sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

A última de 2020

 Retrospectiva 

“Eu quero que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês...”

Belchior

Avançamos para superar mais um ano. 

E que ano senhores?! 

E que ano senhoras?! 

Se já não bastasse a crise climática, 

o governo Trump e seus congêneres. 

Ainda tivemos que encarar uma pandemia.

Uma pandemia que até agora já ceifou 

mais de 1 milhão e 500 mil vidas. 

Só no Brasil já ultrapassamos as 181 mil mortes. 

Mas apesar dos pesares sobrevivemos.

É, sobrevivemos. 

A pesar da fome,

que voltou a fazer parte do cardápio de muitas famílias.

Da violência,

sobretudo se você teve a sina de nascer preto.

Do egoísmo, 

De quem só olha para o próprio umbigo. 

do desgoverno.

Gostaria de terminar o ano

com uma mensagem otimista.

Afinal de contas estamos vivos.

Mas o índice de aprovação do governo

mostra que não há espaço para ilusões.


Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular, Poeta e Escritor Tocantinense. 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Filosofia no estilo punk rock: O Podcast Aufklärung

No final de junho, após alguns meses de suspensão das aulas presenciais na rede estadual de educação do Tocantins, fomos convocados para retomada do ano letivo através de aulas remotas para as terceiras séries do ensino  médio. O desafio que se colocava diante de nós era dar aulas numa realidade, e em condições, para qual não estávamos preparados. 

Isso ficou mais evidente diante do quadro que nos foi apresentado, sobretudo em relação a condição de acesso a internet e equipamentos tecnológicos por parte dos estudantes do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. A partir daí a questão que me veio na cabeça foi: Como ensinar Arte, Filosofia e História remotamente? Sobretudo sabendo que esses componentes curriculares metodologicamente tem o diálogo como um elemento fundamental. 

Desse modo, ainda que não estivéssemos presentes num mesmo espaço, era necessário buscar alternativas para que o diálogo ocorresse. Mas como?

O óbvio era utilizar os recursos tecnológicos para me conectar com os estudantes. Da minha parte isso não era tão difícil. Apesar de não ser um expert em tecnologia, me viro bem. Ainda mais quando o assunto é utiliza-la para fins educativos. No entanto como salientei no início, sabíamos que a maioria dos nossos estudantes não tinham equipamentos e acesso a internet com mínimo de qualidade – acessavam a internet via aparelho celular com pacote de dados móveis. 

Desse modo era preciso utilizar uma ferramenta acessível para eles. E que também, eu conseguisse fazer com os equipamentos que eu tinha – que não eram lá essas coisas.

Durante esse processo percebi que mais de 90% dos estudantes do CENSP-Lajeado tinham whatsapp ou podiam acessa-lo através de um aparelho celular de um familiar. Percebi então que este poderia ser uma ferramenta utilizada não só para informar (como era utilizado pela equipe diretiva da escola), mas também para formar. Para tanto seria necessário pensar em algo que não consumisse tanto os pacotes de dados móveis.

Das várias alternativas que foram surgindo nesse período de reflexão e pesquisa, fazer um podcast foi a que mais me atraia. Sobretudo na medida que fui me aprofundando nas leituras acerca do que era e de como fazer um podcast. E ao ouvir alguns podcast da área de Filosofia a minha conclusão foi: - Eu consigo fazer isso. 

Óbvio, teria que ser algo pensado e elaborado para minha realidade, e dos meus estudantes. Algo que atendesse ao objetivo almejado. Tendo isso claro, o momento seguinte foi o de “colocar a mão na massa”. E assim fiz, no estilo punk rock – do faça você mesmo. Desse processo surgiu o podcast Aufklärung (Esclarecimento), onde em cerca de 20 minutos eu dava uma aprofundada no conteúdo trabalhado no roteiro de estudo impresso. Isto é, referenciando o conceito Kantiano (Aufklärung), eu esclarecia,  ou tentava pelo menos, os conceitos e ideias presentes nos conteúdos trabalhados. 

Para compartilhar com os estudantes eu utilizava os grupos da turma no whatsapp – onde podiam baixar o arquivo de áudio para ouvir em qualquer momento (sem consumir muitos dados móveis da sua franquia de internet). E assim, além do roteiro de estudo impresso, tinham o podcast, com uma explicação um pouco mais aprofundada, para contribuir na compreensão acerca dos conteúdos trabalhados em Arte, Filosofia e História.

Creio que foi um canal importante para que os estudantes das terceiras séries do CENSP-Lajeado pudessem ter um material a mais para compreender os conceitos e ideias abordados nos textos encaminhados nos roteiros impresso. Conceitos e ideias que nem sempre são de fáceis compreensão (sobretudo em se tratando de filosofia), mas com uma explicação razoável, relacionando com questões do cotidiano deles, esse entendimento pode ser facilitado.

Outro ponto a se ressaltar é que os episódios eram elaborados a partir do feedback que obtiamos por parte dos estudantes, isto é,  do diálogo que conseguíamos estabelecer mesmo não nos encontrando presencialmente. E creio que a maior evidência que isso tenha ocorrido de forma exitosa pode ser encontrado no e-book Escola Vazia... onde os estudantes das terceiras séries  (regular e eja) fazem um breve relato sobre as aulas em tempos de pandemia. 

Mas enfim, se o podcast aufklärung contribuiu de alguma forma para que os estudantes das terceiras séries do ensino médio do CENSP-Lajeado tenham tido um maior aproveitamento nos seus estudos. Para mim, sem nenhuma dúvida, foi um grande aprendizado fazê-lo. Imaginar que no início eu não sabia nem o que era um podcast e no final conseguir o que conseguimos mostra bem isso. Espero também que essa experiência sirva de exemplo para mostrar aos demais educadores que mesmo em condições adversas podemos aprender e fazer a diferença. Segue, para quem quiser conferir, o link de acesso a três episódios:

História do Antigo Norte Goiano: https://www.spreaker.com/user/13141568/aufklaerung-009-hist-20200714-111953

Espinoza: Amor e Ódio: https://www.spreaker.com/user/13141568/aufklaerung-010-fil-20200718-194420

Arte Popular: https://www.spreaker.com/user/13141568/aufklaerung-008-art-20200714-113443_1

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.  Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

sábado, 5 de dezembro de 2020

Algumas palavras sobre orientação acadêmica

Um dos períodos mais temidos da vida acadêmica é quando vai se aproximando o momento de fazer o trabalho de conclusão de curso (TCC) – ainda mais se você  deixa tudo para última hora. Nesse processo um momento fundamental é a escolha do orientador. Pois é o orientador que tem a capacidade de tornar essa jornada menos estressante e até traumática para alguns. Desse modo é preciso buscar um orientador que oriente e não desoriente. Se não for possível então deve se buscar um coorientador que transforme a desorientação em orientação. 

Paulo Freire escreveu sobre o caráter autoritário dos intelectuais brasileiros no artigo “Para trabalhar com o povo” (1983). Autoritarismo que está presente mesmo quando se é de esquerda. Diz ele: “Nosso autoritarismo se transformou na arrogância, na sabedoria com que falamos, nas exigências de leitura que fazemos, no comportamento nos cursos e seminários. Citamos uns 40 livros e mandamos o aluno ler uns 200 capítulos, além dos 40 livros” (2012, p. 30). Esse autoritarismo fica mais evidente no processo de orientação de trabalhos de conclusão de curso. E leva a uma situação tão difícil que, ou o estudante troca de orientador, ou pior, paga alguém para fazer o seu trabalho.

Alguns acadêmicos nessa situação tem me procurado desesperado por não conseguirem desenvolver o TCC. E em muitos casos tenho observado que, em que pese a deficiência desses estudantes, o pior é a orientação que eles recebem – orientações que deveriam contribuir para que desenvolvam satisfatoriamente o trabalho de escrita do TCC, mas que acaba desorientando-os pela questão do autoritarismo. Quando alguém nessa situação me procura o meu trabalho é evitar que esse alguém não estoure – não desista do curso, do TCC, troque de orientador ou pague outra pessoa para fazer seu trabalho. Como? Você que lê essas linhas deve está se perguntando.

O primeiro passo é tranquilizar a criatura. Mostrar que aquilo que ela vê como impossível é totalmente possível. Mostrar que construir um artigo acadêmico não é coisa para superdotados. Há um padrão que você deve seguir, e seguindo esse padrão as possibilidades de erros diminuem enormemente. O segundo passo é convencê-la de que não adianta mudar de orientador sobretudo quando já se está num determinado estágio. O melhor é não contestá-lo, bater de frente com ele. Você precisa dele mais do que ele de você. Por tanto busque atender o que ele exige. Tentar ir contra é se estressar á toa. Terceiro, tento convencê-la a não pagar alguém para fazer o seu TCC, mas sim buscar uma espécie de coorientação.

É fato que tem algumas criaturas que por mais que queiram não conseguem escrever sozinhas – não conseguem colocar suas ideias no papel de acordo com o padrão exigido em trabalhos científicos. Isso é reflexo do nível deficitário de leitura e escrita dos nossos estudantes. Um problema que tem origem na educação básica e que na Universidade não se resolve, pelo contrário. Ai é que esse problema se explicita ainda mais a medida que o nível de exigência de leitura e escrita aumenta. 

Geralmente os cursos ofertam uma disciplina para remediar essa questão (no curso de licenciatura em Filosofia da UFT, por exemplo, essa disciplina se chama “leitura e produção de textos científicos”), que no entanto não é suficiente – tanto pela didática dos professores como pela carga horária pequena. Com isso vai se empurrando o problema ao longo do curso até que chega o pré-projeto e em seguida o TCC onde não há mais como escapar. Ou você produz um trabalho de acordo com as exigências do meio acadêmico ou não concluí o curso.

Pode se questionar si de fato é necessário todo esse peso que si joga no TCC. Se de fato é isso que define se si pode concluir o curso ou não. Que se será ou não um bom profissional. Ou se no final das contas trata-se apenas de um ritual de passagem que na prática servirá apenas para o orientador enriquecer seu currículo lattes. Independente do que seja, o fato é que as instituições de ensino exigem, portanto não há para onde correr. E se não tem para onde correr o jeito é encarar.

Daí a importância de saber escolher bem quem será o seu orientador (ou orientadora) para que essa jornada seja menos traumática possível. Ele saberá indicar se o problema que você pretende trabalhar é de fato viável e a partir daí lhe orientar para que seu objetivo seja alcançado. Um ponto que você deve ficar atento é para não ser usado pelo orientador, fazendo um trabalho em torno de um problema que não é do seu interesse mas dele. É preciso buscar um orientador que dialogue com você e não que lhe dê ordens.

Não é um caminho fácil, não se iluda quanto a isso. Por mais domínio que você tenha sobre a leitura e escrita de textos acadêmicos as dificuldades surgirão. Imagina então para quem não tem esse domínio. No entanto você pode e deve tomar algumas decisões que farão com que essa dificuldade diminua – entre essas decisões está a de buscar ajuda de um coorientador. Ele não irá fazer o seu trabalho mas sim um acompanhamento mais próximo – a ideia é tornar compreensível a orientação do orientador.

Para tanto o coorientador não pode ter um perfil autoritário. Ele deve ter a capacidade de desenvolver uma didática a base do diálogo. Compreender as fragilidades do orientando e traçar estratégias para supera-las. O coorientador deve pacificar a relação entre orientador e orientando pois assim o processo caminhará mais rapidamente. E sempre tomar consciência se o orientando está de fato compreendendo o que está fazendo – se o trabalho final corresponde aquilo que ele pensa. Pois será ele que irá encarar a banca avaliadora e, por tanto, deve está preparado para esse momento.

Para concluir, defendo a tese que o TCC não é nenhum bicho de sete cabeças, de modo que não vale a pena surtar e cortar os pulsos. É possível sim tomar algumas medidas (creio ter mostrado algumas nesse breve texto) que ajudará a diminuir as dificuldades que você por ventura encontrar durante essa jornada. E assim fazer desse momento um momento de aprendizado e não de tortura.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado. 

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Poemas da Quarentena

Hoje 

Não haverá feira,

esquece o caldo de chambari.

Nem a resenha no bar,

é melhor não insistir.


Não haverá futebol,

segura o gritou de gol.

Nem o jogo do Kawhi,

que você tanto esperou.


O show do RDP,

não vai mais acontecer.

Nem o festival de tatoo,

que tanto queria ver.


Esquece o rolê no shopping, 

com a turma da quebrada.

A praia está cancelada, 

E aquela pedalada.


Caminhar na praça,

Não é uma alternativa. 

Ir ao cinema?

desista minha amiga.


O que tem pra hoje?

é ficar em casa.

Quem sabe lendo um livro,

Ou vendo série enlatada. 


Por Pedro Ferreira Nunes -  In Antologia Ruas Vazias: O Corona Vírus em Prosa e Verso. Editora Veloso, 2020.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

As perspectivas políticas em Lajeado, Miracema e Tocantinia após o resultado das eleições

Se olharmos o resultado das eleições municipais (que ocorreram no último dia 15 de Novembro) nesses três municípios, podemos afirmar que a população está dividida – Nenhum dos três candidatos (para cargos majoritários) que saíram vitoriosos das urnas conseguiu uma vitória absoluta. O que não é ruim. Pois exigirá do gestor eleito uma maior habilidade política para lhe dar com os conflitos advindos dessa divisão. Ainda mais se enquanto grupo político pretendem ficar mais tempo no poder. 

Nesses três municípios prevaleceu os candidatos que eram tidos como favoritos. No caso de Lajeado, o atual prefeito Júnior Bandeira  (MDB). Em Miracema, a oposicionista Camila Fernandes  (MDB). E em Tocantinia, o atual prefeito Manoel Silvino (SD). Este último aliás, foi o que teve mais dificuldade se analisarmos o resultado do ponto de vista proporcional. Já do ponto de vista quantitativo, a maior dificuldade foi de Junior Bandeira. Camila Fernandes por sua vez, conseguiu um resultado expressivo (para os padrões de Miracema), tanto do ponto de vista proporcional como quantitativo. Mas não conseguiu eleger vereadores suficiente para ter maioria no legislativo municipal. 

Em Tocantinia Silvino foi eleito apenas com 38,22% dos votos. A sua vitória portanto pode ser creditada na divisão da oposição que dividiu mais de 60% do eleitorado em quatro candidaturas. Já Camila Fernandes obteve uma vitória mais tranquila, conquistando 53,10% do eleitorado. Mas não conseguiu a maioria no legislativo. De modo que se o seu grupo não conseguir deslocar pelo menos um  vereador eleito para situação, o controle da Câmara de Vereadores ficará com a oposição (5 candidatos a vereador eleitos pelo grupo da Camila Fernandes e 6 pelo grupo do Prefeito Saulo Milhomem). 

Esse problema Silvino não terá em Tocantinia, já que seu grupo conseguiu eleger a maioria dos vereadores – foram 5 candidatos eleitos pela chapa da situação e 4 pela oposição. Não é uma grande vantagem. Mas de inicio pelo menos garante a eleição de um presidente do legislativo aliado ao prefeito. 

Percentualmente a vitória de Júnior Bandeira em Lajeado foi a mais tranquila, pois conquistou 54,86% do eleitorado. Além do fato de ter conseguido fazer tranquilamente a maioria da Câmara de Vereadores  (elegeu 7 candidatos enquanto a oposição ficou com duas vagas). Mas levando em consideração que á menos de 1 ano – na eleição suplementar – obteve quase 80% dos votos do eleitorado. É claramente perceptivo que o seu grupo perdeu força. Isso fica mais evidente quando analisamos quantitativamente o resultado das eleições nesses três municípios. 

Camila Fernandes obteve 1.637 votos de diferença para o seu principal adversário. Silvino 340 e Bandeira 311. Isto é, Júnior Bandeira foi o que obteve a menor diferença em relação ao seu principal adversário. 

Você camarada que ler essas linhas deve está pensando pragmaticamente – o que importa é ter ganho. Se ainda fosse com 1 voto de diferença não importava. Bom, o meu objetivo aqui ao trazer os números é fundamentar o que disse no início,  isto é, a divisão política que existe nesses municípios e o fato de que não há uma grande hegemonia por parte de nenhum dos grupos políticos que foram eleitos. Óbvio, que com a máquina pública na mão fica mais fácil buscar essa hegemonia. E isso implica no fato de que entre outras coisas, nem todos os vereadores que foram eleitos pela oposição, permaneceram na oposição. 

Aliás, falando em Vereadores, quando analisamos como será a composição das casas legislativas nesses três municípios, o perfil não é muito animador, sobretudo se falarmos em representatividade feminina e dos jovens. Houve mudanças? Sim. Por exemplo, em Miracema 7 das 11 cadeiras será ocupada por novatos. Em Tocantinia 5 das 9 será ocupada por novatos. E em Lajeado 4 das 9 será ocupada por novatos. Mas são mudanças só de nome e não de perfil. Em Miracema a representatividade feminina no legislativo continuará apenas com uma vereadora. Em Lajeado da mesma forma. Aliás, houve uma mudança em relação a atual legislatura que tem duas vereadoras. Já em Tocantinia permanecerá o quadro atual que é de nenhuma mulher ocupando uma cadeira na Câmara de Vereadores. Em relação a juventude o quadro é o mesmo. De modo que podemos dizer que os eleitores dessas três cidades foram na contramão da média geral das eleições em todo o país que apontou por exemplo a eleição de um maior número de candidaturas femininas.

Todo esse cenário nos aponta algumas questões.  Primeiro, temos um quadro de divisão política nesses municípios. Mas não é uma divisão que aponta para uma ruptura com o modelo político hegemônico e sim para uma estagnação. Segundo o papel submisso da mulher e da juventude  - revelando a força do patriarcalismo ainda dominante no interior – mesmo com a eleição de uma prefeita como no caso de Miracema. 

Diante disso, as perspectivas políticas, a curto prazo nesses três municípios, não são de mudanças. E com isso concluo com a sensação que já escrevi isso outras vezes. Fazer o quê? A realidade não me permite concluir de outra forma.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela UFT.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Resenha: Os Escravos - Castro Alves

Eu sou o homem negro

Vim pra cá acorrentado em navios negreiros

Como um animal

Como um animal...

Inocentes


Quem no ensino médio não viu numa aula de literatura sobre o Romantismo no Brasil o professor apresentar Castro Alves e ler alguns versos do seu célebre poema “O Navio Negreiro”?! Mas Castro Alves não é poeta de um único poema, e também não cantou apenas as dores da escravidão. De modo que quando falamos em Castro Alves não estamos falando de uma figura totalmente desconhecida da nossa história. Sobretudo quando nos remetemos a história da escravidão no Brasil ou sobre a literatura brasileira – mesmo tendo morrido muito jovem, o seu legado literário o coloca como um dos grandes símbolos da nossa literatura. 

Nascido Antônio Frederico de Castro Alves, no interior da Bahia, num mês de Março, no ano de 1847. Tornou-se conhecido como Castro Alves – o Poeta dos Escravos – por seus versos fervorosos denunciando os horrores da escravidão e mostrando as veias abertas daquela sociedade escravocrata. Representante da Terceira Geração Romântica no Brasil se imortalizaria ao se tornar patrono da cadeira n° 7 da Academia Brasileira de Letras. Morreu jovem vítima da tuberculose quando tinha apenas 24 anos. Mas viveu uma vida intensa tal como um desses Rockstars suicidas. Deixou uma obra que segundo Dilva Frazão  (2020) se caracteriza pela denúncia da crueldade da escravidão e o clamor a liberdade. Castro Alves deu ao Romantismo um sentido social e revolucionário. E a sua poesia era um grito explosivo a favor dos negros. É o que podemos conferir numa pequena coletânea (Os Escravos – Editora L&PM POCKET, 2013) composta por 34 poemas de sua autoria.

Entre os 34 poemas que compõem a coletânea “Os Escravos” estão aqueles mais conhecidos como O Navio Negreiro e Vozes d’África. No entanto eu chamaria atenção para outros poemas não tão conhecidos, mas que não deixam a desejar. Entre estes eu destacaria: Ao Romper d’alva, A canção do Africano, Bandido Negro, Saudação a Palmares e Adeus, meu canto. 

Senhor, não deixes que se manche a tela 

Onde traçaste a criação mais bela

De tua inspiração. 

O sol de tua glória foi toldado...

Teu poema da América manchado,

Manchou-o a escravidão. 

Acima temos um trecho do poema “Ao Romper d’alva” (1865), onde o Poeta chama atenção para anomalia que é a escravidão sobretudo quando olhamos para natureza como uma perfeição Divina. De início o poema parece um canto de amor a natureza, mas no final o Poeta nos mostra que enquanto persistir a escravidão aquela beleza está contaminada. Esse poema me lembrou Rousseau quando disse que “tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem” (Emílio ou Da Educação, 1762).

Lá na úmida senzala,

Sentado na estreita sala,

Junto ao braseiro, no chão, 

Entoa o escravo seu canto,

E ao cantar correm-lhe em pranto

Saudades do seu torrão...

Assim inicia A canção do Africano onde o Poeta nos pega no braço e nos leva para conhecer a realidade de uma senzala. Ali um casal de Escravos e seu filhinho. A noite ao pé da fogueira o Escravo começa a entoar um canto melancólico de saudades da sua terra. A escrava com o filho no colo também canta as saudades do seu torrão. E assim por alguns minutos eles se libertam da condição em que estão. Mas só por alguns minutos.

O escravo então foi deitar-se,

Pois tinha de levantar-se

Bem antes do sol nascer,

E se tardasse, coitado,

Teria de ser surrado, 

Pois bastava escravo ser.

Imagine a força desses versos num contexto em que as ideias abolicionistas cada vez mais ganhavam força, sobretudo ali no meio acadêmico, na faculdade de Direito, do Recife, que Castro Alves frequentava.

Cai, orvalho de sangue do escravo,

Cai, orvalho, na face do algoz.

Cresce, cresce, seara Vermelha,

Cresce, cresce, vingança feroz.

Esses versos poderiam muito bem ser o refrão de um punk rock, mas são do poema Bandido Negro. Onde o Poeta deixa de lamentar a condição do escravo e passa a exaltar aqueles que se rebelam contra tal situação. Sendo também essa mesma linha que  ele segue no poema Saudações a Palmares.

Palmares! a ti meu grito!

A ti barca de granito,

Que no soçobro infinito

Abriste a vela ao trovão. 

E provocaste a rajada,

Solta a Flâmula agitada

Aos uivos da Marujada 

Nas ondas da escravidão.

Aqui nosso Poeta exalta o exemplo daqueles que decidiram se rebelar  contra a escravidão e construíram um território onde vivem em liberdade. Servindo de exemplo e inspiração a tantos outros que permanecem nas garras dos escravocratas. E por fim temos Adeus, meu canto – uma espécie de manifesto do poeta em defesa da sua poesia.

Eu sei que ao longe na praça, 

Ferve a onda popular,

Que as vezes é pelourinho 

Mas pouca vezes – altar.

Que zombam do bardo atento

Curvo aos murmúrios do vento

Nas florestas do existir,

Que babam fel e ironia

Sobre o ovo da utopia 

Que Guarda a ave do porvir.

Em Adeus, meu canto o nosso Poeta responde as críticas que recebia. E se estamos falando de um contexto onde prevalecia o poder de senhores escravocratas. Essas críticas não eram poucas. Mas que ao contrário de faze-lo recuar, lhe dava mais força para que continuasse defendendo o fim da escravidão. Mesmo depois de morto os seus versos continuaram, e até hoje nos inspiram, a condenar essa mancha na nossa história. 

Enfim, são apenas alguns dos belos poemas, que encontramos nessa pequena coletânea  (Os Escravos) de poemas do Castro Alves. Para além da beleza poética dos seus versos, são poemas que nos ajuda e nos inspira a lutar contra o racismo e toda forma de opressão. Aos que quiserem, gravei um vídeo falando dessa obra para o Festival Virtual de Arte e Literatura do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. Segue o link: https://youtu.be/9Swv54kzWV4.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Castro Alves e as Vozes d’África – Festival Virtual de Arte e Literatura do CENSP-LAJEADO

“O povo é como o sol! Da treva escura

Rompe um dia co’a destra iluminada...”.

Castro Alves 


Castro Alves e as Vozes d’África – eis aí o tema do Festival de Arte e Literatura do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência (Munícipio de Lajeado)  que ocorrerá na Semana de 16 á 20 de Novembro – onde se celebra o dia da Consciência Negra – uma data que ganha relevo este ano devido ao Movimento Black Lives Matter – que sacudiu os Estados Unidos da América e que tem inspirado manifestações no mundo todo contra o racismo.

No Brasil essa luta vem ocorrendo há séculos, quando a escravidão ainda era permitida oficialmente. De modo que se hoje á luta dos Negros por cidadania plena é difícil, imagina naquela época então. Mas foi nesse contexto que o jovem Castro Alves,  aspirante a advogado, levantou sua voz através da poesia para denunciar os horrores e imoralidade da escravidão – Não teve medo de mostrar na Casa Grande a condição desumana imposta nas senzalas. Tornou-se conhecido como o Poeta dos Escravos – o que dava voz aqueles que não tinham direito a palavra. 

No poema O sol e o povo (1865) ele escreveu: “O povo é como o sol! Da treva escura. Rompe um dia co’a destra iluminada. Como o Lázaro estala a sepultura”. Certamente ele estaria feliz vendo o levante de movimentos como Black Lives Matter. Pois como mostra os versos citados, ele sempre acreditou na capacidade do povo negro despertar e lutar por sua libertação. Como também podemos perceber em poemas como “A criança”, “Antítese” e “Saudação a Palmares”.

Desse modo o Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência não poderia escolher melhor nome para homenagear no seu festival de Arte e Literatura. Castro Alves foi um grande humanista, defensor da liberdade, amante das artes e da literatura. Aliás, fez dessa a sua arma em defesa de uma sociedade melhor. Em tempos onde a arte e a literatura, e também as ciências estão sobre ataque, celebrá-lo consiste num ato de subversão. E precisamos cada vez mais de atos de subversão para que as trevas não prevaleçam sobre a luz.

Não é a primeira vez que o Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência realiza um festival de Arte e Literatura e muito menos promove a Consciência Negra – tais ações estão no Projeto Político Pedagógico da Escola que está em consonância com as dez competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), entre elas a valorização e utilização dos “conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva”. 

Essa edição se dará no formato virtual devido a suspensão das aulas presenciais como medida de prevenção á COVID-19. Será mais uma experiência das muitas que estamos vivendo nesse contexto de pandemia. Se exitosa ou não, não sabemos. Mas se tem algo que temos aprendido nesse período é não ter medo de tentar – agir ao invés de se acomodar. Quando isso é assumido pelo coletivo então, a probabilidade de acerto aumenta significativamente. 

Sendo de forma virtual o alcance do evento é muito maior – qualquer pessoa com acesso a internet poderá apreciar as produções artísticas e literárias dos estudantes do CENSP-Lajeado. Além de acompanhar importantes reflexões dos nossos professores, através de videos-entrevistas, sobre temas relevantes como o racismo, a cultura quilombola, o papel da educação, entre outros. Além disso também haverá lives através do Google Meet. Sendo que numa dessas teremos uma roda de conversa sobre o nosso Poeta, a sua obra e o seu legado.

Fica então o convite a quem possa interessar (link do evento:https://sites.google.com/view/fal-censplajeado/in%C3%ADcio?authuser=0). Para mais detalhes e informações é só acompanhar as redes sociais do CENSP-LAJEADO.  E para concluir, citemos mais uma vez Castro Alves:

Parte, pois, solta livre aos quatro ventos

A alma cheia das crenças do poeta!...

Ergue-te, ó luz! – Estrela para o povo,

Para os tiranos – lúgubre cometa. 

                         Adeus, meu canto. 1865.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.



terça-feira, 10 de novembro de 2020

Alguns comentários sobre a reta final das eleições no Tocantins

Caminhamos para reta final das eleições no Tocantins, pois ao contrário de outros Estados, independente da distância entre o primeiro e segundo colocado não teremos segundo turno, já que nenhum município tocantinense possuí mais de 200 mil eleitores. Até agora nenhuma grande surpresa que contrarie as análises que venho fazendo desde 2019 sobre o cenário político-partidário tocantinense. O que não é nada bom pois significa um cenário de estagnação – de mais do mesmo.

Em Palmas

Cinthia Ribeiro (PSDB) caminha para sua reeleição com apoio de forças tradicionais da política tocantinense e figuras como o Ex-Governador Siqueira Campos. Nenhum candidato da oposição tem conseguido mostrar força suficiente para derrota-la. Alguns analistas creditam isso no fato de haver muita fragmentação na oposição. De modo, que se houvesse unidade da oposição em torno de uma única candidatura a eleição de Cinthia Ribeiro não seria tão fácil assim. Sinceramente não vejo sentido numa unidade da oposição unicamente para derrotar a atual prefeita. Essa unidade só teria sentido se fosse  construída em torno de um projeto comum de cidade e não unicamente pelo poder. Esse projeto comum não existe, de modo que seria forçoso colocar num mesmo palanque grupos com discursos contrários. O PSB do Andrino/Amastha fez isso com Vicentinho e Katia Abreu e deu um belo tiro no pé. 

Em Araguaína e Gurupi

Na segunda e terceira maior cidade do Tocantins os candidatos apoiados pelas atuais gestões caminham para triunfar. É aquela história, uma gestão bem avaliada pela população,  é um poderoso cabo eleitoral que dificilmente deixa de eleger um sucessor aliado da gestão. E esse é o caso de Dimas (Podemos) em Araguaína e de Laurez (PSDB) em Gurupi – duas gestões bem avaliadas pelos seus munícipes. Nesses municípios são os pupilos políticos desses atuais gestores que lideram – Wagner Rodrigues (SD) e Gutierres Torquato (PSB). A lógica seguida pela população é que esses candidatos vão dar continuidade ao projeto de governo em curso nesses municípios. Mas não é isso que geralmente acontece. E o que não faltam são exemplos na política tocantinense que corroboram com o que estou falando. Só para pegar um exemplo mais recente Amastha e Cinthia Ribeiro. O fato é que se Wagner e Gutierres (se eleitos) pretendem ter uma vida longa como gestores precisaram mostrar personalidade própria e se afastarem dos seus padrinhos políticos. Até mesmo se opor dependendo das circunstâncias. 

Em Porto Nacional e Paraíso 

Juntamente com Palmas, Araguaína e Gurupi. Porto Nacional e Paraíso formam as cinco cidades com maior eleitorado no Tocantins. Na velha Porto a família Andrade tenta retornar ao poder, para tanto terá que derrotar o atual prefeito Joaquim Maia (MDB) – candidato a reeleição. Um ponto interessante nessa disputa é o apoio de figuras do MDB ao candidato da família Andrade. Justamente o que falamos que aconteceria, sobretudo se falando do Senador Eduardo Gomes. De todo modo, a população de Porto caminha para eleger um projeto que todos conhecem bem. Já em Paraíso o cenário é o mesmo de Araguaína e Gurupi. Isto é,  o candidato favorito é o candidato apoiado pelo atual prefeito – Moisés Avelino (MDB) que é bem avaliado pela população local.

Miracema e Lajeado

Não são duas cidades que tem um grande peso no cenário político tocantinense. Mas não poderia deixar de falar delas: por uma questão afetiva em relação a Miracema. E por Lajeado ser o lugar onde moro. Em Miracema o cenário é o que apresentamos num artigo “Conjuntura política em Miracema: Rupturas, Realinhamentos e Ressentimentos”. Quando olhamos a disputa eleitoral entre Saulo Milhomem (PP) e Camila Fernandes (MDB) vemos como o ressentimento tem dado o tom da campanha. Não é de hoje que esse afeto tem tomado conta da política miracemense. Talvez o resultado das eleições possa contribuir para que isso diminua, já que enquanto não houver uma resposta oficial acerca do assassinato do Prefeito Moisés Costa, isso não será totalmente superado. Em Lajeado tem se confirmado o que apontamos no artigo “Lajeado: Análise do resultado da eleição suplementar e perspectiva para 2020”. O resultado dessa eleição dependeria do sucesso da atual gestão e da capacidade de manter as alianças construídas no pleito suplementar. Como isso não aconteceu temos uma eleição bastante disputada entre o atual prefeito Júnior Bandeira  (MDB) e o Vereador José Edival (PSC). Ao contrário do que dizem, a eleição de José Edival não significa uma renovação,  mas o retorno de um grupo que comandou o município até a cassação do mandato do ex-prefeito Tércio Neto. Se a opção for pelo Júnior Bandeira a opção é pela continuidade da gestão iniciada em Dezembro de 2019. E também por um estilo de governo bastante conhecido já que o Bandeira administrou a cidade entre 2000 e 2008.

Alguma conclusão 

Apresentamos aqui o cenário apenas em alguns municípios Tocantinenses.  Nos demais a situação não é muito diferente. A população escolherá entre continuar ou retornar a um projeto de governo conhecido – pois é preciso ter claro que eleger um nome diferente não é eleger um grupo político diferente e muito menos um projeto de governo.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Perguntas a se fazer para definir em quem votar para compor a Câmara de Vereadores da sua cidade

 “Ele apenas se recusou,
antes que fosse tarde de mais.
Pois sabia se aceitasse,
não poderia voltar atrás. 
Em seu olhar estava a resposta,
mas ninguém conseguiu entender.
E ficaram a se perguntar,
Por que?”
Inocentes 

Votar ou não votar? Eis a questão com que milhares de eleitores se deperam em anos eleitorais. A opção não votar tem ganhado mais adepto a cada ano (vide o aumento significativo do número de abstenções, votos nulos e brancos). Mas a grande maioria opta por votar mesmo sabendo da enorme probabilidade de se decepcionar com o seu ou sua elegida. Alguns desses, na próxima eleição, aumentarão as estatísticas das abstenções, votos nulos e brancos. Outros buscam justificar dizendo: - Como eu poderia saber?! Ninguém tem estrela na testa. É como se dissessem: - Nessa errei, na próxima acerto. Ou então acabam se deslocando para uma posição totalmente pragmática: - Ele rouba, mas faz.

Quanto a esses últimos não há muito o que  fazer. Mas os outros sim – esses poderão buscar diminuir a probabilidade de elegerem candidatos que depois os decepcionaram. E creio que um dos caminhos para diminuir essa probabilidade é fazendo algumas perguntas que lhes ajudaram a escolher melhor.


Qual a história do candidato ou candidata? 

Você deve minimamente saber em quem está votando. Qual a trajetória dessa pessoa. De onde veio. Qual a sua formação. A sua experiência. O que já fez. O que deixou de fazer. Como se posicionou diante de determinadas questões. São informações importantes que lhe ajudará a compor o perfil de um determinado candidato ou candidata e a partir daí vê se este é o perfil que você busca como sendo o melhor para ocupar uma cadeira no legislativo da sua cidade. Saber o perfil da sua candidata ou do seu candidato é o primeiro passo para que você não se decepcione quando ele ou ela se posicionar de determinada forma. O que não tem sentido é você votar em alguém com um perfil conservador e esperar que ele ou ela tenha uma postura progressista. Nesses casos o equívoco não é dele ou dela, mas seu.


Qual a relação da candidata ou candidato com a cidade?

Essa pergunta é importante por que não necessariamente você tem que votar em alguém que nasceu na sua cidade (um filho da terra como dizem). Mas essa candidata ou candidato deve conhecer a realidade socioeconômica do local da qual pretende ser um representante político. E esse conhecimento depende da relação que se estabelece na e com a comunidade. Alguns querem apenas explorar – sugar os parcos recursos do local – e quando se enchem batem as asas e vão embora. Já outros buscam contribuir para melhoria das condições de vida local – e ainda que as coisas não estão fáceis, não abandonam o barco. Votar em alguém natural do lugar poderia ser a solução, mas não necessariamente. O fato da pessoa ser um filho ou filha da terra não significa que ela tem uma relação diferente na e com a comunidade das que falamos anteriormente. Por tanto também se faz necessário, se você optar em votar em alguém nascido no local, saber a relação dessa pessoa na e com a comunidade – é uma relação de exploração ou uma relação de busca da melhoria das condições de vida de todas e todos? Esse questionamento é importante pois possibilita ao eleitor fazer um recorte de classe na hora de escolher em quem votar.


A candidata ou candidato sabe o que faz um vereador?

Si alguém se candidata a um determinado cargo o mínimo que se espera é que essa pessoa saiba os deveres e direitos desse cargo.  O problema é que muitos eleitores não sabem qual é o papel dos legisladores – de modo que fica difícil saber se o candidato ou candidata a vereador sabe qual será o seu papel se caso for eleito. Isso exige portanto que o eleitor se informe quanto ao que faz um vereador para que tenha condição de identificar se o candidato ou candidata a esse cargo também tem esse conhecimento. Sabendo o que faz um vereador, o eleitor irá eliminar muitos candidatos que se apresentam prometendo aquilo que não é da sua alçada, mas sim do executivo (no caso da prefeita ou prefeito). O que não dá é se votar em alguém que não sabe o que faz um vereador e esperar um bom desempenho desse. Não significa que a candidata ou candidato deva ser um especialista – que não possa no decorrer do mandato ir aprendendo e melhorando. Mas se não procura ter o mínimo de informação acerca do cargo que se propõem desempenhar (para não prometer o que não irá cumprir) é bom você pensar melhor antes de votar numa figura assim.


O que o candidato ou candidata pode fazer pela cidade?

Essa, na minha visão, é a principal pergunta a se fazer. A partir dela podemos compreender tanto o candidato ou candidata, como o eleitor e a eleitora. É uma pergunta que geralmente não se faz – o que refleti a visão individualista hegemônica – onde as pessoas estão mais preocupadas consigo mesma do que com o coletivo. Nesse contexto o que prevalece é a pergunta: - o que você pode fazer por mim? Óbvio, o candidato ou candidata, que não é idiota responderá exatamente aquilo que você espera ouvir. Mas assim como promete pra você, prometerá também para muitos outros. E por mais honesto que seja não conseguirá satisfazer a todos – pois é humanamente impossível agradar o que cada um, num universo de milhares, deseja. Quando isso acontece vem então a decepção: “- Ah, fulano de tal me enganou, me prometeu isso e não cumpriu”. Me desculpe, você quis ser enganado. Você mereceu ser enganado ao pensar em si e não no coletivo. Quando fores votar em alguém busque saber o que esse alguém pode fazer pela cidade – pois fazendo para cidade estará fazendo por todos, incluindo você. Se o candidato ou candidata não tem projetos para cidade, mas apenas promessas para conquistar seu voto, não reclame se depois de eleito ele ou ela virar as costas para ti.

Creio que essas quatro perguntas – que não precisam serem feitas para um determinado candidato ou candidata – e nem encaradas como uma receita de “Como votar bem”. São apenas pontos de reflexão para que você faça uma escolha consciente na hora de definir em quem votar.  São perguntas que mostram como a política conduzida a partir de uma ótica racional é o caminho para que façamos boas escolhas acerca dos rumos que a cidade irá tomar e de quem melhor pode conduzi-la nessa jornada. Óbvio, não é necessário você seguir essa lógica, mas não se iluda esperando um resultado adverso do que que tem colhido – não vai achando que ao votar numa figura medíocre terá outra coisa se não mandatos medíocres. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Crônica: A morte d’um limoeiro

Baruch Espinosa
 “Tenho evitado cuidadosamente rir-me dos atos humanos, ou desprezá-los; o que tenho feito é tratar de compreendê-los.” 
Baruch Espinosa

No meu quintal havia um limoeiro que produzia bastante limões. Mas de repente suas folhas e frutos secaram, e ele morreu. O que teria ocorrido? Alguma praga? Para algumas pessoas não. O diagnóstico seria mão ruim. Mão ruim? Isso mesmo. No interior há uma crença de que algumas pessoas tem a mão ruim ao ponto de que quando colhe alguma fruta no quintal alheio a árvore da qual essa fruta fora colhida, morre.

Não sei bem se esse fenômeno tem algum fundamento racional ou se é apenas uma infeliz coincidência. De todo modo não pude deixar de pensar comigo no tipo de energia que essa pessoa carrega consigo – uma energia capaz de matar uma árvore não deve ser coisa boa. No entanto me disseram que ter uma “mão ruim” não significa que se é uma pessoa ruim. O que seria então e por que? Como toda crença não há uma explicação. É assim e ponto – ou você acredita ou você não acredita.

Que exista pessoas que não são boas companhias, certamente. Pessoas que parecem capaz de sugar nossas energias e nos deixar para baixo, não há dúvida – ou como diria Baruch Espinosa – pessoas que diminuem a nossa potência de agir. Mas daí dizer que há pessoas que tem uma espécie de maldição que quando tocam numa planta condenam-na á morte, me parece um tanto de loucura.

O fato é que o limoeiro no nosso quintal morreu. Aparentemente não foi nenhuma praga – o que reforça a tese de que teria sido mão ruim. Prefiro ficar com Espinosa e dizer: Ele teve um mau encontro – isto é, um encontro com algo ou alguém que lhe afetou com um afeto triste – que diminuiu a sua potência de agir.

Taí, talvez a filosofia do Espinosa pode nos ajudar a explicar tudo isso. Para Espinosa tudo que existe (incluindo nós humanos e as árvores) faz parte de uma única substância. Essa substância é entendida como “o que existe em si e por si é concebido” (Ética, p. 78). Por tanto, algo perfeito. E se somos parte dessa substância também carregamos essa atribuição. Desse modo não teríamos conosco uma energia capaz de destruição. O que pode acontecer é termos ideias inadequada das coisas – sobretudo quando nos  deixamos guiar por superstições – que por sua vez nos leva a cultivar paixões tristes – que diminuem a nossa potência de agir.

Entre as paixões tristes que diminuem a nossa potência de agir estão o ódio, o ressentimento, o desespero e a inveja. Desse modo quando agimos afetado por uma dessas afecções não só estamos causando dano ao outro, mas também a nós mesmos. E esse outro que causamos dano não necessariamente precisa ser outra pessoa. Pode ser, por exemplo, uma árvore.

A partir dessa perspectiva digamos então que o nosso limoeiro não morreu por causa de uma mão ruim (olhos, talvez). Mas que tenha sido afetado por um afeto como a inveja. E isso diminuiu a sua potência de agir ao ponto de leva-lo á morte – o que talvez não tenha sido ruim. Dizem que algumas coisas precisam morrer para renascer mais forte – quem sabe esse não seja o caso do nosso limoeiro. Já quem ou que fez isso com ele pagará uma pena maior. Aliás,  já está pagando, pois viver com esse tipo de afecção não deve ser fácil. “Que a terra lhe seja leve”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Ética e Política em tempos de pandemia

Para início de conversa vou lhes contar uma breve estorinha. Imaginem uma cidadezinha litorânea que sobrevive graças ao dinheiro que os turistas que vão visitar as praias locais gastam ali. De repente surgi um tubarão atacando os turistas e vitimando alguns. Imaginem o pânico que se instala naquele local. Então as autoridades políticas e técnicas começam a discutir o que fazer diante desse problema que surgiu. Por um lado as autoridades técnicas vão defender a interdição imediata das praias e o cancelamento da temporada de verão. Já as autoridades políticas vão defender o contrário, justificando que se a temporada for cancelada a cidade entrará em colapso financeiro. E os impactos para população que ali vive serão enormes. Nesse primeiro momento a posição defendida pelas autoridades políticas prevalece. E assim as praias continuam aberta para banho, mas com uma vigilância um pouco maior. Mesmo assim no final de semana seguinte o tubarão ataca novamente deixando mais uma vítima mortal. A partir daí as autoridades políticas se convencem de que não adianta aumentar a vigilância, é preciso resolver o problema pela raiz – o inimigo  (no caso o tubarão) precisa ser eliminado ou se não a vida não voltará ao normal naquela pequena cidade. Convencida então a autoridade política, as medidas de prevenção como interdição das praias e cancelamento da temporada são tomadas, e então se parte para caçada.

Essa estorinha que acabei de contar é o enredo do filme “O Tubarão” de Steve Spielberg lançado em 1975 – completando portanto 45 anos agora em 2020. Justamente no momento em que a humanidade enfrenta um terrível inimigo que tem vitimado milhares de pessoas mundo afora. Diante disso podemos fazer um paralelo entre o enredo do filme “O Tubarão” e o momento que estamos vivendo. Tanto a nível de Tocantins, a nível de Brasil,  como também a nível mundial. Como todos sabem o foco inicial do Novo Coronavírus se deu na China. E a partir daí foi se alastrando para o mundo todo. A medida que o vírus foi se alastrando vimos duas posturas que se assemelham muito as posturas das autoridades daquela cidadezinha onde apareceu o tubarão. Um lado dizendo se tratar de um problema minúsculo que passaria logo, logo. Por tanto não precisaria se tomar medidas drásticas. Ainda mais pelo fato de que o nosso país tem determinadas características que iria impedir um estrago tal como vimos em países como Itália e Espanha. Em suma, minimizando a crise que estamos vivendo, dizendo que havia um certo exagero por parte daqueles que defendiam o isolamento social, o fechamento das escolas, das universidades e do comércio não essencial. E por outro lado, aqueles fundamentados sobretudo nas orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde) alertavam para o fato de que se tratava de um problema sério e enquanto não se descobrisse uma vacina eficaz seria necessário algumas medidas (especialmente o isolamento social, uso de máscara e de álcool em gel) para evitar uma proliferação maior do vírus. Temos ai portanto as duas principais posições que vimos surgir nesse período de pandemia. Por um lado alguns minimizando a gravidade da crise argumentando que o pior seria o isolamento social que desencadearia uma crise ainda maior com a consequente quebra econômica. E do outro lado se chamando atenção para a gravidade do problema e para necessidade de se tomar algumas medidas, que se não elimina o vírus, pelo menos evitando que ele se fortaleça. 

Quando nós fazemos esse tipo de reflexão, de como agir em determinada situação nós estamos no campo da Ética. Pois a ética é justamente isso, é a reflexão acerca das nossas ações. Nós agimos moralmente. E a partir da Ética nós refletimos sobre esse agir moral. Para ficar mais claro vejamos uma questão Ética do contexto atual: Por que mesmo diante dos números de casos e de mortes as pessoas continuam ignorando os alertas das autoridades sanitárias? Mesmo diante dos números  (que são reais) e das estórias de famílias devastadas por esse vírus não nos sensibilizamos e continuamos agindo como se nada estivesse acontecendo? Quando agimos assim, estamos agindo de forma virtuosa? Na concepção clássica de ética, agir virtuosamente é agir em busca do bem. E agir através de ações justas. A partir do momento que ignoro as orientações dos profissionais da saúde, colocando em risco não só a própria vida, mas sobretudo daqueles que estão ao meu redor, da comunidade que eu vivo. Será que estou agindo virtuosamente? É uma questão Ética que a filosofia nos propõem nesse contexto de pandemia.

O filósofo brasileiro Vladimir Safatle nos chama atenção para o fato de que a substância ética de um povo é definida a partir da maneira que ela lida com a morte. Como estamos lidando com as mortes decorrentes da COVID-19? Qual o nosso comportamento diante do crescente número de mortes? Mortes evitáveis em muitos casos. Esse comportamento revela a nossa substância ética, ou melhor dizendo, a falta dela. Pois se agir eticamente é agir em busca do bem, estamos agindo de forma contrária. Estamos agindo de maneira egoísta e não virtuosa. Estamos agindo pela indiferença. E são vários os exemplos nesse sentido: pessoas em festas clandestinas, se aglomerando em pontos de banho, não utilizando máscaras em locais públicos. Ignorando totalmente os alertas dos profissionais de saúde. E mesmo das autoridades políticas por meio dos decretos. É como se nada estivesse acontecendo. Milhares de pessoas morrendo e... uma completa indiferença. Uma diferença que percebemos no discurso daqueles que dizem: - Ah, já tava pra morrer! Também, tinha um monte de doenças – era cardíaco, era diabético. Uma indiferença total diante do luto do outro – da vida, a vida não tem nenhum valor. Isso mostra muito da nossa substância ética. Quando nos comportamos com total indiferença, seguimos na contramão do que propõem a ética. Tanto que é necessário decretos e outras  medidas de vigilância para impedir que as pessoas se aglomerem. Quando chegamos ao ponto de ter que ameaçar com multa as pessoas para que usem máscaras, não há nem o que dizer. E esse não é o único exemplo da nossa falta de consciência ética. É só observarmos o aumento de bens e serviços e os casos de desvios de recursos públicos da saúde, sobretudo num momento desses em que muitas pessoas morrem por falta de um atendimento básico.

Chegamos então a um ponto importante que é a relação entre ética e política. No livro clássico do Aristóteles “Ética á Nicômaco.  Ele nos diz que a finalidade da política é a busca pelo bem humano, sobretudo numa perspectiva coletiva. E como ela faz isso? Despertando nos cidadãos ações nobres. Será que é isso que isso que está acontecendo? Será se nossos representantes políticos estão utilizando a política para despertar nos cidadãos ações nobres. Reflitam sobre isso, pensem nas medidas que as autoridades políticas estão tomando – são ações, são políticas, que buscam unir a população para que superemos esse momento? Nós sabemos qual é o problema. Ainda não sabemos como destrui-lo, mas sabemos como evitar que ele se fortaleça. E mesmo sabendo de tudo isso, por que agimos de forma contrária. São questões que a filosofia moral, que os filósofos estão fazendo nesse contexto. E que todos nós, cidadãos, deveríamos fazer. Pois é a partir dessas reflexões que definiremos como será o mundo de amanhã. Essas reflexões contribuíram para construção do mundo pós-pandemia de COVID-19. Nós queremos um mundo que avance cada vez mais para a sua destruição ou nós queremos um mundo onde as pessoas sejam mais solidárias? Nós queremos um mundo onde cada um olha apenas para o seu próprio umbigo. Ou queremos um mundo (uma cidade, um Estado, um país) onde todos se ajudam e caminham unidos para vencer os desafios que surgiram. Pois uma coisa é fato, a pandemia de COVID-19, não é a primeira e nem será a última crise que a humanidade vai enfrentar. Antes dela tivemos outras, e no futuro certamente haverão outros desafios que precisaremos enfrentar. Como enfrentar esses problemas e o que surgirá a partir daí está na mão de todos nós. Nós podemos optar por enfrentar tal como a Filosofia nos propõem, de forma racional. Ou podemos deixar nos guiar pela irracionalidade e caminhar para nossa autodestruição. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Aula ministrada para estudantes da 3° Série do Ensino Médio do CENSP-LAJEADO. 

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Campanhas eleitorais no Tocantins: Muito barulho, poucas ideias!

Carreata em Miracema 
Muito barulho, poucas ideias – eis aí como poderíamos definir as campanhas eleitorais dos candidatos que estão pleiteando um cargo nessas eleições municipais de 2020 nas cidades Tocantinenses. Sobretudo no interior. Ao que parece, partem da concepção de que, quem fizer mais barulho em carretas, é aquele que mais terá chance de ser eleito. Nesse caso a força de mobilização está mais no poderio econômico no que nas propostas e projetos (ideias) dos candidatos.

Em alguns municípios a principal disputa entre os candidatos tem sido essa, a de quem faz mais barulho. Dessa forma quando um faz uma movimentação mobilizando o seu eleitorado. No momento seguinte o outro busca mobilizar ainda mais gente para demonstrar mais força que o seu adversário. Que no momento seguinte não deixará de dar outra resposta no mesmo sentido. Refletindo sobre isso me veio na cabeça o exemplo de dois adolescentes disputando quem é mais “pegador”. 

Eis ai o nível de maturidade dos nossos candidatos e seus correligionários – a maturidade de um adolescente alienado. Enquanto isso os problemas dos municípios – que são muitos – deixam de serem discutidos seriamente.

Esse exemplo nos mostra como estamos cada vez mais sobre o domínio da mediocracia. E não é o único. Em alguns municípios por exemplo, a disputa não é entre quem tem o melhor projeto de governo, mas qual o candidato que tem a bênção do atual gestor. Em outros municípios chegamos ao cúmulo de um candidato adotar o sobrenome de um ex-gestor com o objetivo de atrair mais votos. E o interessante nesses casos é que são geralmente candidatos defensores da meritocracia. Mas no caso essa meritocracia deve ser aplicada só aos outros. Já eles não se intimidam em utilizar um padrinho para conseguirem alcançar o que almejam. De modo que podemos dizer que há mais mediocridade do que mérito nessa ação.

Sendo eleito não dá para esperar algo diferente desses senhores e senhoras. Políticos medíocres que são, se cercaram de pessoas medíocres. E farão uma gestão medíocre. Como fazer para que isso não aconteça? Começar justamente se atentando para duas questões: primeiro, o candidato tem ideias próprias? Segundo, tem projeto de governo voltado a enfrentar os problemas da sua cidade? 

Votar fundamentado nas respostas dessas duas questões é votar buscando o melhor para sua cidade. E votar buscando o melhor para sua cidade é votar buscando o melhor para você. O que estamos ponderando é para que se faça uma escolha racional. Afinal de contas estaremos elegendo aqueles que conduziram o nosso município nos próximos quatro anos – que definiram as nossas prioridades (Ainda mais quando temos uma sociedade Civil pouco organizada).

Sabemos que nas médias e pequenas cidades Tocantinenses os eleitores não tem muitas opções. Sobretudo no que diz respeito á candidatos progressistas. A alternativa será então votar no menos pior (o mau menor) ou não votar. Quem optar pelo menos pior deve saber que este pode até ser uma alternativa mas não será a solução. De modo que continua valendo o que defendo há anos, isto é, a construção de candidaturas progressistas compromissadas com as causas populares – mas sei que isso ainda está um tanto distante da maioria dos nossos médios e pequenos municípios. 

Á curto prazo podemos e devemos fortalecer as organizações da sociedade civil existentes nesses municípios. Para que possam desempenhar, de forma mais autônoma, o papel de fiscalizar e cobrar dos representantes políticos locais a execução de políticas que visem atender o bem comum. Além de propor e realizar ações que contribuam no combate às expressões da questão social que afligem esses municípios.

Quem sabe também, não possamos dar um recado já nessas eleições a esses candidatos que acreditam que eleição se ganha no barulho e não pelo fato de se ter o melhor projeto para conduzir a cidade nos próximos quatro anos. Se conseguíssemos isso, já seria uma grande mudança de perspectiva 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Por que Professor?!

“Educar é combater. E o silêncio não é meu idioma”.

Callajeros


Não é raro aqueles que optam por cursar uma licenciatura ouvir a pergunta: Por que Professor? Pergunta que não parte apenas do senso comum, mas também de profissionais frustrados com a profissão, com os quais nos deparamos sobretudo no período de estágio – ou quando começamos trabalhar numa escola pública. 

Por que não se pergunta a um estudante de Medicina: por que Médico? Ou um estudante de Direito: por que Advogado? Ou ainda um estudante de Engenharia: por que Engenheiro? Pelo fato dessas profissões não serem tão desvalorizadas quanta a profissão de professor, sobretudo professor da educação básica.

O professor da educação básica trabalha muito e ganha pouco. Quase sempre está inserido num ambiente de trabalho insalubre – sem condições estruturais para desenvolver as atividades. De modo que não é de se admirar que se tenha um índice de adoecimento mental enorme entre os profissionais da educação.

Quando ocorre uma mudança como a que estamos vivendo em consequência da pandemia de COVID-19, ele tem que se virar como pode para garantir minimamente, que o estudante não seja mais prejudicado do que está sendo. Por exemplo, tirando dinheiro do próprio bolso para se equipar melhor, do ponto de vista tecnológico. Pois o Estado exige que ele dê  aulas remotas através do ensino híbrido mas não lhe fornece uma estrutura mínima para que essas aulas sejam dadas. 

É por essas e outras que essa pergunta (por que professor?) é feita para um pobre estudante que está cursando uma licenciatura na intenção de se tornar professor da educação básica. Ou mesmo a quem já está atuando na área. É camarada, há que se ter uma boa dose de amor pela profissão. E também de loucura. Pois afinal de contas como diz Nietzsche: “há sempre alguma loucura no amor”. No caso do professor da educação básica, põe loucura nisso.

Talvez tenha sido isso que me atraiu para docência, essa dose de loucura que existe em ser professor. Em se doar quase integralmente a uma causa que parece perdida – a de humanizar através da educação, num sistema que desumaniza.

É um desafio atuar nesse contexto. Talvez por isso é cada vez menor o número de criaturas dispostas a cursar uma licenciatura e se tornar um professor. Entre esses poucos, parte significativa chegam ali por “acidente” – foi o possível com a nota que alcançaram no ENEM. Com isso muitos desistiram no meio do caminho ou se tornaram profissionais frustrados – que alimentaram a visão de que estudar para ser professor é uma perca de tempo. 

Nunca tive uma visão romântica acerca da profissão. Para mim sempre foi muito claro que assim como a educação é prioridade só nos discursos de candidatos a algum cargo de representante político,  da mesma forma é o discurso que defende a valorização do professor. Deixa o professor ir fazer uma greve por mais valorização salarial e condições de trabalho que veremos o discurso mudar radicalmente. Não pense que o governante de plantão pensará duas vezes em jogar seus cães fardados com cassetetes, gás lacrimogêneo e balas de borracha em cima dos grevistas. 

Apesar disso ou talvez por isso não me desânimo. Pois para mim isso reflete o medo que o Estado tem do professor – do seu papel transformador. Eles querem profissionais submissos, medíocres. Por isso é preciso tornar a profissão menos atrativa e mais desvalorizada. Sendo assim ajo de forma contrária, busco a excelência, busco fazer a diferença. Sem esperar reconhecimento de quem quer que seja. Apenas a satisfação íntima de está sendo coerente com o que acredito.

Por isso nunca me incomodei com a pergunta: Por que Professor? Tanto que nunca me dei o trabalho de respondê-la. Ora, não preciso justificar as minhas escolhas para ninguém. Preciso apenas ter consciência se é isso que quero de fato. E se é isso que quero de fato, busco fazer da melhor forma possível. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Eleições em Lajeado II – Perfil dos Candidatos á Vereador


Como prometido, nesse segundo texto vamos falar do perfil dos candidatos a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores de Lajeado na próxima legislatura – que segundo o sistema de Divulgação de Candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), são 31. Disputando 9 vagas. Desses, apenas 6 buscam a reeleição. O que significa que no mínimo, teremos três novos parlamentares no legislativo lajeadense. Já as demais, dependerá do desempenho dos atuais vereadores nas urnas.

Em Lajeado, ao contrário do que ocorreu em outros municípios, o número de candidatos á Vereador diminuiu – em 2016 eram 58, agora em 2020 são 31. Desse modo poderíamos dizer que a priori será uma eleição menos concorrida. Mas não é bem assim, pois se por um lado diminuiu o número de candidatos, por outro aumentou a competitividade. Sobretudo com o fim das coligações proporcionais. E a maior disputa não será entre candidatos a vereadores de grupos adversários. Mas entre integrantes da mesma chapa. O que faz com que a campanha seja mais propositiva, com cada candidato mostrando suas qualidades ao invés de atacar os seus concorrentes. Afinal de contas, se preferirem a linha da desqualificação pessoal, estarão dando um tiro no próprio pé.

A tática dos grupos políticos que estão disputando o pleito eleitoral no município de Lajeado foi o de concentrar as candidaturas em poucos partidos. Diante disso os 31 candidatos estão divididos em apenas 3 legendas – o MDB, DEM e PSC. Sendo que os candidatos do MDB e DEM compõem o grupo do Prefeito e candidato a reeleição – Júnior Bandeira. E os candidatos do PSC o do Presidente da Câmara de Vereadores e Candidato á prefeito – José Edival. Já Hilario Dias não lançou chapa de Vereadores.

A maioria dos candidatos á Vereador estão no grupo da situação – 22. E os 09 restantes estão com a oposição. Isso pelo menos oficialmente, já que nos bastidores se apresentam pedindo voto apenas para si. Sobretudo nos locais onde o atual prefeito não tem uma boa receptividade.

Perfil dos candidatos 

Dos 31 candidatos que disputam uma vaga no legislativo lajeadense 21 são homens e 10 mulheres. Isso significa que o percentual de candidaturas femininas não ultrapassa o que estabelece a legislação eleitoral, isto é, um mínimo de 30%. Diante disso podemos dizer que a política em Lajeado continua sendo comandada majoritariamente pelos homens. Com o espaço da mulher sendo reduzido unicamente ao que impõem a legislação eleitoral. 

A situação da juventude é ainda pior, pois apenas 3 candidatos se encaixam nessa faixa etária de idade. 2 candidatos estão na faixa etária da chamada terceira idade (idosos) e os demais, 84%, compõem o grupo da meia idade (30 á 59 anos).

Em relação a escolaridade, pouco mais de 60% declarou possuir o Ensino Médio Completo. Cerca de 20% possui curso superior. E o restante não chegou a concluir a educação básica. Já em relação a ocupação, a maioria, cerca de 60%, declarou ser autônomo.  Os outros 40% são de servidores públicos. 

A partir desses dados podemos traçar um perfil geral do candidato a Vereador em Lajeado – homem, na faixa etária de 30 á 59 anos, que possui o Ensino Médio Completo e trabalha como autônomo. 

Esse perfil nos revela muita coisa. Talvez a principal seja que esse candidato está mais preocupado em melhorar de vida do que contribuir para a melhoria de vida da população. É também um perfil que não representa a diversidade que é o povo de Lajeado. Diante disso esperamos que o legislativo lajeadense não seja dominado unicamente por esse perfil. Precisamos ter uma presença maior das mulheres e da juventude nesse espaço. Mas isso quem decidirá é o eleitorado da cidade no dia 15 de novembro de 2020.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Literatura: Antologia “Ruas Vazias” – o coronavírus em prosa e verso


Muitos escritores mundo afora estão aproveitando o período de isolamento social (em decorrências da pandemia de COVID-19) para produzir sobre o contexto histórico que estamos vivendo. Entre os diversos trabalhos publicados destacamos a antologia literária organizada pelo editor e escritor Eliosmar Veloso, que acaba de publicar pela Editora Veloso a “Antologia Ruas Vazias – o coronavírus em prosa e verso 2020”. 

A obra conta com trabalhos de 34 autores de 6 Estados brasileiros (Tocantins, Pará, Maranhão, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) – o que nos dá a possibilidade de ver a partir desses diferentes olhares (de lugares distintos) como o isolamento tem os afetado. Com isso a antologia “Ruas Vazias...” serve como um importante registro histórico acerca do contexto atual e como referência para as futuras gerações – estudiosos e curiosos – que buscaram compreender como encaramos e superamos esse momento.


Minha participação 

Entre os autores que participam dessa antologia está esse que vos escreve. São três poemas de minha autoria escrito especialmente para a publicação. O primeiro intitulei de “A canção”, o segundo “Um sonho” e o terceiro “Hoje”. São poemas que foram inspirados em conversas com pessoas próximas á mim, em textos filosóficos e no noticiário sobre a situação atual.

Quando fui consultado sobre o projeto de publicação de uma antologia literária abordando essa temática dei o meu apoio instantaneamente, ressaltando inclusive que eu já tinha escritos sobre o tema. Mas na medida que o projeto foi se concretizando achei que a bela iniciativa do Eliosmar Veloso merecia o meu esforço de criar poemas inéditos. E assim fiz, submeti-os e foram aprovados. 

Quando comecei a escreve-los me dei o desafio de fazer poemas que falassem da situação que estamos vivendo não de forma explícita. Tanto que não há menção a pandemia, a novo coronavírus e nem a COVID-19. Acreditava eu que ao fazer isso meus poemas seriam atemporais – que daqui há 100 anos continuassem relevantes. Prepotência minha, não?! No final das contas são apenas poemas singelos, como é a minha poesia. E espero que possam aprecia-los.


Financiamento coletivo e fortalecimento da literatura

Um ponto importante a se ressaltar é que os custos da publicação da antologia “Ruas Vazias” foi financiado por todos os poetas e escritores que participam da obra. Creio que essa é uma ótima alternativa para que tenhamos nossos trabalhos publicados – um grupo de autores se juntam, publicam conjuntamente e dividem os custos da produção – e assim não fica pesado financeiramente para quem não tem condição de bancar uma publicação do próprio bolso – algo que no Brasil não é tão acessível assim. 

É também uma alternativa de fortalecimento da literatura – aumentando a produção literária – sem ficarmos esperando a boa vontade de algum gestor público de plantão tomar iniciativas nesse sentido.

É óbvio que essas alternativas tem lá suas limitações. Por exemplo no caso da antologia “Ruas Vazias...” o número de exemplares publicados foi reduzido. Para que tivesse uma tiragem maior seria necessário mais recursos. Isso significa que nem todos que se interessarem em adquirir e ler a obra terá acesso a mesma. Mas aqueles que conseguirem terão nas mãos uma importante obra literária com registro do momento que estamos passando.

Enfim, quem sabe nos projetos futuros não contemos com o envolvimento de mais autores. E com a sensibilidade do poder público em olhar com mais atenção para a nossa literatura.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. 


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Eleições em Lajeado – Análise e perfil dos Candidatos á Prefeito e Vice

De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as eleições municipais em Lajeado terá três candidaturas ao executivo e 31 ao legislativo. Diante disso vamos conhecer melhor o perfil dessas candidaturas e analisar o cenário eleitoral no município. Comecemos nesse primeiro texto apenas com as candidaturas majoritárias. 

Candidaturas ao executivo

Três chapas disputaram o voto popular para os cargos de Prefeito e Vice-prefeito em Lajeado. São eles: Júnior Bandeira e Nego Dílson pela Coligação “Fé, Família e Trabalho” formada pelos Partidos MDB e DEM. José Edival e Jaison Parente pela Coligação “Lajeado para todos” formada pelos Partidos PSC e PV. E Hilario Dias e Irmão Luiz pelo PROS. 

O primeiro ponto que nos chama atenção é a ausência de uma representante feminina entre as candidaturas ao executivo. O segundo ponto é o número reduzido de partidos que compõem as coligações – muito em consequência do fim das alianças proporcionais. Em terceiro,  o grau de escolaridade dos candidatos, apenas um possuí nível superior (Não que isso seja um fator que determina a capacidade política do postulante ao cargo).

Júnior Bandeira e Nego Dilson 

Junior Bandeira que tem 55 anos, ocupa atualmente o cargo de prefeito e possui Ensino superior – tentará se eleger para o seu quarto mandato á frente do executivo municipal. Dessa vez com a companhia de Nego Dílson como Vice – que tem 56 anos, atualmente ocupa o cargo de Vereador e possui ensino médio completo. Nego Dílson após vários mandatos de Vereador alça novos voos. Com a máquina pública na mão, o apoio da maioria dos atuais vereadores e de figuras como o Senador Eduardo Gomes, estrutura não faltará para que Bandeira e Nego Dilson busquem á vitória.

Mesmo diante de uma avaliação negativa do seu atual mandato, Bandeira continua sendo o favorito para permanecer á frente do executivo municipal. Ainda mais quando avaliamos os seus adversários. No entanto o seu favoritismo está bem distante daquele que lhe deu a vitória na eleição suplementar de 2019. Sobretudo pelas escolhas equivocadas que fez para compor o seu secretariado e pela gestão quase inerte – o que possibilitou a reorganização e fortalecimento da oposição. 

Há que se reconhecer que ele, assim como todos os demais prefeitos do país, tiveram sua gestão atrapalhada pela crise imposta por a pandemia de COVID-19. No entanto para parte significativa da população, era possível, e preciso, fazer mais. 

Outro aspecto importante que pode definir o êxito ou fracasso da candidatura Júnior Bandeira foi a escolha do vereador Nego Dilson para ocupar a vaga de Vice na chapa majoritária. Esperava-se que assim como nos outros pleitos (exceto na eleição suplementar) o candidato fosse um representante da comunidade Pedreira. Com isso não acontecer, e sabendo que a comunidade Pedreira tradicionalmente privilegia os candidatos locais, a questão agora é saber qual o impacto dessa decisão no resultado das eleições. 

Diante disso podemos dizer que essa escolha foi no mínimo arriscada. Mas compreensível do ponto de vista estratégico,  sobretudo pensando á longo prazo. Vejamos porque. Se Júnior Bandeira conseguir se reeleger agora, não poderá se candidatar novamente em 2024. Com isso esse grupo político, para permanecer no poder, necessitará de um candidato forte. E quem é atualmente o principal nome desse grupo político, depois do Bandeira, se não o Nego Dílson. 

E, ainda, para minimizar esse possível impacto negativo, há na chapa proporcional, candidatos a Vereador da Comunidade Pedreira. 

José Edival e Jailson Parente

Se há uma candidatura capaz de ameaçar a vitória do atual grupo político no poder. Essa candidatura é a do atual Presidente do legislativo municipal – o Vereador José Edival – que tem 58 anos e possui o Ensino Fundamental Completo. Edival foi uma figura chave na vitória do atual grupo da situação na eleição suplementar – inclusive ocupando a vaga de Vice. Mas nem chegou a assumir, decidiu retornar para o legislativo municipal e concluir o seu mandato como presidente da Câmara de Vereadores. A partir daí o seu distanciamento do grupo da situação foi só se aprofundando, e consequentemente foi se  aproximando da oposição. 

O seu candidato a Vice também é um ex-aliado do chamado grupo do Bandeira – Jailson Parente – que tem 48 anos, é Agricultor e possui o Ensino Fundamental Completo. Jailson buscará atrair os votos da Comunidade Pedreira. Aproveitando-se sobretudo da brecha deixada pelo grupo da situação. 

Além de contar com ex-aliados do grupo do Bandeira, José Edival também herdou o espólio político do Ex-Prefeito Tércio Neto. E isso tem lá seus bônus e ônus. Os bônus são os votos daqueles que permanecem fiel ao grupo político do ex-prefeito. E os ônus é a visão negativa que parte significativa da população tem de Tércio Neto e sua gestão. Além de outras figuras desse grupo político como é o caso da Vereadora Leidiane Mota e do Vereador Cassado Adão Tavares. 

No entanto, mesmo que não saía vitorioso do pleito, a candidatura de José Edival dá  uma maior musculatura para chapa proporcional da oposição, garantindo assim a sua sobrevivência. E com chances reais de eleger um ou mais representantes para ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores, na próxima legislatura. 

Hilario Dias e Irmão Luiz 

A surpresa deste pleito eleitoral em Lajeado fica por conta da candidatura de Hilario Dias com o irmão Luiz de Vice. Hilario tem 53 anos. É Servidor Público e possuí o Ensino Médio Completo. Já o irmão Luiz tem 47 anos. E tem o Ensino Médio incompleto. Ambos são figuras conhecidas na cidade. Inclusive não é a primeira vez que se apresentam como candidatos a um cargo eletivo para população lajeadense. Ambos já postularam o cargo de Vereador. Mas não obtiveram êxito. Não creio que agora terão um resultado muito diferente. Serão no final das contas uma alternativa para os eleitores que fugiram da polarização entre Bandeira e Edival. E que não queiram anular o voto ou votar em Branco. 

Esses eleitores serão certamente uma minoria, mas que no final das contas pode pesar muito no resultado que determinará quem vencerá o pleito. Pois em Lajeado, cada voto de fato faz a diferença. Para comprovar o que estou falando, olhem a diferença de votos entre o primeiro e segundo colocado na eleição municipal para prefeito em 2016.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Comentários sobre o livro “Emílio ou Da Educação” de Jean-Jacques Rousseau

“O Homem é muito forte quando se contenta com ser o que é, e é muito fraco quando deseja erguer-se acima da humanidade”.

Jean-Jacques Rousseau

A obra foi escrita entre 1757 e 1762 e alguns estudiosos especulam que a motivação de Rousseau teria sido um certo remorso pelo fato de ter abandonado os cincos filhos que teve com a sua companheira – Thérèse Levasseur. O fato é que quando da sua publicação em Paris no ano de 1762 a obra não teve uma boa recepção pela classe dominante da época – e quem lê-lo verá que não foi sem motivo – Rousseau não poupou críticas – especialmente aos governos, a igreja e as famílias ricas. A partir daí não é de se admirar que o parlamento francês sentenciasse a queima do livro em praça pública e o nosso filósofo se visse em maus lençóis ameaçado de prisão. 

É, Rousseau é mais um exemplo de que aquele que sai da caverna e retorna para trazer a luz aos que ali ficaram nem sempre é bem recebido.

Mas se em vida o seu Emílio lhe trouxe mais desventuras do que venturas. Após sua morte a sua obra foi ganhando cada vez mais relevo, tendo inegavelmente influenciado nos processos revolucionários que levaram a ascenção da burguesia. E no campo educacional então, se tornou e continua sendo uma referência mais de 250 anos após sua publicação – um exemplo é a sua presença nos cursos de formação de professores – eu particularmente tive contato com essa obra no meu curso de graduação em Filosofia na UFT.

E pensar que quando da sua publicação fora desprezado pela academia.

Mesmo com uma escrita acessível semelhando a um romance – o que contribui para que a leitura flua mais rapidamente – “Emílio...” não é um livro que se lê numa única sentada. Para se ter uma idéia, numa edição da editora Martins Fontes (2014) são mais de 700 páginas. No entanto não digo isso apenas pelo número de páginas. Ora, se o formato se assemelha a um romance, não se pode perder de vista que se trata de uma obra filosófica – com conceitos filosóficos que não dispensa um dicionário de filosofia para uma maior compreensão do que o filósofo está propondo. 

Além disso, o ideal é que antes de ler o “Emílio...” o leitor tenha lido o “discurso sobre a desigualdade entre os homens”. Isso contribuirá por demais para que o leitor compreenda a concepção que Rousseau tem do homem e da natureza – concepção que determinará a sua perspectiva educacional.

Só pude fazer isso depois que concluí o curso de graduação em Filosofia, pois a dinâmica da vida acadêmica com uma aula de uma disciplina diferente a cada dia – cada uma com suas leituras e seus trabalhos – não nos permite se dedicar a uma obra dessas de forma aprofundada. Primeiro me dediquei ao estudo das três primeiras partes para um trabalho de assessoria. Depois decidi lê-lo todo pelo prazer da leitura – que só é possível verdadeiramente quando você faz de forma descompromissada. E dessa leitura descompromissada veio a ideia de escrever esse texto – que também é para mim um exercício prazeroso – sobretudo quando não se é necessário seguir as regras academicistas.

Dito isso gostaria de destacar alguns pontos que me ocorreram durante a leitura. Não se trata de uma análise aprofundada, mas de algumas questões que possa estimular quem não leu a obra a lê-la. Trata-se de um clássico – e ai está o primeiro ponto que destaco – ler esse livro nos faz compreender o verdadeiro significado da palavra clássico – como algo que ultrapassa o seu tempo pela capacidade singular de permanecer atual. O que só é possível quando se vai na raíz do problema. 

Outro ponto é que não se deve ler o “Emílio...” em busca de respostas para os problemas do campo educacional que enfrentamos na contemporaneidade. Ora, não estamos falando de um manual, mas de uma obra filosófica de um pensador que se propôs a refletir um determinado problema, numa determinada realidade. Óbvio essa reflexão pode nos ajudar a pensar a educação na atualidade, mas desde que não percamos de vista de que não se trata de um modelo a ser copiado. Se há algo para ser copiado de Rousseau (ou de qualquer outro filósofo) não é tanto a sua perspectiva filosófica, mas a sua atitude filosófica, isto é, a sua postura questionadora em relação ao estabelecido.

Nessa linha ouso dizer que talvez o grande legado do “Emílio...” não é tanto a perspectiva educacional que o filósofo defende ali, mas o exemplo de alguém que parou para refletir criticamente sobre a educação num determinado contexto e a partir dessa reflexão propôs uma transformação profunda das práticas pedagógicas daquela sociedade. Se cabe a nós segui-lo de alguma maneira é através desse exercício – refletir sobre a educação na atualidade e a partir daí se necessário propor mudanças. 

A perspectiva educacional de Rousseau pode nos ajudar nesse processo de reflexão acerca da educação na contemporaneidade. Mas, mais no sentido de nos ajudar a levantar questões e não tanto de dá repostas. No entanto, o que me parece é que a abordagem que se dá ao “Emílio...” (sobretudo nos cursos de formação de professores) é um tanto manualesca – busca-se na obra, respostas para os problemas que enfrentamos no campo educacional hoje. Respostas que não encontraram não só no “Emílio...” mas em livro nenhum. 

Essas respostas virão da realidade por parte dos professores e outros profissionais que estão vivenciando o dia a dia do ambiente escolar.

Outro ponto que enfatizaria a respeito do “Emílio...” é que ao final da leitura me pareceu muito mais um livro de ética do que uma obra pedagógica. É interessante que Rousseau num dado momento escreve que as pessoas se enganaram em relação “A República” do Platão ser uma obra política, para ele trata-se de uma obra pedagógica. Não sei se algum especialista na obra de Rousseau levantou esse questionamento (não fiz nenhuma pesquisa para saber) mas para mim talvez seria mais interessante estudar o “Emílio...” mais da perspectiva  da ética do que da pedagógica. Pois o filósofo foca mais na formação moral do indivíduo do que qualquer outra coisa. E nesse processo de formação a família é a base.

Enfim, de qualquer modo “Emílio ou Da educação” é uma obra que merece ser lida – ela trás importantes reflexões sobre a nossa condição humana – e nos ajuda a refletir sobre as consequências de nos afastarmos dessa condição. Sobretudo por que tendemos a nos tornar indivíduos fracos e submissos.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.