terça-feira, 19 de março de 2019

Algumas palavras sobre os professores que estão trabalhando sem contrato na rede estadual de ensino.

“O mundo atual nos oferece como horizonte imediato o privilegio da servidão. Seu combate e impedimento efetivos, então, só serão possíveis se a humanidade conseguir recuperar o desafio da emancipação”.
Ricardo Antunes

Um silêncio impera no Tocantins, um silêncio em torno do caso dos professores que estão trabalhando sem contrato desde o inicio do ano letivo na rede estadual de educação. São mães e pais de família que estão se sacrificando diariamente para garantir que o ano letivo, de milhares de crianças e adolescentes, não seja prejudicado - sacrifício ignorado por parte significativa da população e principalmente pelas autoridades públicas. 

Muitos deles se mostram tão preocupados com a educação, que não se furtam ao debate na hora de combater uma suposta “ideologia de gênero” nas escolas (como vimos recentemente na polêmica em torno da resolução do Conselho Estadual de Educação – que buscava estabelecer normas especificas sobre orientação sexual e identidade de gênero). No entanto se silencia diante do fechamento de escolas, da falta de profissionais, ou acerca da situação de professores estarem trabalhando sem contratos. 

Diante disso cabe o questionamento: Será se estes senhores estão de fato preocupados com a qualidade da educação pública estadual?

Ora, mas por que se importar com o sacrifício de pais e mães de família que estão trabalhando sem contrato e sem receber desde o inicio do ano letivo? Afinal de contas educar é um ato de amor, não é mesmo?! O problema é que na sociedade capitalista não se paga conta com amor. E nem os capitalistas se deixaram afetar por esse nobre afeto na hora de cobrar juros exorbitantes nas contas atrasadas. 

A promessa do governo através da Secretária de Estado da Educação (SEDUC) é que esses profissionais receberam retroativamente. Mas até lá o aluguel não espera, a conta no supermercado também não, nem outros compromissos como empréstimos bancários. De modo que ainda que recebam retroativamente, esses trabalhadores terão que arcar com enormes prejuízos.

E o grande dilema é que não há para eles muito o quê fazer. Pois se se manifestarem publicamente provavelmente não terão os contratos assinados. Sobretudo por dois motivos: por um lado esse governo já mostrou em várias ocasiões que não tolera críticas (o caso mais recente é o manual de atuação da PC). E por outro, o que não falta é gente desempregada disposta a ser explorada – que aceitariam de bom grado trabalhar sem contrato com a esperança de serem contratados e receberem retroativamente. 

É uma situação triste, sobretudo por que a submissão a esse estado de coisas faz com que as condições de trabalho degradante se aprofundem ao invés de serem alteradas. Pois para serem alteradas é necessário que os trabalhadores tomem consciência e se rebelem. Sem que aja essa rebelião as coisas permaneceram inalteradas. Por isso que para Ricardo Antunes se “o mundo atual nos oferece como horizonte imediato o privilegio da servidão. Seu combate e impedimento efetivos, então, só serão possíveis se a humanidade conseguir recuperar o desafio da emancipação”.

Mas como recuperar o desafio da emancipação numa sociedade onde os indivíduos abrem mão de suas liberdades em troca de “conforto e segurança”? Como falar em emancipação numa sociedade que nega os antagonismos de classes? Eis ai questões importantes para nossa reflexão e que mostram que esse desafio proposto por Ricardo Antunes não é tão simples assim. Mas que, no entanto, não deixa de ser necessário. Pelo contrário, é fundamental. Sobretudo nesse contexto aonde o trabalho regulamentado com direitos tende a se tornar exceção e “o trabalho temporário, parcial, e terceirizado” passa a ser a regra. 

É o que estamos vendo, sobretudo após a aprovação da reforma trabalhista no governo Temer e que se aprofundará se a da Reforma da Previdência, nos moldes defendido pelo governo Bolsonaro, também for aprovada.

Diante de tudo isso, não podemos ficar em silêncio. Não podemos aceitar com naturalidade que trabalhador algum seja submetido a essas condições que o governo Carlesse tem imposto aos trabalhadores da educação. Imagine se isso fosse com os juízes, os promotores ou com os parlamentares. Não tenho dúvida que a reação seria completamente diferente, não é mesmo?!

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Crônica: Comendo Veneno.


Á Maria Lúcia, minha mãe.

Esses dias Maria Lúcia chegou horrorizada do Supermercado com uma cena que presenciou. Segundo ela um pessoal que descarregava uma carga de banana para ser comercializada no local, jogou um produto com um cheiro muito forte nas frutas. Sabendo de qual produto se tratava ela logo deduziu que o objetivo era acelerar o processo de amadurecimento das bananas.

Trata-se do veneno popularmente conhecido como “mata-mato” (composto de carbono e fósforo e que tem no gliofosato seu principal agente ativo). Não existe controle na venda do produto, de modo que qualquer um pode adquiri-lo, e também não há controle em como e no que o veneno será utilizado. Por essas bandas ele é bastante utilizado para limpar as ervas daninhas dos quintais. Mas também em lavouras no processo de “dessecação” preparando a terra para o plantio.  No caso presenciado por Maria Lúcia – para acelerar o processo de amadurecimento das frutas. Pois quanto mais rápido amadurecem, mais rápido podem ser comercializadas. E quanto mais rápido são comercializadas mais lucro vai para o bolso dos produtores e comerciantes.

Mais e os consumidores? Como fica a saúde de quem consome esses produtos a base de veneno? Não precisa ser um especialista para saber que o consumo desses produtos faz um estrago considerável no nosso organismo. E foi isso que deixo Maria Lúcia horrorizada – o fato de que estamos nos alimentando de veneno. Isso que o que ela viu foi apenas a ponta do “iceberg”. A produção de alimentos com a utilização de venenos altamente perigosos para saúde do seres humanos é um caso sério. O documentário “O Veneno está na Mesa” do Silvio Tendler nos dá uma idéia dessa realidade, como também uma série de pesquisas que apontam o risco de provocar câncer tanto em quem consome como em quem produz. Sem falar nos problemas hormonais apontados pela pesquisadora Larissa Bombardi – autora do atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Européia”.

Boa parte dos problemas apontados pelos pesquisadores em relação ao uso de agrotóxico é ligado ao processo de produção nas lavouras. Mas no caso presenciado por dona Maria Lúcia o caso é ainda mais alarmante. O veneno estava sendo aplicado nas frutas na porta do supermercado e logo seguiram para comercialização. De modo que o efeito nocivo a saúde de quem consumir aquelas frutas será muito maior.

Outro ponto importante que não se pode perder de vista é a questão ambiental. Pois a utilização desses venenos na produção de alimentos traz enormes prejuízos ao meio ambiente. Entre eles o extermínio da biodiversidade.

Em relação a essa questão um bom exemplo é a morte das abelhas. Em uma reportagem recente, Pedro Gregori (Agência Pública) afirma, que em três meses apicultores encontraram meio bilhão de abelhas mortas, sendo que em cerca de 80% dos exames feitos foram encontrados agrotóxicos. E o que isso acarreta? Uma alteração na cadeia alimentar. Pois segundo a pesquisadora Carmem Pires “as plantas precisam das abelhas para formar suas sementes e frutos, que são alimento de diversas aves, que por sua vez são a dieta alimentar de outros animais”.

Mesmo diante de todo esse contexto o interesse econômico fala mais alto. Por isso o Brasil – que já é campeão no consumo de agrotóxico a nível mundial – ao invés de estar discutindo como evitar que isso avance. Segue no caminho contrário defendendo a flexibilização da lei que regulamenta o uso de agrotóxico – uma lei que já e por demais flexível. Pois permite, por exemplo, que se utilize em terras brasileiras 22 tipos de agrotóxicos que são proibidos na Europa. Um desses é o glifosato que é o principal agente ativo do veneno “mata-mato”. Isso mesmo, aquele que dona Maria viu sendo aplicado nas bananas em um grande Supermercado e que serão consumidas por vários cidadãos lajeadenses.

No Tocantins, nos últimos anos, órgãos de fiscalização vêm comemorando o aumento da devolução de embalagens de agrotóxicos pelos produtores. Dados de 2017 aponta que foram devolvidas cerca de 722,3 toneladas de embalagens. Isso mesmo, você não leu errado, toneladas. Ora, isso não deveria ser motivo de comemoração, mas de preocupação. Pois significa que há uma quantidade muito grande de agrotóxico sendo aplicado nas lavouras tocantinenses. E se levarmos em consideração que nem todos os venenos têm sua venda e aplicação controladas (como no caso do mata-mato) e que, portanto as embalagens são descartadas de qualquer jeito devemos ficar mais preocupados ainda.

Até por que não são raros os casos de “intoxicação por agrotóxico no Estado do Tocantins”. Como aponta Silva (2016) em um estudo importante onde ele chama atenção dos gestores da Saúde para esse problema. De acordo com este autor “há indícios de que o consumo de agrotóxico agrícola no Tocantins tem impactos significativos no ambiente e na saúde da população, principalmente nos trabalhadores rurais e seus familiares”. Numa pesquisa consistente com vários dados Sérgio Luiz de Oliveira Silva revela aquilo que a propaganda do agronegócio esconde – as contradições de um modelo agrícola nefasto.

Se todos tivessem consciência disso não tenho dúvidas que ficariam horrorizados tal como ficou dona Maria Lúcia diante da cena que viu. Mas não basta o espanto – é preciso agir. E essa ação deve se dá em duas frentes: No campo político - enfrentando os ruralistas e os seus representantes nos parlamentos. E no campo educacional – conscientizando a população dos riscos para nossa saúde da produção e consumo de alimentos com agrotóxicos. Isso no atual contexto é uma tarefa por demais difícil, mas para quem não concorda com esse estado de coisas, não há alternativa.

Pedro Ferreira Nunes – É “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

sexta-feira, 8 de março de 2019

Em tempos medíocres, algumas lições de filosofia que os políticos deveriam aprender.

A mediocridade tomou conta do ambiente político nacional. E tem na principal figura representativa da república (o presidente Jair Bolsonaro) a expressão maior desse novo paradigma – onde os imbecis são exaltados e pensar de forma racional tornou-se um crime. Por tanto, não é de se admirar, que nesse contexto se questione o ensino de Filosofia no Ensino Médio e se defenda o retorno da disciplina de Moral e Cívica como no período da Ditadura Militar. 

A filosofia vai na contramão do discurso medíocre. Nos legando importantes lições que todos nós deveríamos aprender, sobretudo os políticos. Elencaremos aqui, seis delas: Debater de forma racional; Reconhecer nossos erros; Não roubar; Se defender das mentiras; Saber diferenciar aparência de essência; E lembrar que muito dos novos problemas na realidade existem há séculos. Antes, de nos adentrarmos em cada uma dessas lições, é importante salientar o que afirma Hancock (2018) acerca do fato de que “a filosofia não nos faz pessoas melhores, porém nos proporciona ferramentas para analisarmos nossas decisões”. Sobretudo se elas são pautadas em um processo racional ou se nos deixamos guiar pelas emoções meramente.

A primeira lição que a filosofia nos dá é que o debate de idéias e posições deve se desenrolar de forma racional. E o que seria debater de forma racional? O primeiro ponto é que num debate racional não pode haver desqualificação – quando há desqualificação é um sinal de que falta argumento. Infelizmente é o que mais tem ocorrido no cenário político nacional – é só verificar as diversas noticias sobre bate bocas e trocas de acusações. Um exemplo emblemático bem recente foi à eleição da presidência do senado federal. Ora, o debate racional pressupõe algumas regras como, por exemplo, respeitar o outro – o que não significa que você tenha que concordar. Nessa linha um filósofo que nos ajuda muito a refletir sobre essa questão é o alemão Habermas com sua “Ética do discurso”.

A segunda lição que a filosofia nos dá é acerca da necessidade de reconhecermos nossos erros. Pois afinal de contas como diz um velho dito popular “errar é humano”. Todos nós erramos, e os políticos não são exceções. O problema é quando você erra e não reconhece que errou. Como no recente episódio que Sr. Bolsonaro postou numa rede social um vídeo com conteúdo erótico para criticar genericamente o carnaval. E ao ser questionado ao invés de reconhecer o erro encarou as críticas como insulto. Ora, quando não reconhecemos os nossos erros estamos fadados a repeti-los. Isso de certa forma explica por que o atual governo, e, sobretudo Bolsonaro tem errado tanto. 

Ainda nessa linha, uma questão importante na filosofia ressaltada pelo professor Eduardo Infante é que um diálogo não é uma competição onde se tenha que derrotar o outro. Pelo contrário, há que se reconhecer “que en el discurso del outro también hay verdad”.

A terceira lição nos parece bastante obvia. Ninguém em sana consciência dirá que é certo pegar aquilo que não lhe pertence. Para tanto não precisamos nem ser especialistas em Ética. Ora, mas se todos fazem, por que não fazê-lo? É o que muitos dizem. Com isso se apropriar daquilo que não lhe pertence tornou-se algo banal. E infelizmente essa é uma realidade bem conhecida por nós brasileiros – o mau da corrupção que assola toda a sociedade e não apenas um partido político como alguns nos tenta fazer crer. Carrasco Conde, citando Kant, afirma que isso se dá por que usamos os demais seres humanos como meios e não como fins em si mesmos.

A questão da Ética é um tema caro pra filosofia desde os seus primórdios. É só lembrarmos, por exemplo, que uma das obras clássicas de Aristóteles é “Ética a Nicômaco”. Spinoza, Kant, Adolfo Sanchez Vasquez entre outros filósofos também se dispuseram a refletir sobre essa problemática. De modo que a filosofia tem muito a nos dizer acerca dessa questão. Sobretudo a respeito de que agir corretamente não deve ser um principio seguido apenas pelos políticos, mas por todos os indivíduos na sociedade. Até por que não se pode perder de vista que os políticos são frutos da sociedade, se eles são corruptos é por que vivemos numa sociedade corrupta. 

A quarta lição é aprender a se defender das mentiras. Pois por mais questionável que seja, o fato é que os políticos usam mão delas para alcançar seus objetivos. Não raramente eles têm que dar explicações acerca dessas mentiras que são ditas, sobretudo no processo de campanha. Um bom exemplo é o que dizia Sérgio Mouro (Ministro da Justiça) antes de compor o governo Bolsonaro sobre o Caixa 2 e o que diz agora no seu projeto Anticrime. Para Hancock (2018) quando mentimos para alguém com o objetivo de conseguirmos seu voto, estamos usando essa pessoa como uma ferramenta em nosso próprio proveito. Isso ocorre e continuará ocorrendo. Por isso que para a filosofia não é importante nem tanto o fato dos políticos mentirem. Mas sim como evitar para que não sejamos enganados por essas mentiras. E um caminho para tanto, seria não nos deixar levar pelo marketing e a propaganda.

Chegamos então à quinta lição que a filosofia nos dá, que é saber diferenciar aparência de essência. O velho Marx já nos alertava para o fato de que a aparência não corresponde à essência. Pois a aparência ao mesmo tempo que revela, oculta. De modo que não basta vê a aparência, precisamos buscar compreender a essência das coisas. É a partir daí que as transformações são possíveis. Quando os políticos ficam nas aparências mostram que não querem mudar nada, mas apenas maquiar a realidade. Um bom exemplo para compreendermos melhor essa questão foi à carta do ministro da Educação do Governo Bolsonaro pedindo que as escolas gravassem as crianças cantando o hino nacional, com o slogan de campanha do presidente eleito – uma medida que seria simplesmente para fazer propaganda oficial do Governo tentando esconder a falta de capacidade de apresentar algum projeto relevante que mude a realidade da educação brasileira. Ainda em relação a essa quinta lição, Eduardo Infante afirma que “la filosofia se preocupa por buscar el ser detrás de las apariencias”. Eis por que ela incomoda tanto.

Por fim, a sexta lição que a filosofia nos ensina é que muito dos problemas que achamos que são novos, na verdade são antigos. O que podemos verificar ao estudar a história da filosofia. Não é raro ouvir daqueles que estão lendo alguma obra filosófica escrita há séculos, um ar de surpresa com a atualidade das questões trabalhada pelos autores. Isso mostra que os problemas levantados pelos diversos filósofos não foram superados. No entanto é preciso olhar-los no contexto histórico que foram escritos e com quem dialogavam. O que não quer dizer, no entanto, que não são relevantes para compreendermos os problemas que enfrentamos hoje. Nesse sentido é importante as palavras de Carrasco Conde de que a história da filosofia não é só história do passado. 

Referência

6 lecciones de filosofía que los políticos podrían haber aprendido. Disponivel: https://verne.elpais.com/verne/2018/10/19/articulo/1539947599_056178.html

Pedro Ferreira Nunes – É “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

sexta-feira, 1 de março de 2019

Poesia: Rio poluído

Tuas águas outrora límpidas e cristalinas
convidando-nos a se jogar.
Hoje estão poluídas
já não dá para banhar.

Até os peixes estão morrendo
tuas águas já cheiram carniça.
Um crime ambiental
nenhuma autoridade explica.

O que não fazem em nome do progresso!
O que não fazem em nome do dinheiro!
Burguesia entreguista
vendem o país inteiro.

O rio que eu cresci
do meu tempo de criança.
Já não é o mesmo rio
só restou nossas lembranças.

Tuas águas estão barradas
tuas margens foram destruídas.
Os peixes estão morrendo
já não é exemplo de vida.

Pedro Ferreira Nunes
Casa da Maria Lúcia. Lajeado - TO.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Crônica: Transporte coletivo de Palmas: Conflitos entre Motoristas e Usuários.

“o trabalho que estrutura o capital desestrutura a humanidade. E o trabalho que estrutura a humanidade é incompatível com o trabalho que o capital quer nos impor...”.
Ricardo Antunes

Uma reportagem da Rádio UFT FM acerca do transporte coletivo de Palmas trouxe a tona o descontentamento dos usuários com a qualidade do serviço prestado á população. E entre as várias reclamações boa parte é contra os motoristas – que segundo os usuários entrevistados, estão sempre estressados e tratam mal os passageiros. Isso me fez lembrar de uma experiência que tive há alguns anos atrás e que mudou completamente a minha visão dos motoristas do transporte coletivo.

Era o ano de 2005, eu trabalhava num grande hipermercado na capital goiana, e tinha que todos os dias pegar 6 ônibus ( 3 na ida e 3 na volta). Nessa “via crucis” ia embora 04h diárias (2h na ida e 2h na volta) da minha vida. Pagando passagens caras, em ônibus superlotados, num trânsito caótico, com motoristas e usuários estressados. E eu era um desses estressados, sobretudo, com os motoristas. Era neles que eu descontava a minha raiva pela demora dos ônibus e pela superlotação. Eles por sua vez descontavam em nós seus estresses diante de tanta cobrança tanto por parte dos usuários como da empresa. E assim um ambiente que já era ruim, piorava.

A vida ia passando nesse ambiente insalubre, até que conheci um grupo de motoristas do transporte coletivo que estavam num movimento para criar um sindicato especifico da categoria – um sindicato que realmente defendesse os interesses daqueles trabalhadores que eram extremamente explorados. Ou melhor, espoliados, como diria Ricardo Antunes. Submetidos a jornadas de trabalho estressante, tendo que desempenhar várias funções (dirigir, cobrar, monitorar, auxiliar cadeirantes) e ganhando um salário de fome. 

Mas na minha rotina estressante eu não conseguia perceber isso. Não conseguia perceber a condição quase desumana de trabalho que aqueles trabalhadores eram submetidos. Só a partir da convivência com eles passei a perceber o que no dia a dia, nós usuários ignoramos. Só quando vi o transporte coletivo a partir da perspectiva deles é que minha visão mudou.

A partir dai minha relação com os motoristas passou a ser completamente diferente. Passei a vê-los não mais como inimigos – como os responsáveis por aquela situação caótica que eu enfrentava diariamente indo da casa para o trabalho e do trabalho para casa. Pois, afinal de contas eles eram vítimas (tanto quanto nós usuários) das empresas que controlam o transporte coletivo nas regiões metropolitanas das grandes cidades – empresas essas que obtêm lucros exorbitantes e em contrapartida ofertam um serviço de péssima qualidade. 

Voltando a reportagem da Rádio UFT FM sobre a situação do transporte coletivo em Palmas. Pelo relato dos entrevistados (usuários e motoristas) e a minha própria experiência já que utilizo o transporte coletivo da capital, posso afirmar que a realidade não é muito diferente da que vivenciei em Goiânia. Aliás, um dos pontos alto da reportagem foi a denuncia de um motorista acerca das péssimas condições de trabalho que eles são submetidos. Condições que são facilmente percebidas por qualquer um que utiliza o transporte coletivo de Palmas. Basta parar um pouco de pensar só em si e olhar para o que esta a sua volta.

Um bom exemplo é a estação Apinajé. Observe qual a estrutura que existe ali para que os motoristas possam relaxar nos intervalos das viagens, se alimentarem e etc. Observe durante o percurso da casa para o trabalho e do trabalho para casa ou faculdade o que um motorista faz além da sua função. Pergunte a eles o que as empresas fazem se caso ocorrer, por exemplo, um assalto. Quem paga a conta? De qual salário será descontado a perda? Sei que pedir isso é um tanto difícil numa sociedade cada dia mais individualista e que falar em solidariedade de classe, quando se prega o fim das classes, é um tanto de ingenuidade da minha parte.

Mas o fato é que enquanto usuários e motoristas se digladiam, os empresários, com o apoio dos governos de plantão, continuam espoliando a população: tanto os usuários cobrando tarifas altas, como os motoristas que desempenham várias funções, mas recebe o salário como se desempenhasse apenas uma. E enquanto não nos atentarmos para isso, termos claro quem são nossos verdadeiros adversários, as coisas não mudaram.

Pedro Ferreira Nunes - é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Uma reflexão sobre os dois anos da Gestão Tércio Neto (PSD) á frente da Prefeitura Municipal de Lajeado

Você me diz acomodado que isso é normal. Mas enquanto não é com você...
Cólera

A cidade de Lajeado entra no seu terceiro ano da gestão do médico Tércio Neto (PSD) á frente da prefeitura municipal. Ultrapassamos assim a metade do seu mandato, contrariando as especulações que davam como certo a sua cassação e realização de novas eleições. Alcançado a marca de dois anos de gestão qual o saldo que temos? O que avançou? O que precisa melhorar? Qual o legado que essa administração construiu até o momento? Qual a sua marca? Essas questões são objeto da nossa reflexão nas linhas a seguir.

Tércio Neto assumiu o seu primeiro mandato como prefeito de Lajeado na sombra da ex-prefeita Márcia Reis – que foi o seu principal cabo eleitoral. E com a ameaça de cassação do mandato pela justiça eleitoral por ter sido favorecido (segundo denúncias do MP) com a doação de lotes em troca de votos. Com isso sua gestão é marcada num primeiro momento pela desconfiança – ainda mais pelo fato da vitória sobre o seu principal adversário ter sido por uma pequena margem. A população questionava para onde aquele jovem médico, que debutava na política, levaria o munícipio.

Como esperávamos e escrevemos em vários textos, a gestão Tércio Neto seria uma gestão de continuidade – nada muito diferente das gestões anteriores. E a montagem do novo secretariado corroborava com essa tese. Apesar de apresentar novos nomes, alguns da confiança do prefeito. Passado dois anos, o perfil do secretariado não mudou, inclusive alguns secretários da última gestão Márcia Reis reassumiram o cargo na gestão Tércio Neto, por exemplo, Leila Marcia na Secretária de Educação.

Mesmo assim nesse processo de montagem da sua equipe, percebe-se uma tentativa do prefeito Tércio Neto em imprimir o seu perfil na nova gestão e se afastar da sombra da ex-prefeita Márcia Reis. Enquanto a ex-gestora era de um perfil mais populista, o jovem médico se revela um burocrata. Essa mudança de perfil foi bastante sentida pela população que estava acostumada a ser recebida pela ex-prefeita Márcia Reis na própria casa com uma xicara de café – agora para falar com o novo prefeito é preciso agendar.

Nesse contexto o que ganhou evidência foi à política de comunicação da gestão Tércio Neto. Nesses dois anos sua equipe tem demostrado um cuidado especial com o setor – utilizando-se das redes sociais e dos veículos de comunicação regional para divulgar as ações do executivo municipal. Ouso dizer que talvez essa seja a principal marca dessa gestão – a propaganda. Mas se sobra propaganda, falta serviço.

A principal obra inaugurada até agora no governo Tércio foi à conclusão da praia do Segredo – que trouxe uma grande visibilidade para sua gestão tanto a nível regional como nacional. O que contribuiu inclusive para sua indicação ao prémio Sebrae “Prefeito empreendedor”. Mas do ponto de vista interno não serviu muito para melhorar a imagem da gestão junto à maioria da população que vive na cidade. A não ser para uma meia dúzia com poder aquisitivo.

Se para os turistas a praia do Segredo passa a imagem de uma cidade próspera com uma administração moderna. A população local na sua grande maioria sabe que o mais novo cartão postal do Estado do Tocantins não representa a realidade que muitos vivem no dia a dia. Aliás, grande parte dos moradores se quer usufruem desse “cartão postal” já que seu poder aquisitivo não permite acesso a um lugar por demais elitizado.

Mesmo essa obra que é a principal inaugurada pela administração Tércio Neto não foi totalmente construída por ele. Pois quando assumiu a prefeitura as obras para construção da praia do segredo já estava em estado bastante avançado. Sua gestão apenas concluiu e inaugurou assim como fez com o ginásio de esportes da Escola Municipal. Além da realização de reformas pontuais em um e outro prédio público, como por exemplo, no posto de saúde do centro.

No mais a gestão mantém, assim como as gestões anteriores, a prestação de serviços essenciais como educação, saúde e assistência social. Nessas três áreas a ênfase continua sendo a saúde. Inclusive o IBGE aponta o munícipio como o que mais investe recurso nesse setor. Cabe saber se esse dinheiro destinado à saúde é bem investido mesmo. Pois a reclamação da população em relação à falta de médicos, remédios e superlotação dos postos de atendimento são frequentes. Assim como a demora em fazer e receber exames. Em relação à assistência social, o munícipio apenas operacionaliza os programas do governo federal. E na educação os constantes problemas com o transporte escolar têm prejudicado dezenas de estudantes, especialmente os universitários que estudam em Palmas.

Outros serviços como limpeza urbana e transporte também se mantém regulamente – ainda que no caso do transporte com uma frota bastante sucateada. Já em relação à geração de emprego, segurança pública, infraestrutura, combate ao déficit habitacional, saneamento básico, serviços bancários entre outros – pouco ou nada melhorou. Algumas áreas até retrocederam, como no caso da cultura.

Não que a cidade fosse um berço cultural, mas há pouco tempo atrás o carnaval e o arraial (festas juninas) eram referências de festas populares na região. E isso para uma cidade que se apresenta como polo turístico é importante. Sobretudo para população tão carente de eventos culturais. Tais eventos também atraiam turistas e movimentavam o comércio local. Assim como o Laj Verão, Lual do Segredo e o Encontro de Arte e Cultura.

Outra marca dessa gestão é a morosidade na construção de casas populares para as famílias sem teto do município. Passado dois anos dá para contar nos dedos de uma mão quantas casas populares foram entregue pelo prefeito Tércio Neto (PSD). Nem mesmo as casas que começaram a ser construídas na última gestão da prefeita Márcia Reis foram concluídas – quem passa na principal rua do setor Norte-Sul (uma das principais vias de acesso à praia do segredo) pode vê o descaso do poder público municipal com as famílias carentes da cidade ao ver as casas inacabadas sendo deterioradas pelo tempo (dinheiro público jogado literalmente no mato). Aliás, é uma boa oportunidade para ver o contraste entre duas lajeado distintas – a do cartão postal e a da vida real.

E enquanto o déficit habitacional não é enfrentado seriamente pelo poder público municipal a especulação imobiliária agradece. Pois distribuição de lotes sem dar a mínima condição para que as famílias em situação de vulnerabilidade social construam suas residências – é a mesma coisa que não fazer nada. Pois na maioria dos casos sem condição para construir, os lotes são vendidos para especuladores, e as famílias continuam no aluguel.

Outro ponto frágil dessa gestão é a falta de uma efetiva política de proteção ambiental. O que pode ser visto com a degradação do rio Lajeado que a cada ano está mais vazio com o assoreamento de suas nascentes. Inclusive chegando ao ponto de prejudicar o abastecimento de água na cidade. Em grande medida esse problema é decorrente de construções irregulares em áreas ambientais e de uma expansão urbana sem planejamento.

Para piorar a situação, os vereadores, que deveria fiscalizar e cobrar do executivo, ações que melhore a vida da população, estão envolvidos em escândalos – que vai desde o afastamento da então presidente do legislativo municipal (Leidiane Mota) da presidência da casa como da suspensão do mandato dos vereadores Adão Tavares e Emival Parente por utilizarem o cargo para beneficio próprio. Diante disso, pelo menos nesses dois primeiros anos da atual legislatura, o que se vê é uma Câmara de Vereadores com pouca credibilidade junto à população. E essa falta de credibilidade decorrente da falta de autonomia do executivo pode levar ao que ocorreu na eleição passada onde apenas três vereadores conseguiram a reeleição. 

Agora nesses dois anos de legislatura que restam, Zé Edival (MDB) presidirá a Câmara de Vereadores, apesar de se declarar base do prefeito, sua vitória com o apoio de vereadores da oposição significou uma derrota para Tércio Neto. No inicio do seu mandato Tércio Neto não tinha grandes preocupações em relação a sua base de apoio na Câmara de Vereadores. Pois dos 09 vereadores eleitos – 06 eram do seu grupo político. Para completar Leideane Mota (PSD), grande aliada do prefeito, foi eleita para presidir a Câmara de Vereadores. Mas isso mudou, e a vida de Tércio Neto não tem sido fácil no legislativo municipal. A trinca oposicionista formada por André Portilho, Waber Pajeú e Edilson Mascarenhas têm feito estragos. O principal até agora foi à articulação da vitória do Zé Edival na eleição para presidência da Câmara de Vereadores, derrotando Adão Tavares – candidato apoiado pelo prefeito Tércio Neto.

Com isso, nesses dois anos de mandato que lhe resta, Tércio Neto terá que enfrentar uma nova realidade que ele não enfrentou nos seus primeiros anos de gestão – um legislativo municipal comandado pela oposição. E fazendo uma analise das primeiras atitudes do executivo nesse novo contexto podemos dizer que o prefeito tem demostrado bastante imaturidade politica. Mas ainda é muito cedo para qualquer conclusão. Aguardemos os próximos capítulos para ver qual vai ser a relação do executivo com  o legislativo municipal – com essa nova configuração de forças.

Por enquanto a gestão Tércio Neto (PSD) continua tranquilamente (já nem tanto) fazendo muita propaganda e apresentando pouco resultado. Nesses próximos dois anos que restam da sua gestão (isso se não for cassado antes, já que corre na justiça, muito morosamente, processos nesse sentido) algumas coisas devem mudar. Pois a ideia é que seu grupo político permaneça no poder. E para tanto algumas migalhas a mais devem ser distribuída para população no sentido de mudar a péssima popularidade que o prefeito e sua gestão têm na cidade.
Quanto a nós, rechaçando a resignação e a submissão ao estado de coisas atual, exigimos a modificação do que está posto.
Vladimir I. Lênin 

Pedro Ferreira Nunes - é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Quando algo vai mal: Sobre o fechamento de escolas pelo Governo Carlesse.

“Quem abre uma escola, fecha uma prisão”.
Vitor Hugo

Quando se fecha uma escola e no seu lugar se instala academias de policia (que no Brasil se reduz a lógica da repressão) é sinal de que algo vai muito mal no seio da nossa sociedade. E os frutos que colheremos no futuro com essa mudança de perspectiva tendem a ser amargos. 

Darcy Ribeiro no inicio da década de 80 do século passado, já nos alertava para o fato de que “se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. A superlotação e a crise permanente no sistema penitenciário brasileiro mostram de forma evidente que Darcy Ribeiro tinha razão. Mesmo assim os gestores parecem não ter aprendido a lição. É o caso do governo Mauro Carlesse no Tocantins, que inicia o seu mandato não anunciando a construção de escolas, mas o fechamento de 21 delas em todo o estado.

Dessas 21, duas são na periferia da capital (o Colégio Estadual Augusto dos Anjos e o Centro de Atendimento a Criança e ao Adolescente – CAIC). Essa última dará lugar ao Centro Integrado de Formação e Segurança Pública – onde funcionará uma academia da Policia Civil, unidades da Policia Militar entre outros serviços da Secretaria de Cidadania e Justiça. Já o Colégio Estadual Augusto dos Anjos dará lugar a uma academia militar e a um centro de formação de professores. É inegavelmente uma mudança de perspectiva – a segurança (repressão) passa ser mais prioritária que a educação. Mas isso não é uma política geral do governo, pois se dará num ambiente especifico, a saber, a periferia. Por que fechar escolas justamente na periferia e abrir uma academia militar no lugar?

A principal justificativa do governo para o fechamento das escolas é que não há demanda que justifique a manutenção dessas unidades escolares em funcionamento. Sobretudo por que nos últimos anos tem ocorrido uma queda no número de estudantes matriculados na rede estadual de ensino. Por exemplo, entre 2009 e 2019 a queda foi de 218.205 para 150.033. O governo, no entanto, não se dispôs a responder o porquê dessa queda no número de matricula. Ora, constatar que está havendo uma queda no número de matriculados é fácil, à questão é responder por que esta havendo essa queda.

Mas o fator mais importante que justifica essa medida é com certeza o econômico. Já que essas medidas fazem parte da reforma administrativa do governo Carlesse que caminha na lógica do Estado mínimo – mínimo para o povo e máximo para o capital. Pois afinal de contas, como diz o filósofo estadunidense Noam Chomsky “o neoliberalismo existe, mas só para os pobres... os muito ricos são protegidos”. 

O governo diz ter feito um estudo antes de tomar a decisão e que uma equipe da Seduc se dedicou nos últimos meses analisando caso a caso e buscando não prejudicar os estudantes – “visto que as mudanças se deram para unidades muito próximas das escolas anteriores”. Mas esse estudo parece ter excluído os principais interessados – país, alunos e servidores que trabalham nessas unidades. Que ao contrário da declaração da Seduc se sentiram sim prejudicados. E isso mostra que não houve diálogo.

É tão evidente que não houve diálogo do governo com a comunidade que não faltaram protesto por parte de pais e alunos contra o fechamento das escolas. Isso evidencia mais uma vez uma característica desse governo – o improviso.  E enquanto vai improvisando crianças morrem em hospitais públicos por falta de atendimento, outras ficam sem escolas perto de suas casas, outros ficam isolados com o bloqueio da ponte (Porto Nacional) sem a construção de uma alternativa que não prejudique tanto quem vive naquela região, especialmente o campesinato pobre e os estudantes.

Se essa decisão tivesse sido tomada após uma ampla discussão com a sociedade através de audiências públicas talvez até se chegasse à conclusão que em alguns casos não tem sentido mesmo manter as unidades de ensino em funcionamento. Mas uma medida imposta de forma autoritária a partir de um estudo feito por burocratas – que não conhecem a realidade do chão da escola – é um pouco difícil de engolir. E o pior é engolir o fechamento de escolas na periferia para dar lugar à academia de policia. Se fosse para abrigar um Centro Cultural – sobretudo diante da falta de espaço de promoção da cultura na periferia – seria até aceitável. 

Para finalizar, retomando o que nos alertou Darcy Ribeiro, com o fechamento dessas 21 escolas é bom o governo começar planejar a construção de mais presídios. Aliás, hoje o sistema carcerário já sofre com superlotação. E a seguir a lógica da segurança pública hegemônica no país – criminalizando a periferia – a tendência é esse quadro se agravar. Desse modo, não tenha dúvida sociedade tocantinense, o preço a pagar pelo fechamento dessas 21 escolas (que agora é tido como uma economia) será muito alto num futuro breve.

Pedro Ferreira Nunes - é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.