sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Educação em Lajeado: Limites e desafios

Reconhecer nossas limitações é condição sine qua non para superá-las. Nesse sentido o objetivo desse artigo é contribuir para identificar quais os desafios da Educação em Lajeado para que possamos avançar no sentido de garantir uma formação básica de qualidade.

Lajeado tem uma situação orçamentária privilegiada em relação aos municípios do mesmo porte. Além de todo o seu potencial de desenvolvimento na área do turismo, com uma localização estratégica próximo a capital tocantinense. De modo que não falta condições para que desenvolva políticas públicas que atenda as necessidades das pessoas que aqui vivem. Entre essas políticas, uma educação de qualidade. 

Falar da importância da educação é dizer mais do mesmo. Porém precisamos continuar reafirmando enquanto esta continuar sendo prioridade apenas nos discursos. Ora, entra governo e sai governo e é sempre a mesma história. Dizem: - educação deve ser prioridade. Qualquer pesquisa de opinião pública também encontraremos a educação na lista de prioridades. E na academia então –anualmente são centenas de pesquisa reafirmando a sua importância.  Enquanto isso na prática pouco ou nada muda – as vezes até retrocedemos.


Educação em Lajeado 

Quando falamos em educação em Lajeado estamos nos remetendo a rede pública de ensino. Já que no município não temos instituições particulares. E quando falamos em rede pública de ensino ela se divide em  duas: uma de responsabilidade do município e outra do Estado. A rede pública Municipal é composta por três unidades educacionais (Centro Educacional Infantil Dona Antonia, Escola JK e Escola Sebastião de Sales Monteiro) onde oferta educação infantil, ensino fundamental anos iniciais e finais. Já a rede pública estadual é responsável pelo Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência que além do Ensino Médio também oferta turma dos anos finais do Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos – terceiro segmento.

De acordo com o censo escolar (2021) o público atendido pela rede pública de ensino, tanto municipal como estadual, são de famílias da classe média e baixa – que tiram o seu sustento do serviço público, do trabalho no setor de serviço e comércio local, do trabalho informal, da pequena agricultura e da pesca.

Para grande parte desses estudantes a escola não é apenas um local onde terão acesso a uma educação formal básica para então buscar  um curso técnico ou superior. E a partir daí vislumbrar uma melhor colocação no mercado de trabalho e por conseguinte uma melhor qualidade de vida. É sobretudo um espaço de acolhida e de proteção de um ambiente doméstico muitas vezes problemático. De acesso a eventos e bens culturais que contribuam para uma formação mais humana. De uma alimentação saudável. De socialização e criação de vínculos. Em suma, de oportunizar as crianças e adolescentes que estão numa situação de vulnerabilidade social, um caminho para transformar sua vida através da educação. 

Nesse contexto nos cabe questionar. A educação em Lajeado tem cumprido esse papel? O que é preciso fazer para melhorar? Temos escolas bem equipadas e estruturadas? Temos profissionais qualificados e valorizados? Temos um currículo atrativo alinhado aos desafios da contemporaneidade sobretudo no que consiste a apropriação dos recursos tecnológicos de forma crítica? 

Se nos deixarmos guiar unicamente pelos índices educacionais como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) corremos o risco de nos iludirmos, ou desiludirmos de vez. É necessário fazermos uma avaliação seria se quisermos de fato ter a dimensão verdadeira da qualidade do ensino no nosso município. O que nos levará a seguinte conclusão: estamos aquém do nosso potencial e reconhecer isso é fundamental se quisermos avançar. 


Escola de tempo integral

As redes de ensino que se destacam entre as melhores do país tem em comum o avanço de escolas de tempo integral. Um aspecto ressaltado na experiência do Estado do Ceará, por exemplo, é que além da melhora no desempenho escolar. Também  houve uma melhora nos índices de combate á violência – com uma redução signficativa de casos nos territórios onde há escolas de tempo integral. Pois mais tempo na escola significa menos tempo ocioso. 

Diante do contexto socioeconômico que destacamos acima seria um enorme ganho para cidade de Lajeado escolas de tempo integral. Mas óbvio, isso não ocorre do dia para noite – sem planejamento, sem estrutura, sem profissionais qualificados para trabalhar nesse novo contexto, sem uma grade curricular que atenda a realidade local – que estimule o aluno a querer ficar o dia todo na escola por interesse e não por obrigação. 


Absorção do ensino fundamental pela rede pública municipal

Do ponto de vista da legislação educacional a responsabilidade pelo ensino público é dividido entre municípios, Estados é União. Sendo que prioritariamente os municípios e Estados são responsáveis pela educação básica e a União pelo ensino técnico e superior. Em relação a responsabilidade de municípios e Estados. Os primeiros são responsáveis pela educação infantil e ensino fundamental. Já o estado é responsável pelo ensino médio, e agora com o novo ensino médio, também o ensino técnico. No entanto pela falta de condições de alguns municípios, o Estado assume a oferta do ensino fundamental. 

Em Lajeado ainda temos essa realidade onde o Colégio Estadual oferta turmas do Ensino Fundamental (anos finais). No entanto a tendência é que a rede municipal assuma de forma integral a sua responsabilidade no atendimento dessa demanda. Isso já vem ocorrendo de forma gradativa ao longo dos anos, mas que  acelerou com a queda de matrícula nas redes. Com isso a tendência é o Colégio Estadual se tornar um centro de ensino médio, e quem sabe no futuro, desde que seja construído uma nova estrutura (e haja mobilização da comunidade), possa se tornar uma escola de tempo integral com a oferta de ensino técnico. 

Mas cabe uma observação em relação a absorção do ensino fundamental pela rede municipal de ensino. No atual contexto trata-se de uma perda para cidade. Primeiro por que eliminará a possibilidade das famílias escolher onde matricular os seus filhos. Segundo por que a mudança pode acarretar numa perda de qualidade do ensino e terceiro por que afetará no emprego de muitos profissionais.  

Outro aspecto importante a se ressaltar é que não se observa por parte da rede pública municipal de ensino nenhum programa de enfrentamento ao analfabetismo ou a oferta de turmas para atender um grande número de pessoas que não concluíram o ensino fundamental. De modo que antes de absolver um público que está sendo atendido deveria estar havendo uma preocupação com quem não está. 


As redes e a queda de matrícula 

O censo escolar tanto das escolas da rede municipal como do Colégio Estadual mostra uma queda no número de matrículas. O primeiro ponto a se ressaltar é que isso não é uma particularidade do Lajeado. No entanto, aqui tem alguns fatores que pode nos ajudar a compreender esse fenômeno. O primeiro ponto é a questão socioeconômica. Segundo o IBGE (2020) só 25% da população possuí uma ocupação. Isso significa dizer que um número significativo da mão de obra em Lajeado não tem trabalho fixo o que obriga muitas famílias a se deslocarem para outras cidades em busca de emprego – o que obriga as famílias a ter que tirar os filhos da escola. Há também aqueles estudantes que são obrigados a escolher entre o trabalho e a escola. E acabam optando pelo primeiro por uma questão de sobrevivência. Há também aqueles atraídos para criminalidade. Ou ainda, que não se sentem inseridos no ambiente escolar. E por fim, em menor número, há os que vão estudar em escolas militares ou o IFTO nos municípios vizinhos (Miracema e Palmas) acreditando que ali terão um ensino de melhor qualidade e por conseguinte mais oportunidades. 

No caso dos estudantes que estão na zona rural, sobretudo na Comunidade Pedreira. Muitos jovens acabam se deslocando para cidade em busca de trabalho ou mesmo de uma vida cultural que não encontram no campo. Com isso ou abandonam a escola ou se transferem para uma unidade de ensino na cidade.

Esses diferentes fatores mostra que reverter essa queda no número de matrícula na rede de ensino do municipio e do estado em Lajeado, exige mais do que ações de busca ativa permanente. Trata-se de uma questão que ultrapassa a esfera educacional e exige medidas que envolva toda a comunidade. 

Uma coisa é fato. Mudanças são necessárias. Mas essas mudanças precisam ser bem pensadas e planejadas para que não acabe ocorrendo o contrário. Pois ao invés de combater a evasão acaba contribuindo para o seu aumento. Isso Por exemplo é o que pode acontecer com o novo ensino médio que promete aquilo que por enquanto não tem conseguido entregar – o protagonismo juvenil. Por tanto mais do que nunca os espaços de decisões coletivas tem que funcionar de fato. Sobretudo o Conselho Municipal de Educação com  participação efetiva de toda a sociedade.


Para concluir

Ao longo desse artigo buscamos mostrar os limites e desafios da política educacional de Lajeado concretizada através das ações realizadas pelas unidades de ensino que compõem a rede municipal e o Colégio Estadual. Mais do que buscar culpados e ficar apontando o dedo para estes. Propomos uma reflexão acerca dos limites e desafios. Bem como fazendo apontamentos para sua superação. Desse modo concluímos com Paulo Freire dizendo: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” Por tanto, se vislumbramos mudanças de fato em Lajeado, essas necessariamente passa por uma melhoria na política educacional vigente. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.


domingo, 15 de janeiro de 2023

E vamos nós – Poema: Pouso das Araras

Mais um ano. Mais um ano por aqui. Como diria o saudoso António Abujanra continuamos navegando no incerto e cotivando a dúvida. Acho que já falei isso. Mas é sempre bom reafirmar. Recentemente alguém comentou em um post que havia gostado muito de ter encontrado um blog ativo em pleno 2022. De fato não é tão comum. Há um bom tempo que a moda dos blogs passou. Aliás quando criei este já estavam em descenso. Mas como nunca me preocupei com números ou modismos, isso não foi motivo para que eu deixasse de manter o meu atualizado. E assim tenho feito nesses últimos 11 anos. Isso, mesmo – 11 anos de existência. E continuamos por que o prazer e a necessidade de escrever só aumenta. Por tanto o que não falta é conteúdo para alimenta-ló. 

Comecemos 2023 com poesia. Este poema foi escrito em meados de 2022. Chama-se pouso das araras. Leva o nome do lugar onde tive a inspiração de escreve-ló – uma pousada sustentável localizada na Serra do Lajeado região da Comunidade Pedreira (Zona Rural do município de Lajeado). A qual tivemos o privilégio de conhecer numa aula campo de um projeto de educação ambiental realizado pela Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do CENSP-Lajeado. Lembro que encantado com o local sentei num cantinho e comecei a rascunhar os versos no meu tablet. Quando cheguei a tarde em casa dei uma lapidada final e pronto. Eis ai o resultado:


Pouso das Araras

Baby, se tu soubesse 
Como a vida é cara.
Não perderia tempo
Remoendo mágoas. 

Baby, se tu soubesse 
Como a vida é cara. 
Jogava fora o ansiolítico
E uma bike comprava.

Baby, se tu soubesse 
Como a vida é cara.
Desligava o celular 
E aos gregos se apegava.

Baby, se tu soubesse, 
Como a vida é cara.
Fugiria comigo
Lá pro pouso das araras.

Pedro Ferreira Nunes - Comunidade Pedreira. 03 de Junho de 2022.



sábado, 10 de dezembro de 2022

Breve análise do cenário político no Tocantins pós-eleições

Ainda que tenha votado majoritariamente na candidatura de Luís Inácio Lula da Silva para presidente. O resultado eleitoral de 2022 no Tocantins reforçou  uma hegemonia conservadora representado pela vitória do Republicanos – partido que nacionalmente compunha a base do Governo Bolsonaro. O alinhamento com o governo do atual mandatário da República ficou evidente quando quase a totalidade dos eleitos no primeiro turno abraçaram sua campanha no segundo turno.

Óbvio, que historicamente os políticos tocantinenses acabam se aliando com quem está no poder. De modo que a tendência após o primeiro de janeiro é essa. O discurso já mudou. Como pudemos perceber na fala do Governador Wanderlei Barbosa na conferência do clima da ONU. E não será nenhuma novidade se deputados como Carlos Gaguim (ferrenho defensor do Bolsonaro) compor a base do futuro governo Lula. Para esses políticos a sobrevivência política está acima de questões ideológicas. De modo que a preocupação é em ter força política para retribuir o apoio e fortalecer suas bases eleitorais nos municípios. 


Wanderlei e Dorinha

Não precisa ser um expert no assunto para apontar que Wanderlei e Dorinha foram os maiores vitoriosos nas eleições estaduais. Não só por terem conseguido ser eleitos. Mas sobretudo como foram eleitos, isto é,  com uma vantagem expressiva sobre seus adversários. Além disso, no caso do Governador, elegeu uma base de apoio confortável. 

É importante salientar que tanto Wanderlei como Dorinha não são novidades na política tocantinense. Ambos são políticos com uma longa trajetória na vida pública. Mas que agora chegam ao seu ápice. Ele ao ser eleito Governador, ela a Senadora. 


Desafios do Governo Wanderlei 

Por todo esse histórico na política torna-se bastante previsível o que teremos pela frente – um governo aliado aos interesses do agro. Mas que no entanto deverá conciliar esses interesses com a pauta da sustentabilidade exigida no cenário Internacional. Não será uma tarefa fácil pois trata-se de um setor que acredita que o Estado deve estar ao seu serviço tanto na concessão de benefícios fiscais como ignorando crimes ambientais como desmatamento ilegal, grilagem e uso abusivo de agrotóxico.

Além disso, o Governo Wanderlei também não tem como fugir do enfrentamento a pobreza, em especial a fome, a falta de condições básicas de moradia e a segurança pública. Na saúde e educação então, nem se fala. É cada vez mais insustentável a não realização de concursos públicos, sobretudo na área da educação que tem nos seus quadros hoje uma quantidade substancial de contratatos. Outro ponto é a necessidade de adequar, do ponto de vista estrutural, as escolas para atender o novo ensino médio. Já na saúde será necessário um investimento maior nos hospitais do interior, descentralizando o serviço de alta complexidade. A cultura, tão desprezada nos últimos governos, assim como o esporte, precisaram de ações concretas e permanentes. Nesse sentido espera-se que a volta do salão do livro não fique apenas como promessa de campanha, bem como a disponibilização de editais culturais para todas as áreas. 

Diante disso, se por um lado Wanderlei contará com uma base de apoio confortável para que possa governar com certa tranquilidade. Por outro lado temos um cenário desafiador diante do contexto de crise que o país está passando. Bolsonaro deixa um país quebrado que não será fácil recuperar tão facilmente. Sobretudo por que do ponto de vista internacional a situação também não está nada boa. De modo que o governo Wanderlei precisará estabelecer prioridades. Quais serão? Aguardemos. 


Aos perdedores...

Mesmo não tendo disputado nenhum cargo público nas eleições de 2022 o Senador Eduardo Gomes sai como um dos grandes derrotados. Tido como um dos políticos tocantinenses mais hábil, com uma capacidade de articulação inquestionável, não conseguiu eleger o seu candidato ao Governo Estadual, e como líder do Governo Bolsonaro no Senado, assistiu sua derrota para Lula no Tocantins tanto no primeiro como no segundo turno. Agora lhe resta 4 anos de mandato no Senado para que possa se refazer, afastando-se do Bolsonarismo e reconstruindo sua base no Estado para a disputa de 2026 – onde poderá concorrer a reeleição ou se aventurar ao Governo Estadual. 

Outra derrota que chamou atenção, que nos surpreendeu, foi a do MDB. Este que é certamente a organização partidária mais tradicional do Tocantins amargou um duro resultado ao não eleger nenhum candidato para a Assembléia Legislativa e Congresso Nacional. Com uma forte raiz no interior, o MDB sempre conseguiu votações expressivas, tanto que nas eleições municipais é sempre um dos partidos que mais elege prefeitos. Dessa vez nem o casal Miranda conseguiu ser eleito. E olha que o Marcelo estava disputando o cargo de Deputado Estadual.

Outra derrota, essa nem um pouco surpreendente, foi da família Abreu. Tanto a candidatura aventureira de Irajá ao Governo como da Kátia ao senado não obtiveram êxito. No caso da Kátia, que nos últimos anos passou por uma espécie de metamorfose política assumindo um tom mais moderado, a vitória do Lula lhe beneficiará pois ela certamente terá algum espaço nesse novo governo. Irajá por sua vez tem quatro anos no senado para, assim como Eduardo Gomes, se refazer.

Ainda no hall dos derrotados temos Amastha, que teve uma merecida lição após o golpe dado no pré-candidato a senador Wanderley Luxemburgo. E com isso acabou prejudicando o seu partido que não teve crescimento a nível eleitoral apesar de ter eleito um parlamentar para a assembléia legislativa. Com isso precisará trabalhar bastante para chegar em condição de competitividade as eleições municipais de 2024 – onde poderá disputar a prefeitura da Capital.

Ainda nesse sentido, não poderíamos deixar de falar do Partido dos Trabalhadores  (PT), que mesmo com a vitória do Lula no primeiro e segundo turno no Tocantins. E uma votação expressiva do Paulo Mourão. Não conseguiu eleger nenhum candidato para a Assembléia Legislativa e nem para o Congresso Nacional.

Enfim, esse é o cenário político no Tocantins pós-eleições de 2022. Um cenário construído a partir de uma breve análise dos vencedores e perdedores. Assim como dos desafios que terão pela frente. Esse cenário não é estático. Para modifica-ló ou mantê-lo,  dependerá de como esses atores se movimentaram no tabuleiro do jogo político no Tocantins. Há outros nomes certamente, mas os destacados aqui são aqueles que tem uma relevância maior no cenário político local.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Conto: Calculei errado

“O que você não quer, eu não quero insistir..."
Engenheiros do Havaí 


Havia algo no sorriso e no olhar dela que me atraía. E não demorou para eu perceber que estava apaixonado. Não era a primeira vez, aliás isso acontece até com uma certa frequência. Mas são afecções passageiras que logo supero. Com ela, no entanto, era diferente. Mesmo não vendo da parte dela nenhuma reciprocidade. 


O tempo foi passando, cada dia ela parecia ficar mais distante de mim, no entanto quando ouvia sua voz não tinha como evitar que meu coração batesse no ritmo das baquetas do Motorhead. Quando então via o olhar e o sorriso que ela sempre trazia no rosto, era como se um solo de guitarra do Jimmy Hendrix tocasse naquele momento. Eu desejava ela, está com ela, cuidar dela, amar ela, viver com ela. Ah, há muito tempo que uma mulher não mexia tanto comigo daquele modo. 


Eu pouco sabia da vida dela. E as horas de convivência que tínhamos eram insuficientes para que pudéssemos construir uma relação mais pessoal. No entanto nas nossas breves conversas eu não perdia a oportunidade de pescar algo. E cada vez que eu pescava algo, mais eu queria pescar – mais próximo eu queria ficar. E nesse querer ficar mais próximo, confundi amizade com paixão. Não me segurei, arrisquei e me declarei. Calculei errado, me dei mau.


Talvez seria mais sensato da minha parte criar mais intimidade com ela. Sair mais vezes para caminhar, tomar cerveja, jogar conversa fora nas madrugadas. Talvez nessa convivência ela despertasse algum interesse por esse ser recalcitrante. Mas eu apaixonado em demasia não via a hora de abraça-la, beija-la, de tê-la em meus braços. E então decidi arriscar e me declarar – deixar claro o meu sentimento por ela.


Recebi um não como resposta. Não posso dizer que tenha sido uma surpresa. Mas que eu esperava uma resposta diferente, eu esperava. No entanto sei bem que entre o que esperamos e o que acontece há uma distância considerável. Não vou negar que eu não tenha ficado triste. Por outro lado compreendi que era melhor assim. Era melhor encarar a realidade, ainda que uma realidade triste, do que ficar me iludindo – ficar alimentando uma vã esperança. 


Diante do não dela a minha atitude não poderia ser outra. Preciso me afastar, para que eu consiga destruir dentro de mim esse afeto que me faz quere-la tanto. Será uma guerra comigo mesmo. E como todas as guerras não será fácil. Não será fácil,  mas vou conseguir. 


Seria mais fácil se ela tivesse me dado algum motivo para odiá-la. Mas isso não aconteceu. A verdade é que tenho que agradece-la.  Pior seria ter me iludido – dizer que sentia algo por mim que não sentia. Pois como diz a letra da canção: “diga a verdade, doa a quem doer.”


Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. 

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Hanna Arendt: Onde estamos quando pensamos?

É essa pergunta que a filósofa Hannah Arendt se faz no quarto capítulo do seu livro “A vida do Espírito”. A sua resposta passa por uma reflexão acerca do espaço-tempo, isto é, por uma boa dose de metafísica. Ela faz isso em diálogo com diferentes autores, chegando a conclusão de que o lugar do ego pensante está no presente, mais especificamente numa lacuna entre passado e futuro.

O ponto de partida da nossa filósofa (2000) é uma caracterização do ego pensante. Nesse sentido a primeira ideia é de que este não segue uma ordem. Interrompe a qualquer momento as atividades do cotidiano e é por essas atividades interrompidas. Ela destaca que “as manifestações das experiências autênticas do ego pensante são múltiplas”. E que esse “ego pensante já mais poderá alcançar a realidade enquanto tal”. De acordo com nossa filósofa (2000) “a intensidade da experiência do pensamento, isto é, a oposição entre pensamento e realidade só se dá quando o mundo se torna irreal”. Nessa mesma linha ela afirma que o pensamento lida “com ausências e abandona o que está presente ao alcance da mão”. Arendt (2000) afirma que “a realidade e existência que só podemos conceber em termos de espaços-temporais podem ser suspensas temporariamente”. Isso se dá através do ego pensante, que durante sua atividade busca o significado geral das coisas. Por isso para nossa autora “o pensamento sempre generaliza”. 

Do ponto de vista espacial o pensamento fala de “lugar nenhum”. Ora, como é possível falar de lugar nenhum? Estamos diante de um conceito-limite, a exemplo do vazio e do nada. Para nossa filósofa esse tipo de conceito nos possibilita aprofundar determinadas reflexões, buscando supera-las. Na questão em análise, Arendt  (2000) nos leva a conclusão de que não é possível responder a pergunta onde estamos quando pensamos a partir unicamente da perspectiva espacial. Ela então chama atenção para o aspecto temporal.

Não somos seres apenas localizados espacialmente, mas também temporariamente. A noção do tempo nos leva necessariamente a compreensão de que existe um início e um fim. E se há um fim, em tão somos finitos. Para nossa filósofa “a consciência da nossa finitude se dá a partir da compreensão de tempo infinito que vai do passado ao futuro”. Nós vivemos no presente, que se torna um campo de batalha pelo conflito permanente entre passado e futuro – “um não-mais que o empurra para a frente e o um ainda-não que o empurra para trás”. Nesse contexto a única certeza que temos é a morte.

A consciência da nossa finitude faz com que o ego pensante não seja limitado pelo cotidiano. Ele trava uma batalha contra o próprio tempo, pois enquanto esse é infinito, nós estamos aprisionados em um corpo que é finito.

Diante disso Arendt (2000) afirma que o lugar do ego pensante pode ser determinado do ponto de vista temporal. Ele está localizado temporariamente numa lacuna entre passado e futuro, isto é, no presente. 

De acordo com as palavras da nossa filósofa:

“as duas forças antagônicas, passado e futuro, são indefinidas quanto a origem. Observadas da perspetiva do presente, que se encontram no meio delas, uma vem do passado infinito e a outra vai para o futuro infinito. Mas embora o começo seja desconhecido, elas têm um fim, o ponto que elas se encontram e colidem, que é o presente. A força diagonal  (cadeias de pensamento) é o contrário”.

Em suma, enquanto passado e futuro têm um fim conhecido, isto é, elas desembocam no presente. O pensamento por sua vez, partindo do presente, não tem um fim determinado. 

A partir daí o que podemos concluir? Mais importante do que saber onde estamos quando pensamos, é saber que pensamos. E que esse pensamento é fundamental para uma vida ativa. Pois ele nos possbilita ir além das limitações que o cotidiano nos impõe.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

A Eletiva “Introdução a História do Lajeado” e Lançamento da Revista de Entrevista “Aos pés do Morro do Segredo”

Quando soube que iria trabalhar uma disciplina eletiva na Educação de Jovens e Adultos  (EJA), eu tinha uma certeza – não iria tentar reproduzir uma daquelas ofertada pelo cardápio elaborado pela Secretaria Estadual da Educação (SEDUC-TO), por entender que não atendiam ao contexto que estávamos inseridos. Desse modo, mesmo sendo um caminho, a priori, mais trabalhaso, optei por elaborar uma disciplina do zero.

O nosso ponto de partida foi elaborar um cardápio com sugestões de eletivas. Para tanto levei em consideração as escutas realizadas no componente curricular de Projeto de Vida. Num segundo momento esse cardápio foi submetido aos estudantes – que para minha surpresa (surpresa positiva por se tratar de uma temática que aprecio muito) optaram pela introdução a história do Lajeado. A partir daí o próximo passo foi elaborar o plano da disciplina de acordo com a estrutura estabelecida pela SEDUC-TO. Em seguida, com o plano finalizado, foi o momento de iniciar as aulas propriamente.

A eletiva “introdução a história do Lajeado” foi concebida para ser desenvolvida tanto numa perspectiva teórica como prática, seguindo a perspectiva da filosofia da práxis. A partir daí embarcamos numa viagem pela história da cidade e nessa viagem também conhecemos mais um pouco da história do Tocantins, já que estão intimamente ligadas. Entre os objetos de conhecimento trabalhados destacamos: Formação do antigo Norte Goiano e os aspectos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais da cidade de Lajeado – seu processo de emancipação política, o legado das diferentes gestões a frente da prefeitura municipal, o impacto da construção da UHE Luiz Eduardo Magalhães, entre outros.

Enquanto isso os estudantes eram preparados para uma atividade de campo – que consistia na entrevista com pessoas da comunidade. 

Uma atividade de campo exige todo um preparo anterior. Por exemplo, discutimos o objetivo da atividade, sugestões de nomes para as entrevistas, o roteiro de entrevistas, as formas de registro e sistematização das entrevistas. Para daí então, com tudo isso em mãos na forma de instrumentais de pesquisa é que os estudantes foram liberados para ir a campo. 

Essa preparação permitiu que a atividade de campo ocorresse sem maiores dificuldades. Com isso o produto da pesquisa nos foi encaminhado pelos estudantes para que pudéssemos sistematizar no produto final que será disponibilizado para o público, ou seja, a revista de entrevista. 


Esse produto final poderá ser conferido no seu lançamento (numa noite cultural aberta para comunidade) que ocorrerá no dia 01 de dezembro de 2022, as 19h30, no pátio do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. Na oportunidade o público também poderá apreciar o curta metragem sobre o povo Asteca, produzido pelos estudantes da eletiva (Pensamento e Cinema) ministrada pelo Professor Carlos Ribeiro.

Durante as aulas da eletiva introdução a história do Lajeado, tivemos algumas dificuldades. Talvez a maior tenha sido a infrequencia da turma e um engajamento maior nas atividades propostas. Mesmo assim, ao final saímos com a sensação de missão cumprida. Isso foi se dando sobretudo a medida que eu ia recebendo as entrevista e vendo a riqueza das mesmas. 

Os estudantes foram muito felizes na escolha dos entrevistados. Temos 7 entrevistas, com pessoas de diferentes idades e origens, que evidenciam o mosaico de diversidade que é a cidade do Lajeado. Entrevistas que trazem história que eu não conhecia, histórias que acredito que muitos também não conheçam. E isso evidência muito a importância do trabalho realizado. 

Lembro que numa aula discutindo sobre essas entrevistas com os estudantes comentavamos a importância das mesmas como registros históricos importantes. A falta desses registros faz com que parte da nossa história se perca quando alguém da comunidade morre, sobretudo os mais idosos, e leva consigo todo um conhecimento que poderia ser registrado.

Há alguns anos já havíamos chamado atenção para escassez de registros históricos acerca da cidade de Lajeado. Desde então, não tivemos muitas mudanças nesse sentido. Diante disso acredito que a disciplina eletiva introdução a história do Lajeado cumpriu um papel importante nesse esforço, que deve ser coletivo, de sistematização da história da comunidade. E como produto final dessa aventura legamos a comunidade a revista de entrevista “Aos pés do Morro do Segredo”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO. 


domingo, 20 de novembro de 2022

Crônica: A morte do Manoel Mentira

Lá vem o Manoel Mentira – negro, alto, magro em demasia. Diziam que ele parecia um camaleão tirado o coro. Tinha um gingado diferente no caminhar aparentando um dançarino, um carote sempre no bolso e um jeito avexado de falar.

Sua fisionomia era de alguém que já havia sobrevivido uns 40 verões. Não tinha mulher e nem filhos, pelo menos que soubéssemos. Também não sabíamos sua origem – de onde vinha. Se tinha pai, mãe, irmãos.

Quando Manoel surgia no pedaço logo se pensava – qual vai ser a mentira que ele vai contar hoje? De fato Manoel tinha uma mente privilegiada – não se sabe da onde tirava tantas estórias incríveis. Estórias que não convenciam quase ninguém, por isso ganhou o apelido de Manoel Mentira.

Pobre Manoel, com um apelido desses mesmo que dissesse a verdade dificilmente acreditariam nele.

- Tô dizendo, é verdade!!! Dizia ele ao contar suas aventuras e desventuras.

- Tá bom, Manoel. Dança um reggae ai! Respondia a turma sorrindo.

E Manoel dançava, dançava como poucos, na verdade ninguém dançava reggae como ele por ali. Todos ficavam de boca aberta ao verem dançando. Depois despedia-se de todos e seguia o seu caminho.

Quando estava em Lajeado não era difícil encontrá-lo. Estava sempre no lendário pé de pequi ou na ilha verde ou ainda no quente frio – sempre tomando cachaça. E se tivesse alguma festa na cidade com certeza ele estaria lá, pois não iria deixar de dançar seu reggae. 

De vez enquando Manoel sumia da cidade: – cadê o Manoel Mentira? Onde se meteu? Todos se perguntavam. 

Manoel ia trabalhar em longínquas fazendas em quase regime de escravidão. Ficava por lá longas jornadas – dois meses e até mais. Quando chegava encantava-nos com suas estórias incríveis. Parecia nunca estar triste, sempre sorrindo, sempre feliz. 

Mas em um triste dia soubemos que Manoel tinha sido encontrado morto na fazenda onde trabalhava. Nunca soubemos da causa da sua morte – Teria alguém matado um sujeito tão incrível, que não fazia mal se quer a uma mosca? Dificilmente saberemos. O fato é que depois daquele dia a cidade não foi mais como fora outrora. 

Sem Manoel Mentira Lajeado perdeu um pouco o seu encanto – suas ruas com certeza sentiram falta daquele passo acelerado – tal como de um dançarino, aquele jeito avexado de falar, um sorriso sempre no rosto, com seu carote no bolso e as suas estórias que a todos nos encantava.

Manoel com suas estórias fazia o nosso dia mais feliz. Ele não era um contador de mentiras, apenas gostava de enfeitar a realidade para que essa fosse mais tragável. Sem suas estórias, mas, sobretudo sem tua presença por aqui, nossa vida tornou-se um pouco mais melancólica.

Por Pedro Ferreira Nunes – “um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in Roll.