sábado, 20 de maio de 2023

Resenha: As Crônicas de Sucupira Gothan City

Com uma forte influência do funk e do soul, embrulhados numa atitude rock in roll. Magoo e o bando urtiga nos apresenta em “as crônicas de Sucupira Gothan City” o cotidiano de quem vive na capital tocantinense através de letras extrovertidas, reflexivas, noias delirantes e crítica social. E com isso levam adiante a bandeira do underground tocantinense ainda pouco relevante no cenário cultural do Estado.

O álbum trás 8 canções composta por Fernando Magoo – o front man da Trup. Abrindo o disco temos “O hippie chique” numa pegada bem soulfunk – que me lembrou BNegão e os Seletores de Frequência. E mostra a qualidade musical da banda (que trás André Ricardo e Artur Peri nas guitarras, André Fernandes no baixo e Rodrigo Rodrigues na bateria).

Na sequência temos “Sucupira Ghotan City” com uma forte influência da Nação Zumbi. E na letra um retrato da capital tocantinense marcado pelo calor de 50 graus, os pés de pequi, uma fauna diversa e suas contradições (é na minha opinião a melhor canção do álbum tanto em relação a música como a letra). Depois temos “mendicâncias” trazendo no seu som influências da música tradicional nordestina, sobretudo o repente. É também, na minha análise uma das melhores canções, com destaque para letra que fala da sina de muitos nortistas que são obrigados a deixar sua terra em busca de melhores condições de vida. E o refrão então: “ é pinga, é cachimbo, é seringa, é porrada,  é porrada...”. 

A canção de número quatro do álbum é a “Malditos Caramujos” numa pegada Bnegão e Seletores de Frequência a letra parece uma viagem de quem acabou de fumar um beck. Na sequência temos “Para Laika” numa pegada ala Bayana System, que trás na letra uma crítica a contemporaneidade caracterizada pelo domínio de uma racionalidade tecnológica.

“Papapa” é a sexta canção que compõe o álbum, trazendo no seu som influência de som nortistas como a guitarrada paraense. Em relação a letra temos mais um retrato da vida na capital referente a curtição: “a sutil arte de tocar o foda-se em Sucupira Gothan City é instigada pelo sol escaldante para um gole de cerveja ou uma dose gelada de paratudo na distriba”. É bom isso, não?! “Crack is beat” é  a penúltima. Numa pegada mais clássica, inclusive com direito a solo de guitarra ala Keith Richards, a canção alerta para o perigo de uma certa droga. Para fechar temos “Revoada” que é uma espécie de poema de despedida, onde Magoo destila crítica ao que ver ao seu redor.

Temos em “As crônicas de Sucupira Gothan City” um ótimo álbum de rock alternativo. Tanto as letras como a música não deixa a desejar ao que é produzido no cenário musical a nível nacional. É importante ressaltar a qualidade técnica da gravação onde conseguimos perceber a competência dos músicos que compõem a banda, a qualidade musical dos arranjos e força lírica das letras composta pelo Fernando Magoo. 

Outro aspecto importante é que mesmo que ao longo da nossa análise tenhamos salientado a referência a algumas bandas – que certamente são referências para o Magoo e o bando urtiga, conseguimos perceber uma pegada original – onde eles pegam essa influência e imprime sua identidade. Não tenho dúvida que se estivesse num contexto onde houvesse um cenário underground mais fortalecido, esse trabalho seria melhor acolhido e reverenciado. 

Por outro lado, que bom para nós que apreciamos esse tipo de som, ter artistas com essa disposição de abrir caminhos num Estado com fortes raízes conservadoras. Inclusive, Palmas, como podemos perceber ao analisar o resultado das eleições de 2022 no munícipio. De modo que a referência a famosa Sucupira do romance do Dias Gomes foi uma excelente sacada.

Outro aspecto importante que a música do Magoo e o bando urtiga trás é um olhar para o lugar onde vivem não mais de uma perspetiva acrítica – de culto as belezas naturais. Mas como alguém que tenta se encontrar nessa cidade singular que está crescendo a cada dia no coração do Brasil – uma cidade que quer se tornar metrópole mas não deixa suas raízes interioranas.

Enfim, e a própria banda faz parte desse processo de transformação da capital. A medida que a cidade vai crescendo vai surgindo fissuras e nessas fissuras aparecem as contradições e dessas contradições surgem indivíduos capazes de transformar tudo isso em arte. É o que temos em as crônicas de Sucupira Gothan City.

Por Pedro Ferreira Nunes – é um rapaz latino americano que gosta de ler, correr, escrever e ouvir Rock in roll. 


segunda-feira, 15 de maio de 2023

Notas sobre gestão ambiental e desenvolvimento sustentável

A questão ambiental tem tomado cada vez mais espaço no debate público. Os efeitos da mudanças climáticas tem mostrado a urgência dessa tematica. Temos visto o surgimento de um movimento global, liderado sobretudo pela juventude, que cobra das autoridades ações concretas de proteção ao meio ambiente. Nessa luta a educação ambiental ganha um papel importante na busca pela conscientização e comprometimento de todos com o Meio Ambiente, pois em última análise, proteger a natureza é proteger a vida.

Na obra “Gestão ambiental e desenvolvimento sustentável” (2009), de autoria de Cynthia Roncaglio, Nadja Janke, Nathieli K. Takemori Silva, Ney de Barros Bello Filho e Sandro Menezes Silva, temos um conjunto de textos que abordam essa temática. Há um enfoque legalista da questão salientando o surgimento do direito ambiental e a necessidade de políticas públicas orientadas pela norma jurídica. Percebemos que houve um avanço em relação a questão ambiental no âmbito jurídico e na elaboração de políticas públicas. No entanto a efetivação ainda parece muito distante. Sobretudo pensar num desenvolvimento sustentável nos marcos do modelo de produção atual. 

A seguir elencamos alguns pontos que achamos relevante para compreensão da temática da gestão ambiental e desenvolvimento sustentável a partir da leitura do livro acima citado. E no final fazemos algumas considerações. 

O Ponto de partida para falar em gestão ambiental e desenvolvimento sustentável é entender o surgimento do direito ambiental;

Quando falamos em direito ambiental estamos falando de uma técnica de preservação da natureza;

Essa técnica se faz necessária diante da relação entre o homem e a natureza. Uma relação nem sempre saudável. Carecendo por tanto de um instrumento de mediação e controle;

O controle social é um elemento importante para que a relação entre homem e natureza se dê de forma sustentável;

No Brasil a questão ambiental teve diferentes fases. Na primeira era vista a partir de uma perspectiva comercial. Num segundo momento, sobretudo a partir da década de 1950, passa-se então a uma perspetiva legalista com o surgimento de normas jurídicas. No período atual segue a tendência global de defesa do Meio Ambiente; 

Quando falamos em defesa do  meio ambiente  alguns elementos são importantes: O primeiro é a autonomia. Cada país é autônomo no processo de elaboração e efetivação de políticas públicas de proteção ao meio ambiente. No entanto deve levar em consideração alguns princípios tais como: 1 – O direito ao meio ambiente; 2- a prevenção; 3- precaução; 4- Função ambiental da propriedade; 5- poluidor pagador; 6- usuário pagador; 7- informação; 8- Solidariedade intergeracional; 9- Cooperação Internacional;

No Brasil o Sistema Nacional do Meio Ambiente  (SISNAMA) criado pela lei 6.938/81 é o responsável pela gestão das políticas ambientais;

A lei 6.938/81 é considerada o marco de surgimento do direito ambiental no Brasil;

O SISNAMA é um conjunto de órgãos que tem como objetivo a preservação do Meio Ambiente – para tanto é necessário a compreensão de três conceitos básicos: 1- Meio Ambiente; 2- Poluição; 3- Poluidor;

O SISNAMA é responsável pela elaboração da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Nesse processo de elaboração é importante a apropriação dos instrumentos jurídicos para que a ação governamental não se dê fora dos princípios estabelecido pelo Direito Ambiental;

O objetivo da política Nacional do Meio Ambiente é a compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do Meio Ambiente e do equilíbrio ecológico;

A partir desse objetivo surge outros;

Para que os objetivos sejam alcançados é necessário instrumentos que entre outras coisas estabeleça padrões de qualidade ambiental;

A qualidade ambiental é importante sobretudo quando pensamos nas nossas matrizes energéticas. Por exemplo no Brasil, as fontes renováveis ainda representam a menor parcela da produção de energia;

Quando falamos em matrizes energéticas é preciso salientar a relação entre consumo e produção. Quanto mais consumo, se faz mais necessário a produção de energia. E nesse processo de produção crescente há os impactos ambientais;

A avaliação dos impactos ambientais são importante para que sejam minimizados ao máximo;

Essa avaliação surgiu por pressão Internacional;

No processo avaliativo dos impactos ambientais deve se levar em consideração as fases de: planejamento, implantação e operação;

É a partir dessas avaliações que são liberado licenças (prévia, de instalação e operação) pelo órgão ambiental estadual;

Para que esssas licenças sejam liberadas é necessário um estudo de impacto ambiental (RIMA) elaborado por uma equipe multidisciplinar;

Tal estudo deve levar em consideração um desenvolvimento sustentável – que não pode ser pensado sem entendermos a relação entre homem e natureza e conceitos como desenvolvimento, ecologia e meio ambiente;

Eco desenvolvimento ou desenvolvimento sustentável deve ter como perspectiva o bem-estar coletivo;

O Eco desenvolvimento deve se opor a um modelo de progresso que visa apenas o progresso econômico;

Outro fator importante quando se fala em sustentabilidade é que para se obter um padrão mínimo nesse campo é preciso reduzir o consumo de matéria e energia;

A elaboração de políticas públicas que não se reduz a resolver conflitos de interesses é outro fator importante para se alcançar um desenvolvimento sustentável; 

O aumento da destruição ambiental nos levou a um horizonte de insustentabilidade nesse campo. Como resposta a esse movimento observamos um processo de esverdeamento das políticas públicas;

No processo de elaboração e efetivação das políticas públicas de proteção ambiental a participação da comunidade é fundamental. Por isso, sobretudo na esfera local deve se favorecer essa participação;

Cada vez mais tem havido um esforço global em defesa do Meio Ambiente através de espaços de discussão e planejamento coletivo como as Conferências Mundiais do clima;

Algumas considerações 

Conhecer como se dá a gestão ambiental e a perspectiva de construção de um desenvolvimento sustentável é fundamental para contribuir com a mudança de paradigma acerca da questão ambiental;

É inegável que a questão ambiental tornou-se um tema central na nossa sociedade. O debate acerca da nossa relação com a natureza já não pode ser ignorado por ninguém; 

Como resultado desse movimento observamos o surgimento do direito ambiental e de uma legislação pró meio ambiente sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Mas uma questão que nos surge é o distanciamento entre o que diz a norma jurídica e as ações dos governos e empresas;

É preciso entender que a lei por si só não garante que haverá uma mudança de perspectiva em relação ao Meio Ambiente. A educação é fundamental se quisermos vislumbrar essa mudança de paradigma; 

Por fim há de se questionar a possiblidade real de haver um desenvolvimento sustentável tutelado pelo mercado, isto é, no âmbito do modo de produção capitalista.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


quarta-feira, 10 de maio de 2023

O Ensino do Ensino Religioso – uma breve reflexão a partir da nossa experiência em sala de aula


O discurso a favor da promoção da diversidade religiosa se esbarra nos casos de intolerância. Sobretudo por parte de agentes que deveriam garantir o que está na Constituição Federal de 1988, isto é, a laicidade do Estado e a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença. Nesse contexto o Ensino Religioso torna-se um componente curricular importante na educação básica, desde que seja trabalhado numa perspectiva de promoção da diversidade religiosa e o combate a intolerância. 

Houve um grande embate sobre o Ensino Religioso na educação básica, tanto que a questão foi matéria de análise do Supremo Tribunal Federal (STF). Mais especificamente a questão do ensino religioso confessional, isto é, a possibilidade de se optar pelo ensino de uma religião específica. Com a decisão favorável dos ministros a Base Nacional Comum Curricular  (BNCC) incluiu como obrigatório o Componente Curricular de Ensino Religioso, podendo ser trabalhado numa perspectiva confessional. No entanto, garantindo ao estudante, sem prejuízo a sua carga horária formativa, a opção de escolha.  

Temos ai um ponto fundamental, isto é, o estudante não é obrigado a cursar um componente curricular que vai contra a sua liberdade de consciência e de crença. Por tanto a família e a escola devem estabelecer um diálogo a esse respeito para que não aja conflitos e mau entendidos quanto ao que será trabalhado – o que acontece muitas vezes é que esse diálogo não ocorre. Muitas famílias não sabem que o Ensino Religioso é facultativo. 

Por outro lado, mesmo sendo trabalhado numa perspectiva confessional, não significa que não possa promover a tolerância entre as diferentes religiões. O que é inaceitável é que aja intolerância num ambiente onde o aprender a conviver é um dos seus quatro pilares.

Analisando as orientações para o ensino do Ensino Religioso na rede estadual de Educação do Tocantins, percebe-se que não há uma perspectiva confessional, pelo contrário. No entanto, na prática fica muito na mão dos agentes que materializam os objetos do conhecimento trabalhado, no caso as unidades de ensino e os Professores.

Na nossa experiência com esse componente curricular buscamos trabalhar a partir da realidade do estudante, mas sem deixar de apresentar e discutir outras realidades sobretudo na perspectiva do aprender a conviver. De modo que o nosso ponto de partida foi uma escuta para a partir daí elaborar as atividades a serem trabalhadas. E ao final do bimestre uma avaliação coletiva acerca das aulas. A patir daí dividimos as habilidades e objetos de conhecimentos, a serem trabalhados, em quatro eixos, sendo eles: 1- Religião e Cultura; 2- Religião e Ética; 3- Religião e Cidadania ; 4- Religião e Direito a Humanos.

Desse modo mais do que conhecer uma determinada religião, a nossa perspectiva é mostrar como a tradição religiosa, a partir de diferentes culturas, foi se constituindo ao longo da história e propondo reflexões acerca da influência dessa tradição na nossa formação. 

Analisando avaliação feita pelos estudantes sobre as aulas de Ensino Religioso ficou muito evidente o destaque para “o conhecer outras religiões” (diferente daquelas que suas famílias e eles praticam ou que existe na sua comunidade). Uma das falas destacam: “até agora esse é o único professor de Ensino Religioso que fala de outras religiões”. Essa mesma estudante do 8° Ano do Ensino Fundamental questionada sobre o que mais havia gostado nas aulas de ensino religioso disse: “gosto de ver a diferença entre cada religião, ver o quanto tem gente diferente nesse mundo”. Outro estudante também seguiu essa linha: “Sobre as outras religiões conheci mais um pouco”. Outro disse: “É muito legal saber mais sobre religião”. Outro destacou o “debater mais sobre questões sociais e como a religião interfere ou tem haver”.

Um ponto importante a se ressaltar é que essas outras religiões não foram trabalhadas a partir de uma perspectiva pré-conceituosa – postura que leva a intolerância. Nosso comportamento foi como um mestre ignorante, isto é, se colocando numa posição de que não sabe,  para junto com os estudantes, buscar saber. E nessa caminhada o que temos descoberto é que as diferentes religiões tem mais pontos que as une do que as separa. Por que então não se promover uma convivência respeitosa?

Enfim, é nessa perspectiva que temos desenvolvido o ensino do Ensino Religioso. Acreditamos que esse caminho contribuí para promoção da diversidade religiosa bem como ao combate a intolerância. Não estamos dizendo que esse é o único caminho. O fundamental, no entanto,  é garantir que a escola seja um ambiente de acolhida para os indivíduos de diferentes religiões. E isso ultrapassa as aulas de Ensino Religioso. É uma questão de direitos humanos, que toda escola, sobretudo a pública, tem a obrigação de garantir.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Crônica: Primeira vez em Lajeado


Era mês de agosto. O ano 1991 se não me engano. Minha mãe decidiu ir para o Lajeado acompanhar os festejos da “Nossa Senhora Mãe da Divina Providência”. E como eu ainda era muito pequeno decidiu me levar junto. Para mim seria uma aventura inesquecível num lugar que me era desconhecido.

A aventura começou já na travessia da balsa pelo rio Tocantins entre Miracema e Tocantinia – o rio eu já conhecia, mas atravessa-lo naquela geringonça de ferro cheia de carros era uma novidade e tanto. Como toda criança curiosa fiquei atento a todo movimento daquele bicho esquisito. Chegando na outra margem entramos no ônibus e seguimos viagem rasgando a terra dos Xerente – oh, e quão bela era aquela paisagem. Sobretudo a cordilheira de serras. Da janela do ônibus olhava hipnotizado á tudo aquilo.

Eu não era a única criança ali, e também não era o único a ficar encantado com as serras. E na nossa visão de criança acerca do mundo imaginávamos quanto tempo demoraria para chegar lá no topo. Ao final de muita discussão chegamos num consenso – uns 60 dias – isso se uma onça pintada ou o terrível lobo-guará não atravessasse o caminho do corajoso que tentasse tal proesa.

E assim, enquanto conversávamos animadamente sobre aquela paisagem deslumbrante, entramos no Lajeado sendo recepcionado pelos mortos que descansavam a sombra de um pé de gameleira no pequeno cemitério local –Pequena também era aquela cidade formada por algumas casinhas. 

O ônibus parou em frente ao pé de pequi – onde ficava a quitanda do seu Valteidez – que servia como ponto rodoviário. Ali onde futuramente seria construída a praça 05 de Maio, os peões estavam levantando o salão onde os foliões irião dançar forró até alta madrugada, depois das missas do festejo.

Pegamos nossas bagagens e seguimos para casa de dona Caetana que ficava também em frente ao pé de pequi, mas do outro lado da rua – estrategicamente ao lado do salão de festas. E ali passamos os dias que perduraram os festejos –Melhor dizendo, a casa de dona Caetana era mais um ponto de apoio, pois ficávamos mais na rua desbravando o local do que na casa dela.

O que nos encantava em Lajeado era que ali tínhamos mais liberdade para brincar ao contrário de onde morávamos em Miracema – ali estávamos mais próximos da natureza. Por tanto não foi sem um sentimento de tristeza que tivemos que deixar Lajeado para retornar a nossa casa em Miracema. 

Mau sabíamos que aquela seria apenas a primeira das muitas viagens que faríamos para o Lajeado. Acompanhariamos muitas mudanças por ali, e inclusive acabariamos mudando para cá definitivamente. Mas também sofreriamos com a perda de tantos amigos queridos ao longo desses anos todos. O que  no entanto, não tirou o nosso brilho no olhar por esse lugar. 

Não há um dia que não nos sentimos encantado pela paisagem que nos rodeia – que não deixamos de nos sentir privilegiado por morar aqui (sem deixar de reconhecer os problemas que há). Por isso dizemos, sem dúvida, que não nos arrependemos de ter pisado nessa terra um dia e aqui fincado raízes. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular Tocantinense.

domingo, 30 de abril de 2023

Conto: E ai meu?! Quanto tempo.

John como de costume acordou por volta das 11h da manhã. Lavou o rosto e em seguida ligou a tv para assistir o jornal e ver se via alguma proposta de emprego interessante. Nada que lhe chamasse a atenção, as mesmas notícias de sempre – desgraças e mais desgraças.

- Foda-se meu. De desgraça basta a minha vida.

John desliga a televisão, levanta-se e vai até a geladeira, abre e não encontra nada que lhe interessa. Procura o resto do conhaque que deixara da noite anterior, mas à garrafa estava seca. 

John revira suas coisas para ver se tem algum trocado perdido em algum lugar do seu barraco. Após muita procura consegui algumas moedas que dá para comprar uma garrafa de conhaque.

Assim John segue rumo à distribuidora de bebidas que fica próximo ao barraco onde mora. Com a grana que tinha não dava para comprar um bom conhaque tal como ele gostava. Mas como não podia comprar um bom, ia um ruim mesmo.

John compra a bebida e segue de volta para o seu barraco. De repente no seu caminho um rosto conhecido.

- E ai John, quanto tempo?! Você sumiu.

- E ai meu. Quanto tempo. Você é que sumiu.

- E ai. Ainda está morando por aqui?

- Sim, estou naquele mesmo lugar. E você, onde está morando? Cadê o Jack?

- Então você não sabe? A gente se separou. Me cansei dele. Disse ela, sorrindo. 

- Hum, que pena meu.

- Melhor só do que mal acompanhada, não é? E você ainda esta só? Não vai me convidar para tomar um conhaque com você?

- Sim, claro. Vamos lá para o meu barracão. Não é um conhaque de primeira, mas da para tomar.

John fora perdidamente apaixonado por Lia. Conheceu-a em um festival de rock. De repente ela surgiu dançando em meio a uma roda de hardcore – Ela era linda, seu olhar, seu sorriso, suas tattos. Foi amor à primeira vista. Como se tivesse hipnotizado, ele não conseguia tirar o olho dela dançando com um all star preto. E ela ao vê-lo sorri e caminha na direção dele. Sem trocar se quer uma palavra agarra-o e o beija.

John não podia acreditar no que estava acontecendo. Como tão bela mulher podia esta afim dele. Naquela mesma noite começaram a namorar. Mesmo com a vida louca que Lia levava, Joh decidiu morar com ela. Viveram meses felizes.

Em um belo dia ao voltar do trabalho para casa John encontra Lia na cama transando com o seu melhor amigo. John sentiu um ódio incrível dentro de si, pensa em mata-los. 

Mas de repente apenas uma crise de riso toma conta dele, e ele sorri, sorri gostosamente. Vira as costas e deixa Lia e Jack ali sem ação. John vai até um bar compra uma garrafa de conhaque e toma. Depois outra e outra. 

Após este fato ele nunca mais vira Lia, nunca mais a procurou ou tentou saber como ela estava vivendo com Jack. Ele ainda gostava muito dela, mas já mais correria atrás dela. Mesmo tendo tudo para odiá-la, ele não a odiava, mas também não tinha a ilusão de voltar a morar com ela.

Quando chegou ao barracão John colocou um rock pra tocar e depois abriu a garrafa de conhaque. Preparou uma dose para Lia e outra para ele. 

No mesmo ritmo que a garrafa de conhaque ia secando, o sangue dos dois ia si esquentando. E no ritmo que seus sangues iam se esquentando, eles iam se aproximando um do outro. E no ritmo em que iam se aproximando um do outro, foi impossível, sobretudo para John evitar que se entregassem ao desejo dos seus corpos.

- Hum, senti tanta falta de ti, de ficar contigo. Eu ti amo tanto John. Quero ficar a vida toda contigo.

- Também senti muita falta de ti.

John deitado com Lia nos seus braços, fumando um palheiro, após terminarem de transar e ouvir as juras de amor dela, pensava consigo:

- Essa vaca pensa que me engana. Pensa que eu vou cair nessa de novo? Ela esta muito enganada.


Por Pedro Ferreira Nunes - um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

terça-feira, 25 de abril de 2023

Poema: Canção para Vera Lúcia


Canção para Vera Lúcia 

Quando nos dias mais cinzentos
Não tiver ânimo para levantar.
Quando no peito bater saudade 
de quem partiu para não voltar.
Não desista
vale a pena continuar.

Quando nada faz sentido
e a visão começa a turvar.
As respostas que procura 
não se deixa revelar.
Não desista 
vale a pena continuar. 

Quando se sentir culpada
e querer se isolar.
Não abrir seu coração 
com medo de se frustrar.
Não desista
vale a pena continuar. 

Quando se sentir perdida 
não saber aonde está. 
Na cabeça mil pensamentos
e um vazio de matar.
Não desista
vale a pena continuar.

Mesmo quando nada faz sentido
tudo parece desmoronar. 
Transforme a ausência em presença 
de quem aqui já não está. 
Não desista
Vale a pena continuar.

Por aqueles que ti amam 
vale a pena continuar.
Por você mesma 
é preciso perseverar.
Como diz uma canção:
- de algum jeito vai passar. 


Pedro Ferreira Nunes – Casa da Maria Lúcia. Lajeado - TO. 


quinta-feira, 20 de abril de 2023

O filme Vazante e as relações de poder

Para nós que crescemos numa cultura ribeirinha, vazante é o nome dado as porções de terra onde o rio chega no período de cheia levando nutrientes que contribuirá para que se torne um local propício para o cultivo de plantação como milho, feijão, melancia, mandioca entre outros. Algo totalmente contrário ao ambiente retratado pela cineasta Daniela Thomas no longa-metragem Vazante 2017) – um recorte do Brasil Colônia.

O longa-metragem é mais uma obra-prima do cinema nacional, com uma fotografia belíssima e um bom elenco. Com destaques para atuação do ator português Adriano Carvalho no papel do tropeiro Antônio. E Toumani Kouyaté no papel de um escravo rebelde. Aliás esses personagens retratam bem a dinâmica da narrativa construida em torno de relações entre dominador e dominado. Ainda que essa não se restringe a questão da cor como podemos perceber na relação do Antônio com sua esposa Beatriz. 

A sinopse do filme é a seguinte: “Em 1821, no interior do Brasil, nas serras pedregosas das Minas Gerais, depois da economia local, que era baseada na extração de diamantes, ter entrado em colapso, Antônio, um patriarca do século XIX, que ao voltar de uma longa viagem conduzindo uma tropa de escravos descobre que sua mulher morreu em trabalho de parto”, se casa com a jovem Beatriz, que na ausência do marido, fica sozinha com os escravos. “Solidão, incomunicabilidade e preconceito levam a uma espiral de violência.”

 A priori o filme não é sobre Antônio e Beatriz – mas sobre um período da nossa história marcado pela condição desumana que os negros eram submetidos (regime escravocrata). Isso fica evidente já no início da obra quando escravos  acorrentados são conduzidos por um caminho inóspito rumo a fazenda comandada por Antônio. Como também ao longo do filme através das cenas que mostra a condição degradante que os escravos vivem na Fazenda. No entanto, parece que isso não foi tão recebido pela crítica que acusou inclusive, no seu lançamento em 2017, a Diretora Daniela Thomas de racismo. Pode ser ingenuidade da minha parte, mas assistindo o filme não vi nada disso que a crítica aponta.

No entanto me pareceu que o conflito psicológico dos personagens acaba se sobrepondo ao aspecto histórico – este acaba ficando como pano de fundo de uma discussão sobre dominação – uma dominação que se dá a partir de uma relação de força que é estabelecida entre os indivíduos. Lembrando assim a microfísica do poder de Foucault. 

De acordo com Foucault “o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existe de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele apartados”. Para nosso filósofo “rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona.” Como isso se dá? De acordo com Foucault “onde há poder há resistência, não existe propriamente o lugar de resistência, mas pontos móveis e transitórios que também se distribuem por toda a estrutura social. A guerra é luta, afrontamento, relação de força, situação estratégica. Não é um lugar que se ocupa, nem um objeto que se possui. Ele se exerce, se disputa. Nessa disputa ou se ganha ou se perde.”

Em vazante não há vencedores. Sobretudo por que a disputa não leva a outro paradigma – onde as relações de poder são estabelecidas a partir de uma ótica diferente. O que há é uma espécie de vazão de ódio que leva a eliminação do outro. Culminando assim numa tragédia. Talvez ai esteja uma justificativa para o nome do filme – a ideia de vazante como algo que sai do controle. Essa ideia de controle vem da ilusão de que possuímos o poder, mas lembrando de Foucault – o poder não é algo que se possui – é o que Antônio irá descobrir da pior forma possível. 

Nesse sentido a mensagem do filme parece caminhar para a ideia de que num contexto onde prevalece relações de dominação de um indivíduo sobre  o outro não há perspectiva para paz. Pelo contrário, caminha-se para um desfecho trágico. 

Enfim, vale a pena ver o filme. Além dos problemas filosóficos que a obra suscita, da questão histórica e outros elementos. Cabe destacar a beleza estética – a fotografia, a atuação do elenco – muito mais através de gestos, olhares ou de um suspiro. E o ritmo – um ritmo lento mas que não deixa de segurar o espectador pela dinâmica dos acontecimentos que vão sendo costurados de uma forma que a gente sabe que vai desembocar em algo e assim ficamos amarrados para saber o quê e como será. 

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.