quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Relato de Experiência: Escrita como exercício de reflexão e criação

- Será que ninguém conseguiu? Observava um tanto encabulado as atividades devolvidas. O que teria acontecido? Não acredito que tenha sido falta de compreensão. Por outro lado, eu reconhecia que não era uma atividade fácil, exigia reflexão e criatividade por meio da escrita. No entanto era impossível que ninguém ao menos tivesse tentado – pensava comigo. Bem, a atividade consistia no seguinte: Os estudantes deveriam criar uma cena em torno da temática da Biossegurança.

A ideia da atividade me veio ao elaborar um Roteiro de Estudo do Componente Curricular de Arte para a 2° Serie do Ensino Médio. No roteiro o objeto do Conhecimento era o Teatro. A partir daí pensei que mais interessante de falar do Teatro era entender como se faz o Teatro. E nesse sentido um ponto de partida interessante seria a escrita. Levando em consideração que a escola estava discutindo com a comunidade escolar, através de um projeto, a questão da biossegurança. Decidi que esse seria um tema interessante para se pensar uma cena.

Por parte do estudante seria necessário sobretudo, criatividade. E como produto final algo que sensibiliza-se o público para o problema.

Quando eu já acretiva que nenhum estudante havia ousado fazer a atividade proposta, foi que me deparei com duas pérolas. Por um acaso, era as últimas a corrigir. Uma delas não era uma cena, mas praticamente uma peça curta. De todo modo a criatividade das duas estudantes me deixou sem palavras. E imediatamente entrei em contato com elas para parabeniza-las e incentivar a cultivar aquele talento. Também propus fazer uma revisão de um dos textos para publicar no Blog da Escola – o que foi feito (https://censprolaj.blogspot.com/2021/09/juntos-combatendo-leishmaniose.html)

Os dois trabalhos me empolgaram tanto que decidi trabalhar o mesmo exercício em outras turmas com temas diferentes. Nas primeiras séries a questão da Saúde Mental. E no 8° Ano do Ensino Fundamental a violência contra a mulher.  Nessas outras turmas busquei fazer com que compreendessem melhor o que eu queria. Inclusive apresentando alguns exemplos. No entanto não criei muita expectativa. Se eu conseguisse encontrar uma outra Dayelle ou Maria Clara já estava ótimo. 

Com essas turmas a metodologia que utilizei mostrou-se mais acertada – quase 100% dos estudantes tentaram criar uma cena teatral – ainda que algumas era recriação de cenas do cinema ou de seriados. Isso foi importante para que eu percebece que na experiência com a segunda série, o fato da maioria dos Estudantes não terem feito conforme pedi, foi consequência da metodologia que utilizei.

Entre as cenas escrita, uma de um estudante do 8° Ano me chamou atenção e fiz questão de lê-la em sala para mostrar o que eu queria que eles fizessem. A reação da turma após a leitura foi impagável. Fiz uma leitura dramática para que eles fossem arrebatados para dentro da cena. E um dos comentários que mostra que conseguimos foi: - Nossa, parece que eu tava vendo acontecer aqui na minha frente. Todos aplaudiram espontaneamente.

Fiquei pensando comigo o quanto seria rico produzir e representar algumas daquelas cenas. Eis ai algo a se pensar para uma próxima etapa. De todo modo,  só esse exercício já foi algo enriquecedor. O envolvimento deles, as discussões, as trocas de ideia, mostrou que foi uma estratégia pedagógica acertada.

Além da satisfação em proporcionar isso, também assumi, comigo mesmo, o compromisso de não deixar morrer essa força criadora e o talento para escrita que alguns demonstraram. Como? Incentivando e os ajudando a aprimora-lo.

Quanto à o objetivo inicial do plano de aula,  que era trabalhar o Teatro a partir de uma perspectiva prática. Creio ter alcançado. Sobretudo o Teatro a partir da compreensão do Augusto Boal – que salientava a importância dessa expressão artística na  busca pela cidadania plena. O que podemos perceber por exemplo em uma das suas frases célebres: “Atores somos todos nós, e cidadão não é quem vive em cidade: mas quem a transforma.”

Ao quebrar a barreira entre artista e platéia,  entre ator e espectador, o Teatro do oprimido proporciona a empatia, o diálogo e a cooperação. E é a partir daí  que podemos vislumbrar a transformação das relações opressiva e por conseguinte da Sociedade que sustenta essas relações de opressão. A partir de um exercício de escrita criativa, toda essa reflexão foi possível.

Por Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Junta Tribo - Pedal em Lajeado

Foto: Daniel Andrade 
Já se aproximava das 08h da manhã quando saímos da Praia do Segredo rumo ao Morro do Lual. 60 Km nos aguardava pela frente num dos lugares mais belos desse Estado. Eu não estava muito certo se conseguiria chegar ao final do percurso. Nem tanto por mim, mas pela minha bike que não é apropriada para esse tipo de pedal. Porém fiquei tranquilo ao saber que se algo acontecesse seríamos rebocado pelo carro de apoio (carinhosamente apelidado de cata osso).

A bike está presente no meu dia a dia como meio de transporte, sobretudo para ir ao serviço – as vezes utilizo para fazer cicloturismo. Já para atividade física prefiro a corrida. O que não é muito comum por aqui – onde utilizam a bike para fazer atividade física e no dia a dia o automóvel. Aliás é uma questão para ser estudada, como uma cidade tão pequena tem uma cultura do automóvel, tão forte. Eu até compreendo a utilidade do carro para resolver algo fora da cidade. Mas aqui no dia a dia? Vai entender.

Lá íamos nós – sem afobação, sem pressa de chegar. Aprendi na corrida que não podemos ficar pensando na chegada por que o risco de bater o desânimo é considerável. Devemos seguir um passo de cada vez e a partir daí a chegada será uma consequência. Nesse contexto a música é uma importante aliada – me relaxa e fortalece. E aquela paisagem pedia um Creedence. 

Pense numa paisagem bela. E vê-la de um ângulo novo é como se estivéssemos vendo pela primeira vez. Bem que o Joatan comentara numa conversa informal sobre quanta beleza tinha atrás da Serra. A gente mora aqui há tanto tempo, acha que conhece tudo, mas não tem noção das riquezas que essa Serra esconde.

Falando em Joatan, foi ele que me convenceu, juntamente com o Professor Raimundo, a participar daquele pedal (Junta Tribo) – um evento que já está na sua sexta edição. Mesmo sem nunca ter participado, eu sempre gostei do Junta Tribo. Por se tratar de um evento diferenciado. E eu acredito que Lajeado precisa desse tipo de evento que valoriza as suas riquezas naturais.

Joatan nos relatou que o evento começou pequeno, juntando alguns entusiastas do ciclismo de Lajeado, Tocantinia e Miracema. Aliás,  é daí que vem o nome junta tribo, pois a ideia era juntar as tribos do pedal dessas três cidades. Hoje o evento já ultrapassou as barreiras do Tocantins atraindo ciclistas de outros Estados. E a tendência é atrair cada vez mais gente. Por que o lugar é encantador. E a organização do evento, com o apoio de parceiros, faz um trabalho muito competente.

“Chupa essa”. A plaquinha carinhosa anunciava que não vinha coisa boa pela frente. Pense numa subida!!! E não era a pior. O que iríamos descobrir logo mais ao nos deparar com outra plaquinha escrita “chupa mais essa”. Essas duas subidas foi o momento de separar as crianças dos adultos. Antes uma parada para tomar uma água. Então, segui deixando uma galera para trás.

Chegamos no topo do Morro do Lual. Agora tínhamos pela frente um trecho um tanto tranquilo em relação ao que havíamos acabado de encarar. Aproveitei para voar embalado pelo CPM22. No entanto a empolgação durou pouco. Algumas decidas exigia cuidado, e agora qualquer subida, por menor que fosse, era um obstáculo enorme diante das forças reduzidas. O momento pedia Sepultura,  e assim avançamos. 

De repente cheguei num trecho que não me era desconhecido. Mas pensei comigo: - Não pode ser. A gente entrou por lá, não tem como sair por aqui. Mais adiante o Professor Raimundo, que estava num ponto de apoio, me informou ao questiona-lo onde estávamos: - logo ali na frente é o Morro do Leão. Fiquei surpreso e sem entender como tinha chegado ali. Mas tinha chegado e isso significava que não estava muito longe do destino final. Isso me deu até animo para dá uma acelerada. Nem parei no último ponto de apoio. Peguei um copo d'água e segui embalado pelos Engenheiros do Havaí: “O céu é só uma promessa. Eu tenho pressa, vamos nessa direção...”

Foto: Daniel Andrade 
Era umas 12h e pouco quando cheguei na Praia do Segredo, finalizando o percurso de 60 KM (que, na minha opinião, equivale uns 200 num trecho normal). Muito cansado, mas um cansaço insignificante diante da satisfação de ter conseguido completar o percurso. Contente também com minha bike que havia resistido bravamente – apenas  tive que parar para colocar a corrente que caiu duas vezes. E regular a sela. No mais foi só comemorar tomando merecidamente algumas cervejas.


Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz Latino Americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock n roll.

sábado, 30 de outubro de 2021

E quanto a nós?!

Quando o Governador Mauro Carlesse  (PSL) já falava da possibilidade de concorrer a um novo mandato de Governador do Tocantins em 2022, fomos surpreendidos com o seu afastamento, pela Justiça Federal, acusado de corrupção juntamente com alguns dos seus principais auxiliares. Com isso as peças do tabuleiro se moveram mostrando que em se falando em política no Tocantins, nada é certo. Algumas peças praticamente descartadas voltaram ao jogo com uma força considerável, é o caso do Governador em Exercício – Wanderlei Barbosa.

E ai conservadores e liberais?

Carlesse era um dos Governadores mais alianhados ao Governo Bolsonaro. Inclusive foi usado por este na polêmica sobre os repasses da União aos Estados para o combate á COVID-19. Em vários embates entre Bolsonaro e os Governadores, Carlesse era um dos poucos que não acompanhava os demais nas críticas ao Governo Federal. Agora, é mais um político, próximo do Senhor Presidente, suspeito de corrupção.

Apatia 

Não se viu uma grande comoção da sociedade cívil tocantinense, nem mesmo nas redes sociais, com o afastamento do Governador Mauro Carlesse  (PSL) pela Justiça Federal, por suspeita de corrupção. Se fosse em outro Estado, viriamos manifestações populares pedindo a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa para encaminhar o seu impeachment. Além de gritos de cadeia para os corruptos.

Oportunismo

Se a população no geral mostrou uma certa apatia, algumas lideranças políticas não perderam tempo. Como bom oportunistas aproveitaram a ocasião para se promoverem com vistas às eleições vindouras. Mauro Carlesse – Governava praticamente sem oposição. É só vê a sua base de apoio na Assembleia Legislativa e a facilidade que ele tinha para Governar – conseguindo aprovar tudo o que queria. Alguns desses que se dizem oposição, é na verdade uma oposição oportunista, pois não demonstra uma preocupação com o Tocantins, mas com seus projetos de poder.

Descartável 

Outro aspecto interessante desse processo foi como do dia para noite Carlesse foi descartado. Isso reforça a questão do oportunismo – Você só me é útil quando pode me dar algo. Agora que você foi aleijado da caneta do executivo estadual não tem mais por que está ao seu lado. Se caso conseguir reverter a situação voltamos a conversar. Essa questão vale inclusive para a relação com o Bolsonaro.

Ascensão e Queda

Eis aí a dinâmica política no Tocantins. Quando se ascende politicamente terá tudo a seus pés. Mas quando cair prepara-te para a solidão política. O que Carlesse está passando agora já foi passado por muitos, que o diga Siqueira, Miranda, Amastha e tantos outros. Alguns até conseguem voltar a ascender novamente, mas não se iludam, pois a queda lhes espera.

A apatia mais uma vez

É por essa dinâmica que a maioria da população se torna apática diante da política. Essa apatia é inclusive uma arma de defesa. Como sabem que aquele que caiu pode voltar a ascender. O melhor é não se envolver para não correr o risco de ser perseguido futuramente. É lastimável, por que é isso que contribui para que não aja uma ruptura com a ordem dominante. 

O que esperar do Governo Wanderlei Barbosa?

Farei o contrário.  Direi o que não esperar do Governo Wanderlei Barbosa. Não espere um governo diferente do que ai estava. Pois se trata de uma gestão de continuidade. Nomear um novo secretariado não significa mudar o projeto de Governo pelo qual ele foi eleito. Óbvio, agora é ele quem dá as cartas, ao contrário de quando era apenas o vice. E dando as cartas deve trabalhar para se efetivar na cadeira de Governador.

E quanto a nós?

Como bom espectadores que nos tornamos. Só nos resta aguardar os próximos capítulos para vê o que acontecerá. Pois uma coisa é certo. Nada é certo se tratando de política tocantinense. Como diz Fauzi Beydoun, em uma das suas composições, “quem perde poderá ganhar, quem ganha poderá perder. Quem sofre poderá gozar, quem goza poderá sofrer”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Filosofia e Projeto de Vida – promover o multiculturalismo, ensinar valores e combater a violência

Por que a Filosofia para crianças deve fazer parte do currículo do Século XXI? Para promover o multiculturalismo, ensinar valores e combater a violência. É o que propõe David Sumiacher – Licenciado em Filosofia, Mestre e  Doutor  em Pedagogia pela Universidade Autónoma do México  (UNAM). Como isso é possível? É o que veremos nas linhas a seguir.

David Sumeacher (2020) começa por lembrar que desde a cultura clássica Grega a Filosofia é ensinada aos jovens. Sócrates, um dos seus grandes representantes é um bom exemplo disso. Aliás, quando foi condenado a morte, entre as acusações que pesava sobre seu ombro era o de corromper os jovens. Diante disso pode se dizer que para parte da cultura grega, o filosofar com crianças e jovens não era algo estranho. Para Sumeacher (2020) isso não é exclusivo da cultura ocidental. No Oriente há casos documentados de crianças e jovens que estudavam e exercitavam práticas filosóficas em monastérios budistas. 

No contexto atual a Escola tornou-se sobretudo um espaço voltado para formar cidadãos. Diante disso Sumeacher (2020) questiona por que não há de ter Filosofia nessas escolas? Não seguimos necessitando disso? Desse modo, por que a Filosofia não é parte do currículo da Educação Básica? É então que o nosso autor propõem três argumentos para defender a Filosofia na Educação Básica: “Uno de ellos es el multiculturalismo, otro el enseñar valores a partir de interacciones y no meras enunciaciones y el tercero es el combate contra la violencia”. Vejamos cada um deles. 

O Multiculturalismo 

Com um nivel elevado de diversidade nas nossas sociedades o multiculturalismo torna-se um tema atual e necessário. É o que nos diz Sumeacher (2020) que também salienta que as crianças de hoje escolhe seu caminho.  Desse modo há que se questionar: De que maneira formaram um critério para eleger entre tantas possibilidades? Será que poderam eleger? No meio dessa diversidade a Filosofia pode dar uma contribuição importante. Sobretudo ao colocar a criança como protagonista do processo de construção da sua identidade. Buscando relacionar com a valorização da diversidade. 

Educar nos Princípios Básicos e nos Valores Universais

Não é nenhuma novidade falar do papel da Educação na formação de uma consciência cidadã através do Ensino de princípios básicos e valores universais. Sobretudo o respeito, o compartilhamento, a cooperação e o diálogo. No entanto há uma grande contradição. O Professor que ensina a esculta, não escuta. Ensina a compartilhar e a cooperar, porém não compartilha e nem coopera. O ensino desses valores não tem sentido. É preciso que isso reflita na prática de ambos, tanto dos professores como dos estudantes. É por isso que para Sumeacher (2020) a forma de trabalhar com perguntas e diálogo fica empobrecida. Sobretudo por que as perguntas esperam respostas predefinidas ou que leva ao que o Professor considera que são esses valores, sem que realmente saiba a origem das ideias que busca ensinar. 

Nosso autor ressalta  (2020) “la educación que solo guía pero no enseña a “guiarse a sí mismo” tiene en general la mítica creencia de que el otro en algún momento lo hará, que tomará la iniciativa para sí, pero esto es una idea completamente falsa”. Ele continua: “La filosofía para niños no es solamente un conjunto de temas, conceptos o valores a ser presentados, también es una variedad de enfoques metodológicos o perspectivas educativas de trabajo en donde el Otro, el niño, tiene un lugar fundamental”. E concluí esse tópico falando como a incoerência castra o pensamento autônomo: “hablar de una cosa, pero hacer lo contrario, es una de las mejores formas para generar una negación en la aceptación de aquello que se está diciendo o invitando a pensar”. Desse modo, ensinar valores deve se partir de interações concretas, relações baseadas no respeito, no compartilhamento, na cooperação e no diálogo. 

Combater a Violência 

Para David Sumeache (2020) a violência através de uma retroalimentação de si mesma, opera como um mecanismo reativo de defesa diante de uma realidade que se apresenta inóspita. Diante disso nosso autor questiona: De que maneira faremos mais hospitaleira a realidade que os meninos vivem? Como buscaremos modificar as relações baseadas na agressão e no maltrato?

Um ponto importante nesse sentido é a necessidade da sociedade criar sólidos mecanismos de reconfiguração dos vínculos, de consideração e valorização, assim como de uma escuta ativa.

Mas como a Filosofia para criança pode contribuir para diminuir a violência? Questiona nosso autor, que responde: “Principalmente porque nos ayuda a recrear nuestros vínculos tocando temas de interés bajo un contexto de cuidado del outro”. Isto é, trabalhando o autoconhecimento e o auto cuidado mas sem esquecer do cuidado com o outro, isto é, o aprender a conviver – estabelecer vínculos – valorizar a vida e do outro de maneira prática e metodológica. 

Para David Sumeacher (2020) “introducir este tipo de acción y compromiso en la educación básica, implica una formación integral de los docentes, requiere acercarse a sus procedimientos y no sólo a sus conocimientos”. É por ai que se combate a violência de maneira efetiva. Conclui o nosso autor, salientando para seguinte questão: La filosofía para niños no es algo ‘extraño’ que queramos introducir hoy en nuestras sociedades, realmente lo extraño es no tener un espacio filosófico de formación que permita a los ciudadanos ser constructores de su identidad y definir proyectos de vida que beneficien a nuestra comunidad, a nuestro país y a nosotros mismos.

Na sua conclusão aparece o termo Projeto de Vida. De acordo com esse autor para a criança e o jovem ter condição de definir um projeto de vida que beneficie não apenas a si, mas que também pense na comunidade, é necessário uma formação filosófica que no mínimo promova o multiculturalismo, ensina valores e combata a violência. 

Creio que essa reflexão é fundamental para pensarmos como trabalhar o Componente Curricular de Projeto de Vida, sobretudo no Ensino Fundamental – que só tem sentido se trabalhado numa perspectiva de Filosofia para crianças. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Circo de Caixeiras em Lajeado – uma experiência estética marcante

Era um domingo a tarde em Lajeado. A chuva resolveu dar o ar da graça – algo maravilhoso sobretudo por essas bandas onde existe uma lenda sobre o fato de não chover muito como nas cidades vizinhas. Mas logo naquele dia onde ocorreria a última etapa do Projeto Cultural Circo de Caixeiras da Trupe-Açu? Cheguei a pensar que não aconteceria. Mas não é que a chuva passou e propiciou um clima ainda mais gostoso para que a Trupe fizesse a alegria da criançada?!

As pessoas que estavam circulando, naquele domingo á tarde, na Praça das Crianças, em Lajeado. Olhavam á distancia, com um olhar desconfiado, a  aquela trupe. Já as crianças, naturalmente curiosas, não só olharam, logo se aproximaram e foram convidadas a assistir os espetáculos. E assim o receio inicial diante do diferente, foi desaparecendo a medida que uma criança saía deslumbrada falando para as demais da experiência que tivera. O resultado foi uma maratona que exigiu da Trupe muita disposição. 

As crianças, estavam tendo a oportunidade de ter uma experiência estética que não é muito comum no interior tocantinense – carente de eventos culturais mais diversificado, sobretudo na área das Artes Cênicas. E ai está um dos méritos desse Projeto contemplado com recursos estaduais da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Além do Lajeado, que foi escolhido para ser o lugar de encerramento do Projeto. A Trupe também esteve em Taquarussu (Palmas), Porto Nacional e Paraíso.

Utilizando o Teatro Lambe Lambe, o Circo de Caixeiras consistia na apresentação de três

micro espetáculos (“Camarim da Pulga”, “Tá tudo Kombinado” e “Rua do Soleil”) contados por Giovana Kurovski, Ester Monteiro e Belyza Bittencourt. Cada espetáculo,  me disse Giovana, eram inspirados na vida delas como artistas circenses – três estórias diferentes, mas que se cruzam no amor pela arte de fazer rir. Seja numa Kombi ou na Rua.

No olhar de encantamento da criançada naquela tarde em Lajeado podíamos sentir o impacto daquela experiência. Elas circulavam entre uma caixa e outra comentando entre si qual espetáculo mais haviam gostado e qual havia sido o mais divertido. Foi interessante notar que para alguns o mais divertido, não foi necessariamente o que mais gostaram. Alguns assistiam o espetáculo até mais de uma vez. E Giovana com todo o seu jeitinho calmo perguntava: - Você quer assistir de novo por que gostou muito ou por que não entendeu a estória?

Alguns olhavam curiosos para aquela engenharia jurando que dava conta de fazer: - É só pegar uma caixa de papelão. Você vai ver. Vou fazer uma para mim. E aparentemente parece ser fácil. Mas não é tão fácil assim. Requer muito profissionalismo para que o simples consiga ti transportar para outra realidade, tal como fez a Trupe.

Muitas daquelas crianças nunca tiveram a oportunidade de ir ao Teatro. E talvez, já mais terão. Mas naquela tarde, por alguns instantes, era como se eles tivessem no Teatro. Como disse Ester – é uma experiência que muitos deles já mais vão esquecer. Foi desse comentário que me veio a ideia de experiência estética marcante.

De acordo com Erikson Rodrigues do Espírito Santo (2019) “a partir do momento em que o ser humano se encontra maravilhado com a totalidade do percebido por conta do seu estado estético diante de uma obra de arte, sua percepção deixa de ser utilitária e passa a ser estética, nesse instante acontece a experiência estética.”

Me emocionei assistindo os três espetáculos, mas me emocionei mais ainda ao ver a alegria no olhar das crianças. E ali percebi a importância de propiciarmos experiências estéticas para elas. Nós que trabalhamos com o Componente Curricular de Arte na Educação Básica, sobretudo no interior. Sabemos o quanto isso é difícil. Por isso projetos como o da Trupe-Açu são bem-vindos. Esperamos que isso possa se repetir mais vezes na nossa cidade. Para tanto o apoio do poder público é fundamental. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Resenha: Documentário sobre o Parque Aquícola Miracema-Lajeado

Você sabe o que é um Parque Aquícola? Sabe que esse projeto tem sido uma alternativa importante para geração de renda a partir de uma relação sustentável com o Meio Ambiente? Se a resposta é não, que tal então conhecer a experiência do Projeto Parque Aquícola Miracema-Lajeado por meio do documentário produzido pelo Projeto Educação Ambiental e Biossegurança, do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência?!

Divididos em duas partes, o documentário mostra a partir da ótica de uma das famílias pioneira do Projeto, a história e os desafios enfrentados ao longo de 7 anos. Entre os desafios está a busca por mais apoio do poder público e acesso a crédito para que possam investir e desenvolver ainda mais a cadeia produtiva de pescado em tanque rede. Mesmo com as limitações, a força coletiva do Projeto tem conseguido superar os desafios e garantir renda e melhor qualidade de vida as familias que ali vivem.

Apesar de produzido de forma amadora, sem grandes recursos técnico, o documentário consegue nos levar para dentro do projeto mostrando a sua dinâmica a partir da fala daqueles que o constrói. Com isso evidência uma realidade pouco conhecida da comunidade local.

Aí está um dos méritos não só do documentário como também do Projeto Educação Ambiental e Biossegurança do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência – a valorização da sabedoria popular e mostrar que é possível uma relação responsável com o Meio Ambiente.

Nesse sentido um ponto importante ressaltado é a diferença entre a Criação de Peixe em tanque rede e a Pesca Artesanal. Enquanto na primeira, com planejamento e organização, você tem uma produção garantida de pescado. Na segunda é preciso contar com a sorte, além da necessidade do respeito ao ciclo da natureza, algo que nem todo mundo faz, e acaba pescando em períodos que não deveria pescar (como a época de reprodução dos peixes, popularmente conhecida como Piracema). Sem falar na pesca predatória com redes e tarrafas, que certamente é um dos fatores que contribui para o aumento da escassez de Peixe no Rio Tocantins (Um dos fatores pois não podemos nos esquecer dos impactos gerados pela construção de UHEs).

O fator econômico não pode deixar de ser ressaltado. Além de fonte de sobrevivência para famílias que vivem da criação de Peixe em tanque rede no Parque Aquícola Miracema-Lajeado, há um potencial de movimentação de toda uma cadeia de serviço, gerando emprego e renda. Já o consumidor tem a garantia de ter na sua mesa um produto com origem. O que em tempos de consumo consciente (pelo menos no discurso) é um fator primordial.

Dito isso é importante salientar o que diz Maria Lúcia de Arruda Aranha sobre o consumo. De acordo com essa autora (2003) “O consumo consciente supõe, mesmo diante de influências externas, que a pessoa mantenha a possibilidade de escolha autônoma”. Outro ponto importante do consumo consciente, de acordo com nossa autora, é que ele “nunca é um fim em si, mas sempre um meio para outra coisa qualquer”. Isto é, mesmo com a propaganda, optamos por consumir determinado produto pois acreditamos que isso contribuirá para determinado fim. No caso do peixe criado em tanque rede, a proteção ao meio ambiente ao não fortalecer práticas predatórias.

Enfim, o documentário é uma oportunidade para quem não conhece o Projeto Parque Aquícola Miracema-Lajeado conhecê-lo. A lente da Câmara nos pega na mão e nos leva para dentro da realidade vivida por Geandro e família. Em meio a uma paisagem exuberante, você entenderá por que mesmo em meio a adversidades, eles falam com tanto amor e entusiasmo do Projeto. Afinal de contas, lembrando da fala da jovem Gislaine,  fazer o que se gosta, num lugar desses, tendo a liberdade de ir e vir, não tem preço.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


Parte 01


Parte Final



domingo, 10 de outubro de 2021

Conto: A última cerveja da noite

Quando ela o viu chegar, teve certeza que o conhecia de algum lugar. Estava um pouco mudado – o cabelo e a barba um pouco grande. Mas aquele olhar e aquele sorriso eram inconfundíveis. Pensou em ir até ele e cumprimenta-ló, mas não tinha tanta intimidade assim. O fez a distância com um gesto de cabeça e um sorriso. Ele também retribuiu o gesto, mas apenas por educação já que não sabia de quem se tratava.

Ele tentou buscar na memória quem seria aquela menina – de onde a conhecia. Mas não conseguiu se recordar. Apenas sabia que ela o conhecia pois se não não o teria cumprimentado daquela forma. Isso as vezes acontecia e ele se lamentava por não conseguir retribuir de forma afetuosa o carinho que recebia. Ir até ela e perguntar quem ela era, seria pior, pois poderia magoa-lá ao demostrar que ele não se recordava dela. Decidiu então deixar para lá e aproveitar a noite com os amigos.

A noite estava animada. Muita gente jovem curtindo, tomando cerveja e dançando ao som de músicas descartáveis. Não era o ambiente e nem o som que ele gostava, mas não tinha alternativa. Ela também preferia outra vibe, mas sabia que por ali era isso ou isso mesmo – eis a realidade de quem vive no interior e não tem muitas opções culturais para relachar nos finais de semana. Ela sabia bem disso, ele mais ainda, já que nascera e crescera no interior.

Só em tê-lo encontrado por ali – coisa muito rara – era um sinal que aquela seria uma noite especial. Melhor ainda seria ter a oportunidade de falar com ele, dizer o quanto o admirava. Ela que se encantou por ele quando o conheceu – um sujeito simples e muito atencioso – não podia imaginar que se tratava de um escritor. Só depois daquele encontro, navegando pela internet, foi que ela descobriu uns escritos dele e se tornou mais do que uma admiradora, uma fã.

- Sabe aquele cara ali... Dizia ela para as amigas – ele é incrível. Por que não vai até lá? Por que não fala com ele? Questionavam as amigas. – Não, não. Não tenho coragem. Dizia ela. – Não seja covarde. – Não é covardia. É respeito. Ele está aqui curtindo com os amigos, não vou importuna-ló. Até por que acho que ele nem se lembra de mim. – Refresca a memória dele então. 

Ele não comentou nada com os amigos mas vez e outra não deixava de olhar para ela dançando com as amigas. – De onde eu conheço essa menina? Ela não me é estranha. Pelo estilo ela não é daqui. E se nos conhecemos também não é desse lugar pois quase nunca venho aqui. Pensava ele consigo enquanto tomava mais uma cerveja.

E enquanto ele num canto e ela noutro não tomava uma atitude – a noite ia passando. O movimento começou a diminuir com as pessoas partindo para suas casas e logo tudo se encerraria. Foi então que surgiu um amigo em comum dos dois que decidiu junta-los – sem saber que eles se conheciam de outros verões, sem saber que era tudo que ela queria desde que o viu ali. Ele por sua vez, agora saberia de onde a conhecia, e se não a conhecia, iria conhece-lá. 

- Então. Essa é a minha amiga Ana. E esse é o meu brother...

- Não fala. Eu sei o nome dele. Nos conhecemos naquele rolê quando escalamos as serras gerais, mais um grupo de amigos. É John o seu nome, né?!

- Isso mesmo. Nossa é você!!! Eu não ti reconheci.

- Já eu assim que ti vi não tive dúvidas. Sou muito boa para guardar na memória a fisionomia das pessoas.

Ele não podia dizer a mesma coisa. O que era estranho para um escritor. Talvez ai esteja uma explicação para o fato de não haver muitas descrições dos seus personagens nas estórias que escrevia. Diante dele ela parecia mais frágil do que aquela menina que subiu as serras gerais. O penteado do cabelo estava diferente e estava usando óculos. Mas era ela, a voz e o sorriso eram inconfundíveis. 

Desde que escalaram as serras gerais nunca mais haviam se visto. Fazia o que? Um, dois anos? Ele já não se recordava, mas lembra que tiveram uma sintonia bacana naquela aventura. Ele quis saber o que ela andara fazendo nesse tempo todo. Ela falou da descoberta que fizera sobre ele ser um escritor. O elogiou pelas estórias que escrevia e confessou que essas estórias fizeram ela se apaixonar mais ainda pela aquela região. 

Ele recebeu timidamente os elogios e até com uma certa vergonha. Aliás era assim que sempre ficava quando alguém o elogiava pelo que escrevia. Ele não acreditava que as pessoas lessem o que ele escrevia e gostasse. Falou para ela que poderia ser melhor. Se fosse reescrever hoje faria diferente. Ela disse que o dele é muito melhor do que as outras coisas que existe sobre aquela região. Ai ele ficou mais tímido ainda do que era. 

Enquanto eles conversavam animadamente como velhos amigos que há muito tempo não se viam, uma torcida se formou próximo deles incentivando para que eles se beijassem. Afinal de contas foram unidos ali para isso e não para bater papo. – Estão querendo que a gente se beije. Comentou ele sorrindo. – Beija-ló? Por que não? Pensou ela. – Mas será que ele quer me beijar? Se quisesse teria feito. Mas beijar só por beijar, só por pressão dos amigos, não. Ele era muito especial para que um encontro terminasse num beijo um tanto forçado. Quem sabe num outro dia, num outro lugar, noutra vibe?! Onde o beijo não fosse apenas um beijo. Mas uma manifestação do amor.

Eles então se despediram prometendo manter contato. Enquanto os amigos, observavam decepcionados, o beijo não dado. Eles no entanto não se importavam. Guardaram o beijo para o momento adequado. E se esse momento nunca chegasse? – Paciência. É a vida camaradas. Dizia ele sorrindo e tomando a última cerveja da noite.

Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular.