quarta-feira, 15 de março de 2023

Hasta siempre Canisso!!!

Há uns dezoito anos encontrei com aquela figura nos corredores de um hipermercado fazendo compras acompanhado de um senhor (que aparentemente era seu pai). Não tive dúvida de quem era, apesar de não conhecê-lo pessoalmente. Canisso era um dos membros de uma das bandas que eu mais curtia na adolescência. E como um fã da banda era natural que eu conhecesse todos os seus integrantes. 

Uma coisa que me chamou atenção foi ver aquela figura que até então só tinha visto na televisão (tocando com sua banda) numa cena familiar fazendo compras num hipermercado. Num determinado momento ele passou ao meu lado e não me contive e perguntei: - Você é o Canisso do Raimundos? Ele muito simpático respondeu afirmativamente. Não me lembro mais o que disse. Acho que: - Sou seu fã. No que ele respondeu: - Obrigado. Daí continuei fazendo o meu trabalho e ele as suas compras.

Nesse tempo eu trabalhava como repositor de mercadoria num grande hipermercado na capital goiana. E sempre que podia não perdia a oportunidade de ir nos shows das bandas que eu só via pela televisão quando morava no interior do Tocantins. Não cheguei a ir num show dos Raimundos que nesse tempo não estava tão em evidência após a saída do Rodolfo. Mesmo assim continuava tendo a banda como uma das minhas preferidas. 

Enfim, me lembrei desse episódio ao saber do seu falecimento. Uma morte repentina – dessas que pega a todos de surpresa. A nós só resta lamentar a sua partida e celebrar a sua trajetória – e que trajetória. Canisso é certamente inspiração para muitos garotos e garotas que se aventura no baixo – uma posição considerada secundária numa banda – inclusive, segundo declaração dele, começou a tocar o instrumento por que foi o que sobrou. Mas o fez tão bem, que se tornou um ícone do instrumento ao lado de nomes como Champion  (do Charlie Brown Jr). Eu mesmo passei a apreciar o som do baixo com ele, o Flea (do RHCP) e o Achiles Rabelo (Tribo de Jah) – isso ainda no tempo do colegial quando eu, juntamente com alguns colegas, sonhava ter uma banda de Rock. 

Mesmo com a saída do Rodolfo não deixei de acompanhar os Raimundos. E sempre torci para que eles se reconstrucem. No entanto, com o passar dos anos já não era a banda que fazia minha cabeça. E com o posicionamento político do Digão então me distanciei mais ainda. Porém o Canisso continuava tendo minha simpatia, inclusive por deixar claro que o posicionamento do Digão não refletia a opinião da banda. Mas enfim, independente de qualquer coisa, o fato é que ao lado dos seus companheiros da Raimundos, ele deixa discos que são verdadeiros clássicos do rock nacional. E por isso não podemos deixar de celebrar o seu legado e lamentar sua partida, sobretudo pelo fato de que ele ainda tinha muito a nos entregar com o seu baixo. Hasta siempre Canisso.

Pedro Ferreira Nunes – é apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 


sexta-feira, 10 de março de 2023

Resenha crítica: Luzes e desejos, do Juca Monteiro

A vida, o meio ambiente e a fé, são as temáticas que perpassam a obra intitulada de “luzes e desejos” do escritor lajeadense Juca Monteiro. Publicado em 2012 pela editora Kelps, como parte do programa “Goiânia em Prosa e Verso” da Prefeitura da capital goiana, o autor debuta no mundo das letras com textos que mostram uma grande sensibilidade diante da vida, mas carente de qualidade literária.

Juca Monteiro – na verdade Justiniano Gomes Monteiro, nascido em 1949. É filho de Lajeado, de uma das famílias mais tradicionais do lugar – o que lhe possibilitou acesso a educação escolar num contexto que esta era privilégio de alguns – daquelas famílias que tinham condição de sustentar os filhos nos centros mais desenvolvidos. Concluiu a formação básica no Liceu de Goiânia – cidade onde também ingressou na Universidade Federal de Goiás, formando-se na área da Comunicação. Passando depois a atuar no serviço público. “Luzes e desejos” é o seu primeiro livro publicado, mas anteriormente já havia tido alguns dos seus textos publicados em jornais locais.

“Luzes e desejos” é divido em duas partes. A primeira intitulada de: “Vida: Sensibilidade e desafio”. E a segunda de: “Eco poético do Tocantins – Palmas”. Na primeira parte encontramos textos mais íntimos, que fala dos seus sonhos, da família, da sua fé cristã. Já na segunda parte fala do lugar onde vive, da sua terra natal, e do que lhe afeta, sobretudo o meio ambiente e as injustiças sociais. Na primeira parte não há nenhum texto que vale a pena uma menção. Já na segunda, destacaria os dois poemas que abrem a seção: Estado da Promissão e O nascer de Palmas.

Em tese, “luzes e desejos”, é um livro de poesia, mas, apesar das rimas, na sua grande maioria pobres e um tanto forçada, estão mais para prosa. Creio, aliás, que o autor seria melhor sucedido se se enveredasse pelo caminho da prosa. Como poeta, lhe sobra sensibilidade, mas falta capacidade de traduzi-la em poemas que nos afete. De modo que a leitura torna se algo custoso. Mesmo assim continuamos lendo na expectativa de encontrar algum poema que vale a pena, mas no final, saímos frustrados. 

Você que está lendo essa crítica deve está perguntando: vale a pena a leitura? Responderei citando um trecho do Dom Quixote: “- não há livro tão mau – observou o bacharel – que algo de bom não contenha”.

E o que podemos tirar de bom da leitura de “Luzes e desejos”? Isso dependerá da sensibilidade de cada um. No meu caso destacaria a sensibilidade do autor diante dos problemas ambientais. Ainda que na grande maioria dos textos, há uma limitação na forma de se expressar, não podemos deixar de reconhecer o seu esforço em materializar no papel um sentimento genuíno  (e ingênuo).

Com isso concluo ressaltando, que essa resenha crítica, apesar de dura, não tem a pretensão de desmerecer o fazer literário do Juca Monteiro (até por que estou longe de ter uma qualificação que me dê condições para tanto). Trata apenas da nossa impressão acerca da obra, a partir da leitura da mesma. De modo que é fundamental que a obra seja lida para se corroborar ou não com essa crítica. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Também se aventura no mundo literário escrevendo prosas e versos.

domingo, 5 de março de 2023

Recreação da Secretaria de Cultura e a Política Cultural no Tocantins

Grupo popular do Tocantins 
O Estado do Tocantins volta a ter uma pasta específica para gerir a Politica cultural a nível estadual. O que não acontecia desde 2016, quando o então governador Marcelo Miranda extinguiu a pasta. Mais do que atender a demanda da classe artística tocantinense, o objetivo do governador Wanderlei Barbosa foi estruturar o seu governo de acordo com a estrutura do Governo Federal. De todo modo quem ganha é toda sociedade tocantinense. 

O nome escolhido para gerir a pasta é de ninguém menos do que Tião Pinheiro – uma das grandes referências no campo das letras no Tocantins. Além do seu trabalho consagrado como jornalista, Tião se destaca como poeta e compositor. É certamente um nome de consenso da classe artística tocantinense. Tanto pelo seu trabalho de promover a cultura regional, como por ser parte dessa classe. E o fato de fazer parte dessa classe espera-se que ele tenha uma maior sensibilidade com as demandas de quem produz arte no Tocantins.

É importante saber que não dependerá só dele para que essas demandas sejam atendidas e possamos de fato ter uma política voltada para o fortalecimento da produção artística regional e as diversas expressões da nossa cultura. A Secult precisa de orçamento e um quadro de pessoal qualificado para tirar do papel o Plano Estadual de Cultura aprovado pela lei n° 4.130 de 6 de Janeiro de 2023. Sobretudo no que diz respeito a “produção, promoção e difusão de bens culturais” e “democratização do acesso aos bens de cultura”. Ou seja, garantir condições para que o artista não só produza, mas que tenha condição de levar essa produção ao público. E o público por sua vez, possa ter a oportunidade de acessar esses espaços. 

Um aspecto importante é a necessidade do desenvolvimento de ações de forma descentralizada. Nesse sentido uma boa experiência foi a forma que os projetos da lei Aldir Blanc de emergência cultural foram desenvolvidos. Muitos artistas tiveram condição de levar sua produção a vários municípios e o público teve acesso a essa produção sem precisar se deslocar para um grande centro. 

No entanto, há muito à se avançar, sobretudo na construção de equipamentos culturais como teatros e cinemas que são inexistentes na maioria das cidades tocantinenses. Como também na destinação de recursos para determinados setores em detrimentos de outros.

Plano Estadual de Cultura 

No seu art. 2° o Plano Estadual de Cultura estabelece como princípios, entre outros: I - liberdade de expressão, criação e fruição; II - diversidade cultural; III - respeito aos direitos humanos; IV - direito de todos à arte e à cultura; V - direito à informação, à comunicação e à crítica cultural; VI - direito à memória e às tradições; VII - responsabilidade socioambiental; VIII -valorização da cultura como vetor do desenvolvimento sustentável; IX - democratização das instâncias de formulação das políticas culturais; e a X - responsabilidade dos agentes públicos pela implementação das políticas culturais. 

Já no seu art. 3º estabelece como objetivo entre outros: I - reconhecer e valorizar a diversidade cultural, étnica e regional tocantinense; II - proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial; III - valorizar e difundir as criações artísticas e os bens culturais; IV - promover o direito à memória por meio dos museus, arquivos e coleções; e V - universalizar o acesso à arte e à cultura.

Na nossa visão a Secult não deve fazer nada mais do que o que estabelece o Plano Estadual de Cultura. Trata-se de um bom documento norteador onde percebemos uma ênfase na valorização da diversidade cultural, o que não poderia ser diferente. Já falamos várias vezes que o Tocantins é um Estado multicultural e isso precisa ser preservado e valorizado. A questão do respeito aos direitos humanos que o documento trás também não pode ser desprezado. Assim como o estímulo a sustentabilidade socioambiental e o diálogo entre os agentes públicos e a sociedade. Desse modo, cabe por tanto aos agentes públicos, em diálogo com a sociedade civil organizada, implementa-ló. 

A implantação do  Plano Estadual de Cultura passa fundamentalmente pela construção de um plano de ação. No qual esperamos o retorno do Salão do Livro e outros eventos culturais tradicionais. Com um plano de ação saímos do campo teórico e vamos para prática. Daí ser essa uma das primeiras tarefas do Tião Pinheiro a frente da Secult.

Enfim, concluímos alertando que não é a primeira vez que temos um início de governo onde aparentemente a cultura no Tocantins não será usada oportunisticamente (com Marcelo Miranda foi assim quando ele assumiu o Governo em 2015). Por tanto é necessário os artistas e a sociedade em geral permanecer vigilante na luta por uma política cultural de fato e não apenas no papel.

Por Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Também se arrisca na literatura produzindo prosa e verso.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Na grota do angico



Não acredito, não!
Mataram o rei do cangaço
Virgulino lampião.

Não acredito, não!
Mataram o rei do cangaço
Virgulino lampião.

Na grota do angico camarada
Mataram o rei do cangaço
E Maria bonita sua amada.

Na grota do angico camarada
Mataram o rei do cangaço
E Maria bonita sua amada.

Não acredito, não!
Mataram o rei do cangaço
Virgulino lampião.

Não acredito, não!
Mataram o rei do cangaço
Virgulino lampião.

Na grota do angico minha amada
Mataram o reio do cangaço
Junto com seus camaradas.

Na grota do angico minha amada
Mataram o rei do cangaço
Junto com seus camaradas.

Não acredito, não!
Mataram o rei do cangaço?
Outros tantos nasceram.

Não acredito, não!
Mataram o rei do cangaço?
Outros tantos nascerão.

Pedro Ferreira Nunes - Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO. Lua Minguante. Verão de 2013.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Ensaio: Uma história de Desamor de carnaval

É noite de carnaval em Lajeado. John não era muito fã do carnaval da cidade. Pelo contrário, tinha uma posição extremamente crítica pelo fato do mesmo, ser uma cópia muito mal feita do carnaval baiano. Ele defendia um carnaval multicultural e que, sobretudo valorizasse as expressões culturais da região. Mas pela falta de alternativa decidiu ir naquela noite de segunda-feira divertir-se com os amigos Daniel e Felipe. Quando lá chegou uma das primeiras caras que avistou foi a de Luna, que muito animada tomava todas acompanhada de uns amigos. John por sua vez ignorou-a indo se divertir com seus. Luna que já havia tomado bastante álcool incomodou-se com “o desprezo” por parte de John. Ela não pensou duas vezes e foi tirar satisfação com ele.

- Você veio né? Pensei que não viria. Me disse que não gostava de carnaval!

- Achei também que não viria. Bom, não é que não gosto de carnaval, não gosto desse carnaval aqui. Mas como dizem – si não tem tu, vai tu mesmo. 

- Preciso conversar contigo.

- De novo Luna? Não já conversamos tudo que tínhamos que conversar da última vez?! O que você tem pra me dizer hoje de diferente? Vai se divertir com teus amigos que vou me divertir com os meus. Outro dia quem sabe não conversamos?

- Como assim? Que conversar outro dia que nada!!! Quero conversar contigo agora e vamos conversar agora!!!

- Me desculpe, mas hoje não estou afim. Vim aqui para me divertir, só para me divertir.

- John. Quero conversar contigo agora. Você escolhe ou aqui no meio da multidão ou num lugar mais tranquilo.

- Ok, ok. Não precisa dar pití no meio do povo.

- Não estou dando pití. Apenas quero conversar contigo.

- Vamos lá.

John percebeu que Luna já havia tomado muita cerveja. Aquele jeito agressivo não era muito comum da parte dela, sobretudo com ele. Por tanto não era bom como se diz por aqui “cutucar onça com vara curta”.

- Por que você não me procurou mais. Se eu soubesse que tú viria, eu viria contigo para o carnaval.

- Luna a gente não tem mais nada meu. Siga a tua vida e eu sigo a minha.

- Como assim a gente não tem mais nada. Que nada meu!!! Eu que digo quando termina e só termina quando eu quiser. Gritou Luna apontando o dedo para o rosto de John.

- Pô meu não precisa gritar aqui. Ora se eu não quero tú vai me obrigar a ficar contigo?

- Não quero saber. Só sei que você não vai me usar e me jogar fora. Nós só vamos terminar quando eu quiser terminar contigo. Você tá achando o que? Que sou um brinquedo? Eu ti mato. Eu acabo com tua vida.

- Acho que você bebeu de mais hoje. E desse jeito não dá pra conversar mesmo. Você esta querendo briga e eu não sou de briga.

- Se você não quer briga então não fica me esnobando, me tratando como um lixo.

John sorriu gostosamente, como se tivesse si divertindo com aquela situação: 

- Você tá louca meu. Você não precisa disso, pode ter o homem que quiser a teus pés. Pra quer insistir numa estória que já deu o que tinha que dá há muito tempo?!

De repente o estado de espirito de Luna mudou. Ela tomou consciência de que não havia razão para agredir John daquela forma. Não seria através de violência que ela o convenceria a ficar com ela, pelo contrário, conhecendo o John como ela conhecia sabia que aquela postura dela só o afastaria mais.

- Não faça isso comigo. Não seja cruel John.

Percebendo que Luna havia se acabado John lhe passou um sermão:

- Ora, onde você está com a cabeça para me ameaçar de morte? Não estou acreditando nisso. Você só pode está maluca.

 - Eu gosto de ti John, eu ti amo. Você sabe que sou incapaz de fazer qualquer coisa de mal contigo. Me desculpe pelo que eu falei, mas não me deixe, não me deixe.

John não falou mais nada, Luna também ficou em silêncio. Ele não sabia o que dizer, ela também já não sabia o que falar. Ela seguiu para um lado e ele foi para o outro – não falaram mais uma palavra se quer. John foi para casa, trancou-se no seu quarto, preparou uma dose de conhaque com gelo, preparou um tabaco, fez um cigarro e fumou enquanto ouvia uma velha canção na voz de Osvaldo Montenegro.

“Quem vai dizer ao coração, que a paixão não é loucura, mesmo que pareça insano acreditar, me apaixonei por um olhar, por um gesto de ternura, mesmo sem palavra alguma pra falar, meu amor à vida passa num instante, e um instante é muito pouco pra sonhar.”

John não tinha dúvida, aquela fora a última vez que conversara com Luna. Ela não o procuraria mais, ele também não. Tudo havia acabado naquela noite de carnaval, com aquela discussão. Tudo não, pois ele continuaria amando-a. Pois como dizia a canção “quando a gente ama, simplesmente ama’’.

Por Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in Roll.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Verdades submersas no tempo ou sobre o que é a vida



Piranhas devoram o baú de lembranças/ nos quartos dos fundos dos casarões.../ Algumas paredes ruíram/ sobre os sonhos acalentados da infância...”. 
Pedro Tierra 

O que é a vida? Com essa clássica pergunta filosófica António Abujamra desconcertava o seu entrevistado no Programa Televisivo Provocações. O desconcerto era maior quando depois do entrevistado fazer todo um discurso em resposta a pergunta. Abujamra ignorava e friamente perguntava novamente: o que é a vida? Essa lembrança me veio a cabeça ao analisar o filme Dois Córrego: verdades submersas no tempo. Dirigido pelo Carlos Reichenbach. A priori pode parecer  mais um filme que tem como principal temática o período da ditadura Civil-Militar brasileira. Mas acredito se tratar de uma reflexão sobre a vida.

Quando assisti o filme pela primeira vez me lembro ter sido afetado sobretudo pelo recorte que a obra trás da ditadura Cívil-Militar. Creio que isso se deu pelo fato de ser esses um dos períodos da história do Brasil que mais me atrai. E da identificação que tive com o personagem Hermes (interpretado pelo Carlos Alberto Riccelli) – um militante contra o regime ditatorial – fugindo da perseguição política. Com o tempo o meu interesse pela obra não diminuiu e fui percebendo outras nuances.

A história do filme se desenvolve em torno da memória da  personagem Ana Paula (vivido no presente pela atriz Beth Goulart e na adolescência por sua filha Vanessa Goulart). Com isso a narrativa é perpassada por dois tempos histórico: O presente e o passado. O presente é o ponto de partida quando Ana Paula retorna a uma propriedade rural da família localizada no município de Dois Córregos no interior paulista. E esse retorno a um lugar que marcou sua adolescência trará lembranças que lhe afetará profundamente. Então, somos levados ao passado, quando Ana Paula chega naquele lugar acompanhada da amiga Lydia (personagem de Luciana Brasil) para uns dias de descanso.

A presença dos militares na Estação da pequena Dois Córrego mostra o contexto histórico que estamos vivendo. O que ficará mais evidente através das lembranças do Hermes. Tendo os seus direitos políticos cassado, acaba sendo convencido por um amigo a ingressar na luta armada contra a ditadura Civil-Militar. Ele entra na clandestinidade e é obrigado a se afastar dos filhos. Fugindo da perseguição dos militares se refugia naquela propriedade rural que pertence a sua irmã. A lembranças das crianças e dos seus companheiros de luta o atormentam dia e noite. E ele não vê a hora de reencontrar os filhos de quem já não lembra dos rostos. Mesmo não concordando com as escolhas de vida do irmão, a mãe de Ana Paula, o deixa se refugiar ali. E ainda manda sua empregada para servi-ló. 

Teresa (personagem de Ingra Lyberato) foi criada pela mãe de Ana Paula. É filha de uma ex-empregada que tivera um caso com Hermes. Tornou-se uma espécie de governanta da família por quem Ana Paula tem um grande carinho. Enquanto cuida do sítio durante a permanência de Hermes por ali. Acaba se envolvendo com um militar casado, com quem se encontra quando vai até a cidade buscar algum mantimento.

Esses personagens se encontram então nesse lugar. E apesar do pouco tempo que iram conviver no mesmo ambiente. Terão a vida marcada pelos acontecimentos. Focando sobretudo na personagem da Ana Paula percebemos ali um processo de passagem. De uma transição da adolescência para maioridade. Filha de uma mãe autoritária é a primeira viagem que ela faz sem a companhia dos pais. Nutre uma admiração pelo tio e encontra nele o carinho que não recebe da mãe. Ele num primeiro momento recua diante da semelhança física de Ana Paula com sua mãe, com quem nunca teve uma boa relação. Mas depois se aproxima. Em Lydia, Hermes recorda de um amor de outrara. Filha de militar Lydia está tendo possibilidade de viver uma experiência longe do olhar rígido do pai. Elas não sabem exatamente por que Hermes está se escondendo. Mas diante do contexto político do qual não estão alheias, suspeitam. Teresa por sua vez foi criada para servir. E serve a todos com muita satisfação. Vive uma relação frustrada com um homem que não a assume. Ela então se aproximará de Hermes. Ele também corresponderá e com isso vislumbraram construir uma vida juntos.

É interessante observar como a narrativa é construída e a riqueza de cada personagem. Indivíduos de diferentes origens, personalidade e história. Que na convivência do dia a dia vão construindo laços. Laços fundamentais para que sobrevivam numa realidade melancólica. Tão bem delineada pela trilha do Ivan Lins.

Quando tudo parece caminhar para uma certa direção. Tal como uma tragédia grega, acontece algo que muda o destino de todos. Ou melhor, que os trás de volta a realidade. Hermes a sua condição de fugitivo, Teresa de serviçal, Ana Paula e Lydia de filhas de uma família conservadora. Anos depois Ana Paula retorna aquele lugar e busca as reminiscências daquele tempo. Essas reminiscências mostra a ela o que é a vida – ou seja, verdades submersas no tempo. 

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

A palestra

O que esperar de uma palestra, com uma coach, intitulada “Voce é a chave do seu sucesso”? Não foi contra a minha vontade que aceitei a proposta de participarmos do momento. Mas me lembrei daquela máxima que diz que não podemos julgar o livro pela capa. Então vamos lá. Além do mais estamos falando de Tudy Vieira a maior master coach do Tocantins. Não que isso causa impressão em alguém como eu que não se impressiona com as frases de efeito do Cortela, Carnal, Clóvis de Barros e companhia. No entanto não há nada tão ruim que não podemos aprender algo.

A palestra foi previsível. Seguindo a lógica do discurso liberal da moda que faz uma apologia da autoexploração. Isso com uma estratégia  de comédia stand-up que capitura a atenção do público e truques psicológicos que leva a platéia a ter um comportamento de massa. Em “Psicologia das massas e análise do Eu” Freud, a partir de Le Bon, descreve a massa como algo “impulsiva, volúvel, e excitável”. Para que isso ocorra é necessário um líder. E consciente disso, Tudy Vieira se comporta como tal.

Nesse sentido uma estratégia adotada por ela é compartilhar sua experiência pessoal e falar a linguagem do seu público. Quem melhor para nos liderar do que alguém que é exemplo de sucesso, que venceu uma vida de dificuldade, que fala como nós?! Logo se estabelece uma relação de confiança que se o líder mandar os seus seguidores fazer algo, farão sem questionar.

Pronto. Ai temos o cenário perfeito para que ela possa dar o seu show. E despejar um monte de asneiras que serão acatadas como verdade pelo público presente. Apesar da fala agradável o discurso é claro: “aconteça o que acontecer. A culpa é sempre sua. Por tanto para de reclamar e faça.” Tudy parece se esquecer que vivemos em sociedade – e que essa sociedade se organiza de determinada forma gerando desigualdade. E ao contrário do que ela pensa não é por falta de vontade que muitos não saem de uma condição de miséria. No fundo ela tem consciência disso. Sabe muito bem que ela é uma exceção. Mas o importante é que as pessoas introjete esse discurso e se tornem conformistas. Que se autoexplorem e acreditem, como diz Byung Chu Ha, que isso é realização. 

Um dos momentos mais interessante da palestra foi quando alguém perguntou-a sobre depressão. Inicialmente ela tentou fugir da pergunta dizendo que a mesma deveria ser respondida por um especialista na área. Mas para não deixar a pessoa sem resposta disse que o que causava essa doença é a falta de vontade por parte das pessoas – a preguiça em mudar. Reafirmando assim o seu discurso de responsabilizar unicamente o indivíduo pelos seus infortúnios. 

É importante destacarmos que um dos motivos do aumento da depressão no contexto atual é justamente esse tipo de lógica que leva a uma frustração do individuo. Nesse sentido é importante lembrar de uma fala do filósofo e professor Vladimir Safatle sobre a depressão no programa Café Filosófico – onde ele aborda justamente os ideais empresariais de si. 

Para Safatle a depressão nada mais é do que uma situação em que o indivíduo chega numa conclusão onde não tem mais força, não tem mais potência, não consegue mais. Quando isso ocorre entra então o discurso da Tudy Vieira e companhia, culpabilizando o indivíduo pelo fracasso. Para Safatle essa lógica produz uma implosão depressiva – onde o indivíduo não consegue mais enunciar desejo algum. Por isso para ele a depressão é uma das maneiras mais astuta de sujeição social.

Percebem o quão essa lógica do discurso da Tudy é nociva?! E o pior é ver ele ser introduzido na educação. Aliás, a palestra foi justamente para os servidores da educação do Lajeado. Onde tivemos um anúncio de uma parceria com o Sebrae que irá trabalhar educação empreendedora na rede Municipal. Mas essa realidade não é só aqui. Em Palmas também vimos esse movimento. E em outros municípios também. Com isso a escola pública, e por conseguinte a educação, que sempre teve os seus limites, agora vai se tornar um espaço de produção de indivíduos frustrados (mais do que já são), conformistas e depressivos. Por isso concluímos dizendo: Ai de nós,  Ai de nós. Menos Tudys e Sebraes. Mais humanidades. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos .