a população de Lajeado que é quem paga a conta pelo caos político que impera na cidade – por essa insegurança permanente em relação aos seus representantes políticos locais.

Mas por outro lado, ainda que tarde, se a decisão de realizar novas eleições não fosse tomada, seria pior. Seria lavar as mãos diante da corrupção eleitoral dando carta branca para que práticas nesse sentido se repetisse nos pleitos futuros. Aliás, isso já estava se repetindo se analisarmos o que não foi o evento de inauguração da avenida Norte-Sul (com direito a show de forró e churrasco para população). 

No mundo ideal, espera-se que a decisão do TRE-TO sirva sobretudo como um efeito pedagógico – que os políticos locais aprendam que aqui não é uma terra sem leis, que não podem fazer o que bem quiserem pois se não, serão punidos. Mas sabemos que no mundo real as coisas não funcionam assim. É só lembrarmos o que fez Mauro Carlesse nas eleições estaduais logo depois da cassação do então governador Marcelo Miranda. O que acontece em grande medida devido a morosidade da justiça eleitoral. Mas a população também tem a sua cota de responsabilidade – o fato é que cobramos ética dos nossos mandatários, mas não agimos tão eticamente assim. E ao fazer essa afirmação talvez eu esteja sendo kantiano em demasia – que defende que agimos de tal modo que a máxima de nossa ação possa sempre valer como princípio universal de nossa conduta. Isso é, aja de acordo como você gostaria que todos agissem, inclusive com você.

Nesse contexto, João devia ser o primeiro a reconhecer que a corrida não foi justa devido a intervenção que atrapalhou seus adversários. Pois se ele fosse um dos prejudicados provavelmente iria questionar. Da mesma forma Tércio deveria ser o primeiro a reconhecer que a disputa pela administração da prefeitura de Lajeado não foi justa entre ele é seus adversários. Mas esperar isso numa sociedade onde a moral burguesa impera – onde o importante é vencer e dominar independente dos métodos utilizados para tanto –  é um tanto de ingenuidade da nossa parte.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Crônicas do Post Mortem: Matanza Inc e a filosofia Nietzschiana

Á minha sobrinha, Nathany

O álbum de estréia da nova fase do Matanza (com Inc no nome e Vital Cavalcante no vocal) me fez lembrar do velho Nietzsche e a sua crítica contudente a moral cristã – que nega a vida impedindo assim que possamos vive-la em sua plenitude. O Matanza Inc nas suas “Crônicas do Post Mortem” nos apresenta indivíduos que não negam a vida, pelo contrário, buscam vive-lá plenamente, sem despresar os prazeres da carne, sem medo do que vem depois. 

Aliás, deixam isso claro em “Péssimo dia” onde Vital berra: “não faço a menor ideia do que vem depois, nunca foi até o momento uma preocupação, por isso vai embora padre não me fale em absolvição”. Nietzsche despreza os conselhos dos teólogos, elege esses como seus inimigos – como a antitese da sua filosofia. Pois eles são os responsáveis por difundir valores decadentes que negam a vida. Como por exemplo, a compaixão.

Em “Para o inferno” temos um desprezo de forma mais contudente ao espírito de teólogo: “disseram para eu me preocupar com minha alma, pois haveria no meu dia um julgamento, e numa lista conta quem está devendo. Eu só posso responder com muita calma, que não vejo nisso mero cabimento, não acredito em nada do que estão dizendo. Mas se for como você me diz: para o inferno irei feliz, pois tudo o que fiz valeu muito apena”. 

E em “Tudo de ruim que acontece comigo” deixam claro: “se fiz errado eu fiz consciente”. Não há arrependimento, não há lamentação. O que há é consciência de que nossas escolhas tem consequências boas e más, e que a questão portanto é estarmos preparados para lhe dar com essas consequências. E para lhe dar melhor com essa essas consequências é necessário superar os velhos conceitos de verdadeiro e não verdadeiro fundados na moral cristão – é o que propõem Niestche. 

Marco Donida (Guitarrista e Compositor da banda) mostra o seu gênio criativo mais uma vez através de canções com frases icônicas. E até ouso dizer (na condição de leitor de algumas obras de Niestche) que ele assinaria em baixo várias dessas frases, como por exemplo: 

“A derrota muito me serviu de aprendizado, não se mistura certo com errado”.

“Se deixar  a vida fica muito chata”.

“São muitas maneiras de arruinar a sua vida, não precisa escolher uma só”.

“A vida é uma peça fadada ao fracasso, a esperança uma péssima atriz”.

“Tantas mulheres eu tive e não tive o amor de nenhuma. De tantas garrafas de whisky não guardo lembrança qualquer”.

“A gente pensa que sabe o que faz, a gente pensa que sabe o que diz, percebe o erro sempre tarde de mais, acaba sempre infeliz”.

“Se fiz errado eu fiz consciente, sempre soube onde tudo termina, estou num trem com destino a ruína, onde não há mais recomeço”.

“Para o inferno irei feliz, pois tudo o que fiz valeu muito apena”.

“Nunca procurei na vida algum sentido”.

“Não deixe nada pra depois, termine tudo que puder, use o tempo que tiver, faça diferença”.

“Não se resolve nada no desespero, não há problema que não possa piorar”.

“O delírio impede de raciocinar”.

“Resta você reconhecer que se saiu muito mal, sinceridade em admitir que sabia de menos”.

Aos que não conhecem e querem ter uma idéia dos aforismos Nietzschianos, e assim compreender melhor a relação estabelecida aqui. Recomendo a leitura de “Nietzsche para estressados: 99 doses de filosofia para despertar a mente e combater as preocupações”. O livro contém 99 máximas do nosso filósofo relacionadas a questões do cotidiano seguidas de interpretações de Allan Percy. Mas, mais recomendável ainda é a leitura das obras do próprio filósofo, cito algumas: Humano demasiado humano (1878), A Gaia Ciência  (1882), Além do Bem e do Mal (1886) e Ecce Homo (1908).

Mais sujo e pesado

Foi o que senti ouvindo Crônicas do Post Mortem – e eu particularmente gosto bastante dessa pegada. Marco Donida (Guitarra), Mauricio Nogueira (Guitarra), Doni “Don” Escobar (Baixo) e Jonas Cáffaro (Bateria) estão cada dia numa sintonia melhor. E o vocal do Vital Cavalcante encaixou perfeitamente. E o melhor é que ainda há uma boa margem para que a sintonia entre o vocal e a banda fique cada vez mais afiado – o que se dará a medida que eles forem adquirindo mais quilometragem de estrada fazendo shows. 

Outro ponto a se destacar é que mesmo com as mudanças a banda mantém o seu DNA, tanto no som como nas letras. O que muito me agradou e creio que a muita gente também – é só analisarmos a receptividade do álbum e o feedback do público nos shows cantando as músicas novas. O que é uma prova de que não havia muito sentido o fim da banda que está em pleno auge criativo e tem um público fiel.

Em tempos de ascensão do discurso fundamentalista cristão 

O Matanza Inc ousa desafiar esse discurso com um álbum que tem como subtítulo Guia para demônios e espíritos obssessores e que trás nas suas faixas estórias de figuras que transgride os valores que o discurso fundamentalista tenta nos impor. Sobretudo em canções como Seja o que Satan quiser e Para o inferno. Não há um protesto explícito nas canções, é mais uma provocação (no melhor estilo Matanza), uma boa dose de desdém ao discurso hegemônico atual. E talvez ai esteja uma boa forma de resistência a esse discurso – o menosprezo.

Aliás, questionado em uma entrevista sobre a alusão ao diabo presente  nas composições do Matanza ao longo da sua discografia (e o álbum dessa nova fase não é exceção), Donida responde que:

“O diabo é uma invenção da igreja católica para controlar as pessoas através do medo. Quando se glorifica o diabo você afronta os controlados e principalmente os controladores. Nossa música não serve á essas pessoas. O Diabo pra nós é um símbolo de liberdade artistica. A maldade está no coroação dos homens e não em alegorias”.

Tal declaração do Donida deixa bem evidente que a ideia da banda é provocar mesmo, desafiar o discurso hegemônico fundamentado nos valores juidaicos-cristãos. Tal com fez Niestche através de sua filosofia e com declarações incompreendidas como acerca da morte de Deus.

Para finalizar, ainda acerca da relação entre as Crônicas do Post Mortem e a filosofia Nietzschiana. Em “O nascimento da tragédia” Nietzsche nos diz que “devemos reconhecer que tudo aquilo que nasce deve estar preparado para um doloroso declínio, somos obrigados a mergulhar nosso olhar nos horrores da existência individual – e, contudo, não devemos ficar congelados pelo terror”. Essa é a atitude dos personagens das Crônicas do Post Mortem, ainda que essa atitude nos leve ao destino do personagem da canção “a cena do seu enforcamento” condenado a ver eternamente a cena do próprio enforcamento.

“A vida não é muito curta para que fiquemos entediados?”.
Nietzsche 

Por Pedro Ferreira Nunes – “um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior “.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Quem nunca disse uma falácia que atire a primeira pedra

Não estou me referindo ao que o senso comum compreende por falácia – geralmente como sinônimo de mentira, de falsidade. Estou me referindo ao conceito de falácia na perspectiva da lógica – que de acordo com Matthew trata-se de “uma falha técnica que torna o argumento inconsistente ou inválido”. Desse modo cometer uma falácia nem sempre é sinal de falta de caráter, de tentativa de manipulação, mas pela nossa incapacidade de fazermos uma argumentação lógica. 

Para Matthew argumentos falaciosos parecem válidos e convincentes, de modo que só “uma análise por menorizada é capaz de revelar a falha lógica”. Sobretudo por que não existe apenas um tipo de falácia. E algumas delas só mesmo  um especialista em lógica tem condição de perceber. Já outras são bastante comum e de fácil compreensão. Sobretudo se analisarmos os debates nas redes sociais e mesmo no Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores Brasil afora.

Para se ter uma ideia, no seu artigo intitulado “Lógica e falácias”, Matthew nos apresenta 44 tipos de falácia. E ao ler a definição de cada uma delas seguidas de exemplos do cotidiano, cheguei a conclusão que é impossível que um ser humano não diga uma falácia vez e outra. Com essa afirmação posso inclusive  está usando de uma falácia – uma tal de Ad Hoc – que segundo Matthew consiste na explicação de “um fato após ter ocorrido, mas sem que essa explicação seja aplicável a outras situações”. Ora, o fato de ter ocorrido comigo não significa que ocorrerá com os demais. 

Mas camarada, lhe desafio ler o artigo do Mathew, a analisar a definição das diferentes falácias e depois me dizer que nunca utilizou um argumento falacioso – que nunca caiu na tentação de utilizar seu exemplo pessoal para explicar um determinado fato. Nunca questionou uma fala só por que foi dita por determinada pessoa. Nunca disse: - ah, no meu tempo as coisas eram melhor. Nunca fez uma generalização apressada. Nunca apelou para a natureza para dizer que as coisas são assim e ponto. Nunca fugiu do assunto em questão. Nunca disse que algo vai acontecer sem comprovar no entanto. É, a lista é grande, paremos aqui por enquanto.

Creio que reconhecer que não raramente utilizamos esse artifício no nosso cotidiano na relação com as outras pessoas é um passo importante para que não só evitemos de cometer essa falha lógica na nossa argumentação como também para que tenhamos maior capacidade de identificar e rebater esse tipo de argumento, sobretudo aqueles que tem claramente a intenção de manipular a opinião pública – Essa manipulação da opinião pública através de discursos falaciosos é muito presente no debate político, no discurso religioso e na imprensa. 

No discurso político um bom exemplo é a fala de que o Brasil não pode virar uma Venezuela daí a necessidade de tirar a esquerda do poder, pois todo país governado pela esquerda tem como destino se tornar uma nova Venezuela. Mathew diria que se trata de uma falácia denominada de Declive Escorregadio – que consiste em dizer que a ocorrência de um evento acarretará numa determinada consequência, mas sem apresentar provas para tal afirmação. Diga-se de passagem, Bolsonaro e seus aliados são mestres nesse tipo de falácia. 

Outro exemplo do discurso falacioso no debate político atual é em relação a defesa da facilitação do acesso a armas de fogo por parte da população, sobretudo por que segundos eles, isso significa o respeito ao anseio da maioria da população. Esse tipo de falácia é conhecida como Argumentum ad Populum – que apela para popularidade de determinada demanda. Mathew salienta que “esse tipo de falácia é comumente caracterizado por um discurso emotivo”. E é justamente apelando para emoção que segue o discurso de quem defende o armamento da população, inclusive apresentando situações pessoais, recorrendo assim a outra falácia que é a Evidência Anedótica – que consiste em relatar experiências pessoais como prova de validação de um argumento.

Aliás, a Evidência Anedótica é uma falácia bastante comum no discurso religioso. Especialmente dos neopentecostais que se utilizam dos testemunhos de fiéis para convencer os demais da validade de uma crença. Mathew trás o seguinte exemplo de uma argumentação desse tipo: “há abundante provas da existência de Deus; ele ainda faz milagres. Semana passada eu li sobre uma garota que estava morrendo de câncer, então sua família inteira foi para uma igreja e rezou, e ela foi curada”. Mathew nos diz que anedotas podem até servir para ilustrar algo, porém não é prova de nada. Pois o fato de ter acontecido algo comigo não significa que ocorrerá o  mesmo com outra pessoa. 

Outra falácia comum no discurso religioso é a Dicto Simpliciter ou Generalização absoluta – que consiste em aplicar uma regra geral a uma situação particular. Essa falácia ocorre, segundo Mathew, sobretudo quando envolve questões legais e Morais. Um bom exemplo é acerca da descriminalização do aborto: “Cristãos são contra o descriminalização do aborto, você é cristão, logo é contra a descriminalização do aborto”. Ora, não necessariamente. Há cristãos que defendem sim a descriminalização do aborto assim como outras bandeiras contrárias aos dogmas morais defendidos por alguns líderes religiosos.

No caso da imprensa uma falácia bastante presente é a denominada de espantalho – que segundo Mathew “consiste em distorcer a posição de alguém, para que possa ser atacada mais facilmente”. Quando isso ocorre, não se está lhe dando com os verdadeiros argumentos. É possível perceber essa prática nas coberturas jornalísticas acerca de grandes escândalos e nos supostos debates (que na verdade não é um debate pois apresenta apenas uma posição) acerca de temas como a reforma da previdência por exemplo. 

Outro exemplo de falácia presente na imprensa é a que se denomina de Ignorantio Elenchi ou Conclusão Irrelevante – que segundo Mathew “consiste em afirmar que um argumento suporta uma conclusão em particular, quando na verdade não possuem qualquer relação lógica”. Um bom exemplo é a cobertura acerca da atuação do então juiz Sérgio Moro nos processos da operação Lava jato revelados pelo site The Intercept. Nesse caso a falácia consiste em dizer que a lava jato é importante para o país, de modo que mesmo que Moro tenha transgredido algumas regras, a mesma não pode ser destruída. Ora não se está colocando em questão a continuidade ou não de uma operação, mas a atuação de um determinado magistrado. Mathew salienta que “lamentavelmente, esse tipo de argumentação é quase sempre bem-sucedido, pois faz as pessoas enxergarem a suposta conclusão numa perspectiva mais benevolente”.

Bem fiquemos por aqui. Concluímos afirmando que aquele que nunca disse uma falácia que atire a primeira pedra – ora, sejamos honestos camaradas. É difícil, se não impossível, não cometer uma falha lógica vez e outra, até por que não somos seres puramente racionais. A questão é, como já dissemos nesse texto, ter consciência disso, sobretudo para que não caiamos em argumentos falaciosos que tem a clara intenção de manipular-nos.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.