quinta-feira, 10 de março de 2022

O conto “a morte da porta-estandarte” e a violência contra a mulher


Numa noite de Carnaval um homem colérico de ciúmes assassina a sua namorada – uma jovem porta-estandarte, ainda na flor da idade. Esse é o enredo do conto “a morte da porta-estandarte” (1967) do escritor Aníbal Machado. “Que maldade matarem uma moça assim, num dia de alegria! Será possível?... Questiona uma personagem. Enquanto outra responde: - “Mas mataram, sim senhora, garanto que mataram!...”. E continuam matando, seja na rua, numa noite de carnaval, indo para faculdade, no trabalho, em casa, pois a violência contra a mulher é um problema que persiste na nossa sociedade. Como se explica essa violência? Como combate-la? São questões que pretendemos responder nessas breves linhas. 

Não precisaríamos ir na ficção para exemplificar casos de violência contra a mulher. É só abrir o noticiário que temos diariamente um leque de opções. Na maioria das vezes, tal como no conto do Aníbal Machado, o agressor é alguém do seio familiar. Mas ao contrário de uma notícia fria, no conto somos levado para dentro da estória. Vemos o agressor ser tomado pelo ciúmes, sentimos a aflição das mães ao imaginar que a vítima pode ser sua filha. E aí temos um aspecto importante – quantas mulheres submetidas a relacionamentos abusivos. O que nos leva a afirmar, se tratar de uma cultura – o patriarcalismo – uma cultura que prega a submissão da mulher. 

No conto, o agressor, como se fosse proprietário da namorada, proíbe-a de sair para desfilar. O que aparentemente pode parecer amor, é na verdade um comportamento patológico que vê no outro um objeto que deve satisfazer as suas vontades. Quando esse desejo é contrariado apela-se para violência – essa violência é muitas vezes justificada pela cultura patriarcal. 

Cultura Patriarcal

Ao longo da história foi se construindo uma visão de inferioridade da Mulher em relação ao homem. Essa visão foi inclusive justificada filosoficamente por pensadores como Aristóteles, Rousseau e Nietzsche. Como reflexo desse processo temos uma naturalização da desigualdade entre homem e a mulher. Enquanto o primeiro é tido como sujeito, a segunda é vista como um objeto. Justifica-se a partir daí a violência – que se torna estrutural sobretudo pela cultura, religião e educação (Lira, 2014). 

Nesse sentido ressaltamos a importante contribuição de Simone de Beavouir sobre a condição da mulher na sociedade. Sobretudo no que se refere ao papel da cultura. Nesse sentido Lima (2018), sobre o pensamento de Beavouir, destaca que “a diferença entre homens e mulheres não está diretamente conectada às questões biológicas, ou seja, a opressão e a exploração das mulheres estão associadas à história, às várias épocas de submissão feminina e a vontade dos homens de tomar o poder”.

Desse modo quando a nossa filósofa afirma que “não se nasce mulher, se torna mulher”. Ela não está negando as diferenças biológicas, mas sim ressaltando que a submissão da mulher pelo homem é uma construção histórica. Para mudar esse paradigma a união das mulheres é fundamental. É por essa contribuição que Beavouir tornou-se uma referência para o movimento feminista – que caminha no sentido da luta pelos direitos das mulheres. 

Muito se avançou na conquista de direitos e na ocupação de espaço na vida pública pelas mulheres. No entanto a violência e a desigualdade persiste. E persiste por que há uma forte resistência fundada num discurso moralista que naturaliza a violência contra a mulher. Voltando ao conto, certamente teriam aqueles que diriam: - Mas também ela desobedeceu o namorado. O que uma moça queria indo se “exibir” nesses trajes num bloco de carnaval?! É o típico discurso que vemos no dia a dia – que busca culpar a vítima ao invés do agressor. Temos aí um discurso moralista.

Nesse sentido é importante lembrar a crítica ao moralismo burguês feito por Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista”. De acordo com nossos autores  (2008) a mulher é vista pela burguesia “como um mero instrumento de produção”. E nas suas relações íntimas a infidelidade é naturalizada. Óbvio, desde que seja por parte do homem. Podemos ver isso no conto “a morte da porta-estandarte” no trecho: - “por que não se incorporou ao seu bloco? É por que não está dançando? Há pouco passou uma morena que o puxou pelo braço, convidando-o? Era a rapariga do momento, devia tê-la seguido...”.

Enfim, a partir do conto “a morte da porta-estandarte” e das reflexões que trouxemos creio termos conseguido responder como se explica a violência contra a mulher – isto é, a partir de uma cultura patriarcal que vê a mulher como inferior ao homem, como um objeto. Em relação ao combate a essa violência acreditamos que a educação tem um papel primordial. Mas uma educação que rompa com a lógica dominante. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.

sábado, 5 de março de 2022

Poema: Três doses



Três doses 

A primeira desse queimando.

A segunda e a terceira,

não é diferente.

Pronto,

agora é deitar e dormir,

enquanto o som do Motorhead, 

ecoa nos meus ouvidos.

Por Pedro Ferreira Nunes - um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 


 

terça-feira, 1 de março de 2022

Redes Sociais e Comportamento de Massa: Quando aprenderemos?

Tornou-se bastante popular uma fala do Filósofo e Escritor Italiano Umberto Eco sobre a internet ter dado voz a uma legião de imbecis. Quem navega por esse mundo não pode dizer o contrário. Mas eu diria que o pior não foi a internet ter dado voz aos imbecis, mas o eco que nós damos a essas vozes. 

Exemplos nesse sentido não nos falta. Talvez o maior deles seja a figura medíocre que chegou a presidência da República – que por sua vez teve como mestre o não menos medíocre – Olavo de Carvalho. A partir daí se percebeu que é mais fácil ganhar os holofotes criando factoides do que um argumento inteligente. A receita é sempre a mesma. Pega um alvo popular e ataque-o gratuitamente. Logo aqueles que tem esse alvo como referência viram em sua defesa. E com isso ajudam a ecoar discursos de figuras medíocres que deveriam ser ignoradas.

Isso tem acontecido sobretudo no campo das Artes. Um artista medíocre, ressentido por nunca ter feito um grande sucesso começa a atacar nomes de artistas mais populares. Logo a reação é imediata como vimos recentemente no caso envolvendo o nome do icônico Raul Seixas. E assim quando você acessa as redes sociais e canais de notícias não se repercute outra coisa. 

Se se analisasse racionalmente o caso, se chegaria a conclusão de que determinadas declarações não merecem ser repercutidas e muito menos respondidas. Porém pela relação de fã, o que se vê é um comportamento passional. Essa passionalidade não os deixa ver que é justamente essa reação que “o agressor” espera. É como numa cena de um dos filmes da franquia Piratas do Caribe. Comodoro Norrington (personagem de Jack Davenport) diz a Jack Sparrow (personagem de Johnny Deep): - Você sem dúvida é o pior pirata de quem já ouvi falar. E este responde: - Mas ouviu falar de mim.

Quanto mais se fala de algo ou alguém, maior é o alcance. Mesmo que a maioria das falas não sejam favoráveis, não importa. O importa é que estão falando, estão dando audiência, estão repercutindo. Afinal de contas estamos falando da Sociedade do Espetáculo, e na Sociedade do Espetáculo tudo é aparência. Como destacou o Filósofo Guy Debord. O problema é que quando vivemos de aparência estamos negando a vida. Estamos deixando de viver. Temos cada vez menos compreensão da nossa própria existência e dos nossos próprios desejos. É em suma, a alienação tornando-se algo concreto, diz Debord.

Nesse sentido, quando nos deixamos levar por essa lógica, acabamos contribuindo para que a alienação se perpetue. Aliás, nos comportamos inclusive como alienados quando tomamos parte no espetáculo. No final das contas estamos sendo usados e achando que estamos combatendo “o lado negro da força”.

Há nas redes sociais uma espécie de pressão para que você reproduza o comportamento dos demais. Se todo mundo está postando, você também tem que postar: o alvo da vez, a polêmica da vez, a catástrofe da vez. Estamos reproduzindo nas redes um comportamento de massa. No seu “Psicologia das massas e análise do Eu”, Freud (1927), a partir de Le Bon, nos traça um perfil do que é a massa:

  • É impulsiva, volúvel e excitáve
  • É guiada pelo inconsciente;
  • Os impulsos a que obedece podem ser, conforme as circunstâncias, nobres ou cruéis, heróicos ou covardes;
  • Nada nela é premeditado. Embora deseje as coisas apaixonadamente, nunca o faz por muito tempo, é incapaz de uma vontade persistente;
  • É extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não existe para ela;
  • Os sentimentos são sempre muito simples e muito exaltados;
  • Vai prontamente a extremos;
  • A suspeita exteriorizada se transforma de imediato em certeza indiscutível, um germe de antipatia se torna um ódio selvagem.

Há outras, mas creio que as características acima são suficientes para evidenciar o que dissemos acerca do nosso comportamento nas redes sociais. Sobretudo diante de episódios que mexe com a paixão dos indivíduos. Atacar um ídolo é atacar a sua massa de fãs – é atrair contra si o ódio da massa. Aparentemente pode ser ruim, mas por outro lado se consegue a atenção que se quer. É por isso que cada vez mais se utiliza essa estratégia. E a falta de crítica da nossa parte alimenta esse movimento.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Resenha - COVID: Reflexão com o diabo

 “Esta estrada acaba num abismo,

Mas pelo visto nós vamos todos cair com orgulho e cinismo...”

Matanza


Quais as lições podemos aprender com a pandemia de COVID-19? Eis a questão que perpassa a obra organizada pelo Escritor Antônio César Martins Lopes – COVID: Reflexão com  o diabo (Kelps, 2021). Os escritos nos remete a um contexto já superado em grande medida. No entanto, nos trás importantes questionamentos que nos ajuda a pensar não só o contexto pandêmico, mas as perspectivas futuras.

Antônio César Martins Lopes além de se dedicar a escrita, é Professor, Filósofo, Mestre em Serviço Social e Doutor em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás  (PUC-GO). Sem medo da polêmica (começando já no título da obra) e provocador, o nosso autor, juntamente com os demais que compõem essa coletânea (salvo exceções), dão um grito de alerta para que não sigamos rumo ao abismo que nos espreita. 

Alguns usam um estilo acadêmico, outros a poesia. É uma obra diversa, onde encontramos de relatos pessoais a artigos científicos. É diverso também os olhares, tem gente do Jornalismo, do Serviço Social, da História, do Direito, da Psicologia, das Artes. E o que une esses olhares diversos? A esperança. Isso mesmo, mesmo diante de um contexto onde tudo nos leva ao pessimismo (E não só por causa da pandemia, como também pelo Desgoverno Bolsonaro), nos é dado motivos para acreditar que as coisas podem mudar para melhor.

Entre os textos que compõem a coletânea alguns, na minha visão, merecem destaque. “O universo: Roda-gigante social ecológica” e “O mundo não acaba na era pós-coronavírus”, ambos de autoria do Antônio Lopes. No primeiro o nosso autor faz uma analogia entre a personagem bíblica Rute com o contexto político-social que estamos vivendo. Já no segundo, que é na verdade a continuidade do primeiro, somos chamados a refletir sobre a nossa relação com o Meio Ambiente. 

O conto realista “A era dos estúpidos” do jornalista e músico Giuliano Cabral, é, na minha opinião uma obra prima. Só mesmo a ficção para dar conta do contexto que estamos vivendo. O Professor José Reinaldo F. Martins Filho  busca fazer isso também, mas num artigo numa linha cientifica (Ambiguidades pandêmicas: pensar a morte e a vida, repensar as relações). É a linha adotada também pelo Professor Douglas Oliveira dos Santos (Ele respeitou, por que não devemos respeitar) onde ele crítica, a partir do estudo da bíblia, a postura negacionista de líderes religiosos. Como docente, não poderia deixar de destacar o texto do Professor Romualdo Pessoa sobre o desafio diante de mudanças que vieram para ficar no âmbito educacional (Os desafios dos docentes em tempos de pandemia e de novas tecnologias de ensino).

Menciono também o texto do Henrique Dantas de Oliveira (Vidas Pretas Importam) onde ele faz uma análise pertinente sobre como as crises no nosso país são bastante seletivas. A “crônica da pandemia” de autoria do Marcus Vinícius Beck também merece menção, assim como todos os poemas, em especial o da Sandra Maria (O Jardim em tempo de vírus).

Já os textos do Luiz Humberto Carrião in memoria (Gerotranscedência e COVID-19) e do João José de Sousa Jr (A arqueologia do COVID-19), me pareceu uma viagem de maconha. Ou talvez seja pelo fato deu ainda não ter alcançado o nível de transcendência deles. De qualquer forma, me pareceu destoar dos demais. Ainda que no fim, apontem para necessidade de se cultivar a esperança. 

Enfim, podemos dizer que as reflexões conseguem responder ao que se propõe: dizer o que podemos aprender com a pandemia de COVID-19. Agora o que faremos com esse aprendizado é o problema. No final o livro COVID: Reflexão com o Diabo é na verdade um clamor por Esperança. No entanto, é preciso lembrar com Espinoza, que não existe esperança sem medo e vice-versa – o que nos leva a uma aporia.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


domingo, 20 de fevereiro de 2022

10 anos “das barrancas do Rio Tocantins” – Textos mais visualizados

Foi no dia 22 de fevereiro de 2012 que nascia esse blog com a publicação do meu primeiro texto – Entre o espeto e a brasa – um texto sobre as eleições para Governador do Tocantins de 2010. O texto havia sido escrito no período eleitoral, mas até então não havia sido publicado. Desde então mantive uma certa regularidade de publicação. Em 2012 (40 textos publicados), 2013 (47 textos publicados), 2014 (59 textos publicados), 2015 (61 textos publicados), 2016 (66 textos publicados), 2017 (66 textos publicados), 2018 (59 textos publicados), 2019 (63 textos publicados), 2020 (59 textos publicados), 2021 (60 textos publicados). A temática das publicações perpassa pela Filosofia, Política, Educação, Cultura e Literatura. 

Não é um blog muito lido. Apesar de que ao longo dos anos houve um aumento significativo no número de visualização ultrapassando a marca de 160.000. Para um blog independente, periférico, sem apelação, com uma perspectiva crítica. Não é nada mau. Sem falar que a grande maioria é de uma leitura qualificada, isto é, de leitores que utilizaram a leitura em atividades de docência e pesquisa. No entanto o que me motiva é o prazer de escrever – escrever sobre o que me afeta. E nesse processo estou sempre aprendendo e me desafiando a aprender mais. Creio que é por isso que alcançamos a marca de 10 anos com publicações regulares. E com disposição para continuar. 

Enfim, para celebrar esse momento compartilho alguns dos Textos mais lidos ao longo desses dez anos de existência do blog “Das barrancas do rio Tocantins” (que já teve outros nomes). Creio que são textos que representam bem o que é o perfil desse canal. Além das postagens principais o blog tem algumas páginas. Entre elas, a “Meus contos” se destaca como a mais vista com cerca de 2,63 mil.

Textos mais visualizados nesses 10 anos

Resenha: “Como ler um texto de filosofia”, de Antônio Joaquim Severino - 3,27 mil

Cultura popular tocantinense - A contribuição dos negros e indígenas na musica e na dança - 2,29 mil

Pelos Becos de Natividade: Notas de uma Viagem ao Passado! - 2,24 mil

Reflexão sobre a educação do povo surdo a partir do filme "E seu nome é Jonas" – 1,83 mil

A questão da meritocracia no serviço público: Uma Questão ética? – 1,79 mil

Conto: Um certo barbudo – 1,72 mil

Disse me disse – 1,54 mil

Ética e Moral – A Contribuição de Adolfo Sánchez Vázquez – 1,53 mil

Estado mínimo para quem? – 1,5 mil

Poema: Vai chover! – 1,44 mil

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 


terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Uma proposta para trabalhar a leitura a partir da literatura feita no Tocantins

Leia para viver”.
Gustave Flaubert 


Palavras introdutória 

Nesse texto apresentamos uma proposta para trabalhar a leitura a partir de autores que produzem literatura no Tocantins. Começamos refletindo sobre a importância da leitura, para em seguida apresentar a proposta que consiste em trabalhar a leitura de forma prazerosa em rodas de conversas. Propomos o nome de alguns autores, mas não precisa ser necessariamente esses. Um ponto importante da proposta é a realização de um encontro literário e a produção de uma coletânea com os textos abordados. 

A importância da Leitura

A leitura é importante para que o processo de ensino-aprendizagem se desenvolva de forma satisfatória. Quem lê consegui ter uma compreensão melhor daquilo que o cerca – escreve melhor e desenvolve a criatividade através da escrita.

Infelizmente não temos no Brasil uma cultura de leitura como podemos perceber ao analisar as pesquisas que apontam a baixa quantidade de livros que o brasileiro ler anualmente. Daí não é de se admirar os resultados negativos que os estudantes brasileiros obtém no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Por exemplo,  em 2018, o PISA apontou que cerca de 50% dos jovens brasileiros não atingiram o mínimo de proficiência na leitura e interpretação de textos. Isso é ruim, pois mostra que a escola pouco tem contribuído para que a cultura de leitura do brasileiro melhore.

Creio que isso se dá pelo fato de que ao invés de estimular a leitura como um hábito prazeroso, a escola faz o contrário ao exigir determinadas leituras (que muitas vezes os estudantes não foram preparados para serem introduzidos). Desse modo a leitura se torna uma materia obrigatória que os estudantes devem estudar com o objetivo de fazer trabalho ou para o vestibular e o Enem. E sendo algo obrigatório fazem sem prazer – as consequências desse processo é grave sobretudo quando esse estudante entra na Universidade e o nível de leitura e escrita aumenta consideravelmente, independente do curso que irá fazer.

Desse modo propomos uma abordagem alternativa (partindo de uma leitura descompromissada de obras de autores regionais que propiciam uma aproximação maior entre o leitor e as estórias). Essa leitura descompromissada pretende ser apenas uma porta de entrada para que o estudante aprenda o prazer da leitura. E a partir daí poderá se aventurar em leituras cada vez mais complexas. Pois como ressalta Oliveira (2018) a leitura não é algo simples, ela exige a apreensão de determinada técnica para que se decodifique os textos. E a  apreensão dessa técnica não se dá de modo instantâneo, mas através de um processo que deve começar com leituras mais acessíveis e daí em diante vai se avançando para textos mais densos.

Ainda de acordo com Oliveira (2018), a leitura é importante para o desenvolvimento da criatividade, capacidade de elaboração crítica e na construção de opiniões próprias. De acordo com essa autora “a leitura amplia e aprimora os vocabulários e contribui para o desenvolvimento de um pensamento crítico e reflexivo, além do mais possibilita o contato com diferente ideias e experiências”.

Trabalhando a leitura a partir da literatura feita no Tocantins 

A literatura tocantinense está em construção, e nesse processo de construção contamos com importantes personagens, que através de suas obras, tem dado uma enorme contribuição nesse sentido. No entanto nem sempre contam com o reconhecimento devido. Apesar disso, os autores tocantinenses fazem um importante trabalho de construção da identidade cultural do Tocantins – uma construção que se dá justamente pelo fato desses autores falarem da nossa terra, nossos hábitos,  nossos costumes, nossos rituais, enfim, do nosso povo. E isso, acreditamos, acaba sendo um fator maior de estímulo á leitura, a medida que os estudantes se sentem mais atraídos por estórias que nos é familiar – mais próximas do nosso cotidiano.

Ao estimular o hábito da leitura através de obras de autores tocantinenses, acreditamos também contribuir com a formação de novos leitores e por conseguinte de novos autores – sem falar na importância da leitura para um maior desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes no ambiente escolar. Eis ai um ponto importante, sobretudo diante de uma realidade que aponta um déficit na capacidade de leitura dos nossos estudantes á nível mundial, como aponta avaliações como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).

No Brasil, e especificamente no Tocantins, não é diferente. A capacidade de ler e interpretar textos pelos nossos estudantes está muito aquém do desejado. E isso é reflexo da falta de estímulo á leitura. Um problema que se inicia no ambiente familiar e que não é resolvido no ambiente escolar.

No ambiente familiar não há por parte dos pais esse estímulo, sobretudo por que esses pais não adquiriram culturalmente o âmbito da leitura, e se eles não possuem esse hábito fica difícil estimular os filhos a ler. Já no ambiente escolar o estímulo a leitura é feito de forma equivocada ao tornar algo que deveria ser prazeroso em uma obrigação. Com isso o estímulo se torna um desestímulo.

É nesse contexto, que apresentamos essa proposta para trabalhar a leitura a partir da literatura feita no Tocantins  – buscando romper com as abordagens equivocadas de estímulo a leitura, que mais desestimulam do que contribui para criar o hábito da leitura, sobretudo entre os jovens. Buscando tornar o hábito de ler, num hábito prazeroso. 

Diante disso a ideia é realizar rodas de conversa num ambiente diferente da sala de aula, onde depois de uma contextualização da obra, se exercite a leitura, seguida de reflexões e discussões.

No primeiro encontro pode ser feito uma apresentação introdutória da literatura tocantinense – suas características e desafios. Seguido da leitura de trechos de textos em prosa e versos de autores como Pedro Tierra, José Gomes Sobrinho, Fidêncio Bogo e Belinha. Num segundo encontro o foco pode ser a poesia, trazendo para roda poemas de autores como Célio Pedreira, Francisco Perna Filho e Lurdiana Araújo. No terceiro encontro é a vez da prosa, trazendo obras de autores como Jadson Barros Neves, Zacarias Martins e José Cândido Póvoa. Num quarto encontro volta-se a poesia e no quinto encontro, para fechar, volta-se a prosa. Em ambos, com novos autores da nossa literatura.

Ao final pode ser realizado um encontro literário e produzir um material sobre as leituras feitas durante o projeto e disponibiliza-lo na biblioteca da escola para pesquisas e trabalhos posteriores referentes a literatura tocantinense. Algo importante, sobretudo diante da escassez, de obras de autores que produzem literatura no Tocantins, na Escola. 

Conclusão 

Eis ai a nossa proposta para trabalhar a leitura a partir da literatura produzida no Tocantins. Não é uma proposta fechada. Desse modo as escolas poderão, a partir daí,  adaptar a sua realidade. Espero com ela, sobretudo, contribuir para refletirmos sobre a importância de pensarmos ações para trabalhar o incentivo a leitura e o fortalecimento da literatura tocantinense. 

Por onde começar?

Livros 

Literatura Tocantinense (SEDUC-TO, 2016) – Material organizado pela Secretaria da Educação do Tocantins com o objetivo de dá suporte as escolas no trabalho referente ao Dia D da leitura. O mesmo está disponível em PDF no site da Secretaria;

Literatura Tocantinense  (Editora Veloso, 2020) – É uma espécie de Mini-Enciclopédia, apresentando informações acompanhado de uma entrevista de autores que produzem literatura no Tocantins. A obra foi organizada pelo Escritor e Professor Pedro Alberici, em 5 volumes. Indico em especial o volume 01;

Anuário de Poeta e Escritores do Tocantins (Editora Veloso) – Organizado por Eliosmar Veloso é uma das principais vitrines para Poetas e Escritores, de Norte a Sul do Estado, mostrar seus trabalhos em verso e prosa. Há várias edições, mas recomendo em especial a de 2019;

Porto Submerso (Edição do autor, 2005) – livro de poemas daquele que na minha modesta opinião é a maior referência literária tocantinense e um dos grandes da literatura brasileira – Pedro Tierra. Nesse livro em especial, ele faz um retorno a sua terra Natal – Porto Nacional;

Pinga-fogo  (Editora Veloso, 2019) – livro de poemas de um dos autores mais conhecidos do Tocantins – Zacarias Martins. Nesse livro o Poeta nos brinda com obras carregada de humor. Mas como todo poeta, não deixa de falar de amor e mostrar sua indignação diante questões sociais;

Sites e blogs

Site Antonio Miranda - http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/tocantins/tocantins.html. Aqui temos um excelente espaço com trabalhos de 21 Poetas do Tocantins. Entre eles, Pedro Tierra, José Gomes Sobrinho, Zacarias Martins, Belinha, Lia Testa, Osmar Casagrande;

A produção literária no Tocantins - http://flaviodasilva.blogspot.com/2010/05/producao-literaria-no-tocantins.html. Nesse breve texto, o linguista Flávio Alves da Silva, faz uma análise interessante acerca da Produção literária feita no Tocantins;

Literatura Tocantinense – Leituras, resenhas e comentários. https://pedrotocantins.blogspot.com/p/literatura-tocantinense-leituras.html. Espaço dedicado à divulgação e análise crítica de de obras produzidas no Tocantins;

Cantinho do Zaca - http://cantinhodozaca.blogspot.com/. Blog do Poeta, Escritor, Jornalista (entre outros) dedicado a divulgação de informações acerca do mundo literário no Tocantins;

Academia Palmense de Letras. https://www.academiapalmensedeletras.com.br/. O site da APL está bem organizado, oferecendo um excelente espaço onde encontramos informações e um pouco da produção literária dos seus membros 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Recomeçar – Algumas palavras sobre o programa de recomposição da aprendizagem

O que fazermos no pós-pandemia? Foi um questionamento que levantamos a partir de um texto de Emanuela di Gropello no El País acerca dos impactos da pandemia na educação da América Latina. De acordo com essa autora (2020) os estudantes latino-americanos sofreriam com um grande déficit de aprendizagem devido a desigualdade econômica e social no continente – um déficit que já era significativo antes da pandemia. 

É importante não nos esquecermos disso, sobretudo por que quando se fala sobre as perdas de aprendizagem (no âmbito da educação formal) devido às contingências impostas pela pandemia de COVID-19, há uma espécie de esquecimento do que era o nosso sistema de ensino antes. É por isso que ao invés de propormos uma transformação profunda no âmbito educacional, nos conformamos com programas que visão remediar o que já era ruim. 

Para termos uma ideia desse déficit é importante nos recordarmos do resultado dos Estudantes Brasileiros na edição de 2018 do Programa Internacional de Avalição de Estudantes (PISA). No quesito letramento em leitura 50% não conseguiram atingir o nível 02 – o que significa ser incapaz de distinguir fato de opinião. Esse índice aumenta quando analisamos só a região Norte – onde 59% não chegaram ao nível 02. E para evidenciar mais ainda esse problema, numa escala que vai do nível 01 ao 06, 94% dos estudantes da Região Norte ficaram entre o nível 01 e o 03 – ou seja a maioria absoluta dos estudantes da Região Norte, onde o Tocantins está inserido, possuí um nível baixo em leitura. 

Estamos falando de uma realidade anterior a pandemia. Quase dois anos depois, onde a maioria desse tempo as escolas estiveram sem atividades educacionais presenciais (em especial as bibliotecas), esse quadro certamente não melhorou, pelo contrário. 

Ora, quando falamos em leitura estamos falando de uma competência fundamental para o desenvolvimento das demais competências. Diante disso é preciso agir. Daí que aja uma quase unanimidade sobre a importância do retorno das aulas presenciais, ainda que aja também uma resistência quanto ao retorno num contexto onde a pandemia ainda não acabou. 

Outro ponto importante é a elaboração de estratégias para enfrentar o déficit de aprendizagem do período pandêmico. E é aqui então que chegamos ao Recomeçar – programa de Recomposição da Aprendizagem – da Secretária da Educação do Tocantins  (SEDUC). A dinâmica do Recomeçar pode ser resumida da seguinte forma: 

1- Diagnóstico da aprendizagem; 

2- Classificação e Organização por níveis de aprendizagem;

3- Reorganização do Currículo; 

4- Monitoramento. 

O ponto de partida é uma avaliação diagnóstica para identificar em qual nível de aprendizagem o estudante está  (numa escala de 01 a 03). Feito o diagnóstico, o segundo passo é organizar os estudantes por nível de aprendizagem  (enturmação). O terceiro passo é a organização do currículo para atender a especificidade (nivel de aprendizagem) de cada grupo de aluno. E por fim, o monitoramento por meio de avaliações periódicas. 

Para que isso ocorra há toda uma arquitetura construída em torno de um Plano de Comunicação e Coordenado por três frentes: 1- Acolhimento; 2- Currículo e recomposição; e 3- Monitoramento. A previsão é que tudo isso ocorra entre fevereiro e Junho de 2022. O que nos leva a questionar se é possível recompor todo o déficit de aprendizagem do período pandêmico em 5 meses. Ainda mais levando em consideração uma situação anterior que não era nem um pouco animadora. 

Outro complicador é que esse movimento ocorre justamente no momento em que começa a implantação do Novo Ensino Médio. Mesmo que essa mudança se dê de forma gradativa, iniciando com as primeiras séries, estamos falando de algo complexo que muda a estrutura do currículo, mas sobretudo a concepção formativa. De modo que isso não é assimilado de uma hora para outra. Ainda mais por se tratar de mudanças feitas de cima para baixo. E aqui temos um ponto central.

Nicola Abbagnano no seu dicionário de Filosofia (2015) diz que mudança é sinônimo de movimento. Ele então trás entre outras concepções a de Aristóteles acerca do movimento como a realização do que está em potência. Nesse sentido um elemento importante é o motor – gerador do movimento. Em relação a nossa questão acima é importante nos atentarmos para uma contradição fundamental: o motor gerador de movimento na educação não são os seus atores principais – estes são provocados a realizar algo que não foi pensado por eles. Daí a grande dificuldade em tornar a potência em ato, isto é, fazer a mudança de fato acontecer. Mas ela irá acontecer.

Diante disso, nós enquanto educadores, devemos decidir se seremos sujeitos passivos nesse processo de mudança ou se fazemos a disputa para que o movimento não nos leve a mais do mesmo.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.