Todos nós desenvolvemos hábitos ao longo de nossas vidas. Alguns recomendáveis, outros nem tanto. Os grandes filósofos não são diferentes. Mas se vamos pega-los como exemplos, fiquemos com os hábitos recomendáveis – aqueles que contribuíram para que pensassem melhor e produzissem o que produziram. Quem sabe, esses exemplos possam nos inspirar, para que tenhamos hábitos que nos ajude a pensar melhor. E estamos precisando, não é mesmo?!
Para começar, vamos para a Grécia antiga para aprender com Platão e Sócrates o hábito do DIÁLOGO. Jaime R. Hancock lembra que “Platão escreveu todas as suas obras na forma de diálogos. Neles, Sócrates colocou questões que introduziram dúvidas nos argumentos opostos, ajudando a descartar idéias até encontrar a verdade”. Mas qual a importância do diálogo? De acordo com Hancock “falar é uma técnica muito útil para esclarecer e testar novas idéias”. Citando William Isaacs (autor do Diálogo e da Arte do Pensamento Juntos e diretor do Projeto de Diálogo do MIT) ele afirma que para que o diálogo contribua no nosso processo de aprendizagem é necessário que suspendamos “nossos preconceitos e pontos de vista. Claro, você tem que ouvir, e não planejar o que vai dizer ou como vai virar a conversa. Também é importante fazer perguntas, mas não como trapaça, com o objetivo de explorar um tópico que ignoramos”.
Outro hábito que podemos aprender com os filósofos do período clássico, especificamente com Aristóteles é o do CAMINHAR. Hancock destaca que Aristóteles “fundou a chamada escola peripatética, que significa “itinerante”, já que o filósofo gostava de andar enquanto ensinava suas aulas”. Mas qual a importância do caminhar? Para Hancock “caminhar nos ajuda a pensar: a memória e a atenção melhoram depois de andar (e exercício) e quando andamos regularmente, novas conexões neuronais são criadas. Além disso, um estudo da Universidade de Stanford publicado em 2014 mostrou que dar um passeio ajuda a realizar tarefas que exigem criatividade”.
Outros filósofos também nos dão exemplo de bons hábitos, como por exemplo, ESCREVER – que é uma forma de refletir. Eu concordo totalmente, aliás, entre conversar e escrever, prefiro a segunda opção. Michael de Montaigne foi um desses que preferiam escrever. A esse respeito Hancock diz que quando Montaigne completou 38 anos, ele se retirou para o seu castelo e dedicou-se a escrever os seus ensaios desde então até á sua morte em 1592. “Montaigne era céptico quanto ao seu conhecimento e usou seus textos para tentar responder a pergunta: “O que eu sei?”Isto é, como Sócrates, mas substituindo o diálogo com outras pessoas pela conversa consigo mesmo graças à caneta e o papel”.
Bem, chegamos a um hábito que não poderia ficar de fora de forma alguma – o hábito da leitura. Eu particularmente cultivo esse hábito desde a minha infância, influenciado em grande medida pelo meu pai. Na filosofia entre muitos exemplos, Hancock trás o de Karl Popper. De acordo com ele “Popper falou em mais de uma ocasião sobre a biblioteca do seu avô, graças á qual ele gostava de LER”. Outro filósofo que lia bastante era Karl Marx. De acordo com Leandro Konder “Marx lia furiosamente e tomava notas a respeito dos livros lidos”. Hancock ressalta que “além dos benefícios e do prazer óbvio dessa atividade, há estudos que mostram que a leitura mantém o celebro em forma e aumenta a empatia”. Mas infelizmente na nossa cultura a leitura ainda não é um hábito para grande parte da população.
Outro hábito que podemos aprender com os filósofos é o de ficar um tempo Sozinho. Hancock afirma que “a SOLIDÃO nos permite desconectar mais facilmente e nos concentrar em nossos pensamentos. Também nos ajuda a controlar melhor o nosso tempo e a dedicar ao que realmente queremos: escrever, ler, descansar...”. Ele ressalta que “embora a cooperação e o diálogo sejam importantes, estar sozinho também é essencial para estimular a criatividade, pois ajuda a trabalhar sem interrupções e com liberdade, sem se sentir julgado”. Um dos filósofos que prezavam a solidão era Arthur Schopenhauer que era avesso a compromissos sociais. Nietzsche era outro solitário, além também de gostar de caminhar.
Hancock, no entanto, alerta para o fato de que não é “necessário se tornar um eremita (na verdade a solidão extrema pode ser prejudicial à saúde) você precisa saber como ficar sozinho e aproveitá-lo...”. Ele diz que “quando se trata de filosofia, devemos lembrar que nunca estamos realmente sozinhos, já que sempre conversamos com nós mesmos. Como escreveu Hannah Arendt, “na solidão surge sempre um diálogo, porque mesmo na solidão há sempre dois”.
Quando se fala em estabelecer uma ROTINA, outro hábito recomendável, se tratando de filosofia, não tem como não buscar o exemplo de Kant. Kant seguia uma rotina rígida. Hancock afirma que dizia-se de Kant que se podia acerta o relógio quando ele saía para a sua caminhada diária. Todo dia ele acordava às cinco da manhã e bebia um café ou dois. Depois de meditar enquanto fumava seu cachimbo, ele ensinava das 7 ás 11, depois do almoço, caminhava e conversava com seu amigo Joseph Green antes de voltar para casa. Kant era tão rígido quanto a sua rotina que ele ficava irritado com as interrupções e mudanças. Para Hancock “embora o caso de Kant seja exagerado, é importante ter um dia estruturado e um calendário para nossos projetos: o planejamento reduz o estresse, ajuda a definir objetivos e permite avaliar como nossas tarefas progridem. Organizar também nos permite reservar tempo para pensar sobre o nosso trabalho, uma atividade que é tão importante quanto trabalhar”.
Outro hábito a se destacar é o de TOMAR CAFÉ (e outros pequenos prazeres). Entre os filósofos que amavam tomar café destacamos Kierkegaard e Sartre. Hancock destaca que tomar café é uma boa idéia, pois “a cafeína aumenta os níveis de atenção e energia e ajuda tanto a memória de longo prazo quanto as funções cognitivas em geral, entre outros benefícios”. Além do café podemos nos permitir outros pequenos prazeres como o álcool. Sobre isso Hancock afirma que apesar do consumo de álcool ter “muito mais riscos do que a cafeína, seu consumo moderado também tem efeitos cognitivos positivos, especialmente para prevenir a deterioração do próprio envelhecimento”. Mas quando se fala em consumo de álcool, não está se falando de tomar uma garrafa inteira, mas uma dose.
Para finalizarmos acerca dos hábitos que ajudaram os grandes filósofos a pensar melhor, destacamos o de DESCANSAR. A esse respeito Hancock trás o exemplo de Freud que tirava três meses anuais de férias. Ele destaca que embora não possamos nos dar ao luxo de ficar tanto tempo assim de férias, é importante termos um tempo de descanso, pois “como publicado pela Scientific American, as férias aumentam a produtividade, melhoram nossa atenção e memória e também aumentam nossa criatividade. Quer seja semanas na montanha ou apenas uma soneca de meia hora, ser preguiçoso de vez em quando “é tão essencial para o cérebro quanto à vitamina D para o corpo”.
Bem os tempos que vivemos são outros – o alto desenvolvimento tecnológico dessa sociedade tem mudado completamente nossos hábitos. Daí que o que aparenta ser tão simples como dialogar, caminhar e ler se torna hábitos tão difíceis nos nossos dias. Sobretudo por que estamos tão condicionados a essa racionalidade tecnológica imperante na sociedade capitalista contemporânea, que não é fácil romper com ela. Mas é nesse contexto que aprender esses hábitos pode ser a saída para esse rompimento. A questão é se estamos dispostos a reaprender a aprender.
Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.