sábado, 20 de novembro de 2021

O trabalho escravo na contemporaneidade a partir da perspectiva artística

“A degradação tem o seu preço/De trecho em trecho para trabalhar/A liberdade em troca de miséria/Mancada séria pode matar./A soma de toda pobreza/Desmoraliza o social/Mão de obra farta escravizada/Direitos Humanos é opcional...”. 

Assim inicia a letra da canção “Expresso da Escravidão” da banda Punk Paulista – Ratos de Porão. É uma das canções que compõem o 15°  álbum do Grupo – “Homem inimigo do homem” (2006). A sonoridade e a temática da letra me instigaram a conhecer tanto a banda como aquele assunto. E é essa segunda questão que nos interessa aqui.

Era a primeira vez que ouvia falar em trabalho análogo á escravidão. Apesar de que para nós que vivemos no interior, não ser uma realidade desconhecida. E a contundência característica da música feita pelo Ratos de Porão, foi como um soco no estômago. Uma letra direta com um som agressivo metendo o dedo na ferida – escancarando uma realidade vivenciada por trabalhadores rurais de Norte a Sul do Brasil.

“Escalado pelo tal de Gato/explorado pelo fazendeiro/Meses, meses, meses de trabalho/enganado e nada de dinheiro./Objeto descartável/coagido pelo medo/Latifúndio escravagista, opressão pelo desespero”.

E o refrão então. É um questionamento que continua atual e cada vez mais necessário: “Quanto custa um homem no.../Expresso da escravidão?/Quanto custa um homem no.../Expresso da escravidão no Brasil?/Escravidão contemporânea no Brasil!/Escravidão contemporânea no Brasil!”.

Temos em “Expresso  da Escravidão” um exemplo de um olhar artitistico para a questão da Escravidão Contemporânea no Brasil. Isto é, um olhar que busca nos sensibilizar para um determinado problema. Essa sensibilização se dá quando o artista consegue expressar algo que nos afeta. E somos afetados sobretudo por algo que nos modifica – essa modificação se dá a partir do momento que começamos a questionar – a pensar sobre algo que achávamos que era natural.

A temática do trabalho em condições análogas a escravidão tem sido recorrente no campo da Arte. Sobretudo pelo que dissemos anteriormente. Não só Na música, mas também na poesia, na pintura, na fotografia, na teledramaturgia e no cinema.

Em relação ao cinema temos algumas produções importantes. Entre elas, o documentário “Nas terras do bem virá” (2007) do Diretor Alexandre Rampazzo. É uma obra de arte que não só mostra a situação degrante que trabalhadores rurais são submetidos, como também os conflitos por terra no Norte do Brasil. 

Tanto a canção “Expresso da Escravidão” como o documentário “Nas terras do bem virá” apresentam um quadro que se passa sobretudo no interior do Brasil – em grandes latifúndios. No entanto é importante destacar que o trabalho análogo a escravidão está em todas as partes, inclusive nas grandes metrópoles. 

Trata-se de uma realidade, que de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), atinge mais 40 milhões de pessoas em todo o mundo – uma realidade que tem piorado com a flexibilização das leis trabalhistas e o avanço de políticas econômicas ultraliberais.

Nesse sentido o filme “Sete prisioneiros” (2021) Dirigido por Alexandre Moratto, é um bom exemplo ao mostrar o trabalho análogo a escravidão nas grandes metrópoles. Aqui o cenário não é um latifúndio no interior do interior do Brasil, mas a principal cidade econômica do país (São Paulo). Outro ponto importante é que esse filme chega justamente num momento de retrocessos no que se refere ao combate ao trabalho análogo a escravidão, sobretudo no Brasil. 

Por outro lado há que se reconhecer que nos últimos 15 anos o combate ao trabalho análogo a escravidão conseguiu importantes conquistas. Entre elas,  uma que considero bastante significativa, é inserção dessa temática no currículo da Educação Básica. Inclusive, no caso do Tocantins, subsidiando os Professores com materiais e formações para trabalhar a temática. É um avanço importante, por que no meu tempo de colegial não se trabalhava essa questão. Não por que o problema não existisse, pelo contrário. Fazia parte da nossa realidade, mas era naturalizado. Foi só quando ouvi “Expresso da Escravidão” é que comecei a entender isso.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Economia solidária em Lajeado?!

Parque Aquícola Miracema-Lajeado
O serviço público é o setor que mais dinamiza o comércio local – um comércio de pequeno porte focado sobretudo no ramo da alimentação e bebidas. É também o que mais emprega. No entanto o serviço público não tem condição de absolver toda a mão de obra existente no município. 

Diante disso a saída para muitos é ir para outras cidades em busca de serviço ou investir num negócio próprio – é a partir dessa segunda opção que observamos o potencial de criação de um movimento de economia solidária em Lajeado - trazendo empoderamento e melhor qualidade de vida. Dito isso, o desafio é a formação e criação de uma rede que fortaleça iniciativas que já existem localmente. 

Antes de adentrarmos mais profundamente nessa questão,  vamos compreender o conceito de economia solidária. Para tanto ninguém melhor do que o Economista Paul Singer – uma das grandes referências quando falamos em Economia solidária. 

De acordo com Singer  (2002) “a economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual”. São esses princípios que une os trabalhadores que são possuidores de capital em pé de igualdade. Eis ai portanto duas palavras fundamentais ao nos referir a economia solidária – União e igualdade. União por que estamos falando de um empreendimento coletivo e igualdade por que dentro dessa coletividade não pode haver relações hierárquicas.

A partir daí percebemos uma diferença fundamental entre a economia solidária e a economia de mercado. Enquanto a união e igualdade são os pilares de sustentação da primeira. A outra tem como pilar a concentração e a exploração. Quanto mais concentração, mais exploração. Quanto mais exploração mais lucros. E ai temos como motor propulsor a competição. Nessa linha, Singer (2002) salienta o seguinte:

“para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva. Isso significa que os participantes na atividade econômica deveriam cooperar entre si em vez de competir”.

Quando falamos em Economia Solidária não estamos nos referindo há algo novo. De acordo com Singer  (2002) ela “nasceu pouco depois do capitalismo industrial, como reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção”.

No Brasil os imigrantes Europeus, no início do Século XX, tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da economia solidária através da criação de cooperativas. E desde então podemos perceber importantes iniciativas que buscam promover esse modelo de economia. De acordo com Singer (2002), demonstrando “grande vigor e notável criatividade institucional”.

Perspectivas para Economia Solidária em Lajeado 

Loja da AMAE

Para enfrentar a pobreza que ronda parte significativa da população lajeadense, as pessoas tem investido em empreendimentos comerciais que lhes garantam o mínimo de qualidade de vida. Sobretudo no ramo da alimentação, do artesanato, do turismo e setor de serviços. 

A maioria desses empreendimentos parte de iniciativas individuais. No entanto há também associações como é o caso da AMAE (Associação das Mulheres Artesãs e Empreendedoras) e a Associação de Pescadores. Apesar de percebermos elementos da economia solidária nessas iniciativas, a lógica de mercado é o que permanece, sobretudo pela influência do SEBRAE. A maior consequência disso é que há uma competição onde deveria haver cooperação. A competição leva consequentemente a derrota de alguém. E geralmente essa derrota é dos mais fracos. 

Diante disso o ponto de partida para criação de uma economia solidária em Lajeado é formação. Os trabalhadores que estão a frente desses empreendimentos precisam compreender os princípios desse modelo de economia. A partir daí perceberam a necessidade de se fortalecerem a partir de uma perspectiva coletiva. Inclusive, envolvendo o consumidor no processo. Para tanto este não pode ser visto como um consumidor meramente. Mas como um colaborador. Na linha que se faz, por exemplo, entre fãs de uma banda de Rock Alternativo – comprando ingresso, discos, camisetas e até mesmo participando de iniciativas de financiamento coletivo para gravar um novo trabalho. 

O objetivo, portanto, deve ser buscar com que o consumidor compreenda que ao adquirir um produto das Artesãs e artesãos, dos pescadores e pescadoras,  os legumes do Seu Luiz, o Cheiro Verde do Seu Mano, as plantas da Dona Maria, os jarros da Dona Arlete, a Farinha do Tuta, entre outros. Não está apenas adquirindo um produto, mas está contribuindo para que as famílias de trabalhadores do município tenham uma fonte de renda e uma melhor qualidade de vida.  

Dito isso, ao defender a construção de uma economia solidária em Lajeado – que fortaleça e dê maior autonomia aos cidadãos locais. Não estamos eximindo o poder público municipal de garantir uma renda mínima as famílias de trabalhadores que estão numa situação de vulnerabilidade social. A esse respeito cabe descartar o que diz Paul Singer (2002): 

“mesmo que toda comunidade econômica fosse organizada em empreendimentos solidários, sempre haveria necessidade de um poder público com a missão de captar parte dos ganhos acima do considerado socialmente necessário para redistribuir essa receita entre os que ganham abaixo do mínimo considerado indispensável”.

Com mais autonomia do poder público (fruto de um movimento de economia solidária), os cidadãos certamente terão mais força para exigir  tais medidas – o que certamente contribuirá para que aja profundas transformações na sociedade lajeandense.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado. 

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Relato de Experiência: Escrita como exercício de reflexão e criação

- Será que ninguém conseguiu? Observava um tanto encabulado as atividades devolvidas. O que teria acontecido? Não acredito que tenha sido falta de compreensão. Por outro lado, eu reconhecia que não era uma atividade fácil, exigia reflexão e criatividade por meio da escrita. No entanto era impossível que ninguém ao menos tivesse tentado – pensava comigo. Bem, a atividade consistia no seguinte: Os estudantes deveriam criar uma cena em torno da temática da Biossegurança.

A ideia da atividade me veio ao elaborar um Roteiro de Estudo do Componente Curricular de Arte para a 2° Serie do Ensino Médio. No roteiro o objeto do Conhecimento era o Teatro. A partir daí pensei que mais interessante de falar do Teatro era entender como se faz o Teatro. E nesse sentido um ponto de partida interessante seria a escrita. Levando em consideração que a escola estava discutindo com a comunidade escolar, através de um projeto, a questão da biossegurança. Decidi que esse seria um tema interessante para se pensar uma cena.

Por parte do estudante seria necessário sobretudo, criatividade. E como produto final algo que sensibiliza-se o público para o problema.

Quando eu já acretiva que nenhum estudante havia ousado fazer a atividade proposta, foi que me deparei com duas pérolas. Por um acaso, era as últimas a corrigir. Uma delas não era uma cena, mas praticamente uma peça curta. De todo modo a criatividade das duas estudantes me deixou sem palavras. E imediatamente entrei em contato com elas para parabeniza-las e incentivar a cultivar aquele talento. Também propus fazer uma revisão de um dos textos para publicar no Blog da Escola – o que foi feito (https://censprolaj.blogspot.com/2021/09/juntos-combatendo-leishmaniose.html)

Os dois trabalhos me empolgaram tanto que decidi trabalhar o mesmo exercício em outras turmas com temas diferentes. Nas primeiras séries a questão da Saúde Mental. E no 8° Ano do Ensino Fundamental a violência contra a mulher.  Nessas outras turmas busquei fazer com que compreendessem melhor o que eu queria. Inclusive apresentando alguns exemplos. No entanto não criei muita expectativa. Se eu conseguisse encontrar uma outra Dayelle ou Maria Clara já estava ótimo. 

Com essas turmas a metodologia que utilizei mostrou-se mais acertada – quase 100% dos estudantes tentaram criar uma cena teatral – ainda que algumas era recriação de cenas do cinema ou de seriados. Isso foi importante para que eu percebece que na experiência com a segunda série, o fato da maioria dos Estudantes não terem feito conforme pedi, foi consequência da metodologia que utilizei.

Entre as cenas escrita, uma de um estudante do 8° Ano me chamou atenção e fiz questão de lê-la em sala para mostrar o que eu queria que eles fizessem. A reação da turma após a leitura foi impagável. Fiz uma leitura dramática para que eles fossem arrebatados para dentro da cena. E um dos comentários que mostra que conseguimos foi: - Nossa, parece que eu tava vendo acontecer aqui na minha frente. Todos aplaudiram espontaneamente.

Fiquei pensando comigo o quanto seria rico produzir e representar algumas daquelas cenas. Eis ai algo a se pensar para uma próxima etapa. De todo modo,  só esse exercício já foi algo enriquecedor. O envolvimento deles, as discussões, as trocas de ideia, mostrou que foi uma estratégia pedagógica acertada.

Além da satisfação em proporcionar isso, também assumi, comigo mesmo, o compromisso de não deixar morrer essa força criadora e o talento para escrita que alguns demonstraram. Como? Incentivando e os ajudando a aprimora-lo.

Quanto à o objetivo inicial do plano de aula,  que era trabalhar o Teatro a partir de uma perspectiva prática. Creio ter alcançado. Sobretudo o Teatro a partir da compreensão do Augusto Boal – que salientava a importância dessa expressão artística na  busca pela cidadania plena. O que podemos perceber por exemplo em uma das suas frases célebres: “Atores somos todos nós, e cidadão não é quem vive em cidade: mas quem a transforma.”

Ao quebrar a barreira entre artista e platéia,  entre ator e espectador, o Teatro do oprimido proporciona a empatia, o diálogo e a cooperação. E é a partir daí  que podemos vislumbrar a transformação das relações opressiva e por conseguinte da Sociedade que sustenta essas relações de opressão. A partir de um exercício de escrita criativa, toda essa reflexão foi possível.

Por Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Junta Tribo - Pedal em Lajeado

Foto: Daniel Andrade 
Já se aproximava das 08h da manhã quando saímos da Praia do Segredo rumo ao Morro do Lual. 60 Km nos aguardava pela frente num dos lugares mais belos desse Estado. Eu não estava muito certo se conseguiria chegar ao final do percurso. Nem tanto por mim, mas pela minha bike que não é apropriada para esse tipo de pedal. Porém fiquei tranquilo ao saber que se algo acontecesse seríamos rebocado pelo carro de apoio (carinhosamente apelidado de cata osso).

A bike está presente no meu dia a dia como meio de transporte, sobretudo para ir ao serviço – as vezes utilizo para fazer cicloturismo. Já para atividade física prefiro a corrida. O que não é muito comum por aqui – onde utilizam a bike para fazer atividade física e no dia a dia o automóvel. Aliás é uma questão para ser estudada, como uma cidade tão pequena tem uma cultura do automóvel, tão forte. Eu até compreendo a utilidade do carro para resolver algo fora da cidade. Mas aqui no dia a dia? Vai entender.

Lá íamos nós – sem afobação, sem pressa de chegar. Aprendi na corrida que não podemos ficar pensando na chegada por que o risco de bater o desânimo é considerável. Devemos seguir um passo de cada vez e a partir daí a chegada será uma consequência. Nesse contexto a música é uma importante aliada – me relaxa e fortalece. E aquela paisagem pedia um Creedence. 

Pense numa paisagem bela. E vê-la de um ângulo novo é como se estivéssemos vendo pela primeira vez. Bem que o Joatan comentara numa conversa informal sobre quanta beleza tinha atrás da Serra. A gente mora aqui há tanto tempo, acha que conhece tudo, mas não tem noção das riquezas que essa Serra esconde.

Falando em Joatan, foi ele que me convenceu, juntamente com o Professor Raimundo, a participar daquele pedal (Junta Tribo) – um evento que já está na sua sexta edição. Mesmo sem nunca ter participado, eu sempre gostei do Junta Tribo. Por se tratar de um evento diferenciado. E eu acredito que Lajeado precisa desse tipo de evento que valoriza as suas riquezas naturais.

Joatan nos relatou que o evento começou pequeno, juntando alguns entusiastas do ciclismo de Lajeado, Tocantinia e Miracema. Aliás,  é daí que vem o nome junta tribo, pois a ideia era juntar as tribos do pedal dessas três cidades. Hoje o evento já ultrapassou as barreiras do Tocantins atraindo ciclistas de outros Estados. E a tendência é atrair cada vez mais gente. Por que o lugar é encantador. E a organização do evento, com o apoio de parceiros, faz um trabalho muito competente.

“Chupa essa”. A plaquinha carinhosa anunciava que não vinha coisa boa pela frente. Pense numa subida!!! E não era a pior. O que iríamos descobrir logo mais ao nos deparar com outra plaquinha escrita “chupa mais essa”. Essas duas subidas foi o momento de separar as crianças dos adultos. Antes uma parada para tomar uma água. Então, segui deixando uma galera para trás.

Chegamos no topo do Morro do Lual. Agora tínhamos pela frente um trecho um tanto tranquilo em relação ao que havíamos acabado de encarar. Aproveitei para voar embalado pelo CPM22. No entanto a empolgação durou pouco. Algumas decidas exigia cuidado, e agora qualquer subida, por menor que fosse, era um obstáculo enorme diante das forças reduzidas. O momento pedia Sepultura,  e assim avançamos. 

De repente cheguei num trecho que não me era desconhecido. Mas pensei comigo: - Não pode ser. A gente entrou por lá, não tem como sair por aqui. Mais adiante o Professor Raimundo, que estava num ponto de apoio, me informou ao questiona-lo onde estávamos: - logo ali na frente é o Morro do Leão. Fiquei surpreso e sem entender como tinha chegado ali. Mas tinha chegado e isso significava que não estava muito longe do destino final. Isso me deu até animo para dá uma acelerada. Nem parei no último ponto de apoio. Peguei um copo d'água e segui embalado pelos Engenheiros do Havaí: “O céu é só uma promessa. Eu tenho pressa, vamos nessa direção...”

Foto: Daniel Andrade 
Era umas 12h e pouco quando cheguei na Praia do Segredo, finalizando o percurso de 60 KM (que, na minha opinião, equivale uns 200 num trecho normal). Muito cansado, mas um cansaço insignificante diante da satisfação de ter conseguido completar o percurso. Contente também com minha bike que havia resistido bravamente – apenas  tive que parar para colocar a corrente que caiu duas vezes. E regular a sela. No mais foi só comemorar tomando merecidamente algumas cervejas.


Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz Latino Americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock n roll.

sábado, 30 de outubro de 2021

E quanto a nós?!

Quando o Governador Mauro Carlesse  (PSL) já falava da possibilidade de concorrer a um novo mandato de Governador do Tocantins em 2022, fomos surpreendidos com o seu afastamento, pela Justiça Federal, acusado de corrupção juntamente com alguns dos seus principais auxiliares. Com isso as peças do tabuleiro se moveram mostrando que em se falando em política no Tocantins, nada é certo. Algumas peças praticamente descartadas voltaram ao jogo com uma força considerável, é o caso do Governador em Exercício – Wanderlei Barbosa.

E ai conservadores e liberais?

Carlesse era um dos Governadores mais alianhados ao Governo Bolsonaro. Inclusive foi usado por este na polêmica sobre os repasses da União aos Estados para o combate á COVID-19. Em vários embates entre Bolsonaro e os Governadores, Carlesse era um dos poucos que não acompanhava os demais nas críticas ao Governo Federal. Agora, é mais um político, próximo do Senhor Presidente, suspeito de corrupção.

Apatia 

Não se viu uma grande comoção da sociedade cívil tocantinense, nem mesmo nas redes sociais, com o afastamento do Governador Mauro Carlesse  (PSL) pela Justiça Federal, por suspeita de corrupção. Se fosse em outro Estado, viriamos manifestações populares pedindo a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa para encaminhar o seu impeachment. Além de gritos de cadeia para os corruptos.

Oportunismo

Se a população no geral mostrou uma certa apatia, algumas lideranças políticas não perderam tempo. Como bom oportunistas aproveitaram a ocasião para se promoverem com vistas às eleições vindouras. Mauro Carlesse – Governava praticamente sem oposição. É só vê a sua base de apoio na Assembleia Legislativa e a facilidade que ele tinha para Governar – conseguindo aprovar tudo o que queria. Alguns desses que se dizem oposição, é na verdade uma oposição oportunista, pois não demonstra uma preocupação com o Tocantins, mas com seus projetos de poder.

Descartável 

Outro aspecto interessante desse processo foi como do dia para noite Carlesse foi descartado. Isso reforça a questão do oportunismo – Você só me é útil quando pode me dar algo. Agora que você foi aleijado da caneta do executivo estadual não tem mais por que está ao seu lado. Se caso conseguir reverter a situação voltamos a conversar. Essa questão vale inclusive para a relação com o Bolsonaro.

Ascensão e Queda

Eis aí a dinâmica política no Tocantins. Quando se ascende politicamente terá tudo a seus pés. Mas quando cair prepara-te para a solidão política. O que Carlesse está passando agora já foi passado por muitos, que o diga Siqueira, Miranda, Amastha e tantos outros. Alguns até conseguem voltar a ascender novamente, mas não se iludam, pois a queda lhes espera.

A apatia mais uma vez

É por essa dinâmica que a maioria da população se torna apática diante da política. Essa apatia é inclusive uma arma de defesa. Como sabem que aquele que caiu pode voltar a ascender. O melhor é não se envolver para não correr o risco de ser perseguido futuramente. É lastimável, por que é isso que contribui para que não aja uma ruptura com a ordem dominante. 

O que esperar do Governo Wanderlei Barbosa?

Farei o contrário.  Direi o que não esperar do Governo Wanderlei Barbosa. Não espere um governo diferente do que ai estava. Pois se trata de uma gestão de continuidade. Nomear um novo secretariado não significa mudar o projeto de Governo pelo qual ele foi eleito. Óbvio, agora é ele quem dá as cartas, ao contrário de quando era apenas o vice. E dando as cartas deve trabalhar para se efetivar na cadeira de Governador.

E quanto a nós?

Como bom espectadores que nos tornamos. Só nos resta aguardar os próximos capítulos para vê o que acontecerá. Pois uma coisa é certo. Nada é certo se tratando de política tocantinense. Como diz Fauzi Beydoun, em uma das suas composições, “quem perde poderá ganhar, quem ganha poderá perder. Quem sofre poderá gozar, quem goza poderá sofrer”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Filosofia e Projeto de Vida – promover o multiculturalismo, ensinar valores e combater a violência

Por que a Filosofia para crianças deve fazer parte do currículo do Século XXI? Para promover o multiculturalismo, ensinar valores e combater a violência. É o que propõe David Sumiacher – Licenciado em Filosofia, Mestre e  Doutor  em Pedagogia pela Universidade Autónoma do México  (UNAM). Como isso é possível? É o que veremos nas linhas a seguir.

David Sumeacher (2020) começa por lembrar que desde a cultura clássica Grega a Filosofia é ensinada aos jovens. Sócrates, um dos seus grandes representantes é um bom exemplo disso. Aliás, quando foi condenado a morte, entre as acusações que pesava sobre seu ombro era o de corromper os jovens. Diante disso pode se dizer que para parte da cultura grega, o filosofar com crianças e jovens não era algo estranho. Para Sumeacher (2020) isso não é exclusivo da cultura ocidental. No Oriente há casos documentados de crianças e jovens que estudavam e exercitavam práticas filosóficas em monastérios budistas. 

No contexto atual a Escola tornou-se sobretudo um espaço voltado para formar cidadãos. Diante disso Sumeacher (2020) questiona por que não há de ter Filosofia nessas escolas? Não seguimos necessitando disso? Desse modo, por que a Filosofia não é parte do currículo da Educação Básica? É então que o nosso autor propõem três argumentos para defender a Filosofia na Educação Básica: “Uno de ellos es el multiculturalismo, otro el enseñar valores a partir de interacciones y no meras enunciaciones y el tercero es el combate contra la violencia”. Vejamos cada um deles. 

O Multiculturalismo 

Com um nivel elevado de diversidade nas nossas sociedades o multiculturalismo torna-se um tema atual e necessário. É o que nos diz Sumeacher (2020) que também salienta que as crianças de hoje escolhe seu caminho.  Desse modo há que se questionar: De que maneira formaram um critério para eleger entre tantas possibilidades? Será que poderam eleger? No meio dessa diversidade a Filosofia pode dar uma contribuição importante. Sobretudo ao colocar a criança como protagonista do processo de construção da sua identidade. Buscando relacionar com a valorização da diversidade. 

Educar nos Princípios Básicos e nos Valores Universais

Não é nenhuma novidade falar do papel da Educação na formação de uma consciência cidadã através do Ensino de princípios básicos e valores universais. Sobretudo o respeito, o compartilhamento, a cooperação e o diálogo. No entanto há uma grande contradição. O Professor que ensina a esculta, não escuta. Ensina a compartilhar e a cooperar, porém não compartilha e nem coopera. O ensino desses valores não tem sentido. É preciso que isso reflita na prática de ambos, tanto dos professores como dos estudantes. É por isso que para Sumeacher (2020) a forma de trabalhar com perguntas e diálogo fica empobrecida. Sobretudo por que as perguntas esperam respostas predefinidas ou que leva ao que o Professor considera que são esses valores, sem que realmente saiba a origem das ideias que busca ensinar. 

Nosso autor ressalta  (2020) “la educación que solo guía pero no enseña a “guiarse a sí mismo” tiene en general la mítica creencia de que el otro en algún momento lo hará, que tomará la iniciativa para sí, pero esto es una idea completamente falsa”. Ele continua: “La filosofía para niños no es solamente un conjunto de temas, conceptos o valores a ser presentados, también es una variedad de enfoques metodológicos o perspectivas educativas de trabajo en donde el Otro, el niño, tiene un lugar fundamental”. E concluí esse tópico falando como a incoerência castra o pensamento autônomo: “hablar de una cosa, pero hacer lo contrario, es una de las mejores formas para generar una negación en la aceptación de aquello que se está diciendo o invitando a pensar”. Desse modo, ensinar valores deve se partir de interações concretas, relações baseadas no respeito, no compartilhamento, na cooperação e no diálogo. 

Combater a Violência 

Para David Sumeache (2020) a violência através de uma retroalimentação de si mesma, opera como um mecanismo reativo de defesa diante de uma realidade que se apresenta inóspita. Diante disso nosso autor questiona: De que maneira faremos mais hospitaleira a realidade que os meninos vivem? Como buscaremos modificar as relações baseadas na agressão e no maltrato?

Um ponto importante nesse sentido é a necessidade da sociedade criar sólidos mecanismos de reconfiguração dos vínculos, de consideração e valorização, assim como de uma escuta ativa.

Mas como a Filosofia para criança pode contribuir para diminuir a violência? Questiona nosso autor, que responde: “Principalmente porque nos ayuda a recrear nuestros vínculos tocando temas de interés bajo un contexto de cuidado del outro”. Isto é, trabalhando o autoconhecimento e o auto cuidado mas sem esquecer do cuidado com o outro, isto é, o aprender a conviver – estabelecer vínculos – valorizar a vida e do outro de maneira prática e metodológica. 

Para David Sumeacher (2020) “introducir este tipo de acción y compromiso en la educación básica, implica una formación integral de los docentes, requiere acercarse a sus procedimientos y no sólo a sus conocimientos”. É por ai que se combate a violência de maneira efetiva. Conclui o nosso autor, salientando para seguinte questão: La filosofía para niños no es algo ‘extraño’ que queramos introducir hoy en nuestras sociedades, realmente lo extraño es no tener un espacio filosófico de formación que permita a los ciudadanos ser constructores de su identidad y definir proyectos de vida que beneficien a nuestra comunidad, a nuestro país y a nosotros mismos.

Na sua conclusão aparece o termo Projeto de Vida. De acordo com esse autor para a criança e o jovem ter condição de definir um projeto de vida que beneficie não apenas a si, mas que também pense na comunidade, é necessário uma formação filosófica que no mínimo promova o multiculturalismo, ensina valores e combata a violência. 

Creio que essa reflexão é fundamental para pensarmos como trabalhar o Componente Curricular de Projeto de Vida, sobretudo no Ensino Fundamental – que só tem sentido se trabalhado numa perspectiva de Filosofia para crianças. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Circo de Caixeiras em Lajeado – uma experiência estética marcante

Era um domingo a tarde em Lajeado. A chuva resolveu dar o ar da graça – algo maravilhoso sobretudo por essas bandas onde existe uma lenda sobre o fato de não chover muito como nas cidades vizinhas. Mas logo naquele dia onde ocorreria a última etapa do Projeto Cultural Circo de Caixeiras da Trupe-Açu? Cheguei a pensar que não aconteceria. Mas não é que a chuva passou e propiciou um clima ainda mais gostoso para que a Trupe fizesse a alegria da criançada?!

As pessoas que estavam circulando, naquele domingo á tarde, na Praça das Crianças, em Lajeado. Olhavam á distancia, com um olhar desconfiado, a  aquela trupe. Já as crianças, naturalmente curiosas, não só olharam, logo se aproximaram e foram convidadas a assistir os espetáculos. E assim o receio inicial diante do diferente, foi desaparecendo a medida que uma criança saía deslumbrada falando para as demais da experiência que tivera. O resultado foi uma maratona que exigiu da Trupe muita disposição. 

As crianças, estavam tendo a oportunidade de ter uma experiência estética que não é muito comum no interior tocantinense – carente de eventos culturais mais diversificado, sobretudo na área das Artes Cênicas. E ai está um dos méritos desse Projeto contemplado com recursos estaduais da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Além do Lajeado, que foi escolhido para ser o lugar de encerramento do Projeto. A Trupe também esteve em Taquarussu (Palmas), Porto Nacional e Paraíso.

Utilizando o Teatro Lambe Lambe, o Circo de Caixeiras consistia na apresentação de três

micro espetáculos (“Camarim da Pulga”, “Tá tudo Kombinado” e “Rua do Soleil”) contados por Giovana Kurovski, Ester Monteiro e Belyza Bittencourt. Cada espetáculo,  me disse Giovana, eram inspirados na vida delas como artistas circenses – três estórias diferentes, mas que se cruzam no amor pela arte de fazer rir. Seja numa Kombi ou na Rua.

No olhar de encantamento da criançada naquela tarde em Lajeado podíamos sentir o impacto daquela experiência. Elas circulavam entre uma caixa e outra comentando entre si qual espetáculo mais haviam gostado e qual havia sido o mais divertido. Foi interessante notar que para alguns o mais divertido, não foi necessariamente o que mais gostaram. Alguns assistiam o espetáculo até mais de uma vez. E Giovana com todo o seu jeitinho calmo perguntava: - Você quer assistir de novo por que gostou muito ou por que não entendeu a estória?

Alguns olhavam curiosos para aquela engenharia jurando que dava conta de fazer: - É só pegar uma caixa de papelão. Você vai ver. Vou fazer uma para mim. E aparentemente parece ser fácil. Mas não é tão fácil assim. Requer muito profissionalismo para que o simples consiga ti transportar para outra realidade, tal como fez a Trupe.

Muitas daquelas crianças nunca tiveram a oportunidade de ir ao Teatro. E talvez, já mais terão. Mas naquela tarde, por alguns instantes, era como se eles tivessem no Teatro. Como disse Ester – é uma experiência que muitos deles já mais vão esquecer. Foi desse comentário que me veio a ideia de experiência estética marcante.

De acordo com Erikson Rodrigues do Espírito Santo (2019) “a partir do momento em que o ser humano se encontra maravilhado com a totalidade do percebido por conta do seu estado estético diante de uma obra de arte, sua percepção deixa de ser utilitária e passa a ser estética, nesse instante acontece a experiência estética.”

Me emocionei assistindo os três espetáculos, mas me emocionei mais ainda ao ver a alegria no olhar das crianças. E ali percebi a importância de propiciarmos experiências estéticas para elas. Nós que trabalhamos com o Componente Curricular de Arte na Educação Básica, sobretudo no interior. Sabemos o quanto isso é difícil. Por isso projetos como o da Trupe-Açu são bem-vindos. Esperamos que isso possa se repetir mais vezes na nossa cidade. Para tanto o apoio do poder público é fundamental. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.