terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Sobre o livro Desvendando o Tocantins na Escola...

Quem atual na sala de aula sabe a dificuldade de encontrar um bom material didático para trabalhar o Tocantins. Geralmente o que encontramos não é de boa qualidade, sobretudo por que não foram produzidos a partir da realidade da sala de aula. Esse não é o caso do livro Desvendando o Tocantins na Escola: Canções regionais e ensino (Editora Scienze, 2021). De autoria de Liliane Scapin Storniolo e Karylleila Andrade Klinger.

A obra em questão é fruto de uma pesquisa de doutorado. E certamente foi produzido a partir de uma pesquisa que contou com uma intervenção na sala de aula. Aliás, é importante ressaltar a importância desses programas de mestrado e doutorado no âmbito educacional que instigam a pesquisa e criação de produtos educacionais a partir do chão da escola. O livro em questão tem como foco o ensino sobre o Tocantins – tanto do ponto de vista sociocultural como territorial. Para tanto utiliza como estratégia didática letras de músicas de cantores regionais, a saber: Genésio Tocantins, Juraides da Cruz e Dorivã.

As autoras propõem uma sequência didática que trabalha o objeto a partir de uma perspectiva multidisciplinar. Ou seja, as atividades propostas perpassam diferentes componentes curriculares tais como: Arte, Ciências, Geografia, História e língua Portuguesa. Já a metodologia segue a linha do que se denomina de metodologias ativas. Rodas de conversa, atividade de escrita, leitura são algumas das estratégias sugeridas. Em relação ao público as autoras ressaltam que o material se destina aos estudantes dos anos finais do ensino Fundamental  (6° ao 9° Ano).

A apresentação da obra fica por conta do Genésio Tocantins – que salienta a importância do trabalho. E a partir dai segue a seguinte organização: apresenta uma breve biografia do artista. Em seguida a letra da canção a ser trabalhada. E posteriormente as propostas de atividade. 

Um exemplo nesse sentido é a sequência didática a partir da canção Romeiro do Bonfim, do Dorivã – que é trabalhada a partir de leitura e pesquisa sobre a religiosidade em torno dessa festa. Do Juraides da Cruz, entre as canções trabalhada temos nós é jeca mais é joia. Uma composição bastante conhecida do cancioneiro popular brasileiro – regravada por diversos artistas. A proposta das autoras é trabalhar entre outros o regionalismo. Tendo como ponto de partida uma “roda de conversa iniciada com a leitura oral do texto e, em seguida a audição da canção.” Do Genésio Tocantins, uma das canções trabalhadas é: O rio que corre em mim. É uma das canções, na minha visão, mais belas do cancioneiro tocantino – que aborda a construção da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães e a formação do Lago e todo o seu impacto no nosso modo de vida. A proposta entre outros é trabalhar a questão da memória e resistência. 

Um aspecto importante é a utilização de recursos audiovisuais que permita ao estudante fruir artisticamente da canção trabalhada. Além de outros materiais propostos para o aprofundamento dos objetos de conhecimento trabalho. 

Ao final da obra temos as considerações onde as autoras fazem uma breve análise de cada letra escolhida, deixando explícito o por que dá escolha.

Enfim, estamos diante de uma obra muito interessante. Que traz ótimas sugestões para trabalhar o ensino acerca do Tocantins na educação básica – especialmente nos anos finais do Ensino Fundamental. Uma coisa que devemos ter em mente quando utilizamos um material assim. É que não se trata de uma receita. Ou seja, de algo que devemos seguir a risca. Mas termos a capacidade, de a partir dele, desenvolver a nossa própria sequência, levando em consideração a  realidade em que estamos inseridos. Significa portanto que podemos pensar em outros artistas, outras letras e outros objetos.

Por fim, onde encontrar o livro? Deve ser a pergunta que você que se interessou pelo mesmo deve está fazendo. “Desvendando o Tocantins na Escola: Canções regionais e ensino”, está disponível na internet em pdf. Por tanto é só pesquisar, baixar e se apropriar do mesmo. Você certamente irá apreciar e lhe será muito útil, caso seja um professor, na sala de aula. Também não poderia deixar de ressaltar a importância da pesquisa para vislumbrarmos a melhoria da educação no Tocantins. Obras como essa evidenciam isso.

Por Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica. 

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Adaptabilidade

Depois do primeiro dia no meu novo local de trabalho e de toda receptividade que fez com que me sentisse acolhido. Achei que merecia uma cerveja. Desde que chegará ali mapeara todo o lugar. E percebi que o que não teria dificuldade era de encontrar um bar para tomar umas. E não precisaria nem ir muito longe.

Cheguei num lugar que não precisei dar mais do que dez passos de onde eu estava hospedado. Além do dono do bar e sua esposa não havia mais ninguém ali. Me chamou atenção a música que estava tocando – Roberto Carlos. Como um local aparentemente frequentado por peão de trecho estava tocando aquele tipo de música? Me questionei. A maioria dos bares atualmente tocam pop sertanejo. Ou por essas bandas do norte coisa pior do tipo Thiago Jhonathan. Perguntei qual cerveja que tinha e se eu poderia fumar um palheiro dentro do bar. O senhor que me atendeu apresentou o cardápio de cervejas e disse que não havia problema algum. 

Peguei a cerveja e sentei num canto escuro e o senhor sugeriu que eu sentasse num lugar mais claro por causa das muriçocas. A priori recusei dizendo que não tinha problemas. Mas como ele insistiu não me opus. Ele então sentou ao meu lado e começou a puxar conversa. Pelo rumo da prosa a minha ideia de que aquele lugar era frequentado por peão de trecho se confirmou. Foi no momento quando falei para ele que estava trabalhando no Colégio. E ele me perguntou se fazendo alguma reforma ou manutenção. Ou seja, deduzira que eu era um peão. Optei por não desaponta-lo e fiquei com a segunda opção. No final das contas ele não estava de todo errado. Nós professores da educação básica somos operários, ou seja, na linguagem popular, peões. 

Como não gosto de falar muito sobre mim. Logo tratei de reverter a situação. E comecei a questionar sobre a sua vida. E ele então se abriu. E a medida que eu demonstrava interesse pelo que ele estava falando. Ele ia se abrindo mais ainda. Enquanto o ouvia me passava pela cabeça que talvez não seria tão difícil aquela mudança. Logo eu estaria adaptado aquele bairro e aquela rotina. Iria conhecer pessoas novas, suas estórias e acabaria me integrando a comunidade. 

Eu tinha tido o primeiro contato com os estudantes em sala de aula e já havia me afeiçoado a eles. E eles também a mim (pelo menos alguns) por uns comentários que ouvi de uma coordenadora. E agora aquela interação com alguém da comunidade. Vai saber o que a vida nos reserva. Por enquanto vivamos o momento - Carpe Diem. 

Seu José, como se chamava o dono do bar. Me falou de quando chegará ali. De quando construiu o bar. 

– Aqui era só cerrado. Fui o primeiro a construir. Depois veio o dono dessa serralheria que fica aqui do lado. O povo dizia que a gente era doído. Pegavamos água para construir num córrego que existia onde é esse viaduto hoje. Eu sabia que um dia isso aqui ia ser movimentado. Ninguém acreditava. Meu pai mesmo tinha muita terra. Perdeu tudo.

E então ele me contou o início da capital, como foi surgindo aquela região a margem do centro. 

– Todos esses setores ai são frutos de ocupação (as aurenis). E virou o que virou – uma região bastante desenvolvida. 

Ao longo da nossa conversa descobri que o bar não era a principal fonte de subsistência do Seu Zé. Ele era servidor do município de Palmas e trabalhava como vigilante num posto de saúde. Além de possuir duas kit net de aluguel – que juntamente com o bar lhe proporcionava uma renda extra. Durante nossa conversa também descobri que ele tem o projeto de ser vereador. Perguntei se ele já tinha se candidatado alguma vez e ele disse que a vereador seria a primeira. Mas já tinha se candidatado a deputado estadual, no entanto percebeu que não estava tendo o apoio financeiro que deveria por parte do partido e acabou desistindo.

Fiquei curioso para saber com qual grupo político ele iria embarcar nessa aventura. Sobretudo quando notei numa fala dele uma simpatia pelo Presidente Lula. Ele disse que seria com Eduardo Siqueira Campos. Questionei-o sobre a aparente força da deputada estadual Janad Valcari. Ele disse que ela, enquanto vereadora não fez nada pela região Sul. De modo que preferia o herdeiro político do velho Siqueira Campos. Me disse que ele sempre lhe atendia e mostrou uma foto de uma visita que o Eduardo fizera ao seu bar.

Assunto não faltava. E a conversa seguiria até mais tarde. Mas eu tinha que repousar. Pois no dia seguinte teria que acordar cedo e seguir para o meu segundo dia na nova escola. Paguei a conta, me despedi de Seu Zé desejando-lhe boa sorte na empreitada como candidato a vereador da capital. E segui para o meu repouso. 

Agora que escrevo essas linhas lembrando desse episódio, me veio á cabeça uma característica minha – a adaptabilidade. Característica expressa nas muitas tatuagens de lagartos que tenho pelo meu corpo. Confesso que tenho uma certa resistência em mudar a minha rotina. Mas quando essas se tornam inevitáveis não há por que ficar lamentando. É se reorganizar e se adaptar a nova realidade. Por mais que doa vou conseguir. E seguir.

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Resenha: Amostra complexa, da Simone Campos

A juventude é um período da nossa vida marcada por conflitos – conflitos que fazem parte da nossa formação. E entender isso, tanto da parte do jovem como daqueles ao seu entorno, é fundamental. É um período marcado pela necessidade de conhece-se e aceitar-se. Como também achar seu lugar numa sociedade – que nem sempre é acolhedora – muito pelo contrário.

Simone Campos, escritora carioca, transformou essas questões em inspiração para escrever um livro de contos intitulado de “amostra complexa” (Editora 7 letras, 2008). Os contos, lembram crônicas – o olhar de uma jovem, em conflito consigo e com o mundo, para o cotidiano. É como se tivéssemos acesso a um diário pessoal de uma adolescente do colegial.

“Eu falo e rio menos que as outras garotas, e pessoalmente acho que as pessoas ficam muito feias quando mostram os dentes, portanto falo e rio menos ainda”.

O trecho acima é do conto Mousmé (conto japonês). A partir do qual podemos imaginar o perfil da nossa narradora – uma jovem introvertida. Ao longo da leitura do conto isso fica mais evidente a partir da visão que ela tem dos seus colegas e professores – que na visão da narradora sempre se apaixonaram por ela desde o 6° Ano do Ensino Fundamental,  ainda que ela nunca tenha correspondido. Eis aí mais uma coisa que conseguimos capitar na nossa personagem – Ela é observadora. Como podemos perceber no trecho a seguir do conto herói. 

“Há em toda praça um mendigo maluco. O daqui de baixo tem mania de saudar freneticamente o nada; pela observação assídua, descobri que está fazendo sinal para um ônibus que só ele vê, e que nunca pára.”

Percebemos também uma certa indiferença com as expressões da questão social. Típico de um sujeito individualista que só pensa em si – que se acha o centro do universo. É a linha que se segue no conto sexo em anegue (conto africano).

Eu queria mesmo era poder entrar em outra pessoa e espiar o que elas estão sentindo sobre elas mesmas. Por que aqui dentro eu já sei como é; e também já consigo sair e me ver como elas me vêem.”

Temos aí uma boa dose de prepotência. Alguém que se acha capaz de saber exatamente como as pessoas á vêem. Ora, a gente imagina, mas saber exatamente é demasiado taxativo. A maturidade certamente a fará mudar essa visão. 

“Mas queria saber como elas se vêem, de verdade, por dentro. Saber se elas também se sentem mal assim quando pensam em si mesmas e, se sim, como conseguem disfarçar e levantar a cada dia e ir trabalhar, ou estudar, ou pelo menos andar pela rua sem que ninguém pense: lá vai a coisa toda errada. Assim pelo menos eu não me sentiria sozinha”.

A maturidade a fará compreender também que não precisamos trocar de lugar com o outro para saber que ele também sofre – que também se sentem sozinhos. Afinal de contas, como diz o ator Paulo Autran numa célebre entrevista – a solidão faz parte da condição humana.

Eita, acho que acabei divagando e fugindo do objetivo desse texto – fazer uma resenha (não uma análise filosófica) da obra. Voltemos então. Além dos contos citados acima. O livro é composto por mais 9 contos – que seguem a linha dos exemplos que demos acima.

Do ponto de vista estético diria que a obra, com exceção de alguns trechos, poderia ser melhor lapidada. Mas é preciso compreender que se trata de uma autora em formação – que demonstra muito talento pelas exceções que citamos – o que torna a leitura interessante. Assim como esse aspecto pessoal a partir do olhar feminino que faz com que nos tornamos uma espécie de cúmplice dessa criatura em conflito consigo e com o mundo:

“Era muito crueldade. Quer dizer, ela está tentando ser boazinha, más usa método de má. Acho que muitas mulheres fazem isso – as melhores, tenho que reconhecer” (Campos, Simone. In Tão bonito que dói, 2008).

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

A política e as eleições municipais 2024


Esse ano eleitores das diversas cidades Brasil afora irão escolher os seus representantes no legislativo como também o chefe do executivo municipal. Traduzindo: Vereadores e Prefeitos. Geralmente essas disputas, são marcadas por um discurso de continuidade ou mudança. Ou seja, por parte de quem está no poder, a defesa da continuidade. Já por parte de quem quer tomar o poder – mudança. 

Pensando a política racionalmente, sobretudo seguindo o ponto de vista aristotélico, esse não deveria ser o ponto, ou seja o dilema entre continuidade ou mudança. Até por que quando falamos em continuidade ou mudança. Uma resposta prudente seria: depende. Pois mudar não necessariamente significa que vai melhorar. Por outro lado continuar como está não significa que não vai piorar. 

Nesse sentido, mais importante do que o discurso de continuidade ou mudança, seria questionar qual o projeto que um determinado grupo tem para a cidade. É um projeto de direita ou de esquerda – liberal, socialdemocrata, conservador,  comunista. Entre outros.

Costumo falar nas minhas aulas de filosofia sobre política que esta não se reduz a um processo eleitoral de escolha de representantes. Mas como um meio pelo qual a cidade em que vivemos seja aquilo que ela é.  Ou seja, se é boa ou ruim é fruto do projeto político hegemônico. Se é um projeto de direita certamente a preocupação é com a manutenção dos privilégios da classe dominante. Se for de esquerda, necessariamente deve se preocupar com o bem comum.

Certamente haverá aqueles que se diram neutros. Ou seja, que não são nem de esquerda ou de direita. Esses não merecem credibilidade.  São oportunistas que se comportam conforme a musica que está tocando.

Mas voltemos às eleições municipais que ocorreram esse ano. 

Se o eleitor se comportace racionalmente não seria muito difícil decidir em quem votar. Analisaria os diferentes projetos em disputa. E optaria por aquele que avaliasse como o melhor para a cidade. Pois se o projeto é bom para a cidade consequentemente será bom para todos que ali vive.

Mas sabemos que não é bem assim. O comportamento passional se sobrepõe ao racional. E com isso os eleitores se tornam mais manipuláveis. 

Um político hábil tem consciência disso. E por isso faz circular afetos que alimentam esse tipo de comportamento. 

Um dos afetos preferidos é o medo. O medo de perder um emprego, o carro, a casa e até o que não tem. Outra estratégia é alimentar o ego das pessoas. Há indivíduos que tem o ego que não cabe em si. Sabendo alimentar isso o político o terá facilmente em suas mãos.

Nas eleições desse ano esse movimento não será diferente. Os eleitores movidos pelos seus interesses pessoais irão votar a partir desse pressuposto: Se está bom para mim irei votar pela continuidade. Se não está bom irei votar pela mudança. Os eleitos serão aqueles que melhor encarnar esses anseios.

É necessário ressaltar que nem todos se comportam assim. Ainda que estes sejam uma minoria. Mas mesmo sendo uma minoria é um exemplo que precisa ser ressaltado. Sobretudo por que apontam para a possibilidade de um dia haver uma mudança de paradigma. Ou seja, de que todos os eleitores votem racionalmente. E votando racionamente pensem no coletivo e não apenas em si. 

Nesse contexto, a educação cumpre um papel fundamental – educação numa perspectiva crítica. Ao desconstruir a visão que se tem da política como um meio para se alcançar interesses pessoais (é daí que vem a corrupção). E também desconstruir a ideia de que podemos viver alheios a política. Esta é inerente a vida em comunidade. De modo que gostamos ou não, é a partir dela que se estabelece as condições de vida numa cidade. Portanto é preciso compreende-la para que possamos usá-la em nosso proveito. Não numa perspectiva individualista, mas pensando na coletividade.

Por Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Sepultura: sobre saber quando encerrar ciclos

I’ve never lost sight of my falte
Many tried to bloco my ways but
Persistence kept 
me going on
Now se trespass the line of time
Going back bit I’m right here, now 
And then, all done...” 

Kairos, Sepultura

O anúncio de que no ano em que celebrará 40 anos de estrada, será também o início da despedida dos palcos de uma das bandas de rock mais importante do planeta pegou a todos de surpresa. Sobretudo por que não estamos falando de um grupo do qual seus integrantes já não conseguem responder ao esforço físico que o estilo da banda exige. Sem falar no nível técnico que eles alcançaram como podemos perceber tanto nos discos como nos palcos. Tal decisão nos provocou a refletir sobre a necessidade de saber a hora de fechar ciclos. E nos chamar atenção para algo que tentamos evitar – a nossa finitude. 

Óbvio que para um fã não é tão fácil aceitar “o fim” do seu objeto de adoração. Da mesma forma que alguém quando perde uma pessoa querida. Demoramos perceber que a banda, na verdade, não vai acabar. Mas continuar existindo de outra forma. A partir daquilo que ela produziu ao longo dos anos e das memórias que temos com ela. No meu caso lembro de ter conhecido o som do Sepultura pela televisão numa madrugada lá no início dos anos 2000, numa performance no Rock in Rio Lisboa. Mas foi quando mudei para Goiânia nos idos de 2005, que passei a apreciar mais metal e punk, e ter mais acesso a essa cultura, que o Sepultura passou a fazer parte da minha trilha musical – no top três das minhas bandas preferidas ao lado do Motorhead e Ratos de Porão.

A primeira vez que fui num show foi em 2007 no Goiânia Noise. Lembro de ter ficado impactado com a performance da banda. Naquele momento tive a exata dimensão do que era o Sepultura – uma banda diferenciada – dessas que a história reserva um capítulo especial. Desde então a banda só melhorou, sobretudo depois da entrada do Eloy Casagrande.

Falar em entrada e saida de integrantes é tocar em polêmica. Alimentada sobretudo pelo ressentimento dos irmãos Cavalera, especialmente o Max. Da minha parte não há nenhuma polêmica. Quando conheci a banda no início dos anos 2000, Derrick já era o vocalista. De modo que a saída do Igor e depois do Jean foram mais significativa para mim. No entanto não tem como deixar de reconhecer a qualidade do trabalho da era Max. 

Para mim não há melhor ou pior. São fases diferentes. No entanto, nós sabemos que a sociedade que vivemos gosta de alimentar polêmica e competição entre os indivíduos. É nesse contexto, por tanto, que compreendemos toda a discussão em torno do que a banda produziu. Confesso que o meu carinho de fã maior é pela formação atual (Andreas, Paulo, Derrick e Eloy). Sem deixar de reconhecer o legado que os ex-membros deixaram. 

Por outro lado, arriscando uma análise mais técnica não dá para comparar o nível do Sepultura atual com o que faz os irmãos Cavalera, seja no Soulfly ou no Cavalera Conspiracy. Fazendo uma comparação com times de futebol, eu diria que o Sepultura atual seria um Manchister City ou um Real Madrid. Já os Cavalera um Palmeiras ou Flamengo.

Por que então parar agora se a banda está perfomando em tão alto nível?  Foi a pergunta que muito se fez. Óbvio que quem acompanha os integrantes sabe que há questões pessoais envolvidas – experiências vividas, pelo guitarrista e líder do grupo – Andreas Kisser – a partir da morte da sua companheira Patrícia, que o fez ter outra compreensão da vida. Tanto é que quando analisamos a turnê de despedida do ponto de vista conceitual está lá de forma muito explícita a sua defesa de uma morte digna.

Estranho isso, não?! Falamos tanto em vida digna, mas em morte digna não. Mas deveríamos, por que disso não tem como fugir – da nossa condição de finitude.

Mas se a questão é o Andreas, por que não substitui-ló? Isso aconteceu durante alguns shows na Europa, tendo o Jean Paton assumindo a guitarra. Simplesmente pelo fato de que a banda decidiu coletivamente que é hora de parar. Ou seja, ainda que a ideia tenha surgido do Andreas, a decisão foi de todos. Quem melhor que eles para decidir a hora de parar?!

Nós ficamos tristes com essa decisão. Mas não podemos deixar de notar uma coerência com o legado construído pela banda – não abrir mão daquilo que acredita. Foi isso que fez com que eles renascessem (a música Kairos representa isso muito bem). Algo que sempre demostraram foi ter consciência do que estavam fazendo. E agora não seria diferente. Por fim, eles nos deixam mais uma grande lição – a vida é feita de ciclos. Compreender isso é estar melhor preparado para encarar outras possibilidades que ela nos oferece. E que muitas vezes,  por medo e comodismo, deixamos passar.

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Marx e os direitos humanos

Não queremos antecipar dogmaticamente o mundo,
mas encontrar o novo mundo a partir da crítica”.
Karl Marx 



A discussão sobre direitos humanos é atravessada por muitas contradições. Sobretudo no Brasil. Pois em que pese a origem desses direitos serem frutos da ascensão da burguesia e por conseguinte do modo de produção capitalista. A defesa deste passou a ser assumida sobretudo por setores da esquerda a partir da resistência aos crimes cometidos pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985).  E é atualmente uma bandeira irrenunciável de qualquer organização que se opõem a ordem dominante – caracterizada pela desigualdade e suas expressões que aflinge o povo trabalhador, tanto no campo como na cidade. 

No entanto, sempre que vamos para discussão teórica, sobretudo no âmbito da academia, somos lembrados da crítica Marxiana aos direitos humanos. Essa crítica encontramos no livro sobre a questão judaica (1843). Um texto em que Marx trava uma polêmica com Bruno Bauer (que havia escrito um texto sobre o problema) – fazendo parte dos escritos Marxiano – que marca o seu processo de rompimento com a esquerda hegeliana e a Filosofia Alemã. 

É preciso, portanto, compreender o contexto que a crítica foi feita e ao que se pretendia – apontar, na minha análise, os limites da filosofia idealista para compreensão de uma determinada realidade e por conseguinte a sua transformação.

Num determinado trecho Marx escreve o seguinte: “o homem não foi libertado da religião. Ele ganhou a liberdade de religião. Ele não foi libertado da propriedade. Ele ganhou a liberdade de propriedade. Ele não foi libertado do egoísmo do comércio. Ele ganhou a liberdade do comércio” (2010, p. 53). Ou seja, para Marx, o indivíduo continuava submisso a um estado de coisas. Desse modo, a liberdade conquistada com a passagem da sociedade feudal para burguesa – é uma liberdade abstrata. 

É nesse contexto, por tanto, que se insere a crítica a concepção de direitos humanos. Esses direitos são voltados para o indivíduo burguês – o “homem egoista”. Daí que na definição de Marx (2010, p. 48), “os direitos humanos, nada mais são do que os direitos dos membros da sociedade burguesa”.

De acordo com nosso filósofo (2010, p. 47) estamos falando sobretudo de direitos políticos. Que só podem ser exercido numa comunidade politica – parte de um sistema estatal. A partir daí um aspecto importante ressaltado por Marx é a relação entre direitos humanos e liberdade. 

“O direito humano à liberdade não se baseia na vinculação do homem com os demais homens, mas, ao contrário, na separação entre um homem e outro” (2010, p. 49). Ou seja, esse direito se fundamenta no individualismo – no egoísmo. Por isso para Marx (2010, p. 50) “nenhum desses direitos transcende o homem egoísta”. Sobretudo quando analisamos a aplicabilidade prática dos direitos humanos à liberdade. Que nada mais é do que a garantia do direito a propriedade privada. E assim chegamos no nosso ponto Inicial. O direito humano trouxe ao membro da sociedade burguesa a liberdade de religião, de propriedade e de comércio. Quando que, na verdade, a luta deve ser para liberta-lo da religião, da propriedade e do egoismo do comércio. 

Marx nos aponta portanto os limites dos direitos humanos nos marcos da sociedade burguesa. Pois em última análise, esses direitos servem a um determinado fim, o fortalecimento do indivíduo – o indivíduo egoísta – o indivíduo burguês – que é reconhecido pelo Estado político através desses direitos.

Diante desses apontamentos o que nos resta? Abandonar a defesa dos direitos humanos diante do fato de que eles não apontam para superação do estado de coisas atual? Ou pior, não só não apontam para superação do modo de produção atual, como contribui para manutenção da ordem burguesa. 

No nosso modo de ver é preciso pensar dialeticamente como Marx. Ou seja, a partir do movimento real da história. 

A crítica de Marx aos direitos humanos nos marcos da sociedade burguesa, sobretudo no contexto que ele escreveu (no final da primeira metade do Século XIX), está correta. E inclusive, é uma critica que continua atual para compreendermos o limite desses direitos. No entanto, o que percebemos, é que apesar das suas contradições, a defesa dos direitos humanos é fundamental na sociedade. Ainda que seja o direito de religião ou de propriedade. Pois num contexto em que direitos mínimos são negados. Como por exemplo, de uma comunidade tradicional usufruir do seu território. Defender esses direitos é fundamental se quisermos vislumbrar mudanças qualitativas futuras. 

Essa defesa não será feito pela classe dominante – que busca manter o estado atual de coisas – mas por todos aqueles que acreditam na construção de outro modo de produção – onde as relações tenham como princípio a solidariedade e a cooperação. E não o egoísmo e a competição. Desse modo, a nossa defesa dos direitos humanos deve partir daí – compreendendo os seus limites, mas a sua necessidade no contexto atual.

Por Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

sábado, 20 de janeiro de 2024

Conto: O recado

Uma certa noite no meu quarto peguei um caderno para fazer algumas anotações acerca de um texto de filosofia que estava lendo. De repente ao folhear esse velho caderno caiu um pedaço de papel com o seguinte recado: “Estou afim de ti. Me liga” e um número de telefone. A dose de vaidade que existe em todos nós, como escreveu certa vez Ernesto Che Guevara, me deixou bastante envaidecido. Saber que existia uma criatura interessada por esse ser recalcitrante. Quem seria? Alguma aluna? Não podia ser por que aquele caderno eu não costumava levar para escola. Ora, quem teria e como teria conseguido colocar aquele recadinho naquele caderno? Ligar eu não iria. Ainda mais diante da possibilidade de ser uma aluna minha. Pois eu teria que manter total distância. Ora, não havia nenhuma possibilidade deu me relacionar com uma aluna, fosse quem quer que fosse. Mas eu queria saber quem era. Foi então que me veio na cabeça a ideia de salvar o número na agenda do meu celular – se o número fosse do whatsapp talvez eu pudesse descobrir. E não é que deu certo?! De fato eu descobri quem era. Não era nenhuma aluna, mas de uma colega da faculdade. Aquele caderno eu usava na faculdade e aquele recadinho tinha sido colocado ali há alguns anos (no mínimo uns três para ser mais exato – que foi quando eu havia terminado o curso). E só agora que eu estava encontrando. Não pude deixar de sentir raiva de mim. Como eu não percebi aquele recado antes, naquela época. Eu certamente teria ligado, teríamos ficado e quem sabe mais. Pois se ela era afim de mim, eu era muito afim dela. Era. Era é passado. E se é passado não volta. As oportunidades passam e se não aproveitamos o momento, só nos resta lamentar. Caralho!

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.