terça-feira, 15 de agosto de 2017

Transposição das Águas do Rio Tocantins?


Foi essa questão que me veio na cabeça quando vi a noticia. Logo pensei comigo – não pode ser algo sério. Qual o político tocantinense em sana consciência tem coragem de defender um absurdo desses? Tudo bem que não dá para esperar coisa muito diferente de figuras como o deputado federal Carlos Gaguim (Podemos) e companhia limitada. Mas um projeto de transposição das águas do Rio Tocantins no atual contexto histórico de escassez de água tanto do Rio Tocantins como de seus afluentes é algo que chega a ser um ultraje à população tocantinense.
Mas o projeto existe e avança no congresso nacional. De acordo com o site de noticias Conexão Tocantins “pronto para ser posto em pauta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados”. O autor do projeto de lei é o deputado federal Gonzaga Patriota (PSB) de Pernambuco. O relator do projeto também é de Pernambuco – o deputado federal Tadeu Alencar (PSB). Que também é favorável ao projeto. Ainda de acordo com o Conexão Tocantins “o projeto de lei nº 6569/13 prevê a inclusão no Plano Nacional de Viação, da Interligação entre o Rio Tocantins e o Rio Preto, localizado no oeste da Bahia e que faz parte da bacia hidrográfica do Rio São Francisco, com o proposito de assegurar a navegação desde o Rio São Francisco até o Rio Amazonas”.
Além do fato do projeto de transposição do Rio Tocantins ser proposto por um deputado pernambucano outra questão que me chamou atenção foi de que se trata de um projeto antigo apresentado pela primeira vez ainda no ano de 1990 e reapresentado em 2013. Ora o contexto no qual o projeto foi pensado é totalmente diferente do contexto atual – a realidade do rio Tocantins hoje é totalmente diferente do que há 27 anos. Há 27 anos não existiam as usinas hidrelétricas que hoje existem no rio, e, diga-se de passagem, há projetos para construção de mais hidrelétricas no rio Tocantins e nos seus afluentes. Como por exemplo, a usina Monte Santo no rio do Sono. Além dos projetos de irrigação e do avanço do agronegócio que consume um grande volume de água.
A seca no rio Tocantins e nos seus afluentes é cada ano mais severa. Um exemplo claro foi à suspensão da travessia de balsa entre Miracema e Tocantinia, pois com o rio muito seco, a balsa não conseguia fazer a travessia sem encalhar. Outro exemplo foi à suspensão pelo Naturatins de captação de água em rios com vazão comprometida. Os exemplos não são poucos. De modo que fica o convite para os defensores do projeto visitar o Rio Tocantins, conversar com a população que vive nas margens do rio e ver a realidade com seus próprios olhos. E não a partir da propaganda que o agronegócio e o hidronegócio faz dos recursos naturais do Estado em busca de financiamento para sua expansão.
Por fim não tem como não ficar perplexo e ao mesmo tempo indignado com o fato de que um projeto dessa magnitude esteja avançando á revelia da população tocantinense. Como falamos anteriormente trata-se de um ultraje. Ultraje que não devemos aceitar calados e pacificamente. O Rio Tocantins é um patrimônio do povo tocantinense e não podemos aceitar que aqueles que não conhecessem a realidade que enfrentamos no dia a dia venham dizer o que se deve ou não fazer com esse patrimônio.
Pedro Ferreira Nunes – é Educador Popular e militante do Coletivo José Porfírio.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Paisagens Sertânicas

“Meu mar é o sertão”.
Chico Cesar

Sempre quis conhecer o nordeste brasileiro, não o litoral – o mar, as praias. Mas o sertão. O sertão das estórias de cordel, de Virgulino Lampião, de Luiz Gonzaga que eu ouvia na minha infância. Depois na adolescência ao ler “Vidas Secas” de Graciliano Ramos, ao conhecer a poesia do Patativa do Assaré, e ao ler e assistir o “Auto da compadecida” de Ariano Suassuna. Já adulto, são as canções do Elomar Figueira Mello que mantem essa paixão acesa. E é justamente suas canções que ecoam nos meus ouvidos quando da janela do ônibus contemplo essa paisagem triste, triste mas bela. Essa paisagem sertânica, que trago dentro de mim, desde muito menino.

Contemplo a paisagem e penso comigo: o tempo por aqui parou. Nem o agronegócio e o seu projeto de “modernização” chegou por aqui. As casinhas de barro, de adobe e pau a pique resistem. A rocinha de milho, de mandioca, uma criação de bode, as galinhas, alguma vaquinha, o jumento, a oficina de fazer farinha. As igrejas ainda estão enfeitadas com as bandeirolas das festas juninas – dos festejos de São Pedro, Santo Antônio e São João. O povo resiste mesmo diante das dificuldades que não são poucas. A água é escassa, a seca castiga. Mas é melhor permanecer ali do que engrossar os índices de miséria das periferias das grandes cidades. 

Seguimos rumo ao litoral, meus companheiros mal veem a hora de chegar ao mar, conhecer as praias. Eu preferia ficar por ali, embrenhar sertão adentro, conhecer a história daqueles povoados, das pessoas que ali sobrevivem. E quem sabe até não encontrasse um parente distante que meu avô Romualdo e meu pai Zé Ferreira deixaram para trás quando decidiram deixar o sertão nordestino para viver no antigo norte goiano. 

Quem sabe um dia eu não retorne a essa “pátria veia do sertão” para viver numa casinha dessas, cultivar uma rocinha de milho, criar uns bodes e desenterrar minhas raízes paternas. Ai como eu queria ter tido a oportunidade de ouvir as estórias do meu avô Romualdo a cerca da sua vida por ali. O que o fizera deixar o sertão nordestino para ir viver no sertão tocantinense? Sei que ele tinha muitas estórias para contar, nasceu em 1910 e viveu até a década de 50 – viveu o período áureo do cangaço, do reinado de Lampião. Mas não tive essa oportunidade, quando ele morreu, eu era ainda criança.

Voltando para casa e olhando da janela do ônibus aquela paisagem, reflito a cerca da semana de debates e discussões em Fortaleza no Encontro Nacional de Estudantes de Filosofia, que teve como tema “Repensar a filosofia no Brasil”. Se de fato quisermos repensar a filosofia no Brasil devemos olhar mais para o nosso interior, para o nosso sertão. E nessa viagem percebi que não se trata de uma tarefa fácil. Percepção que não veio das discussões e debates, mas de um exemplo simples, do fato de que as pessoas estavam mais preocupadas em conhecer o mar do que voltar o olhar para aquela paisagem que nos acompanhou em boa parte da viagem e que compartilho nessas poucas fotografias.




























Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Estudante de Filosofia da UFT.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Nota de repúdio a Guarda Metropolitana pela Violência Utilizada na Ação de Despejo de Famílias Sem Teto em Palmas

“Expor aos oprimidos a verdade sobre a situação é abrir-lhes o caminho da revolução”.
Leon Trotsky
O Coletivo José Porfírio vem através desta, repudiar com veemência a ação violenta da Guarda Metropolitana a serviço do prefeito Amastha e de especuladores imobiliários, no despejo de famílias de trabalhadores Sem teto que ocupavam legitimamente na luta por moradia um terreno em Palmas.

A ação ocorreu na surdina no dia 27 de julho e não poupou crianças e nem mulheres como denunciaram as famílias na defensoria pública. Aliás, a própria defensoria pública questiona o fato de não terem sido comunicados para acompanhar o despejo. Esse fato mostra bem que a utilização da violência se deu de forma planejada com o intuito de intimidar as famílias para que não realizem outras ocupações. Logo não era interessante que a ação fosse acompanhada pela defensoria pública. E assim a Guarda Metropolitana a mando da gestão Amastha, ignorou totalmente o direito das famílias de serem assistidas pela justiça, diga-se de passagem, esse não é um caso isolado, mas uma postura frequente dessa gestão.

Em diversos episódios o prefeito Amastha mostrou que não gosta de ser questionado, e quando há alguma ação dos movimentos sociais ele não pensa duas vezes em utilizar a guarda metropolitana para reprimir essas manifestações. E o uso da violência contra cidadãos que legitimamente lutam pelos seus direitos se repete por que nunca há uma punição aos responsáveis por cometer essas ações. E enquanto não houver uma punição severa, ações violentas como essa serão realizadas, que inclusive pode acabar numa tragédia maior, por exemplo, a morte de alguém.

Diante disso exigimos do Ministério público, defensoria pública e da prefeitura de Palmas uma investigação profunda e punição aos responsáveis por essa ação violenta de despejo. Exigimos também que o direito a moradia dessas famílias seja respeitado. Ora, se o poder público estivesse cumprindo o seu papel que é de garantir o direito fundamental à moradia com certeza essas 50 famílias não estaria ocupando áreas que servem apenas para especulação imobiliária.

Também gostaríamos de nos solidarizar com as famílias de trabalhadoras e trabalhadores sem teto. Declarar nosso incondicional apoio à luta contra a especulação imobiliária, contra o déficit habitacional e em defesa de uma reforma urbana já. Exigimos que a luta por moradia deve ser tratada com politica e não como caso de policia e com repressão.

Para nós do Coletivo José Porfírio “quando morar é um privilegio, ocupar é um dever”. E não serão essas ações violentas que busca criminalizar a luta por moradia em Palmas que conseguirá barra-la. Ou mesmo a cooptação de lideranças do movimento sem teto, como no caso da filiação de militantes do MTST ao PC do B que faz parte da gestão Amastha. A luta por moradia e por uma reforma urbana é muito maior que algumas lideranças pelegas e da tentativa de criminalização por parte do estado.

Pedro Ferreira Nunes
Pelo Coletivo José Porfírio


Casa da Maria Lucia. Lajeado – TO. Lua Nova, verão de 2017.

Breve Balanço do 33º Encontro Nacional dos Estudantes de Filosofia – ENEFIL.

“Não há motivos para festa: Ora esta! Eu não sei rir a toa! Fique você com a mente positiva, Que eu quero é a voz ativa (ela é que é uma boa!)...”
Belchior

Repensar a filosofia no Brasil e reconstruir o movimento estudantil dos estudantes de filosofia a nível nacional. É. Não se tratava de uma tarefa fácil, ou melhor, não se trata de uma tarefa fácil. Já que essa questão não se finda com o encerramento da 33º edição do ENEFIL. No entanto foi isso que nos propôs os organizadores dessa edição. E o convite foi aceito por estudantes de todas as cinco regiões do país, que mesmo diante da conjuntura caótica que vivemos, conseguiram se articular, se mobilizar e se organizar para se deslocar até Fortaleza – capital cearense – que sediou o encontro.

O 33º ENEFIL de fato foi um evento histórico. Já esperávamos que assim fosse, tanto que era o principal argumento que utilizávamos na nossa batalha para garantir que a UFT liberasse um ônibus para garantir uma delegação tocantinense no evento. No entanto nossas expectativas foram superadas. Pois nos sete dias de evento– as mesas, comunicações, minicursos, oficinas e vivências nos propiciarama refletir sobre a tarefa tão necessária de repensar a filosofia no Brasil bem como da necessidade de reconstrução do movimento nacional dos estudantes de filosofia. De modo que ouso afirmar – a organização a nível nacional dos estudantes de filosofia esta em outro patamar. E tal afirmação se dá, sobretudo após a criação ou recriação da Executiva Nacional dos Estudantes de Filosofia – ENEF, que contou com o apoio do CAFIL/UFT e demais 15 entidades estudantis das cinco regiões do país.

ENEF – Uma entidade nacional de luta dos estudantes de Filosofia.

Nos últimos anos os estudantes de filosofia estavam sem uma entidade representativa a nível nacional. O que é extremamente nocivo, sobretudo diante de uma conjuntura de ataques aos nossos direitos pelo famigerado (des)governo Temer. A ENEF que é composta por estudantes de universidades das cinco regiões do país tem um papel fundamental nesse próximo período – Organizar a resistência a nível nacional dos estudantes de filosofia contra projetos como o “escola sem partido”, o “novo ensino médio”, e o sucateamento e privatização das universidades públicas. Além da tão necessária solidariedade de classe aos trabalhadores que estão tendo seus direitos pulverizados pelo governo ilegítimo de Michel Temer. Nós dos Centros Acadêmicos e Diretórios Acadêmicos continuaremos o tão fundamental trabalho de base e a resistência na base.

Com isso não estou afirmando que ENEF, Centros Acadêmicos e Diretórios Acadêmicos devem atuar de forma separada. Pelo contrário, respeitando a especificidade de cada um, todos devem manter diálogo permanente bem como construir uma relação horizontal, tanto para que C.A´s e D.A´s fortaleçam a ENEF, bem como a ENEF deve fortalecer os C.A´s e D.A´s.

Estudantes de Filosofia do Brasil Contra os Ataques a Educação!

Seguindo a linha de que não basta compreender é também preciso transformar a sociedade que vivemos é que tomamos as ruas da capital cearense coroando assim uma semana de grandes discursões e ótimos debates. E a denuncia do ataque a educação pelo governo ilegítimo de Michel Temer deu o tom da manifestação. Tratou-se de um momento importante do 33º ENEFIL que ficará para história juntamente com a criação da ENEF. O ato mostrou para sociedade em geral a nossa disposição de resistir aos ataques do (des) governo Temer. E mostrou a nós mesmos que não há outro caminho se não o da luta. Com isso voltamos para nossas universidades com mais força e energia para enfrentarmos os desafios que virão pela frente.

Delegação da UFT no 33º ENEFIL

A delegação da UFT Foi uma das maiores delegações do 33º ENEFIL, o que foi possível por que após muita luta garantimos que a UFT liberasse um ônibus. No entanto não foi uma tarefa fácil – da Proest até a reitoria a nossa solicitação fora negada num primeiro e num segundo momento. Mas pela compreensão da importância histórica do evento, da necessidade de estarmos nesse espaço do qual estávamos ausente a alguns anos, da importância da experiência para nossa vida acadêmica, para o fortalecimento do movimento estudantil de filosofia na UFT e do próprio curso, não deixamos de lutar em nenhum momento. E sem fazer nenhuma concessão, sem abrir mão dos nossos princípios e de nossa autonomia conseguimos êxito na nossa demanda.

A maioria da nossa delegação estava participando pela primeira vez do ENEFIL, tal fato talvez se deu por que não participamos das ultimas edições do evento. Era, portanto uma delegação inexperiente, mas que, no entanto teve uma participação significativa, inclusive apresentando trabalhos. Problemas ocorreram e que devem ser corrigidos nos próximos eventos, mas nada que tenha prejudicado a participação da delegação como um todo.

A tarefa histórica de derrubar muros e construir pontes

Eis o desafio histórico que se coloca diante de nós e que devemos esta à altura do mesmo. E o sentimento que trouxemos conosco do 33º ENEFIL é que sim, que temos condições e disposição para assumir essa tarefa histórica. Temos sido protagonistas nos espaços que atuamos, estamos na linha de frente das lutas populares, temos diariamente derrubado muros e construídos pontes, e seguiremos assim, “hasta lavictoriasiempre”.

Pedro Ferreira Nunes – Faz parte da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da UFT.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

A revolta dos lambaris

Para meu sobrinho Pedro Henrique e a pequena Sophia.
As águas do Tocantins estavam agitadas e não era pelo vento do mês de agosto, ou pelos motores dos barcos de pescas que remexiam cada milímetro daquele rio em busca de peixe. O que estava deixando as águas do rio Tocantins agitadas naquela manhã era a revolta dos lambaris.
- Chega, não dá mais. Não podemos aceitar pacificamente sermos comida dos peixes grandes.
- Mas camarada beradeira, como é que iremos resistir aos ataques das cachorras, dos jaus, das caranhas, das piranhas e da piraiba? Não tem jeito, essa é a nossa sina.
- Isso quando não nos resolvem pescar né?!
- Então?! Ainda por cima tem os pescadores.
- Vamos resistir, vamos nos organizar, vamos lutar pela nossa vida camaradas mandi e piau pirico.
- Mas nós já fazemos isso.
- A verdade é que cada um faz por si e deus por todos, e sempre acabamos nos dando mal. Por que não fazermos juntos? Somos maioria e juntos teremos mais força para resistir aos ataques dos predadores.
Os lambaris haviam acabado de sofrer um ataque de um cardume de cachorras sedentas de fome. E neste ataque a pobre beradeira havia perdido queridos amigos. O que foi a gota d’água para que ela se revoltasse e tentasse convencer os outros lambaris a se rebelar e resistir aos ataques dos peixes grandes.
No entanto não seria fácil convencer os outros lambaris de que era possível lutar contra os peixes que queriam lhes devorar. Aliás, pensavam que a pobre beradeira só podia esta louca – onde é que já se viu – frágeis lambaris enfrentar feras sedentas de fome, como as cachorras, por exemplo. As cachorras era o peixe mais temido dos lambaris, pois era o único que ousava a ir até a beira do rio atrás de sua presa. Se o lambari saísse d’água ela ia atrás busca-lo.
Assim não havia alternativa para os lambaris se não nadar, nadar e nadar, pois o mais lento com certeza iria virar alimento para aquelas feras.
Mas a beradeira estava convencida de que aquilo tinha que ter um fim. Eles não podiam viver eternamente fugindo. Precisavam se unir e enfrentar os predadores. Precisavam lutar por suas vidas.
- Se todos nós lambaris nos unirmos eles não nos pegaram. Não se esqueçam, somos maioria e juntos somos mais fortes.
- Como que nós vamos enfrentar aquelas feras camarada beradeira? Você está louca? É morte na certa. Se correndo delas a gente já morre imagina se nós decidirmos enfrenta-las. Não dá, não dá.
- Como não, nós nunca tentamos camarada cascudo.
- Se algum lambari tentou não está vivo para contar a história. Não é mesmo?
- Deixa de pessimismo camarada cascudo. Por que não tentarmos. De qualquer jeito a gente vai morrer. Pelo menos morreremos lutando pela nossa vida, morreremos com dignidade.
- Até você camarada piau?
- Muito bom camarada piau. Falou bonito.
- Vocês já pensaram se todos os lambaris daqui se unir – os piaus, os mandis, as beradeiras, os cascudos, os piricos. Todos, todos. Nós podemos sim resistir e vencer o ataque das piraibas, dos jaus, dos pintados, dos barbados, das piranhas, das caranhas e até das cachorras.
As palavras do piau mexeram profundamente com todos ali, e os lambaris que antes eram totalmente arredios à ideia apresentada pela beradeira de resistirem aos ataques dos peixes predadores agora já começavam a se convencer do contrário.
- Bom, apesar das palavras do piau continuo achando uma loucura. Mas se todos, todos, toparem eu também topo.
- Que bom camarada cascudo. É isso mesmo, a gente só vai se todos forem. E quem for tem que ir até o fim. Certo?
- Certo camarada piau. E então, todos topam?
Todos disseram sim.
A traíra que observava toda aquela discussão em silêncio saiu da sua toca e seguiu rumo ao canal onde estava um cardume de cachorras.
- Amigas cachorras trago-lhes uma noticia que vocês não irão acreditar. Não vão acreditar mesmo.
- Então diga logo que não temos tempo para perder com você não senhora traira.
- Isso mesmo, estamos nos preparando para sair para uma caçada atrás de uns lambaris agora mesmo.
- E você está nos atrasando.
- Desculpe amigas cachorras. Mas a noticia é muito importante para vocês.
- Então diga logo, hora!
- Mas antes de lhes dizer quero algo em troca.
- Ha, ha, ha. Tinha que ser né. Você não dá ponto sem nó não é dona traira?! Vai lá desembucha. O que você quer em troca pela noticia?
- Vocês tem que prometer que não iram atacar nem a mim e nem a minha família.
- Não se preocupe que nós não comemos carne imunda. Agora vai logo qual é a noticia tão importante que você tem para nós? Que seja boa mesmo, pois se não ti comeremos só de raiva.
- Acabo de assistir uma discussão entre todos os lambaris que decidiram que não vão mais fugir de nenhum peixe grande. Principalmente de vocês cachorras.
- E o que aconteceu? Decidiram se suicidar em massa?
- Ah, desse jeito nossas caçadas vai perder a graça.
- Eles decidiram que iram enfrentar vocês e qualquer peixe que tentarem pega-los para comer.
- O que?
- É isso mesmo.
- Ha, ha, ha. Essa eu pago pra ver. Vamos ver se eles são tão corajosos assim.
- Não vai sobrar um para contar história. Não é mesmo comadre?!
- Não lhes disse amigas cachorras que a noticia era quente?!
- Ok. Você já fez a sua trairagem de hoje, agora vasa. E companheiras se preparem que vamos à caçada.
- Eita, vamos botar pra quebrar cachorrada.
Sedentas de ódio o cardume de cachorras partiram destruindo tudo que viam pela frente atrás dos lambaris. Elas não acreditavam que os lambaris seriam capazes de enfrenta-las, mas se eles fossem doidos o suficiente para isso não ficariam vivos para contar a história.
Todos os lambaris estavam em alerta, pois sabiam que a qualquer momento poderiam sofrer um ataque. De repente um aviso do piau pirico.
- Camaradas se preparem que lá vem às cachorras.
No entanto com a aproximação do perigo muitos lambaris começaram a correr.
- Não fujam vamos resistir. Vamos resistir.
O grito da pobre beradeira parecia ser em vão, pois os lambaris continuavam fugindo cada vez que o cardume de cachorras se aproximava.
- Ha, ha, ha. Eram esses aí que iam resistir. Tão é fugindo como sempre.
- Eu não vou fugir, eu vou resistir.
- Não seja boba camarada beradeira, todos estão fugindo você vai ficar sozinha e vai virar comida.
- Não importa, vou morrer lutando.
- Estou contigo camarada beradeira. Vamos morrer lutando. Disse o piau flamengo.
E assim foram os dois resistir sozinhos ao ataque das cachorras.
- Estão loucos vão morrer.
E de fato não resistiriam por muito tempo. A luta deles contra as cachorras era suicida.
- Vocês vão pagar caro por sua ousadia. Gritou a cachorra líder do cardume.
As cachorras partiram sem piedade para cima do piau e da beradeira.
- Camaradas não vamos deixa-los morre sozinhos. Vamos ajuda-los. Gritou o cascudo.
E de repente começou a surgir lambaris, lambaris e mais lambaris, tanto lambaris que as cachorras nunca haviam visto em suas vidas. Surgindo de todas as locas e atacando-as. Elas até conseguiam matar alguns, mas quanto mais elas matavam, mais lambaris surgiam.
- É impossível vence-los. Precisamos fugir se não morreremos todas aqui. Olha o tanto de ferroada de mandi que já levei, estou toda sangrando. É já que ás piranhas e os candirus vão nos devorar.
Enquanto as cachorras partiam derrotadas os lambaris comemoravam a vitória heroica que haviam acabado de conseguir contra um dos seus principais predadores do rio Tocantins.
- Viva a revolta dos lambaris!!!
- Viva!!!
Todos gritavam festejando.
Mas a beradeira que estava toda ferida do ataque que havia sofrido, e que, no entanto havia sobrevivido, alertava a todos.
- Camaradas, essa foi apenas uma batalha, a partir de agora que a guerra vai começar e todos os predadores desse rio tentaram nos derrotar de qualquer jeito e por isso precisamos esta preparados para enfrenta-los.
E a beradeira tinha razão mais uma vez, a noticia da revolta dos lambaris e a derrota das cachorras havia se espalhado por todo o rio Tocantins. E agora todos os outros predadores estavam se preparando para atacar os lambaris.
- Não podemos aceitar isso. Precisamos o quanto antes suprimir essa revolta. Já pensou se isso se espalhar por todo o rio Tocantins e depois para todos os rios do Brasil e do mundo? Dizia as caranhas.
- Vamos esmagar essa revolta antes que vire uma revolução. Dizia os jaus.
No entanto um por um foi sendo derrotado – jaus, piraiba, barbado, pintado, caranha. A revolta dos lambaris tornava-se cada dia mais forte e se espalhava por todo o rio. Com isso os peixes predadores tiveram que virar vegetariano se não quisessem morrer de fome. E os lambaris puderam viver em paz nas águas do Tocantins.


Pedro Ferreira Nunes
Casa da Maria Lúcia. Lua Nova – Verão de 2017. Lajeado do Tocantins.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Todo Apoio a Greve Geral Dia 30 de Junho para Derrotar as Reformas do Desgoverno Temer!


Dia 30 de junho a classe trabalhadora cruzará os braços mais uma vez em todo país para derrotar as reformas do desgoverno Temer. E nós do Coletivo José Porfírio apoiamos incondicionalmente a greve geral e conclamamos a todas as organizações dos trabalhadores no Tocantins a se somarem ao movimento.

A última greve geral mostrou a nossa capacidade de articulação quando fizemos manifestações em mais de 100 cidades tocantinenses – com destaque para as mobilizações em Palmas, Porto Nacional, Araguaína e Miracema – um fato inédito na história do Tocantins. Á nível nacional a greve também foi vitoriosa conseguindo paralisar totalmente o país – apesar de todo o bloqueio da mídia e do desgoverno Temer tentado deslegitimar o movimento.

Não tínhamos nenhuma ilusão que com uma greve geral de um dia conseguiríamos derrotar as reformas e derrubar o desgoverno Temer. Portanto a importância maior da greve geral de abril foi mostrar a nossa capacidade de reação a estes ataques. Quanto a isso não há duvida – a nossa capacidade de resistir e lutar cresce a cada dia. Seja no campo, seja na cidade – operários, camponeses e estudantes perceberam que só com luta podemos reverter os ataques aos nossos direitos.

Agora estamos em outro patamar, o desgoverno Temer já não existe – respira por aparelhos e cabe a nós desliga-los. Até mesmo setores da burguesia perceberam isso e tentam se desfazer dos anéis para manter os dedos. Isto é, tentam se livrar de Temer para garantir que as reformas avancem no congresso nacional. Porém estas também perderam força. E quanto mais tempo passa, mais difícil será para aprova-las, sobretudo porque deputados e senadores estão mais pensando na sua sobrevivência do que em aprovar reformas que são amplamente rejeitadas pela população.

No entanto isso não quer dizer que já vencemos a batalha. É preciso continuar lutando incansavelmente para enterrar definitivamente essas reformas como também o desgoverno Temer que tenta reagir mesmo sem nenhuma condição para tanto. A Greve Geral dia 30 de Junho será decisiva dai a importância de todas e todos participarem do movimento, construindo uma mobilização histórica, maior do que fora a greve de abril.

O momento histórico exige de nós toda dedicação e sacrifício – força e coragem na luta pela transformação da sociedade. Com o exemplo e a coragem dos camaradas que há 100 anos atrás fizeram a primeira greve geral no país e dos camaradas que abalaram o mundo na Rússia, sigamos sem vacilar. Aliás, não há homenagem melhor nesse centenário da Revolução Russa que manter acesa a chama da luta pela emancipação da classe trabalhadora. Portanto, vamos lá, dia 30 de junho mais uma vez mostrar para as elites oligarcas desse país “que se não podem se vestir com nossos sonhos, não falem em nosso nome”.

Pedro Ferreira Nunes
Pelo Coletivo José Porfírio

Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO, Lua Minguante – Verão de 2017.

Cada camarada que se opõe a ditadura militar e deseja resistir fazendo alguma coisa, mesmo pequena que a tarefa possa parecer. Eu desejo que todos que leram este manual e decidiram que não podem permanecer inativos, sigam as instruções e juntem-se a luta agora. Eu solicito isto porque, baixo qualquer teoria e qualquer circunstâncias, a obrigação de todo revolucionário é fazer a revolução.

Manual do Guerrilheiro Urbano, Carlos Marighela.

Cesar Simoni e a política de Segurança Pública no Tocantins

Secretário de Segurança Pública -TO
A divulgação recente do atlas da violência 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) não trouxe nenhuma novidade a cerca da crescente violência no país. Violência que vem sendo denunciada há algum tempo por movimentos sociais – pelo fato de ter um alvo especifico – jovens negros da periferia e mulheres. O que foi inclusive fruto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no senado federal.

Diante disso o que cabe ressaltar nesse episodio é a resposta das forças de segurança diante dos dados oficiais. E é justamente por se tratar de dados oficiais – dados levantados por um órgão de Estado – que a Segurança Pública se viu obrigada a dar uma resposta. Pois se se tratasse de um levantamento de uma ONG, seria peremptoriamente ignorado ou negado. Portanto, é ai que está à importância do atlas, pois apesar de apenas afirmar o que já se sabia pelos movimentos sociais, acaba dando legitimidade a pauta dessas organizações.

No entanto nosso objetivo principal aqui é analisar a resposta dos órgãos de segurança pública, mais especificamente, a resposta dos órgãos de Segurança Pública do Tocantins. Comecemos, portanto fazendo algumas perguntas: Qual foi à postura do Governo Estadual através da Secretaria de Segurança aos dados apresentado pelo atlas da violência 2017 no Tocantins? Quais serão as ações tomadas para reverter o quadro de crescente violência no Estado? A fala do senhor Cesar Simoni – atual Secretário de Segurança Pública nos dá essa resposta.

Antes vejamos os dados que obrigaram os órgãos de Segurança Pública do Tocantins a se posicionarem. De acordo com o IPEA entre 2005 e 2015 houve um aumento de 164% no número de assassinatos no estado. A taxa de homicídios avançou 128% - indo de 14 para 33 mortes para cada 100 mil habitantes, isso em 10 anos. Seguindo a tendência nacional, os jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos são os mais vitimados no Tocantins. Por exemplo, em 2015 o aumento foi de 176% em relação a 2005 de vitimas nessa faixa etária. Os dados do IPEA também mostraram que os mais atingidos são os jovens negros – 32,8 mortes para cada 100 mil habitantes. Já entre as outras etnias o índice é de 27,9 mortes para cada 100 mil habitantes. Também cabe destacar o aumento dos índices de violência contra as mulheres – em 10 anos teve um aumento de 128% no Tocantins.

Diante desse quadro qual foi à resposta do Secretário de Segurança Pública do Tocantins? A culpa é do estatuto do desarmamento. Para Cesar Simoni “desarmar o cidadão foi um ato impensado, um resultado que não aconteceu”. Logo, portanto é preciso armar o cidadão, pois para Simoni “hoje qualquer bandidinho entra em um restaurante, rende todo mundo com um revolver 32, atira e mata uma pessoa e sai ileso. Se ele soubesse que poderia três, quatro ou cinco armados não faria isso”.

Refletimos sobre esse exemplo. Será que de fato o “bandidinho” desistiria ou a possibilidade de um tiroteio vitimar muito mais pessoas com tanta gente armada não seria muito maior? Nos parece que a resposta é óbvia. E para tanto não precisa ser um perito em segurança para deduzir no que resultaria um tiroteio com pessoas despreparadas num restaurante.

Além de defender o armamento da população – voltando a uma espécie de faroeste. Os representantes dos órgãos de Segurança Pública do Tocantins também falaram na criação de mais delegacias e no aumento de contingente da policia militar através de concurso público. Isto é, aumentar os instrumentos de coerção e punição – seguindo a lógica de remediar em vez de prevenir. Nada se falou, por exemplo, em investir na inteligência, para atuar na perspectiva de evitar que crimes aconteçam. Não se falou, por exemplo, que o problema não é prender, pois se prende até de mais no Tocantins. A questão é quem se prende. De acordo com Silva (2016) “prisões da miséria que assola negros, que são assolados pela pobreza”. E que se quer tem direito a julgamento, pois o Tocantins ocupa o primeiro lugar no ranking de presos sem condenação, são 75% segundo dados do DEPEN de 2015.

Cabe, no entanto ressaltar que o discurso do secretário de Segurança Pública do Tocantins não é um discurso isolado. Representa muito bem um discurso cada vez mais forte na sociedade – e que no Congresso Nacional tem na bancada da bala o seus representantes. Bancada que, aliás, tentou revogar o estatuto do desarmamento. A famigerada bancada da bala é hoje a principal bancada no Congresso Nacional com 275 deputados, superando a bancada do boi e a evangélica. Mas que no final das contas formam uma única bancada a BBB (da Bala, do Boi e da Bíblia).

Este grupo, do qual o senhor Cesar Simoni faz parte esta longe de querer resolver a crise na segurança pública brasileira. Aliás, os dados acima, nos faz refletir se se trata de fato de uma crise ou de um projeto em curso – um projeto de higienização e criminalização da pobreza. E ai não tem como citar Darcy Ribeiro no seu celebre texto “Sobre o óbvio” quando ele fala da “crise educacional”. De acordo com Ribeiro (1986) “a crise educacional do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise, é um programa. Um programa em curso, cujos frutos, amanhã, falarão por si mesmos”. Podemos estender isso para a questão da segurança pública também.

Por fim, longe de defender o cidadão, o que se vê por parte desse grupo do qual o Secretário de Segurança Pública do Tocantins faz parte, na verdade, é a defesa dos interesses da indústria armamentista. Que ninguém se iluda quanto a isso.

Pedro Ferreira É Educador Popular e bacharel em Serviço Social. Atualmente cursa Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.