sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Cólera e a questão ambiental: 30 anos do álbum “Verde, não devaste!”

“Minha vida, sua vida, nossas vidas, dependem do verde...”.
Cólera 

O ano era 1989, uma das bandas pioneiras do punk rock brasileiro lançava um álbum de estúdio que agora 30 anos depois faz mais sentido do que nunca. Não, não estou falando do “Brasil” dos Ratos de Porão. Mas do “Verde, não devaste!” da Cólera – um álbum que pode ser definido como um manifesto em defesa do meio ambiente.

A banda Cólera então formada pelo trio – Redson Pozzi (guitarra e vocal), Val Pinheiro (contrabaixo), e Pierre Pozzi (bateria). Sempre teve como uma das suas bandeiras a defesa do meio ambiente. Mas nesse álbum eles colocam essa questão ainda mais em evidência como podemos ver pela escolha do título que dá nome ao álbum, pela arte da capa que sintetiza bem o alerta da banda sobre as consequência de destruírmos a mãe natureza e pelas 14 faixas onde eles destilam sua fúria contra um modelo de desenvolvimento movido pela destruição ambiental.

Já na abertura temos o Redson declamando um texto sublime – Da última árvore para o último animal: “você viu armas feitas com pedaços de nossos corpos. Você viu sua pele irmã  a preço promocional na vitrine. Eles não viram nada além do lucro. Eles usam sua pele sentados sobre nossos pedaços. Eles tem projetos milionários para exterminar todos nós...”. Seguido da instrumental “Bombeiros”. Na sequência mais outro petardo – Minha nação: “Minha nação tem riquezas, minha nação é gentil, mas tão imensa miséria. E a invasão, estão roubando o Brasil...”. Nada muito diferente do Brasil de hoje não é mesmo?! Talvez um pouco pior com Bolsonaro e a sua trupe no comando da nação – o que torna ainda mais real o alerta da próxima faixa –  Meia noite: “quando você nem imaginar. Vai acordar, ligar seu rádio. Aquela música não vai mais tocar, seu presidente irá falar: - apertamos o botão. Foi a meia noite...”. Ai já era, não há mais nada a fazer. Depois de aniquilados não temos como nos rebelar.

A faixa em seguida é uma espécie de antídoto para que isso não ocorra. Trata-se da canção Parasita, que tem um riff de guitarra poderoso dando ainda mais força para o verso – “...não seja um parasita! Um sangue sunga de uma vida!”. E o que fazer para não ser um parasita? Ter um ideal e lutar por ele, ainda que se tenha consciência dos ônus de se defender determinados ideais. Sobretudo aqueles que vão contra os interesses da classe dominante.

Em seguida vem outro ponto alto do álbum. Trata-se da faixa Presídio zoo – uma contundente crítica a violência contra os animais – onde se destaca os versos: “Animais não fazem guerras, animais não destroem selvas. Animais não constroem bombas, animais não poluem o ar. Animais não pertencem a ninguém, animais não matam por prazer...”. A faixa seguinte Don’t West it também segue essa linha como podemos conferir na frase inicial: “animais não são nosso para satisfazer nossos prazeres violentos”. A canção segue e o Redson não mede palavras para críticar aqueles que poluem o meio ambiente e maltratam os animais: “Fodam-se todos que destroem as florestas, o oceano e o ar. Fodam-se todas as experiências com a vida animal, deixem-os viverem suas vidas!...”. 

A faixa seguinte é a canção Viva a nossa geração – “não esqueça da dor, não esqueça da fome, não esqueça de protestar, protestar, protestar...”. E mais do que nunca precisamos protestar, protestar, protestar contra esse estado de coisas que nos explora, nos criminaliza e nos escraviza (tal como a banda Cólera tem feito nos seus 40 anos de existência, assim também como bandas como Ratos de Porão, Inocentes e Garotos Podres).

Em seguida temos um dos clássicos da banda – Verde – que inicia com o verso: “Onde haviam riachos limpos, hoje só vemos extrume humano. O chão que era coberto de folhas secas, está encoberto pelo concreto”. E eles continuam: “quem quer que mate a toa, quem queima e corta, florestas e reservas, só pensa em lucrar, mas isso é roubar”. E para fechar temos o refrão: “Minha vida, sua vida, nossas vidas, dependem do verde. Minha vida, sua vida, nossas vidas, dependem do verde e dependem do verdejar...”. Os versos em seguida não são menos belos, o que faz de “verde” uma das letras mais belas da música brasileira.

Em seguida vem a utópica EA EO – que fala de um lugar onde não existe raças, nem muros, nem fronteiras, não tem governantes, ninguém serve a exército, onde o tempo não importa, espaço nunca falta, todos se respeitam, dinheiro não usa. E eles nos diz: “Comece a pensar, sua vida vai mudar”. Um filósofo que nos ajuda a pensar em um lugar assim é o Rousseau que defendia a necessidade de nos reconectarmos com a natureza – pois no Estado de Natureza o homem é verdadeiramente livre, ao contrário do Estado Civil que o degenera. 

Se em EA EO eles falam de um lugar utópico, na faixa seguinte – Em setembro – eles voltam a realidade: “tentam enquadrar o mundo no código penal, nasce o terrorismo, em setembro. Cabeças decepada, mulheres metralhadas, meninas depravados em setembro... vai nascer, vai perder, vai morrer, apodrecer...”. E pensar que anos depois da gravação dessa música o mês de Setembro ficaria marcado como o mês em que ocorreu o maior atentando terrorista da história (o ataque as torres gêmeas em Nova York.

A faixa seguinte é Cólera onde eles defendem a necessidade de reação contra quem nos ofende ou tente nos aprisonar: “Não, não queremos tropa, chega de comandar nossas vidas...”. Em seguida temos Repressão Policial – “repressão policial, repressão policial, vitimado e humilhado você toma até geral. É porrada na cabeça, é repressão policial...”. E para completar a trinca temos a Teatrinho: “é o teatrinho, parece divertir, e somos a platéia todinha a sorrir. Mas tem algo por trás mexendo o cordão. E cada marionete é... Oh! Oh! É o babacão!!!

Teatrinho é mais uma letra desse álbum que merece ser enfatizada. Ela trata de um tema caro ao movimento punk que é a questão da alienação, ou melhor, a necessidade de superarmos a alienação para que não nos tornemos marionetes na mão de lideres demagogos. A Cólera nos alerta: “Até por um instante, ficamos na ilusão. Por que acreditamos naquele babacão. Não há mal em sonhar, mas temos que acordar, parar com o teatrinho...”. Não, eles não estão falando do Bolsonaro e seus bolsominions, mas serve como uma luva.

Fechando o álbum temos Solidarie-nos: “Seja sempre você mesmo, não tente imitar. Julgue a sua consciência, seja livre já. Cante bravo, não desiste fácil não. Somos muitos, num só ideal...”. Se na abertura tivemos o alerta de um futuro não tão distante, se continuarmos devastando o meio ambiente tal como estamos fazendo. Em solidarie-nos a mensagem é de que podemos mudar aquele quadro apresentado. Claro, desde que estejamos dispostos a se agitar, se informar, sair as ruas e protestar. “Tentar de novo se falhar, ou se vencer comemorar...”. Bem, em relação a questão ambiental podemos dizer que isso vem ocorrendo.

Aliás, a questão ambiental nunca teve tão em evidência a nível mundial quanto nesse ano de 2019. Os efeitos do clima que a cada ano se fazem sentir de forma mais contudente tem obrigado uma parcela da população cada vez maior a se conscientizar e se mobilizar contra as mudanças climáticas. Por outro lado governos reacionários incentivam com seus discursos de ódio a destruição ambiental em defesa dos interesses do capital. O que torna ainda mais necessário nos rebelar contra esse modelo de desenvolvimento e não apenas nos contentar com mudanças corretivas que não rompem com a lógica do capital.

E nesse contexto se torna ainda mais significativo celebrarmos os 30 anos do lançamento do álbum Verde, não devaste! Um álbum clássico do punk Rock brasileiro e uma obra importante para trabalharmos nos processos de formação e conscientização, sobretudo com a juventude, que tem sido a vanguarda na luta em defesa do meio ambiente.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

“Aparências nada mais...”

“Aparências nada mais” – poderíamos utilizar essa frase de uma canção (composta por Cury e Ed Wilson, que se tornou famosa na voz do Márcio Greyck) para definir a mudança de nome dos partidos politicos brasileiros – já que na prática a estrutura interna, a lógica de funcionamento e os líderes partidários permanecem inalterados. Mas se tratando de política brasileira onde impera o lema: Mudar para não mudar! Não há ai nenhuma novidade.

A instituição “partidos” (não é a única ) vem sendo muito questionada devido os casos de corrupção frequentes trazidos a luz pela Polícia Federal – Mensalão Tucano, Mensalão do PT, Mensalão do DEM, Lava Jato – são alguns dos casos que revelaram relações corruptas entre políticos e empresários. Tais episódios fizeram surgir numa grande parcela da população um sentimento antipartidos e um anseio por mudanças. A responda das legendas partidárias para essa crise moral não poderia ter sido mais engenhosa – tira o termo “partido” e o problema está resolvido.

Isso me fez lembrar a crítica de Marx a Proudhon na “Miséria da filosofia”. Para Marx (2009), Proudhon queria resolver as contradições da sociedade capitalista eliminando termos “inconvenientes” – conclusão que chegara pelo fato de ter ficado na análise dos termos que denomina as coisas ao invés de analisar as coisas propriamente. E ao fazer isso, o pensador francês ficava no campo da retórica e não dá lógica. Marx não perdoava e ironicamente sugeria, a partir da perspectiva proudhoniana: “a sociedade pretende eliminar todos os inconvenientes que a atormentam? Muito bem: basta-lhe eliminar os termos inconvenientes, alterar a linguagem e dirigir-se a Academia, encomendando-lhe uma nova edição do seu dicionario!” (2009, p. 71). 

Se os brasileiros estão desacreditados nos partidos políticos, é simples, cria uma nova terminologia para definir as agremiações partidárias: AVANTE, MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO, REDE, NOVO, SOLIDARIEDADE, CIDADANIA, DEMOCRACIA CRISTÃ, PODEMOS, PATRIOTA, PROGRESSISTAS, REPUBLICANOS, DEMOCRATAS e por ai vai. 

Na prática nada muda, pois permanecem as velhas estruturas, com a velha lógica de funcionamento e com os velhos caciques no comando.  Um exemplo emblemático nesse sentido é do Cidadania – antigo PPS – fundado em 1992 a partir d’um racha do PCB pelo Roberto Freire – que permace no comando da legenda quase 30 anos depois. Outro exemplo é o Democracia Cristã – antigo PSDC – que desde a sua fundação em 1997 é comandado por José Maria Eymael. 

Quando há alguma renovação no comando das legendas,  com figuras mais jovens assumindo a presidência, essa renovação também é só aparente. Como é o caso do Democratas – antigo PFL – comandado por Antônio Carlos Magalhães Neto – herdeiro político de Antônio Carlos Magalhães. Ou do Podemos – antigo PTN – comandado por Renata Abreu – filha do fundador do partido – Dorival de Abreu. 

Outra prova recente de que a mudança de nomes dos partidos não significa uma mudança de lógica no funcionamento dessas legendas foi a aprovação pelo congresso nacional do projeto de lei que altera as regras para partidos políticos e para as eleições. O projeto de lei beneficia claramente as legendas partidárias ao permitir uma série de benesses como anistia a multas eleitorais. 

É por essas e outras que os partidos políticos (ainda que omitam esse termo) ao invés de combater o sentimento antipartidos por parte da população. Acaba alimentando-o. E talvez seja esse o objetivo – por que assim as pessoas se afastam da política, deixando-a nas mãos dos políticos tradicionais – o que é péssimo para democracia. 

Para filósofa francesa Simone Weil (1909-1943) a preocupação de todo partido é com o seu próprio crescimento. Logo  se uma mudança de nome contribuí para isso, por que não? O importante é se tornar hegemônico e não contribuir para cultivar os valores democráticos. 

A proposta de Weil é radical – suprimir os partidos políticos. Pois se esses tem como única finalidade o seu próprio crescimento e não o bem comum, farão de tudo para alcançar esse fim – sobretudo, mentir e impedir o pensar de forma autônoma. Essa questão foi colocada pela filósofa durante a segunda grande guerra mundial. E nos parece voltar a tona novamente através do clamor antipartidos.

Não estou convencido que esse seja o caminho. Até por que se suprimissemos os partidos o que colocariamos no lugar? Iriamos para a lógica de cada um por si? Me parece não ser o melhor caminho. Mas uma coisa é fato se os partidos continuarem com a lógica de funcionamento atual – olhando para o próprio umbigo e fazendo mudanças apenas na aparência – não faltaram vozes em defesa da supressão dos partidos.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Quando cai a máscara dos liberais: Subsídios fiscais para os frigoríficos e data-base dos servidores públicos estaduais.

Foi só o governo estadual suspender os subsídios fiscais dos frigoríficos no Tocantins que os nossos liberais deixaram cair suas máscaras. Austeridade fiscal? Redução de direitos? Estado mínimo? Tudo bem, desde que penalize apenas o trabalhador. Agora mexeu com os interesses das elites – com a margem de lucro dos capitalistas – a coisa muda de figura.

Não demorou muito para vermos a mão invisível (não tão invisível assim) do mercado fazer o preço da carne aumentar. Ai de nós, e ainda tem gente que acredita no engodo liberal. Ora, a carne aumentou e não teve nada haver com a mão invisível do mercado, mas sim com uma velha tática da burguesia para fazer valer seus interesses a partir da manipulação dos preços. Deixa o Estado não regular com firmeza a atuação dessas empresas para ver aonde a mão invisível do mercado nos levará. 

Enquanto isso no parlamento os deputados numa quase unanimidade levanta a voz contra a medida do governo – o que não ocorre quando se retira direitos dos servidores públicos. Aliás, concomitantemente a questão dos frigoríficos o nosso legislativo estadual aprovou projeto do executivo que estabelece a porcentagem da data-base (dos servidores públicos estaduais) em 1% (diga-se de passagem, essa não é a primeira e nem será a última medida aprovada nessa legislatura contrária aos interesses dos trabalhadores do serviço público). 

A imprensa regional não repercute outra coisa – abrindo espaços para representantes do setor defender o agronegócio  (o setor mais injustiçado desse país) através de artigos de opinião falando sobre a importância do setor para economia regional e das possíveis consequências se esse setor for penalizado – A tática é jogar a opinião pública contra a medida do governo obrigando-o a recuar. E recuará, por mais que faça jogo de cena dizendo o contrário. Pois afinal de contas quais os interesses que esse governo representa se não do agronegócio?! O máximo que pode acontecer é entrarem num consenso para que aja uma diminuição nas vantagens fiscais que as empresas frigoríficas possuem atualmente – segundo informações do próprio governo em cinco anos a renuncia fiscal chega a R$ 900 milhões.

É, camaradas, R$ 900 milhões não é pouca coisa não. imagine isso somado a renuncia fiscal de outros setores. É muito privilégio fiscal para uma classe que já é por demais privilegiada. E continuará sendo privilegiada pois afinal de contas quando os liberais falam em Estado mínimo, eles querem dizer – mínimo mas não para todos. Lembremos do nobre John Locke – considerado o pai do liberalismo – que  enquanto defendia o Estado minimo e pregava a austeridade fiscal não largava a teta do Estado, como aponta Meszáros:

“Recebendo anualmente uma remuneração quase astronômica, de cerca de 1.500 libras, pelos seus serviços ao governo (como membro da junta comercial, um dos seus vários cargos) Locke não hesitou em louvar a perspectiva de os pobres ganharem “um centavo por dia” (a penny per diem), ou seja, uma quantia aproximadamente mil vezes inferior a seu próprio vencimento, em apenas um dos seus cargos governamentais” (2008, p.40).

O que não nos falta são Lockes da vida – nas universidades públicas, na imprensa, nas empresas – pregando o Estado mínimo, austeridade e  “responsabilidade fiscal” mas na prática são os que mais se beneficiam e se apropriam dos recursos públicos. Se o governo ousa retirar o subsídio fiscal dos frigoríficos é uma reclamação geral, mas se a medida é estabelecer o aumento da data-base dos servidores públicos em 1% todos aplaudem.

Conhecendo bem essa corja não me admira que toda essa polêmica em relação aos subsídios fiscais para os frigoríficos,  nada mais foi do que um teatrinho para desviar a atenção do projeto de lei que aprovou a data-base em 1% (com voto favorável de parlamentares que se dizem do campo progressista como Zé Roberto – PT, Amália Santana – PT e Ricado Ayres – PSB). 

Agora que o projeto foi aprovado não vai demorar para que o Governo e os frigoríficos cheguem num denominador comum. Até por que na prática nada mudou pois o judiciário estabeleceu a suspensão da portaria do governo que acabava com os subisidios fiscais. E você camarada, que a cada dia é mais explorado (com um salário desvalorizado) continuará comendo carne de pescoço enquanto os frigoríficos subsidiados com dinheiro público continuaram exportando filé mignon para Europa e Ásia. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Encontro com Che Guevara

Ontem eu vi o Comandante,
Comandante Che Guevara.
Não sei se foi um delírio,
ou se eu sonhava.

Foi num acampamento,
na margem de uma estrada.
Com uma cuia de Mate,
numa conversa animada.

Eu quis ouvir a conversa,
do grupo me aproximei.
Ele contava histórias,
que já mais esquecerei.

Aventuras da juventude,
de moto pela América do Sul.
Da guerrilha em Cuba,
na Bolivia e no Congo.

Falou da guerra de guerrilha,
da essência da luta guerrilheira.
Da importância do campesinato,
numa revolução verdadeira.

Falou da necessidade,
de derrotar o imperialismo.
Forjar o homem novo,
construir o socialismo.

Disse que construir o socialismo,
não é tão simples assim.
Erros serão cometidos,
mas não significa o fim.

Quanto ao homem novo,
falou que é preciso ter.
Audácia intelectual,
para fazê-lo nascer.

Diante da sua figura,
estavam todos hipnotizados.
Ele parecia uma divindade,
um ser encantado.

Podia ficar muitas horas,
ouvindo ele falar.
Acerca das suas histórias,
e das suas ideias.

Mas ele com um sorriso,
de todos se despediu.
Montou numa motocicleta,
e na estrada sumiu.

Para onde ele foi ao certo,
ninguém soube me dizer.
Mas me indicaram,
aonde deve ser.

Onde tem povo resistindo,
contra qualquer opressão.
Seja no campo ou na cidade,
seja em qualquer nação.

Foi então que entendi,
o que o Yupanqui quis dizer.
"Que algumas pessoas morrem,
para voltar a nascer".

Pobre dos seus assassinos,
dos que tentam lhe matar.
Quanto mais o assassinam,
mais forte ele nascerá.

Foi o que percebi,
no encontro que tivemos.
Na margem de uma estrada,
num humilde acampamento.

Por Pedro Ferreira Nunes -
Casa da Maria Lúcia. Lajeado - TO. Lua Crescente.  Inverno de 2019.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Território em conflito, terra e poder.

Por Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.

Não é de agora que movimentos sociais e
intelectuais ligados a defesa de bandeiras progressitas denunciam o avanço do capitalismo no campo – um avanço que vem acompanhado do aumento da desigualdade, da violência contra os povos campesinos (indígenas, quilombolas e camponeses pobres) e a destruição ambiental. Nesse contexto surge três questões importantes: que modelo de desenvolvimento para o campo é esse? Quais as suas características? Qual as suas consequências? O livro “território em conflito, terra e poder” nos ajuda a responder essas questões.

Escrito a oito mãos (e publicado em 2014 pela editora Kelps) por professores do colegiado do Mestrado em Geografia da Universidade Federal do Tocantins  (campus de Porto Nacional) a obra nos ajuda a compreender como o avanço do capitalismo no campo tem se dado não só no Brasil, como também em outros países latino americano como, por exemplo, o Uruguai – Um avanço que se dá através do processo de mundialização da agricultura com as empresas multinacionais investindo pesado na expansão das fronteiras agrícolas – uma expansão que se dá com o importante apoio dos governos através de determinadas políticas territoriais. 

O livro é dividido em quatro capítulos. O primeiro “A mundialização da agricultura brasileira” é de autoria do Professor e Geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira – que é sem dúvidas uma das maiores referências a nível mundial no campo da Geografia e da questão agrária brasileira. O segundo “A esquerda progressista Uruguaia e a reforma agrária de mercado: 2004-2011” é de autoria do Professor e Historiador José Pedro Cabrera Cabral. Já o terceiro “Políticas públicas e o agronegócio na Amazônia legal/cerrado: conflitos socioterritoriais” é de autoria do Professor e Geógrafo Roberto de Souza Santos. E o quarto capítulo “Demarcação do território Krahô e as relações socioculturais da comunidade no outro novo território” é de autoria do Professor e Geógrafo Elizeu Ribeiro Lira. 

É preciso destacar também a bela apresentação da obra escrita pelo Professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, onde ele salienta os desafios desse grupo de intelectuais que ousaram criar o Mestrado em Geografia na UFT- Campus de Porto Nacional. E se trata de uma ousadia mesmo sobretudo num Estado onde a força do agronegócio é inegável – uma força usada para esconder os conflitos e as relações escusas entre os governos e as elites econômicas como no caso do Projeto Agrícola Campos Lindos. 

A mundialização da agricultura brasileira

Nessa capítulo, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, inicia chamando atenção para o processo de mundialização do capital. Um processo que se deu no final do século XX (fundamentado nas características do capitalismo monopolista) a partir da criação das empresas multinacionais – reflexos da integração do capital em escala mundial. A paritr daí teremos uma produção capitalista internacionalizada. Que se tornou possível graças aos avanços tecnológicos e informacionais (OLIVEIRA, 2014, p. 21).

Outro ponto importante que Oliveira chama atenção é para a relação entre a agricultura capitalista e a mundialização do capital. De acordo com o autor “a agricultura sob o capitalismo monopolista mundializado passou a estruturar-se sobre três pilares: a produção de commodities, as bolsas de mercadoria e de futuros e os monopólios mundiais” (2014, p. 28). E a consequência disso é primeiro, que a produção de alimento deixa de ser prioridade. Segundo, quem controla os preços são os especuladores nas bolsas de mercadoria e futuros. E terceiro, o controle monopolista da produção. 

Ariovaldo Umbelino de Oliveira também chama atenção para o processo de territorialização dos monopólios na agricultura. De acordo com esse autor “a territorialização dos monopólios atua, simultaneamente, no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária e florestal (silvicultura)” (2014, p. 30). 

A partir daí o autor apresenta um importante levantamento desse processo em vários setores da agricultura como o sucroenergético – que tem a atuação de multinacionais como a Bunge Limited, Tereos Internacional, Noble Group e a Shree Renuka Sugar. O setor de celulose, papel e Madeira – onde as principais empresas do ramo também tem a participação de capital estrangeiro como é o caso do Grupo Votorantim e Suzano. O setor de grãos e fibras – onde atua empresas como a ADM – Archer Daniels Midland Company. E o setor de lácteos e café.

Oliveira (2014) ressalta que nesse processo “os proprietários de terras e os capitalistas aliam-se a empresas mundiais de diferentes setores, sejam nacionais ou estrangeiros”. Formando assim uma aliança entre a burguesia nacional e internacional. Aliança que tem culminado na metamorfose do monopólio do território em territorialização do monopólio. E o que seria isso?

É um processo que se dá a partir da formação de novas empresas de capital aberto que atua na bolsa propiciando um lucro maior aos envolvidos através das diferentes formas da renda da terra. O processo funciona da seguinte forma: “essas novas empresas de capital aberto, no campo brasileiro, estão juntando de forma articulada na aliança de classe com o capital mundial, o rentismo típico do capitalismo no Brasil, e, assim, estão fazendo simultaneamente a produção do capital via apropriação da renda capitalizados da terra e a reprodução ampliada do capital acrescida do lucro extraordinário, representado pelas diferentes formas da renda da terra” (OLIVEIRA, 2014, p. 93).

A esquerda progressista Uruguaia e a reforma agrária de mercado: 2004-2011 

Nesse capítulo, José Pedro Cabrera Cabral, inicia fazendo uma caracterização e uma retomada histórica do surgimento da esquerda progressista que chegou ao governo no Uruguai, no ano de 2004. Uma esquerda que foi gestada no interior do movimento pela redemocratização daquele país. E que conseguiu colocar  fim ao bipartidarismo secular que dominava a politica no Uruguai. Mas essa vitoria se deu após um processo de atualização ideológica dessa esquerda, culminando assim numa nova esquerda.

Essa atualização ideológica passou pelo abandono de bandeiras da esquerda tradicional e por uma aproximação do ethos neoliberal. O que ficou evidente com a inclusão de novos conceitos como cultura e mercado – que passaram a permear os discursos dessa esquerda, servindo de base para as novas propostas programáticas no governo (CABRAL, 2014, p. 106). Essa nova esquerda passa a defender a revalorização da democracia “como um fim em si mesma, como um estilo de vida, com ‘base no respeito e na tolerância do outro, de outros valores, de outras culturas, de outras religiões’” (CABRAL, 2014, p. 107).

Trata-se de um discurso conciliatório e é com esse discurso que a nova esquerda Uruguaia chega ao poder. Deixando claro, sobretudo para as elites econômicas que não precisavam se preocupar, pois no seu projeto de desenvolvimento para o país, a nova esquerda não deixaria o setor empresarial de fora. 

Um ponto importante desenvolvido por Cabral (2014) é acerca da aliança que o governo progressista fez com as organizações multilaterais para desenvolver um novo modelo rural no país. Esse modelo de desenvolvimento se deu a partir de uma proposta do Banco Mundial – que com o argumento de combater a pobreza no campo propunha uma contra reforma agrária ou reforma agrária de mercado.

Para Cabral (2014, p. 117) “o objetivo deste modelo de reforma agrária de mercado – MRAM é, na sua essência, acabar com qualquer projeto de reforma agrária redistributiva e com as ações de desapropriações de terras”. A questão agrária passa a não ser mais encarado como um problema social, mas sim familiar. Sai de cena a agricultura camponesa e entra em cena a agricultura familiar, que passa a ser incorporada no mercado. Nessa linha nosso autor ressalta que “em muitos casos o setor da pequena agricultura que produz para o mercado nacional deverá ser objeto de maior atenção e apoio em vista de seu potencial e de sua inexplorada contribuição ao crescimento e a geração de empregos” (2014, p. 119).

A partir daí o autor nos mostra como o governo progressista assumiu e desenvolveu o programa do Banco Mundial para o meio rural no Uruguai – transformado no projeto Uruguai rural que culminaria na reforma agrária de mercado que colocará  o país no processo de mundialização da agricultura. Tal como vimos no capítulo anterior em relação ao Brasil.

Nesse modelo de desenvolvimento para o meio rural as elites econômicas é quem ganha. Pois riquezas, de fato, são geradas, ainda que há custos socioambientais altos. Mas a estrutura agrária não se modifica pois o latifúndio permanece intocável como também a pobreza rural. Cabral salienta que “o avanço do agronegócio não só tem marginalizado a agricultura familiar senão que há afetado os pequenos e médios produtores” que acabam perdendo as terras ou arrendandos-as (2014, p. 163). Diante disso Cabral é enfático ao dizer que nunca na história do Uruguai – um modelo de desenvolvimento rural beneficiou tanto as elites agrárias com o discurso de que beneficiaria todos.

Políticas públicas e o agronegócio na Amazônia legal/cerrado: conflitos socioterritoriais

Nesse capítulo, Roberto de Souza Santos, mostra a importância dos governos (através de políticas públicas) para o avanço do agronegócio, especificamente, na Amazônia Legal e no cerrado, bem como os conflitos socioterritoriais que daí derivam. Para tanto ele parte de uma conceituação do que seria políticas territoriais e em seguida analisa o desenvolvimento dessas políticas na região em voga.

A partir de autores como Silva (2002) e Costa (1997), Roberto de Souza Santos irá defender que políticas territoriais “podem ser entendidas como política pública de investimento sobre o foco local e regional ou políticas de desenvolvimento regional estabelecida pelo Estado” (2014, p. 171-172). Seguindo essa linha o autor salienta que as políticas públicas são implementadas a partir da tomada de decisões e tais decisões são tomadas a partir de um plano político ou de um plano técnico. Sendo que no geral o plano político prevalece em detrimento do técnico.

A partir daí Santos (2014) passa a tratar das políticas públicas voltadas para Amazônia Legal e o Cerrado sobretudo no que diz respeito a expansão agropecuária. Essas políticas começaram em 1912 com a criação da Superintendência de Defesa da Borracha, que depois seria transformado em Banco de Crédito da Borracha, que em 1950 se tornou o Banco de Crédito da Amazônia. 

Durante o governo de Getúlio Vargas e no regime Militar também foram pensadas políticas públicas para essa região. Isso não sem conflitos socioterritoriais devido ao fato de que essas políticas públicas eram voltadas para atender as elites econômicas. Como pontua Santos (2014, p. 178) ao afirmar que “no campo, com a introdução do processo de mecanização agrava a questão social. Para início de conversa, a agricultura mecanizada como está colocada, infelizmente, é mais acessível à grande propriedade, fato que, sem sombra de dúvida, torna mais excludente socialmente o sistema produtivo”. 

No ponto seguinte, Santos irá falar sobre a territorialização do agronegócio na Amazônia Legal e no Cerrado. Que se dá a partir de uma estratégia do modelo de desenvolvimento de mundialização da agricultura – que investe na expansão das fronteiras agrícolas. Nesse processo “cada vez mais o capital no mundo do neoliberalismo adquire uma seletividade do espaço para se fixar e reproduzir em pontos em que a busca da mais-valia é mais acessível e eficaz” (SANTOS, 2014, p. 187). Isto é, não há barreiras que impeça o capital de se expandir na busca por mais e mais lucros. 

No ponto seguinte, Santos (2014) trata do processo de modernização e territorialização. Que se dá pela “apropriação da terra e imóveis na área do cerrado pelo capital real”. Esse capital é cada vez maior de origem estrangeira que em 2007 já controlava uma área de 3.800.000,0 hectares de terras em dez Estados, entre eles: Mato Grosso, Goias, Pará e Tocantins. Aliás, em relação ao Tocantins, o autor enfatiza a sua inclusão nesse processo, sobretudo com o avanço do MATOPIBA.

O autor também analisa políticas públicas como o Proceder que teve e tem uma importância significativa na expansão das fronteiras agrícolas sobretudo no cerrado. Esse programa entre 1975 e 2005 investiu US$ 570.000.000 nesse processo de expansão agrícola no cerrado, no qual o Tocantins também está incluído. Mas todo esse processo não se dá sem conflitos socioterritoriais, é o que nos aponta Santos (2014) ao chamar atenção para os altos índices de violência contra os povos do campo  (índios, quilombolas e camponeses pobres).

Roberto de Souza Santos (2014) salienta as contradições desse modelo de desenvolvimento do agronegócio ao enfatizar o caso do município de Campos Lindos do Tocantins. Cidade criada pelo então governador, José Wilson Siqueira Campos – que patrocinou o Projeto Agrícola Campos Lindos – tornando o município por um lado o celeiro do agronegócio tocantinense e por outro uma das cidades com um índice de desenvolvimento humano entre os piores do Brasil, com uma população de mais de 80% vivendo na pobreza. 

Por fim, Santos (2014) ressalta a forma obscura que o então governo Siqueira Campos doou terras para aliados políticos  (entre eles a hoje senadora Kátia Abreu), expulsando camponeses pobres dos seus territórios. Um exemplo que mostra bem como se dá o avanço do agronegócio no cerrado e na Amazônia Legal. 

Demarcação do território Krahô e as relações socioculturais da comunidade no outro novo território

Nesse que é o último capítulo do livro, Elizeu Ribeiro Lira, fala sobre a saga do povo Krahô na luta por um território onde pudesse cultivar a sua cultura ancestral. Uma saga marcada por violência iniciada pelos bandeirantes em 1809 (quando os Krahôs se encontravam em Carolina - MA) e que se repetiu nos anos seguintes por parte de fazendeiros, com destaque para o massacre de 1940, quando os Krahô já se encontravam aldeiados no município de Pedro Afonso.

Lira (2014) destaca que o massacre teve repercussão nacional o que acabou propiciando para que órgãos e agentes federais atuacem na região mediando o conflito entre os índios e os não índios. Garantindo um território definitivo para os Krahô. “Dessa forma, terminou o ciclo do retirantismo Krahô e suas liberdades territoriais foram reprimidas em outro território, isto é, um território descontínuo, com suas descontinuidades bem visíveis e demarcados por limites determinados e determinantes” (LIRA, 2014, p. 229).

A partir daí o autor passa a abordar como se deu o processo de demarcação desse novo território e a adaptação deles nesse espaço no município de Itacajá no Tocantins sob a coordenação dos órgãos do governo federal. Um processo que se deu não sem suas contradições, conflitos e equivocos. Tal como o de transformar os Krahô em criadores de gado. Mas apesar dos pesares, Lira aponta “que a população Krahô no novo território, felizmente, vem crescendo num ritmo muito bom”(2014, p. 244).

Por fim, Elizeu Ribeiro Lira (2014) também analisa a dinâmica da vida Krahô nesse novo território. Por exemplo, as aldeias e seu funcionamento, a relação com a comunidade externa, o sistema matrilinear e a gênese do domínio territorial nas aldeias circulares. Pontuando que nesses “quase duzentos anos de contato, com uma sociedade diferente e antagonica” a história dos Krahô tem sido uma história de resistência em defesa da sua cultura. 

Enfim, nesses quatro capítulos, os autores nos apresenta um importante recorte do modelo agropecuário que tem dominado não só o Brasil mas outros países da América do Sul também, como o caso do Uruguaia. Os autores com uma pesquisa profunda, apresentando diversos dados, nos oferece uma importante obra para compreendermos esse modelo de desenvolvimento no campo. E deixam evidente, a partir de diferentes abordagens que se convergem, como tem se dado o avanço do capitalismo no campo. Sobretudo graças a uma aliança entre os camponeses ricos e as burguesias nacional e Internacional. O que nos faz refletir sobre a necessidade de aliança entre camponeses pobres, indígenas, quilombolas e proletários como a única alternativa para barrar o avanço desse modelo de desenvolvimento. 

Referência Bibliográfica 

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de, e outros.Território em Conflito, Terra e Poder. Goiânia : Kelps, 2014.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Literatura: Anuário de poetas e escritores do Tocantins 2019.

A literatura tocantinense está em festa com mais uma edição da coletânea “anuário de poetas e escritores do Tocantins 2019” organizada pelo editor e escritor Eliosmar Veloso. A obra é uma oportunidade para poetas e escritores divulgar uma mostra do seu trabalho e dos leitores apreciar a rica e diversificada produção literária tocantinense.

A obra será publicada pela Editora Veloso que tem dado uma importante contribuição no processo de construção da literatura tocantinense. E a previsão de lançamento é novembro durante as comemorações do aniversário da cidade de Gurupi. Também poderam ocorrer eventos de lançamentos em outras cidades. Além disso as unidades de ensino das redes municipais e da rede estadual de educação podem promover eventos com a presença de autores do anuário de poetas e escritores  para discutir o fazer literário e a literatura tocantinense.

Nessa edição de 2019, a organização anunciou a seleção de 154 textos (entre prosa e verso) de 46 diferentes autores de 16 cidades. São números significativos que mostra que mesmo sem políticas públicas (de Estado) de apoio a produção literária, sobretudo no interior, a literatura tocantinense existe e resiste. Especialmente no interior que é de onde vem a maioria dos autores e trabalhos dessa edição do anuário de poetas e escritores do Tocantins – alguns desses autores já estão no hall das referências literárias regional, entre eles Consola Brito, Dourival Santiago e Pedro Alberice.

Das cidades interioranas representadas nessa edição, Tocantinópolis mostra uma pujança literária invejável. É de lá que vem a maioria dos autores que comporão essa edição do anuário – 9 ao todo – o que inclusive tem animado esses autores a pensar na possibilidade de criar uma academia de letras do município. Outras cidades interioranas em destaque é Gurupi e Araguaína (8 e 7 autores respectivamente). Gurupi, aliás, é a cidade de onde vem o organizador da obra. Já a capital Palmas também está representada por 7 autores.

Além dos municípios destacados acima, também terão textos de autores de Filadélfia, Miracema, Miranorte, Lajeado, Tocantinia, Porto Nacional, Paraiso, Palmeiras, Guaraí, Aguiarnopolis, Angico e Babaçulândia – uma lista que tende a aumentar nas próximas edições do anuário, sobretudo na medida que a obra for ganhando mais visibilidade e alcançar um número maior de leitores – isso, creio, animará novos autores a escrever seus trabalhos. Até por que como já dissemos em outros textos em que tratamos sobre arte e cultura no Tocantins – não falta produção artística no Estado, o que falta são políticas públicas de apoio para divulgação desses trabalhos. 

Nessa linha é importante reafirmar a importância do apoio do poder público para produção artística nesse país, sobretudo quando estamos falando de uma produção artística que não se rende aos interesses do mercado – e esse é o caso do anuário de poetas e escritores do Tocantins – uma obra que contribuí para construção de uma cultura literária tocantinense com uma identidade própria.  

Daí é importante destacar a sensibilidade por parte da Prefeitura (através da Secretaria de Cultura) e da Câmara de Vereadores de Gurupi pelo apoio a publicação dessa edição do anuário de poetas e escritores. Que essa iniciativa possa também inspirar outras Prefeituras e Câmaras de vereadores Tocantins afora. E que essas iniciativas não sejam apenas políticas de governo – para que não seja apenas políticas de governo é preciso a aprovação de leis de apoio e incentivo a produção artística tocantinense.

No campo literário especificamente, é preciso retomar o Salão do Livro, fortalecer a FLIP de Porto Nacional e criar mais eventos literários em outras cidades do Estado para que o potencial literário do Tocantins, seja desenvolvido plenamente – o que passa também pelo apoio a produção, publicação, divulgação das obras, formação de novos leitores e por conseguinte de novos autores.

Apesar de ser um Estado jovem, o Tocantins  tem uma riqueza cultural invejável – com uma produção artística diversificada e artistas talentosos. De modo que a partir do momento que o poder público desenvolver politicas públicas para que essa produção artística seja divulgada e os artistas tenham o devido apoio, sem dúvida, o Tocantins dará um salto importante no campo das artes em geral e na construção da sua identidade. 

Vida longa ao anuário de poetas e escritores do Tocantins!!!

Viva a literatura tocantinense!!!

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Quando algo vai mal II: Sobre o número excessivo de contratos na rede estadual de ensino.

“ao longo da história do nosso sistema de instrução-educação-ensino se manteve uma marca: o controle dos seus profissionais”.
Miguel Arroyo

Quando algo vai mal? Com certeza quando mais de 40% do quadro funcional da rede de ensino é de contratos temporários. Sobretudo quando se sabe a lógica que rege esses contratos. De modo que é um tanto preocupante a revelação do Ministério Público de que a rede estadual de ensino do Tocantins se encontra nessa situação e que por tanto deveria fazer um concurso com pelo menos 5,6 mil vagas para substituir esses contratos. 

Desde o início do ano o que não nos falta são notícias lamentáveis no campo educacional. A começar pelo fechamento de várias unidades de ensino (na capital e no interior) prejudicando milhares de alunos. Depois tivemos a denuncia de professores trabalhando sem contrato e por conseguinte sem salário (simplesmente por falta de vontade política do governo estadual), e depois tivemos na assembléia legislativa a discussão acerca da militarização da gestão das escolas da rede estadual da educação. Agora temos a denúncia do Ministério Público acerca do número excessivo de contratos na rede estadual de ensino. 

Mas qual o problema de ter mais de 40% (em 2018 eram extamente 42,40 segundo o MPTO) de contratos temporários na educação?

Durante o meu estágio me deparei com essa situação denunciada pelo MPTO e fiz alguns apontamentos no meu relatório de observação. Entre esses apontamentos – a impossibilidade de construção de vínculo cultural com a comunidade escolar. Pois os professores eram de outros municípios e a falta de estabilidade não permitia que eles permanecessem por muito tempo e construissem o vínculo necessário com a comunidade para melhorar o processo de ensino-aprendizagem.

O que eu não imaginava era que a situação que me deparei na escola em que estágiei – é a regra e não a exceção na rede estadual de educação do Tocantins. O que é mais lamentável ainda. E essa situação é alimentada pelos mesmos políticos que hoje discutem a militarização das escolas na Assembléia Legislativa como o caminho para melhorar a qualidade da educação – qualidade que é prejudicada em grande medida pela interferência política desses senhores que impõem os seus interesses  acima do bem comum.

São eles que se beneficiam politicamente com os contratos temporários ao criar uma relação de dependência entre quem é contratado e quem indica – quem indica controla quem deve ou não ser contratado. E aquele que for contratado deve dançar conforme a música que quem indica põe para tocar, pois se não, será demitido – independentemente se é um bom profissional ou não. Com isso os contratos temporários  influenciam diretamente na qualidade do ensino público, pois além de não se permitir a construção do vínculo cultural com a comunidade, a prioridade é a contratação de profissionais medíocres que se submetem aos jogos de interesses dos governos de plantão e seus aliados.

Um bom exemplo disso é o fato de muitos profissionais aceitar trabalhar sem contrato e sem salário por alguns meses na esperança de terem o contrato temporário efetivado – imagine o desempenho desses profissionais na sala de aula. Aqueles que ousam questionar e denunciar publicamente essa lógica, ainda que sejam excelentes profissionais, são perseguidos e não conseguem trabalhar. O sindicato que representa a categoria quase sempre lava as mãos diante dessas situações, com a justificativa de que representa apenas os profissionais concursados.

Diante disso é louvável a iniciativa do Ministério Público, de modo que não podemos deixar de apoia-lá. Bem como conclamar a toda a sociedade (sobretudo a classe docente) que acredita numa educação para emancipação – uma educação que sirva ao bem comum e não aos interesses das elites – a também apoiar essa iniciativa exigido do governo Mauro Carlesse  (DEM) concurso público da educação já. 

Para finalizar, sabemos que o concurso público por si só não irá mudar positivamente a qualidade do processo de ensino-aprendizagem na rede estadual de educação. Mas essa mudança tão pouco ocorrerá sem esse concurso público – ele é um passo importante para que tenhamos nas nossas escolas e salas de aulas profissionais comprometidos com a educação e não com os interesses do chefe político local que viabilusou o seu contrato temporário. Aliás, o contrato temporário como o próprio nome diz é temporário e no campo educacional precisamos de políticas de Estado e não de governo – precisamos de políticas permanentes e não temporárias. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.