Para
meu sobrinho Pedro Henrique e a pequena Sophia.
As
águas do Tocantins estavam agitadas e não era pelo vento do mês de
agosto, ou pelos motores dos barcos de pescas que remexiam cada
milímetro daquele rio em busca de peixe. O que estava deixando as
águas do rio Tocantins agitadas naquela manhã era a revolta dos
lambaris.
-
Chega, não dá mais. Não podemos aceitar pacificamente sermos
comida dos peixes grandes.
-
Mas camarada beradeira, como é que iremos resistir aos ataques das
cachorras, dos jaus, das caranhas, das piranhas e da piraiba? Não
tem jeito, essa é a nossa sina.
-
Isso quando não nos resolvem pescar né?!
-
Então?! Ainda por cima tem os pescadores.
-
Vamos resistir, vamos nos organizar, vamos lutar pela nossa vida
camaradas mandi e piau pirico.
-
Mas nós já fazemos isso.
-
A verdade é que cada um faz por si e deus por todos, e sempre
acabamos nos dando mal. Por que não fazermos juntos? Somos maioria e
juntos teremos mais força para resistir aos ataques dos predadores.
Os
lambaris haviam acabado de sofrer um ataque de um cardume de
cachorras sedentas de fome. E neste ataque a pobre beradeira havia
perdido queridos amigos. O que foi a gota d’água para que ela se
revoltasse e tentasse convencer os outros lambaris a se rebelar e
resistir aos ataques dos peixes grandes.
No
entanto não seria fácil convencer os outros lambaris de que era
possível lutar contra os peixes que queriam lhes devorar. Aliás,
pensavam que a pobre beradeira só podia esta louca – onde é que
já se viu – frágeis lambaris enfrentar feras sedentas de fome,
como as cachorras, por exemplo. As cachorras era o peixe mais temido
dos lambaris, pois era o único que ousava a ir até a beira do rio
atrás de sua presa. Se o lambari saísse d’água ela ia atrás
busca-lo.
Assim
não havia alternativa para os lambaris se não nadar, nadar e nadar,
pois o mais lento com certeza iria virar alimento para aquelas feras.
Mas
a beradeira estava convencida de que aquilo tinha que ter um fim.
Eles não podiam viver eternamente fugindo. Precisavam se unir e
enfrentar os predadores. Precisavam lutar por suas vidas.
-
Se todos nós lambaris nos unirmos eles não nos pegaram. Não se
esqueçam, somos maioria e juntos somos mais fortes.
-
Como que nós vamos enfrentar aquelas feras camarada beradeira? Você
está louca? É morte na certa. Se correndo delas a gente já morre
imagina se nós decidirmos enfrenta-las. Não dá, não dá.
-
Como não, nós nunca tentamos camarada cascudo.
-
Se algum lambari tentou não está vivo para contar a história. Não
é mesmo?
-
Deixa de pessimismo camarada cascudo. Por que não tentarmos. De
qualquer jeito a gente vai morrer. Pelo menos morreremos lutando pela
nossa vida, morreremos com dignidade.
-
Até você camarada piau?
-
Muito bom camarada piau. Falou bonito.
-
Vocês já pensaram se todos os lambaris daqui se unir – os piaus,
os mandis, as beradeiras, os cascudos, os piricos. Todos, todos. Nós
podemos sim resistir e vencer o ataque das piraibas, dos jaus, dos
pintados, dos barbados, das piranhas, das caranhas e até das
cachorras.
As
palavras do piau mexeram profundamente com todos ali, e os lambaris
que antes eram totalmente arredios à ideia apresentada pela
beradeira de resistirem aos ataques dos peixes predadores agora já
começavam a se convencer do contrário.
-
Bom, apesar das palavras do piau continuo achando uma loucura. Mas se
todos, todos, toparem eu também topo.
-
Que bom camarada cascudo. É isso mesmo, a gente só vai se todos
forem. E quem for tem que ir até o fim. Certo?
-
Certo camarada piau. E então, todos topam?
Todos
disseram sim.
A
traíra que observava toda aquela discussão em silêncio saiu da sua
toca e seguiu rumo ao canal onde estava um cardume de cachorras.
-
Amigas cachorras trago-lhes uma noticia que vocês não irão
acreditar. Não vão acreditar mesmo.
-
Então diga logo que não temos tempo para perder com você não
senhora traira.
-
Isso mesmo, estamos nos preparando para sair para uma caçada atrás
de uns lambaris agora mesmo.
-
E você está nos atrasando.
-
Desculpe amigas cachorras. Mas a noticia é muito importante para
vocês.
-
Então diga logo, hora!
-
Mas antes de lhes dizer quero algo em troca.
-
Ha, ha, ha. Tinha que ser né. Você não dá ponto sem nó não é
dona traira?! Vai lá desembucha. O que você quer em troca pela
noticia?
-
Vocês tem que prometer que não iram atacar nem a mim e nem a minha
família.
-
Não se preocupe que nós não comemos carne imunda. Agora vai logo
qual é a noticia tão importante que você tem para nós? Que seja
boa mesmo, pois se não ti comeremos só de raiva.
-
Acabo de assistir uma discussão entre todos os lambaris que
decidiram que não vão mais fugir de nenhum peixe grande.
Principalmente de vocês cachorras.
-
E o que aconteceu? Decidiram se suicidar em massa?
-
Ah, desse jeito nossas caçadas vai perder a graça.
-
Eles decidiram que iram enfrentar vocês e qualquer peixe que
tentarem pega-los para comer.
-
O que?
-
É isso mesmo.
-
Ha, ha, ha. Essa eu pago pra ver. Vamos ver se eles são tão
corajosos assim.
-
Não vai sobrar um para contar história. Não é mesmo comadre?!
-
Não lhes disse amigas cachorras que a noticia era quente?!
-
Ok. Você já fez a sua trairagem de hoje, agora vasa. E companheiras
se preparem que vamos à caçada.
-
Eita, vamos botar pra quebrar cachorrada.
Sedentas
de ódio o cardume de cachorras partiram destruindo tudo que viam
pela frente atrás dos lambaris. Elas não acreditavam que os
lambaris seriam capazes de enfrenta-las, mas se eles fossem doidos o
suficiente para isso não ficariam vivos para contar a história.
Todos
os lambaris estavam em alerta, pois sabiam que a qualquer momento
poderiam sofrer um ataque. De repente um aviso do piau pirico.
-
Camaradas se preparem que lá vem às cachorras.
No
entanto com a aproximação do perigo muitos lambaris começaram a
correr.
-
Não fujam vamos resistir. Vamos resistir.
O
grito da pobre beradeira parecia ser em vão, pois os lambaris
continuavam fugindo cada vez que o cardume de cachorras se
aproximava.
-
Ha, ha, ha. Eram esses aí que iam resistir. Tão é fugindo como
sempre.
-
Eu não vou fugir, eu vou resistir.
-
Não seja boba camarada beradeira, todos estão fugindo você vai
ficar sozinha e vai virar comida.
-
Não importa, vou morrer lutando.
-
Estou contigo camarada beradeira. Vamos morrer lutando. Disse o piau
flamengo.
E
assim foram os dois resistir sozinhos ao ataque das cachorras.
-
Estão loucos vão morrer.
E
de fato não resistiriam por muito tempo. A luta deles contra as
cachorras era suicida.
-
Vocês vão pagar caro por sua ousadia. Gritou a cachorra líder do
cardume.
As
cachorras partiram sem piedade para cima do piau e da beradeira.
-
Camaradas não vamos deixa-los morre sozinhos. Vamos ajuda-los.
Gritou o cascudo.
E
de repente começou a surgir lambaris, lambaris e mais lambaris,
tanto lambaris que as cachorras nunca haviam visto em suas vidas.
Surgindo de todas as locas e atacando-as. Elas até conseguiam matar
alguns, mas quanto mais elas matavam, mais lambaris surgiam.
-
É impossível vence-los. Precisamos fugir se não morreremos todas
aqui. Olha o tanto de ferroada de mandi que já levei, estou toda
sangrando. É já que ás piranhas e os candirus vão nos devorar.
Enquanto
as cachorras partiam derrotadas os lambaris comemoravam a vitória
heroica que haviam acabado de conseguir contra um dos seus principais
predadores do rio Tocantins.
-
Viva a revolta dos lambaris!!!
-
Viva!!!
Todos
gritavam festejando.
Mas
a beradeira que estava toda ferida do ataque que havia sofrido, e
que, no entanto havia sobrevivido, alertava a todos.
-
Camaradas, essa foi apenas uma batalha, a partir de agora que a
guerra vai começar e todos os predadores desse rio tentaram nos
derrotar de qualquer jeito e por isso precisamos esta preparados para
enfrenta-los.
E
a beradeira tinha razão mais uma vez, a noticia da revolta dos
lambaris e a derrota das cachorras havia se espalhado por todo o rio
Tocantins. E agora todos os outros predadores estavam se preparando
para atacar os lambaris.
-
Não podemos aceitar isso. Precisamos o quanto antes suprimir essa
revolta. Já pensou se isso se espalhar por todo o rio Tocantins e
depois para todos os rios do Brasil e do mundo? Dizia as caranhas.
-
Vamos esmagar essa revolta antes que vire uma revolução. Dizia os
jaus.
No
entanto um por um foi sendo derrotado – jaus, piraiba, barbado,
pintado, caranha. A revolta dos lambaris tornava-se cada dia mais
forte e se espalhava por todo o rio. Com isso os peixes predadores
tiveram que virar vegetariano se não quisessem morrer de fome. E os
lambaris puderam viver em paz nas águas do Tocantins.
Pedro
Ferreira Nunes
Casa
da Maria Lúcia. Lua
Nova – Verão de 2017. Lajeado
do Tocantins.