Meu pai Zé Ferreira
estudou formalmente apenas três meses de sua vida, o suficiente para que
aprendesse a ler e escrever. Amava os estudos, no entanto teve que abandona-los
para ajudar seu pai na dura lida no roçado nas terras de um coronel que mandava
naquela região. Era a primeira metade do século XX no interior do Piauí – lugar
onde ele, filho único de Romualdo Ferreira nasceu. Sua mãe morreu quando ele
tinha apenas 5 anos de idade. Ele então foi criado pela madrasta – dona Elvira.
Apesar
de ter sido obrigado a abandonar os estudos formais, meu pai nunca deixou de
estudar. Tinha um grande amor pelos livros – no entanto naquela época não era
fácil adquiri-los. Mesmo assim não perdia tempo quando encontrava alguma coisa
que pudesse ler para que desenvolvesse a sua capacidade de leitura.
Aos
18 anos de idade recebeu a noticia de seu pai Romualdo Ferreira, de que iriam
deixar aquelas terras e seguiriam para outras paragens. Meu pai não entendeu
muito o porquê da mudança já que lá tinham uma vida relativamente prospera. E
mais ainda pelo fato do que ao contrario de muitos nordestinos que naqueles
idos deixavam sua terra rumo ao sudeste do país – São Paulo e Rio de Janeiro.
Vovô Romualdo optou por adentrar mais ainda rumo ao sertão – seguiu para o
Maranhão e depois de uma curta temporada ali seguiu para o norte de Goiás, hoje
Tocantins.
Estabeleceram-se
na região de Miracema do Norte, onde vovô Romualdo foi trabalhar de caseiro
numa pequena chácara às margens esquerda do rio Tocantins. Nessa mesma época
meu pai casou-se pela primeira vez e deste casamento teve o primeiro filho –
uma menina batizada de Rosa. Depois de três anos de casado sua esposa morreu.
Tempos
depois se casou pela segunda vez com a senhorita Corina, com ela teve cinco
filhos – Leila, Luzimar, Cleide, Kátia e Katiane. Viveram treze anos de muita
felicidade. Ele trabalhava na roça dos outros, ela cuidava da casa. Decidiram
morar por um tempo em Colinas – um centro urbano mais desenvolvido do que
Miracema do Norte. Mas não ficaram muito tempo por ali, logo retornaram para
Miracema.
Quando
casou-se com Corina descobriu que ela não era alfabetizada. Ele então
alfabetizou-a e depois incentivou-a entrar numa escola e continuar os estudos.
Mas como as coisas ficaram difíceis para eles na cidade e tiveram que voltar a
morar na roça, ela teve que largar os estudos. E lá ela morreu em decorrência
de complicações no parto.
Com
o tempo meu pai casou-se pela terceira vez, agora com uma jovem de nome Maria
Lucia, mãe solteira de um menino de nome Joedson e que morava com os pais em
uma chácara vizinha a de vovô Romualdo. Com ela viveu 15 anos e teve cinco
filhos – José filho, Paulo, João, Vera Lucia e Pedro. Sim, eu mesmo, essa
criatura que vos escreve.
Com
minha mãe Maria Lucia, papai formou uma grande família – o filho dela, as
filhas dele, e os filhos que os dois fizeram juntos. A vida não era fácil para
quem tinha apenas a força de trabalho para tirar o sustento da família das
terras dos outros. Mesmo assim eles iam sobrevivendo. E quando as forças já não
suportavam o duro trabalho no roçado eles decidiram se mudar para o bairro
correntinho em Miracema.
No
inicio da década de 90 as coisas começaram a desandar no casamento e meu pai
decidiu por um ponto final no seu relacionamento com minha mãe. E depois de um
tempo meu pai decidiu casa-se pela quarta vez. E com sua atual esposa Raimunda
– com quem teve duas filhas –Juceli e Deuzeli. Já vive há 22 anos.
Durante
todo esse tempo, mesmo quando sua rotina era o duro trabalho no roçado não
abandonou o amor pelos livros. Lembro-me quando pequeno, quando ia passar os
finais de semana com ele, de encontra-lo sentado em uma cadeira lendo algum
livro. Além dos vários livros que ele tinha em uma mesinha. Aliás, uma das
coisas que me empolgava quando ia para casa do meu pai era o fato de saber que
iria encontrar livro para ler. Já que desde pequeno eu era apaixonado por
livros, mas não tinha acesso a muitos.E lá em meu pai era certo que teria
acesso a muitos livros, já que parte da sua curta aposentadoria era e é até
hoje destinada para aquisição de livros. Ele tem tantos, que dá para montar uma
grande biblioteca. E apesar da idade, hoje em dia quem vai visita-lo em sua
casa, provavelmente o encontrará lendo.
E
eu acabei herdando dele este amor pelos livros como também a paixão pelos
estudos. Apesar de que o tipo de literatura que eu aprecio hoje, é bem
diferente da que ele gosta. Mas não tenho duvida que é dele que herdei tamanho
amor pelos livros. Uma herança que não tem preço e que carregarei comigo para
sempre.
Pedro Ferreira Nunes
19 de Maio de 2016.