quarta-feira, 21 de junho de 2017

Cesar Simoni e a política de Segurança Pública no Tocantins

Secretário de Segurança Pública -TO
A divulgação recente do atlas da violência 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) não trouxe nenhuma novidade a cerca da crescente violência no país. Violência que vem sendo denunciada há algum tempo por movimentos sociais – pelo fato de ter um alvo especifico – jovens negros da periferia e mulheres. O que foi inclusive fruto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no senado federal.

Diante disso o que cabe ressaltar nesse episodio é a resposta das forças de segurança diante dos dados oficiais. E é justamente por se tratar de dados oficiais – dados levantados por um órgão de Estado – que a Segurança Pública se viu obrigada a dar uma resposta. Pois se se tratasse de um levantamento de uma ONG, seria peremptoriamente ignorado ou negado. Portanto, é ai que está à importância do atlas, pois apesar de apenas afirmar o que já se sabia pelos movimentos sociais, acaba dando legitimidade a pauta dessas organizações.

No entanto nosso objetivo principal aqui é analisar a resposta dos órgãos de segurança pública, mais especificamente, a resposta dos órgãos de Segurança Pública do Tocantins. Comecemos, portanto fazendo algumas perguntas: Qual foi à postura do Governo Estadual através da Secretaria de Segurança aos dados apresentado pelo atlas da violência 2017 no Tocantins? Quais serão as ações tomadas para reverter o quadro de crescente violência no Estado? A fala do senhor Cesar Simoni – atual Secretário de Segurança Pública nos dá essa resposta.

Antes vejamos os dados que obrigaram os órgãos de Segurança Pública do Tocantins a se posicionarem. De acordo com o IPEA entre 2005 e 2015 houve um aumento de 164% no número de assassinatos no estado. A taxa de homicídios avançou 128% - indo de 14 para 33 mortes para cada 100 mil habitantes, isso em 10 anos. Seguindo a tendência nacional, os jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos são os mais vitimados no Tocantins. Por exemplo, em 2015 o aumento foi de 176% em relação a 2005 de vitimas nessa faixa etária. Os dados do IPEA também mostraram que os mais atingidos são os jovens negros – 32,8 mortes para cada 100 mil habitantes. Já entre as outras etnias o índice é de 27,9 mortes para cada 100 mil habitantes. Também cabe destacar o aumento dos índices de violência contra as mulheres – em 10 anos teve um aumento de 128% no Tocantins.

Diante desse quadro qual foi à resposta do Secretário de Segurança Pública do Tocantins? A culpa é do estatuto do desarmamento. Para Cesar Simoni “desarmar o cidadão foi um ato impensado, um resultado que não aconteceu”. Logo, portanto é preciso armar o cidadão, pois para Simoni “hoje qualquer bandidinho entra em um restaurante, rende todo mundo com um revolver 32, atira e mata uma pessoa e sai ileso. Se ele soubesse que poderia três, quatro ou cinco armados não faria isso”.

Refletimos sobre esse exemplo. Será que de fato o “bandidinho” desistiria ou a possibilidade de um tiroteio vitimar muito mais pessoas com tanta gente armada não seria muito maior? Nos parece que a resposta é óbvia. E para tanto não precisa ser um perito em segurança para deduzir no que resultaria um tiroteio com pessoas despreparadas num restaurante.

Além de defender o armamento da população – voltando a uma espécie de faroeste. Os representantes dos órgãos de Segurança Pública do Tocantins também falaram na criação de mais delegacias e no aumento de contingente da policia militar através de concurso público. Isto é, aumentar os instrumentos de coerção e punição – seguindo a lógica de remediar em vez de prevenir. Nada se falou, por exemplo, em investir na inteligência, para atuar na perspectiva de evitar que crimes aconteçam. Não se falou, por exemplo, que o problema não é prender, pois se prende até de mais no Tocantins. A questão é quem se prende. De acordo com Silva (2016) “prisões da miséria que assola negros, que são assolados pela pobreza”. E que se quer tem direito a julgamento, pois o Tocantins ocupa o primeiro lugar no ranking de presos sem condenação, são 75% segundo dados do DEPEN de 2015.

Cabe, no entanto ressaltar que o discurso do secretário de Segurança Pública do Tocantins não é um discurso isolado. Representa muito bem um discurso cada vez mais forte na sociedade – e que no Congresso Nacional tem na bancada da bala o seus representantes. Bancada que, aliás, tentou revogar o estatuto do desarmamento. A famigerada bancada da bala é hoje a principal bancada no Congresso Nacional com 275 deputados, superando a bancada do boi e a evangélica. Mas que no final das contas formam uma única bancada a BBB (da Bala, do Boi e da Bíblia).

Este grupo, do qual o senhor Cesar Simoni faz parte esta longe de querer resolver a crise na segurança pública brasileira. Aliás, os dados acima, nos faz refletir se se trata de fato de uma crise ou de um projeto em curso – um projeto de higienização e criminalização da pobreza. E ai não tem como citar Darcy Ribeiro no seu celebre texto “Sobre o óbvio” quando ele fala da “crise educacional”. De acordo com Ribeiro (1986) “a crise educacional do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise, é um programa. Um programa em curso, cujos frutos, amanhã, falarão por si mesmos”. Podemos estender isso para a questão da segurança pública também.

Por fim, longe de defender o cidadão, o que se vê por parte desse grupo do qual o Secretário de Segurança Pública do Tocantins faz parte, na verdade, é a defesa dos interesses da indústria armamentista. Que ninguém se iluda quanto a isso.

Pedro Ferreira É Educador Popular e bacharel em Serviço Social. Atualmente cursa Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.

terça-feira, 13 de junho de 2017

Arte de resistência: Algo de novo pelos bosques e praças da capital.



É preciso ver a obra de arte como se estivéssemos vendo o mundo diante de nós. Vendo a obra de arte como o mundo e não como um objeto, ela deixa de ser meramente perceptível para se tornar conhecimento”.
Gadamer
 
Foi numa noite fria lajeadense tomando conhaque e fumando cachimbo que tomei conhecimento do projeto do artista plástico Rogério Caldeira intervindo na paisagem da capital – expondo suas obras de arte nos bosques e praças. Peças feitas a partir de lixo eletrônico.
Se comparado com outras grandes cidades Palmas é um tanto fria, fragmentada, sem uma grande presença de arte urbana nos seus muros, praças e bosques. Não que não exista arte urbana em Palmas, o problema é que está muito guetizada, muito enclausurada em espaços específicos. Rogério Caldeira que divide sua vida entre Palmas e Lajeado tem subvertido isso – em vez de aceitar essa guetização, tem exposto nas praças e nos bosques, ao alcance de tudo e de todos.
Seja na praça dos girassóis, feira do bosque, espaço cultural, rodoviária, prainha da UFT ou em Taquaruçu – se você ainda não se deparou provavelmente irá se deparar com uma das obras de arte desse artista plástico tocantinense – convidando-o a refletir e a interagir já que a intenção de Rogério Caldeira é que o espectador não permaneça passivo diante do seu trabalho. Mas que também possa intervir modificando-os já que não se trata de algo intocável como as obras de artes expostas em museus e galerias. E com isso mesmo sem saber o artista está buscando aquilo que afirmou o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer de que “é preciso ver a obra de arte como se estivéssemos vendo o mundo diante de nós. Vendo a obra de arte como o mundo e não como um objeto, ela deixa de ser meramente perceptível para se tornar conhecimento”.
O projeto não tem nome, não tem patrocinadores, é ele (artista) por ele mesmo. O que não é de se lamentar já que lhe garante total liberdade de criação. E foi justamente isso que me encantou no projeto e me fez escrever essas linhas. Pois precisamos de mais iniciativas nesse sentido. Iniciativas que fortaleça a arte no Tocantins, libertando-as das amarras do sistema hegemônico. Rogério Caldeira no melhor estilo anticapitalista subverte a ordem estabelecida expondo o seu trabalho na rua.
As obras
Á maioria das peças são feitas a partir de lixo eletrônico, especialmente televisores, além de outras sucatas que o artista recolhe pelas ruas da capital. Ele leva para seu atelier onde a transformação acontece. O que antes seria lixo descartado na rua é transformado em obra de arte. Muitos dirão que não se trata de uma ideia original – transformar lixo em arte. E de fato não é. O que não deixa de ser importante especialmente no contexto regional – onde a arte e a cultura são extremamente desvalorizadas e a questão ambiental completamente ignorada, pelo menos do ponto de vista prático.
No entanto ás obras de Rogério Caldeira vai muito além da questão ambiental, em uma conjuntura de questionamento do papel dos meios de comunicação, elas nos convida a refletir sobre esse domínio muitas vezes invisível – determinando o que devemos vestir, o que devemos comer, o que devemos beber, o que devemos ouvir, o que devemos fazer e no que devemos crer. Em contraposição o artista nos chama atenção para a possibilidade de construção de uma outra narrativa. Dai o convite para interferirmos nas suas obras de arte.
Questão política
Apesar do artista negar uma intencionalidade política, o fato é que se trata de um trabalho extremamente político. Mas compreendemos o seu receio em assumir claramente uma postura política, sobretudo pelo conceito equivocado que a palavra política tomou na sociedade atual, no qual os meios de comunicação que ele crítica tem um papel fundamental nessa desvirtuação. Geralmente quando ouvimos a palavra política ligamos a partidos políticos institucionalizados e a corrupção.
Mas política de acordo com o pensamento grego clássico, o qual devemos resgatar, trata-se segundo Japiassú (2001) de “tudo aquilo que diz respeito aos cidadãos e ao governo da cidade, aos negócios públicos”. Ainda de acordo com Japiassú (2001) “em sua concepção e na tradição clássica em geral, a política como ciência pertence ao domínio do conhecimento prático e é de natureza normativa, estabelecendo os critérios da justiça e do bom governo e examinando as condições sob as quais o homem pode atingir a felicidade (o bem-estar) na sociedade, em sua existência coletiva”.
Não dá, portanto para negar que o trabalho artístico de Rogério Caldeira seja eminentemente político. No entanto o que cabe questionar é se se trata de uma arte política engajada ou militante. Quanto à diferença entre arte politica engajada e militante recomendo a leitura do seguinte artigo “Resistir é preciso! Arte popular no Tocantins”, de minha autoria ou “O sentido político da arte hoje”, de autoria do Pedro Duarte. Para mim trata-se de uma arte política engajada especialmente pelo fato de que Rogério Caldeira não faz parte de nenhuma organização política, com uma proposta ideológica contra-hegemônica. O que acaba o aproximando da arte politica em geral que é feita no Tocantins.
Á margem
Por outro lado, Rogério se coloca á margem do modelo hegemônico no Tocantins, ao contrário de muitos desses artistas. Por exemplo, ele produz e expõe sua arte a revelia do poder público e dos espaços de exposição artística monopolizados por uma pequena elite de artistas. Também não é dependente de editais públicos, que muitas vezes obriga o artista a abrir mão da sua liberdade. Com isso mostra que é sim possível fazer uma arte comprometida com emancipação. Uma arte que é um convite para que ocupemos as ruas e praças de nossa cidade.
A importância do trabalho
Quem conhece minhas posições através dos meus artigos sabe que sou extremamente crítico a questão artística e cultural no Tocantins. Uma crítica que não é apenas ao governo e a falta de politicas públicas voltadas para cultura, mas também aos artistas que não se organizam e se contrapõe a essa realidade – preferem ficar mendigando por migalhas na forma de edital. Dai a minha felicidade diante desse projeto do artista plástico Rogério Caldeira, pois se trata justamente de uma ação que vem de encontro com o que defendemos para o fortalecimento das artes no Tocantins. E foi justamente por isso que me propus a escrever essas breves linhas que espero contribuir para que o seu trabalho tenha uma maior visibilidade.
Por fim, que iniciativas como essa possa inspirar mais artistas a ocuparem os muros, as praças e os bosques da nossa capital e de todo o estado. Criando um ambiente mais agradável, mais humano – onde os outdoors e as propagandas do comercio não dominem a paisagem.
Pedro Ferreira Nunes – É educador popular e estudante de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins.


Poesia: Carta para minha mãe no norte

                                            Para Minhas irmãs Vera, Kátia Cleide e Katiane.

Mãezinha querida
quando vier das bandas do norte
não se esqueça de trazer:

Bofe de gado seco
Buchada fresquinha
E óleo de coco babaçu.

Traga também farinha de puba
Feijão trepa pau
E um pouco de andu.

Não se esqueça das macaúbas
Do doce de buriti
E dos cajus.

Queremos cachorra seca
Galinha caipira
E jau.

Traga nos fumo de corda
Da chácara dos nossos avós,
Uma cachacinha com murici
Não tem coisa melhor.

Esperamos-lhe no mês de junho
Para festa do divino.
De Goiânia a trindade vamos caminhar
Para nossas promessas pagar.

Traga nos noticia de vovó
Das nossas tias e de todos por ai.
Estamos todos com muita saudade
Esperamos que faça boa viagem.

Suas netas não vêem a hora
Da senhora chegar.
Faremos uma grande festa
E aquele chambari para almoçar.


Pedro Ferreira Nunes. Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO. Lua Nova. Verão de 2017.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Sobre a consulta eleitoral na UFT para Reitor e Vice-reitor

Nesta sexta-feira (09/06) a comunidade acadêmica da Universidade Federal do Tocantins (nos seus setes campus) vai novamente as urnas para escolher reitor e vice que comandará a principal universidade do nosso estado no próximo período. Logo é importante a participação de toda a comunidade acadêmica para garantir que os futuros ocupantes da reitoria tenham o aval de todos os seguimentos da universidade, isto é, estudantes, professores e técnicos administrativos.

Nesse sentido a consulta eleitoral é importante, pois mesmo se tratando de uma consulta informal – onde estudantes, técnicos administrativos e professores tem paridade no voto, é onde de fato definirá os eleitos para reitoria, já que caberá ao Conselho Universitário posteriormente, apenas homologar a decisão da comunidade acadêmica. Sendo assim, não podemos boicotar o processo, pois queiramos ou não, haverá consulta eleitoral, e o resultado dessa consulta eleitoral será homologada mesmo que apenas um segmento da universidade, no caso os técnicos administrativos, joguem peso. Pois são de fato, os que mais estão se mobilizando.

Fazemos esse alerta por que fomos um dos que desde o inicio questionamos o porquê de um processo eleitoral tão importante como esse ser feito á toque de caixa. Quando estamos finalizando um período letivo no caso de Palmas, quando alguns cursos e alguns campus já estão em recesso, quando boa parte dos estudantes e professores já estão com a cabeça nas férias. Mas o fato é que apesar de todos os questionamentos, tanto por parte dos estudantes (que se posicionaram publicamente através de uma nota assinada por 31 entidades estudantil do interior e da capital) como dos professores através do SESDUFT, o fato é que a campanha eleitoral esta a todo vapor. E boicotar para tentar reverter posteriormente na justiça não nos parece ser o melhor caminho. É prolongar uma situação de incerteza que só prejudica toda a comunidade acadêmica.

Viver a UFT ou UFT Forte?

Duas chapas disputam as eleições para reitoria da Universidade Federal do Tocantins. A chapa “Viver a UFT” com o número 11, composta pelos professores Bovolato e Ana Lúcia, reitor e vice-reitora respectivamente. E a chapa “UFT Forte” com o número 22, composta pelos professores Adão e Márluce Zacariote, também reitor e vice-reitora respectivamente.

Todos estes faziam parte do mesmo grupo dentro da UFT e, por conseguinte defendiam o mesmo projeto de universidade. Por exemplo, Bovolato já foi diretor do Campus de Araguaína e foi eleito vice- reitor na ultima consulta eleitoral ao lado da professora Isabel Auler. Aná Lúcia é atualmente a diretora do campus de Palmas. Adão foi secretário de educação no primeiro ano do governo Marcelo Miranda (nessa atual gestão) e Marluce atualmente é pró-reitora de comunicação da UFT. Todos são oriundos da antiga Unitins.

O que aconteceu para que esse grupo se dividisse em dois? A disputa eleitoral tem mostrado que se trata mais de uma briga pelo poder do que por projetos diferentes de universidade.

E quem sai na frente é a chapa “Viver a UFT”, não por que é o suprassumo da Universidade Federal do Tocantins, mas por que o outro lado consegue ser pior. O professor Adão trás no currículo uma gestão fracassada a frente da secretária estadual de educação e conta com o apoio do ex-reitor Márcio da Silveira responsável por uma operação da Policia Federal no campus de Palmas e de se silenciar diante das agressões de seguranças da Kátia Abreu a estudantes dentro do campus. Com um apoio desses a chapa “UFT Forte” tem mais a perder do que ganhar. Porém com uma campanha eleitoral que tem sido travada, sobretudo no campo virtual, não dá para decretar a vitória de ninguém de forma antecipada.

Construir uma Alternativa de Esquerda na UFT para o próximo pleito eleitoral

Para além do atual processo eleitoral é necessário que os setores de esquerda, coerente e consequente, se organizem para oferecer a comunidade acadêmica um projeto alternativo de universidade. Pois é fato que os dois grupos atuais que disputam a reitoria não representam um projeto alternativo, mas a continuidade de um projeto em curso desde a criação da UFT. Enquanto não nos unificarmos para construir essa alternativa continuaremos a reboque, sem força para enfrentar as elites que no final das contas é quem tem definido quais os rumos da Universidade Federal do Tocantins. O que é um tanto arriscado, sobretudo na conjuntura de sucateamento das universidades públicas e, por conseguinte de sua privatização.

Mais do que nunca precisamos de uma alternativa que afirma a necessidade de uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Essa alternativa que deve ser verdadeiramente de esquerda, não é só necessária como possível. Exemplo maior foi à vitória do professor André Luiz para direção do campus de Miracema, derrotando um grupo que comandava aquele campus quando ainda se tratava da Unitins. No entanto essa alternativa não é algo que se constrói do dia para noite. Por tanto precisamos começar o quanto antes construir esse projeto alternativo que vai muito além da mera disputa por cargos na estrutura burocrática da universidade. Mas que seja sobretudo um polo de transformação da sociedade atual.

Pedro Ferreira Nunes é da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins – CAFIL/UFT. 

terça-feira, 30 de maio de 2017

O Governo Temer e a Ética do discurso




Qual a ética do discurso do Governo Michel Temer (PMDB)? Existe uma ética no discurso do atual governo? Não estamos falando aqui dos casos de corrupção, especialmente da operação lava-jato e todas as denúncias que atola na lama o presidente Michel Temer até o pescoço. Nosso objetivo aqui é analisar a ética do discurso do governo Temer em relação ás reformas que ele tem levado acabo, especialmente a previdenciária e a do ensino médio. Mais especificamente o discurso por meio das peças publicitárias que busca promover tais reformas.
Ao analisar a contribuição do filósofo alemão Jurgen Harbermas a cerca da ética do discurso, Reese-Schafer (2008) afirma que “a ética do discurso busca dar à ética um fundamento racional através do que os pressupostos da comunicação interpessoal permite identificar os princípios morais realmente irrenunciáveis que devem ser a base de toda convivência humana: o reconhecimento do outro, a não-coação da comunicação e a disposição para solução de problemas e a fundamentação de normas através do discurso livre e igual”.
Não é o que vemos, por exemplo, no discurso do governo Temer através das peças publicitárias que buscam justificar a reforma do ensino médio e a reforma da previdência. Enquanto na reforma do ensino médio o governo usa a torto e a direito as estatísticas que apontam que mais de 80% da população, especialmente os jovens, apoiam a reforma do ensino médio. O mesmo não se vê quando se trata da reforma da previdência, até por que se sabe que as pesquisas apontam que menos de 10% da população apoiam essa reforma.
Logo podemos concluir que quando favorece aos objetivos do governo, a opinião da população é levada em consideração, como também serve para justificar a continuidade do projeto, mesmo que haja questionamentos. Por outro lado, quando a população é contrária aos objetivos do governo, essa posição é completamente ignorada. E pior, o governo tenta coagir a população fazendo terrorismo psicológico, obrigando o povo a comprar o discurso do governo. É isso que vemos na peça publicitária que promove a reforma da previdência onde vemos a afirma que se a tal reforma não for feita não terá dinheiro para pagar as aposentadorias futuramente. Com isso o governo busca colocar pânico em quem já está aposentado, obrigando-os a defender a reforma da previdência. Com medo de não receber seu dinheiro no futuro trabalhador briga com trabalhador.
É. Lamentavelmente parte da população acaba comprando esse discurso antiético, é o que vemos no avanço da reforma trabalhista em discursão no senado federal e na própria reforma do ensino médio – onde o governo exibe com orgulho as estatísticas que apontam a aprovação da população. Agora se utilizam da mesma tática para tentar reverter à desaprovação pela população da reforma da previdência. Recursos nesse sentido não têm faltado. Isso sem falar na propaganda extraoficial feito pela grande mídia.
Para Harbermas (1978) “de acordo com a ética do discurso, uma norma só pode pretender validez quando todos os que possam ser concernidos por ela cheguem (ou possam chegar), enquanto participante do discurso prático, a um acordo quanto à validez dessa norma”. No caso do governo Michel Temer e suas reformas o que há é um discurso impositivo que tenta através da coação obrigar a população a aceitar o projeto de desmonte do estado e usurpação dos direitos sociais. Quando esse discurso não funciona, como temos visto no caso especifico da reforma previdenciária, o governo não pensa duas vezes em impor suas vontades através das forças de repressão policial, incluindo as forças armadas.
Por fim cabe destacar que do ponto de vista da moral o governo Michel Temer tem agido conforme os interesses da classe que representa. Logo ao afirmarmos que não existe ética no seu discurso não estamos dizendo que não há moral. E fazemos essa afirmação para que a população não se iluda a respeito de quais interesses esse senhor representa. Esperar, portanto, que ele haja de forma contrária é iludir-se. Cabe a nós resistir, e não comprar esse discurso antiético que nada interessa para classe trabalhadora. Pois é um discurso das classes dominantes que pretende continuar com seus privilégios e regalias, enquanto o trabalhador é cada dia mais espoliado e aleijado dos seus direitos fundamentais.
Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular, Coordenador Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da UFT e militante do Coletivo José Porfírio.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Breves comentários a cerca da conjuntura

A conjuntura atual não tem nos dado muito tempo para sentarmos e fazermos uma analise conjuntural mais aprofundada. Isso não é tão ruim, sobretudo por que significa que as ações práticas tem nos demandado mais atenção. E sem duvidas é melhor agir do que ficar teorizando. No entanto não poderia deixar de tecer mesmo que de forma breve alguns comentários a cerca de questões conjunturais que muito nos incomoda, especialmente as questões regionais que são muitas vezes secundarizadas diante de uma conjuntura nacional cada vez mais caótica.

Não questiono esse fato, pois nós mesmos estivemos no ultimo período nos dedicando a construção da greve geral quase que 24 horas por dia bem como nas articulações para o fortalecimento do movimento estudantil revolucionário e de luta na Universidade Federal do Tocantins. E agora voltaremos as nossas energias mais uma vez para o Fora Temer e por diretas já! Mas claro, em nenhum momento deixamos ou deixaremos de esquecer do nosso quintal.

Nessa linha faremos aqui uma breve analise dos cinco primeiros meses da administração do Tércio Neto (PSD) a frente do executivo municipal de Lajeado. Depois comentaremos o projeto de lei que cria o feriado municipal do “Dia dos pobres” no município. Após essa analise local partiremos para questões regionais como a liberação da licença ambiental para construção da UHE Monte Santo no Rio do Sono. E partindo dai falaremos da questão ambiental no Tocantins – a necessidade da continuidade da luta contra a UHE Monte Santo. Relacionando com essa questão ambiental falaremos do cinismo como a marca do governo Marcelo Miranda (PMDB). E por fim, concluiremos falando sobre o cenário politico regional – articulações e alianças para 2018. Especialmente, o posicionamento da senadora Kátia Abreu que tem nos chamado atenção como também de setores do PT, do PC do B e do PSOL.

1-O velho vestido de novo

O que falar dos 5 primeiros meses da administração do Tércio Neto (PSD) a frente do executivo municipal de Lajeado? O que tem sido feito de diferente em relação à gestão anterior? O que foram as obras inauguradas durante o aniversário da cidade no último dia 05 de maio (Quadra poliesportiva, 5 casas populares, campo de futebol e torre telefônica na zona rural) se não obras que foram deixadas pela gestão anterior quase concluídas? O que a atual gestão tem feito se não manter a mesma estrutura e o mesmo programa de governo da gestão anterior? Aliás, tem sim algo de diferente. Uma equipe de comunicação/marketing muito atuante – que tem feito enorme barulho nas redes sociais. Mas que certamente não moram e nem vivem a realidade dos lajeadenses, pois se não, não estariam falando tanta besteira. Mas no final das contas são pagos para isso – maquiar a realidade. No entanto, nesses 5 meses de administração, o que está claro é o que sempre dissemos – Que essa administração seria mais do mesmo – uma continuidade da gestão anterior, isto é, o velho transvertido de novo.

2- Projeto de lei tenta criar o feriado do “Dia dos pobres” em Lajeado

Enquanto isso na Câmara de Vereadores de Lajeado o Vereador Adilson Mascarenhas (PTB) apresentou um projeto de leis criando o feriado municipal do “Dia dos Pobres” a ser comemorado em outubro. Agora os pobres de Lajeado não tem do que reclamar, pelo contrário, devem ter orgulho de serem pobres, ainda mais agora que terão um dia para comemorar o orgulho de ser pobre. E assim em vez de combater a pobreza, se aprovar esse projeto de lei, a Câmara de Vereadores de Lajeado vai esta indo na contramão, pois instituir o dia do pobre não é combater a pobreza, mas sim aceita-la. Ora essa. Se os vereadores querem fazer alguma coisa pelos pobres do Lajeado, por que não aprovam um projeto de leis diminuindo seus salários e destinando esse recurso para projetos comunitários?! Por mais nobre que pareça, esse projeto de lei só mostra uma coisa – que ao invés de encarar os problemas de frente, o que se esta tentando é joga-lo para baixo do tapete. Ai, de nós, ai de nós. É muita mediocridade, é muita mediocridade por parte desses que se dizem representantes do povo.

3- Naturatins libera licença ambiental para construção da UHE Monte Santo

O Naturatins cumprindo o seu papel de homologador das demandas do hidronegócio e do agronegócio no Tocantins liberou a licença ambiental para construção da Usina Hidrelétrica Monte Santo no Rio do Sono – na divisa das cidades de Novo Acordo e Rio Sono. Logo se vê que em nenhum momento o governo Estadual através do seu órgão de “proteção ambiental” levou em consideração a população que nas audiências públicas na sua grande maioria se posicionou contra a construção da UHE e nem o fato de que o projeto apresentado pela empresa responsável pelo empreendimento apresentava de forma clara quais seriam os impactos ambientais na região, denuncia apresentada pelo movimento local contra a construção da UHE Monte Santo.

4- A Luta continua: Não á UHE Monte Santo!

É preciso ressaltar que quando entramos nessa briga e denunciamos a construção da UHE Monte Santo. Já havíamos alertado que não nos iludíssemos quanto ao papel do Naturatins.

... não podemos ter nenhuma duvida quanto ao papel do Naturatins nesse processo. Pois o Naturatins no Tocantins existe justamente para homologar os interesses das elites agrárias e correr atrás de pescador – logo, se a população não se mobilizar, o Naturatins vai com certeza liberar a licença ambiental para construção da UHE Monte Santo. (Nunes, 2016)

Não deixemos aqui de reconhecer a belíssima mobilização feita pela população através do Comitê Popular Contra a Construção da UHE Monte Santo. Mesmo com essa mobilização o Naturatins liberou a licença ambiental. O que não quer dizer que tenhamos que dá essa luta como perdida. Continuemos mobilizados, pois a luta continua. Gritemos – Não a UHE Monte Santo.

5- O cinismo como marca de Governo

Ao mesmo tempo em que o governo Marcelo Miranda através do Naturatins aprova uma licença ambiental para construção de mais uma Usina Hidrelétrica no Tocantins – impactando de forma irreversível o nosso bioma. Realiza uma feira agropecuária com o tema “Água, sustentabilidade de vida”. Ora, a construção de mais uma UHE vai justamente na contramão da utilização sustentável dos recursos hídricos do Tocantins. Isso mostra muito bem a característica desse governo – o cinismo. Isso mesmo, não há algo melhor para caracterizar o governo Marcelo Miranda se não o cinismo. E não fazemos essa afirmação diante dessa questão isolada. É só analisar as atitudes e ações desse governo diante de várias questões como as greves no serviço público, o caos na saúde, o ajuste fiscal, os casos de corrupção entre outros. Essa questão especifica, é apenas mais um dos muitos exemplos que mostra o cinismo como marca desse governo. Ora o tema da Agrotins deveria ser: Água, mercantilização da vida! Pois é de fato o que esse governo a serviço do agronegócio e do hidronégocio faz.

6- - É golpista, mas não larga o osso

A militância de uma corrente interna do PT no Tocantins não abre mão de acusar o PMDB de partido golpista. No entanto recusam-se a deixar os cargos que ocupam no governo Marcelo Miranda (PMDB). Chegam inclusive ao extremo de defender um governo indefensável – vendo avanços que não existem. O que dá para perceber é que esses burocratas estão mais preocupados com seus cargos do que propriamente com o sucateamento do partido no Estado, que nas ultimas eleições municipais, por exemplo, conseguiram eleger apenas dois prefeitos. Para manter a coerência no discurso o rompimento do PT com o PMDB deveria ter ocorrido há muito tempo. Mas só agora percebemos esse movimento, já quase no apagar das luzes desse governo, mesmo assim, com resistência. Já que parte da militância recorreu à direção do partido nacionalmente para continuar usufruindo das regalias do poder.

7- O malabarismo teórico do PC do B

Recentemente o PC do B no Tocantins soltou uma nota política justificando o seu apoio à pré-candidatura de Carlos Amastha (PSB) ao governo do Tocantins em 2018. Tentam fazer todo um malabarismo teórico para justificar o injustificável. Chegando inclusive a afirmar que se trata de uma candidatura progressista. Sinceramente não sei de onde eles tiram tanta criatividade. O fato é que não dá para levar a sério um partido que tal como o PT afirma que a presidenta Dilma sofreu um golpe. Mas faz parte de uma gestão onde os dois principais partidos (PSB do prefeito Amastha e PSDB da vice Cintia Ribeiro) estavam diretamente envolvidos na defesa do impeachment de Dilma Rousseff. E que se caso o megaempresário vier a ser eleito governo do Estado, esse megaempresário que o PC do B diz ser a alternativa progressista para o Tocantins, quem assumirá a prefeitura da capital será o PSDB. Ora, senhores, dizei-me, que tática é essa de fortalecimento da classe trabalhadora?

8- Os efeitos dessa tática

A tática do PC do B do Tocantins tem o seu lado positivo, por exemplo, tem atraído um bando de oportunistas que estavam em outros partidos encantados pela possibilidade de terem um quinhão no loteamento de cargos num possível governo Amastha. Quem se deu bem nisso foi o PSOL, pois as figuras que deixaram o partido para irem para o PC do B, incluindo a ex-presidente e o secretário geral da sigla no estado, mais prejudicavam do que contribuíam para construção e fortalecimento do PSOL-TO. A tática do PC do B do Tocantins é uma ótima oportunidade para os oportunistas que vivem buscando um atalho para alcançar seus objetivos. Que vão para o PC do B ou para o PT. E Deixem os partidos de luta para aqueles que lutam.

9- Por outro lado

É triste ver que um partido de referência a nível nacional como o PSOL, com figuras como Glauber Braga, Marcelo Freixo, Renato Roseno, Chico Alencar, Ivan Valente, Jean Willis, Luiza Erundina, Edimilson Rodrigues entre outros, em terras tocantinenses tem servido apenas como trampolim politico para diversos bandos de oportunistas que hora e outra tomam o partido. Tal fato não ocorreria se setores do partido a nível nacional não bancasse esses oportunistas. Por tanto, em ultima analise, a responsabilidade pela falta de credibilidade bem como de crescimento do PSOL no Tocantins não é dos oportunistas que hora e outra chegam à direção do partido no estado. Muito pelo contrário, a responsabilidade é do setor majoritário do PSOL Nacionalmente que banca esses oportunistas em detrimento da militância verdadeiramente de esquerda, coerente e consequente. Que é minoria, mas não mancha o nome do partido.

10- Kátia Abreu paz e amor?

Por fim não poderíamos deixar de comentar a nova imagem que a senadora Kátia Abreu tenta construir, isto é, de um político progressista, e com isso tem inclusive flertado com ideias de esquerda. Critica ferrenha do governo Marcelo Miranda – que ela ajudou eleger. De Michel Temer – que a trouxe para o PMDB. E uma das principais vozes contra a o impeachment de Dilma Rousseff – de quem foi ministra da Agricultura. Entrando assim em rota de coalizão com setores mais radicais dos ruralistas e da direita tradicional. Kátia Abreu que outrora fora uma das parlamentares preferidas da revista Veja, tida como uma grande liderança da direita a nível nacional, eleita pelos movimentos ambientais como a miss motosserra, principal financiadora do MATOPIBA, agora tenta mudar sua imagem. Ora, o que uma pretensão politica não faz com alguém. A radical Kátia Abreu posa agora de boa moça. Tudo para obter apoio a sua pretensão de se candidatar ao governo do Estado. E não faltaram oportunistas que se dizem de esquerda que caíram nesse engodo.

11- Pela construção de uma verdadeira alternativa de esquerda no Tocantins

De acordo com Netto (2013) “A crise contemporânea do mundo do capital abre para nós uma oportunidade concreta de, exercitando a crítica radical, fomentar a reconstituição e a renovação de uma cultura política socialista”. Sabemos que não é uma tarefa fácil, especialmente no Tocantins, onde não temos uma tradição de lutas da esquerda revolucionária. No entanto não podemos abrir mão de exercitar a crítica radical, seja a quem quer que seja, sobretudo a setores que se dizem de esquerda, mas que estão a serviço da direita. Como bem mostramos nos exemplos acima. Além da crítica radical devemos esta de forma incondicional nas lutas da classe trabalhadora no campo e na cidade. É na luta que nos tornaremos referência.  Esse é com certeza o caminho para construirmos uma verdadeira alternativa de esquerda no Tocantins.


Pedro Ferreira Nunes – é Educador Popular, Bacharel em Serviço Social, faz parte da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da UFT e Milita no Coletivo José Porfírio.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Obrigado Belchior!

Conheci as canções de Belchior no final da minha adolescência e logo se tornaram parte da trilha sonora da minha vida. As três primeiras canções desse grande artista que conheci e que me marcaram profundamente foram – “Comentários a respeito de John”, “Como nossos pais” e “Tudo outra vez”. Eram canções que ouvíamos nas noites frias lajeadenses conversando sobre educação, política e poesia – “saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixem que eu descida a minha vida...”. Mas foi quando deixei o interior tocantinense para morar em terras goianas que as canções de Belchior se tornaram mais presente na minha vida – aquelas letras um tanto melancólicas refletiam justamente o momento que estava vivendo.
Uma das letras que marcaram os meus primeiros dias em terras goianas era “Tudo outra vez – há tempo, muito tempo que estou longe de casa e nessas ilhas cheias de distância o meu blusão de couro já se estragou, ouvi dizer num papo da rapaziada que aquele amigo que embarcou comigo, cheio de esperança e fé já se mandou”. Essa canção sempre me vinha na cabeça, sobretudo quando sentava em algum terminal esperando o ônibus para ir para o trabalho ou voltando para o barracão onde morava. Lembrava que estava longe de casa e que a companheira que havia ido comigo não aguentara e voltara para o Tocantins. Ah, como sentia falta do Tocantins, do Lajeado – das ruas, do rio, da serra, dos amigos e dos amores que aqui deixara.
Apenas um rapaz latino americano” e “Apalo seco” foram canções significativas também nesse período. “Tenho 25 anos de sonho e de sangue e de américa do sul, por força desse destino um tango argentino vai bem melhor que um blues”. Desde então quando era questionado quem eu era e de onde vinha – dizia: “Eu sou apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”. Eu não seria capaz de fazer de minha própria inspiração uma definição tão perfeita de mim mesmo. E quando entrei para faculdade de Serviço Social, Belchior continuou a me acompanhar. Nesse período ouvia muito “Galos, noites e quintais” nas minhas noite de solidão lembrando da minha adolescência no Lajeado – “quando eu não tinha o olhar lacrimoso que hoje trago e tenho... eu era alegre como um rio, um bicho, um bando de pardais, como galos quando havia, quando havia galos noites e quintais, mas veio o vento forte e a força fez comigo o mal que a força sempre faz, não sou feliz, mas não sou mudo, hoje eu canto muito mais”.
Depois veio a militância politica junto aos operários, aos camponeses pobres e aos estudantes. Embalado pelos versos de “Velha roupa colorida – Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de lhe dizer meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer”. De “Conheço o meu lugar – não há motivo para festa ora essa não sei rir a toa, fique você com a mente positiva, eu quero voz ativa ela é que é uma boa”. Passava noites em claro escrevendo propaganda subversiva para espalhar nos acampamentos e assentamentos de camponeses pobres interior à dentro como também em outras frentes de lutas que participávamos. O que relatei nos bastidores do diário da ocupação da superintendência do INCRA-GO: “Á noticia também chegou ao ouvido de outros camaradas que começaram a comemorar, no entanto foi preciso alertar para que não se fizesse muito alarde e nem se espalhasse. Em seguida segui para a sede do movimento Terra Livre no setor universitário, chegando lá comprei umas cervejas, coloquei algumas canções do Belchior e comecei a me inspirar para escrever as notas”. (2014; 92).
E essa não foi à única vez que fiz questão de declarar a importância das canções desse grande artista para mim – do quanto me influenciaram e continuam a me influenciar, por exemplo, no poema “Minhas Paixões” onde declaro: “Ouvir Belchior, tomar uma cerveja gelada, fumar um gostoso palheiro, andar nas ruas de madrugada”. Ou no poema “Teu olhar” que escrevi: “Teu olhar de menina me fascina, como as canções de Belchior, como a vida no interior, como um guerrilheiro que luta movido pelo amor”. Belchior também esta presente nas minhas crônicas e contos. Como por exemplo, na crônica “Tudo bem que se fizesse um shopping em Miracema, mas era mesmo preciso acabar com o mercadão?” Escrevi:Como diz a bela canção do Belchior ‘ É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem’. Será que sou assim? Não é que eu odeie o novo e muito menos amo o passado. O fato é que eu não posso aceitar a lógica de que o novo para subsistir precisa destruir a nossa história. Não, não posso aceitar essa lógica. Claro que o novo deve vir, mas para tanto não precisamos destruir a nossa história”. (2013; 2).
Já se passaram muitos anos desde que escutei pela primeira vez “saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixem que eu descida a minha vida...” Muita coisa mudou, mas continuo fazendo desses versos uma filosofia de vida. E assim continuo sendo um rapaz latino americano com um diploma de sofrer de outra universidade e que ainda é um estudante que sonha e escreve em letras grandes pelos muros do país que viver é melhor que sonhar e que o amor é uma coisa boa. Obrigado Belchior! Obrigado por esta ao meu lado estes anos todos fazendo parte da trilha sonora da minha vida. Uma vida que continua não sei até quando, mas da qual espero me despedir fumando um cachimbo, tomando um conhaque e ouvindo suas canções.

Pedro Ferreira Nunes

Lajeado-TO. Casa da Maria Lucia, Lua Cheia – Outono de 2017.