sexta-feira, 10 de junho de 2022

Algumas palavras sobre a literatura do Zacarias Martins a partir da leitura de “Pinga-fogo” e “Histórias da História de Gurupi”

O Tocantins ainda não tem uma forte tradição literária. De modo que quando falamos de literatura tocantinense na verdade nos referimos a literatura produzida no Tocantins. Essa produção é com certeza fundamental no processo de construção de uma literatura tocantinense. E nesse sentido um nome que se destaca é do Poeta e Escritor – Zacarias Martins.

Das tantas definições sobre a sua figura. Ressalta, na minha visão, a de militante da cultura. Sobretudo no campo literário – seja através da sua obra ou divulgando o trabalho de outros autores. Martins é um artista engajado na linha do que define Marcos Napolitano (2011), que se caracteriza pela defesa de uma causa ampla, coletiva e ancorada em “imperativo moral e ético”. Sua arte é política, mas não partidária.

Vamos comentar, de forma breve, a sua literatura a partir de duas obras. O primeiro é uma coletânea de poemas intitulada de “Pinga-fogo”. Já a segunda é uma coletânea de crônicas intitulada de “Histórias da História de Gurupi”. Ambos publicados pela Editora Veloso.

O primeiro aspecto que se sobressai na literatura de Zacarias Martins é o seu caráter popular. O popular aqui não tem haver com popularidade ou populismo. Mas no sentido de expressar as aspirações e interesses do povo. Isso é perceptível sobretudo nos textos de “Histórias da História de Gurupi”. Temos ali um belo quadro de uma cidade interiorana. Sobretudo em relação a política. Ou seria politicagem? 

O segundo aspecto é o humor. Zacarias Martins consegue de uma forma muito inteligente transformar episódios do cotidiano em situações engraçadas. Não é aquele humor pasteurizado tão em moda. Mas o humor que nos é característico. Aquele de transformar “um limão em limonada”. Podemos ter uma ideia disso nos poemas: “A falta”, “Polivalente”, “Sorriso maroto” e “Resolução”. E nas crônicas: “O defuntódromo”, “Parque mutuca” e “Cadê a bomba?”. 

Na verdade o humor faz parte do aspecto popular da literatura de Zacarias Martins. Sobretudo no sentido de que o humor é uma arma do povo para mostrar a sua indignação diante de situações medíocres como “A cultura desemplacada” e “Defuntódromo”.

Mas nem sempre o humor dá o tom dos textos do nosso autor. Em alguns ele é direto como um punk rock. Por exemplo no poema “Com que cara?” e “Prisioneiro do fumo”. 

Há também espaço para o amor. Como bom poeta, Zacarias Martins, se revela um romântico, inclusive na declaração de amor a cidade que ele escolheu para viver – um amor que não impede de ver os problemas existentes.

Bom. Eis ai de forma breve um pouco da literatura de Zacarias Martins - trata-se de uma literatura popular onde o leitor certamente se reconhecerá e se sentirá representado. Com isso contribuí na formação de novos leitores e no fortalecimento da literatura feita no Tocantins. 

Sua obra não se resume as publicações comentadas aqui. Mas para quem quer conhecer e apreciar a sua literatura, temos ai um bom ponto de partida. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado. 


domingo, 5 de junho de 2022

O filme Minamata e a questão ambiental

Eugene Smith é um fotógrafo premiado, conhecido internacionalmente, pela sua cobertura fotográfica de episódios como a Segunda Guerra Mundial. Mas no momento não vive uma situação animadora. Falido financeiramente, vive sozinho sem contato com os filhos. A revista para quem trabalha está prestes a fechar e o seu refúgio nas drogas é cada vez maior – buscando uma fuga dos seus traumas.

É a essa figura que Aileen Mioko recorrer para, através da fotografia, dá visibilidade a luta das famílias de Minamata contra uma poderosa indústria do ramo químico que contamina a região com mercúrio, afetando a saúde dos que ali vivem. Num primeiro momento, ele recusa, mas em seguida vai até a revista e se propõe a fazer o registro da realidade vivida pelas famílias de Minamata, dando assim visibilidade mundial as suas demandas.

Não será uma tarefa fácil, além de conviver com seus demônios pessoais, precisará enfrentar a estrutura poderosa da empresa poluidora em conlui com o Estado. Mas sobretudo a desconfiança das famílias afetadas para que possam abrir suas intimidades.

Esse é o enredo de Minamata (2019) filme dirigido por Andrew Levitas e estrelado por Johnny Depp, no papel do fotógrafo estadunidense Eugene Smith. O roteiro é inspirado no livro (Minamata, 1975) escrito por Eugene e sua esposa Aileen Mioko Smith.

Na história dos desastres ambientais o episódio de envenamento com mercúrio dos moradores de Minamata  (Japão) em decorrência de dejetos descartados na baía da cidade pela empresa do ramo químico Chisso foi um ponto de inflexão importante na busca por uma legislação mais rígida contra crimes ambientais. 

Para se ter uma ideia do quanto esse episódio influenciou e influência as decisões sobre questões ambientais. Tivemos a entrada em vigor do acordo sobre o mercúrio, conhecido como a convenção de Minamata. De acordo com a Organização das Nações Unidas  (ONU) o objetivo do acordo “é proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos adversos do mercúrio, um elemento onipresente que pode causar de tudo, desde malformações congênitas a doenças renais”.

Nessa linha, o filme de Levitas nos mostra bem esses efeitos, sobretudo as malformações congênitas. É revoltante ver que tudo aquilo foi causado pela ação irresponsável de uma empresa – que quando é questionada pelas famílias. Só tem a dizer cinicamente que sente muito.

Se já não bastasse a importância social do filme, que nas palavras Depp, busca dar voz a quem é silenciado pelo poder das corporações e do Estado. Temos uma bela obra cinematografica, com uma fografia impecável e um elenco afiado, com destaque para Johnny Depp e Hiroyuki Sanada (no papel de um dos líderes das famílias contra a Chisso). 

De uma forma poética, Levitas nos leva para um ambiente marcado pela dor e revolta das famílias afetadas por um crime irreparável. Ai temos uma característica importante desse tipo de crime ambiental – ser irreparável, pois as compensações financeiras não apagam os traumas que ficam. 

Façamos um exercício. Tentemos nos colocar no lugar de uma mãe ou de um pai daqueles de Minamata, sobretudo daqueles que leva 5 horas para alimentar a filha sequelada pelas consequências da ganância de uma empresa por lucros e mais lucros – que acha que pode comprar todo mundo e passar por cima de todos sem ser penalizada.

Enquanto escrevo essas linhas esse crime está acontecendo no Brasil, mais precisamente na Amazônia, onde comunidades tradicionais estão tendo seus territórios contaminado com mercúrio por empresas financiadoras do garimpo. Infelizmente a postura do Estado brasileiro é o mesmo que o Japonês teve diante do crime ambiental em Minamata como podemos ver num levantamento divulgado por uma reportagem do El País (2021):

“O incentivo ao garimpo ilegal promovido pelo Governo brasileiro nos últimos dois anos provocou uma enxurrada de mercúrio nas águas amazônicas. Um volume estimado em 100 toneladas do metal neurotóxico foi utilizado em 2019 e 2020 para extrair ouro ilegalmente da região, de acordo com estimativas feitas com base em um levantamento oficial.”

Para a ONU “a Convenção de Minamata ajuda os países a restringir o uso de mercúrio, adotar alternativas não tóxicas ao elemento e eliminar a poluição por mercúrio, protegendo o meio ambiente e potencialmente milhões de vidas.” 

O Brasil é signatário dessa convenção, mas como falado anteriormente, a sua postura é no mínimo de negligência quanto ao uso do mercúrio na mineração. Por isso precisamos nos mobilizar para que isso mude.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO. 


terça-feira, 31 de maio de 2022

Planejamento urbano e preservação ambiental nas Cidades

Quando falamos em planejamento estamos falando em organização. Essa organização tem como objetivo o desenvolvimento de ações eficientes e eficazes. Desse modo o planejamento urbano tem como fim organizar o espaço urbano de modo que este propicie o mínimo de qualidade de vida para os seus cidadãos. Diante disso fica evidente uma questão: A participação da população na construção desse processo. Pois as consequências desse planejamento lhes afetará.

Para Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) o que se observa é que essa organização pressuposta pelo planejamento urbano não vem ocorrendo. O que tem acontecido sobretudo pelo fato de não se seguir a legislação vigente. Essas autoras salientam para as mudanças que as cidades sofreram ao longo da história. Essas mudanças provocaram problemas diferente das cidades antigas. A partir daí foi preciso pensar num planejamento que correspondesse aos desafios das cidades contemporâneas – desafios que passam pelo desenvolvimento sustentável. 

Ainda de acordo com Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) no Brasil a concepção de cidade tal como concebemos hoje, foi introduzido na Constituição Imperial de 1824 – onde perecebe-se uma mudança radical em referência ao que eram os municípios no período Colonial. Já na Constituição de 1988 um aspecto importante é o reconhecimento da população como responsável pela organização da cidade. Essa organização é autônoma por meio da Lei Orgânica Municipal (LOM). 

Se cabe a população a organização da cidade por meio do planejamento urbano é inadmissível que o Plano Diretor seja aprovado pela Câmara de Vereadores sem a realização de audiências públicas como vemos ocorrer em alguns lugares. Para Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) o Plano Diretor deve ser elaborado com a participação da Sociedade. E entre as suas funções está o de estabelecer a Função Social da Propriedade e a inclusão social. Por isso nesse processo é preciso seguir o Estatuto das Cidades. 

Ainda de acordo com nossas autoras (2012) nesse processo de planejamento urbano deve ser levado em consideração o desenvolvimento sustentável e o respeito ao código florestal, sobretudo no que se refere a ocupação e mobilidade urbana. Por que isso se faz necessário?

Sabemos que no processo de urbanização, o ser humano desenvolve ações que terão impactos no Meio Ambiente. O problema é que essas ações, que teoriacamente buscam propiciar uma melhor qualidade de vida, acaba provocando consequências catastróficas como as inundações e deslizamentos no período chuvoso – expressões entre outras coisas dos desmatamentos, das modificações nos diversos ecossistemas, da impermeabilização e da erosão do solo, da poluição e posterior canalização dos rios.

Tais consequências são frutos da visão apontada por Gilda A. Cassilha e Simone A. Cassilha (2012) de que “a melhora na qualidade de vida da população está diretamente ligada ao desenvolvimento econômico e à transformação da natureza em bens materiais e de consumo.” Para os defensores dessa perspectiva “a urbanização implica em transformar o ambiente natural em ambiente construído; por isso, muitas vezes, a defesa do meio ambiente é vista como antidesenvolvimentista.” De acordo com essas autoras (2012) “bens são projetados e construídos, e seus resíduos são depositados no meio, com a visão de que os recursos naturais são infinitos e que a natureza é capaz de absorver quantidades ilimitadas de entulhos.”

A partir das colocações acima podemos afirmar que a falta de planejamento urbano trás enormes consequências para o meio ambiente. E isso por sua vez acaba refletindo na qualidade de vida da população. Diante disso nos cabe alguns questionamentos: existe um planejamento urbano no seu município? Esse planejamento respeita as especificidades da sua Cidade? A expansão urbana do município respeita esse planejamento? A população tem conhecimento desse palnejamento e participou da sua elaboração? Ficam essas questões para reflexão. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


quarta-feira, 25 de maio de 2022

Educação Ambiental em Lajeado: para além dos muros da Escola

O patrimônio natural do município de Lajeado é a sua grande riqueza. No entanto, a relação exploratória que estabelecemos com esses recursos não só coloca-o em risco, como também acaba voltando contra nós mesmos através das mudanças climáticas, das doenças advindas dessas mudanças e a esquecez de alimentos. 

Nesse contexto a educação ambiental é uma ferramenta importante, através dela podemos vislumbrar uma mudança de comportamento em relação ao meio ambiente. Por isso, que desde 1999 temos uma lei que institui a política nacional de educação ambiental  (lei 9.795/99) – que tem entre outros objetivos estimular os estudantes e a comunidade em geral na busca de soluções dos problemas ambientais.

Seguindo essa linha, Takemore Silva e Menezes Silva (2016) defendem a importância da inclusão da educação ambiental no currículo da educação básica. Sobretudo diante do contexto que vivemos, isto é, de avanço da crise climática – que é reflexo da ação humana. Ora, mesmo dependendo dos recursos naturais, nós agimos de forma contrária – que se dá em grande medida, segundo os autores (2016), por uma perspectiva de desenvolvimento que visa o lucro.

Quando se fala em educação ambiental no município de Lajeado o Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência (CENSP-LAJEADO) tem uma importante contribuição. O CENSP desenvolve a educação ambiental de forma sistemática e nos últimos anos numa perspectiva para além dos muros da escola, isto é, com ações que envolve e chama atenção de toda a comunidade para necessidade de valorizarmos, preservarmos e conversarmos nossos recursos naturais. Tal perspectiva parte da compreensão de que uma mudança de paradigma para um modelo sustentável de relação com o  meio ambiente só será possível com o envolvimento de toda a sociedade.

Nessa linha é importante salientar o que defende Takemori Silva e Menezes Silva (2016), sobre o fato de que a conservação deve ser ensinada em todos os lugares. Nessa afirmação temos um elemento importante. Isto é, para nossos autores, a educação ambiental  (que está presente na Lei de Diretrizes e Base da Educação como um tema transversal) deve ser desenvolvida na perspectiva da conservação e não do cuidado. Mas qual é a diferença?

A educação ambiental na perspectiva do cuidado tem como meta a limpeza simplesmente. Já na perspectiva da conservação a meta é mudar o modo de Vida. Temos assim duas perspectiva antagônicas, pois em última análise, enquanto uma está ligada a uma manutenção a outra a ponta para a ruptura. Por isso, para nossos autores (2016), a educação ambiental não pode ficar só na teoria.

Nesse sentido outro aspecto das ações desenvolvidas pelo CENSP é a valorização dos saberes populares na preservação do Meio Ambiente. Por isso, além das discussões teóricas, há uma preocupação de dá voz a pessoas da comunidade que através de suas ações são exemplos de respeito e cuidado com os nossos recursos naturais. Pessoas que compreendem a nossa dependência da natureza, mais do que isso na verdade – que somos natureza.

Entramos assim numa discussão filosófica, isto é,  estamos na natureza ou somos natureza? O Filósofo Juvenal Savian Filho (2016) desenvolve muito bem essa discussão no seu “Filosofia e filosofias – existência e sentidos”. Para esse autor ao longo da história foi se consolidando duas visões acerca da natureza: Uma que a compreende como se fosse uma máquina, isto é, algo que podemos dominar e usar em nosso proveito. Já a outra compreende como um organismo vivo, do qual nós fazemos parte. Desse modo nossa relação com a natureza seria o reflexo da forma com que a enxergamos.

Savian Filho (2016) destaca que, “hoje mais do que nunca, somos solicitados a rever nossa maneira de encarar a Natureza. Repensá-la significa repensar a nossa própria morada e o tipo de relação que estabelecemos com nossos companheiros de jornada, os minerais, as plantas e os animais não humanos”.

A educação ambiental é certamente um esforço nesse sentido. E o CENSP tem feito isso de forma contínua. Por isso é inegável a sua contribuição na mudança de paradigma em relação a visão da natureza como uma máquina, com recursos inesgotáveis que podemos usar como bem nos aprouver sem nos preocuparmos com sua preservação e conservação. 

Por Raimundo Oliveira e Pedro Ferreira Nunes - Professores da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

sexta-feira, 20 de maio de 2022

Mario Vargas Llosa e o apoio a Bolsonaro

A primeira coisa que me veio a cabeça quando vi a confirmação da vitória do Gabriel Boric para Presidente do Chile, foi de que deveríamos fazer uma campanha para que o escritor Mario Vargas Llosa apoiasse a reeleição do Presidente Bolsonaro. Não foi necessário. Recentemente ele deu uma declaração nesse sentido.

Vargas Llosa é prêmio Nobel de literatura. Entre as sua obras estão “A casa Verde” (1966), “Conversa no Catedral” (1969), “A guerra do fim do mundo” (1981) e “Travessuras da Menina Má” (2006). Peruano de Arequipa – onde nasceu em 1936. Atualmente mora na Espanha. E colabora com periódicos como o El país. Mais recente tornou-se imortal da academia francesa de Letras. É considerado, por tanto, um clássico da literatura latino-americana e mundial. 

Ter o apoio politico de uma figura dessas é motivo para comemorar, não?! Ainda mais para alguém que não tem lá grande prestígio no âmbito Internacional como é o caso do nosso mandatário. 

Confesso que nunca li nenhuma das produções literárias de Vargas Llosa. Não por qualquer preconceito contra esse autor, mas por ainda não ter tido a oportunidade de encontrar numa biblioteca ou adquirir alguma obra de sua autoria. O meu contato com ele é apenas através dos seus artigos de opinião que são publicados no El país (diga-se de passagem, um tanto medíocres que nunca consegui ler até o final). E a partir do momento que ele declarou apoio a eleição da Keiko Fujimori contra o Pedro Castilho na disputa pela Presidência da República nas eleições Peruanas, meu ranso com ele só aumentou.

Não vou fazer aqui a ficha corrida de Keiko  e do que a familia dela representa no Peru. Vargas Llosa como um intelectual filho daquela terra sabe mais do que ninguém. De modo que o seu apoio a esse clã político é asqueroso. Já nas eleições Chilenas o nosso prestigiado escritor latinoamericano voltou a aparecer declarando o seu apoio ao ultradireitista – José Antonio Kast contra o jovem Gabriel Boric. Felizmente,  tanto no Peru como no Chile, o povo, na sua maioria ignorou a opinião de Llosa.

Foi então que me pareceu (agarrado as tradições místicas latino-americana) ser um bom presságio se Vargas Llosa declarasse apoio a reeleição do Presidente Jair Bolsonaro. E assim ele fez. Óbvio que não será isso que selará o destino desse goveno. A sua derrota virá de qualquer forma – virá, parafraseando uma canção da banda punk Garotos Podres, como um grito de liberdade preso na garganta. Pois ao contrário de Vargas Llosa que vive tranquilamente num país comandado por um governo socialdemocrata, desfrutando de suas benesses. O povo trabalhador brasileiro que senti diariamente na pele as consequências de um governo ultraliberal, saberá em quem votar.

De acordo com informações da imprensa, o escritor Peruano declarou que apesar das palhaçadas e erros cometidos por Bolsonaro, prefere ele ao ex-presidente Luiz Inácio Lula. Pois segundo ele o atual mandatário acabou com um mau que assola o nosso continente que é a corrupção. Sim, isso mesmo. “Acabou com a corrupção”.

Ora, dizer que o governo Bolsonaro acabou com a corrupção, é no mínimo falta de informação. Mas sabemos que não é disso que se trata, e sim do mau caratismo típico dos liberais. O fato é que como vimos pontuando ao longo dessas linhas, Vargas Llosa nos últimos processos eleitorais na América Latina tem se posicionado ao lado de políticos que defendem os interesses das elites.

Felizmente, o seu posicionamento político na América Latina tem sido irrelevante. E se ainda perdemos tempo escrevendo sobre é pelo fato dele ter uma relevância inquestionável no campo literário. Nesse sentido não defendemos o seu cancelamento – essa coisa tão na moda nos dias que vivemos. Sabemos o quanto é difícil separar o autor da sua obra, mas talvez não precisamos fazer isso. Devemos antes conhecer para poder criticar, e conhecer significa ler o autor em questão. 

Para finalizar, diria que numa coisa concordo com Vargas Llosa, não tenho nenhuma simpatia pela candidatura Lula. Preferiria um nome alternativo a esquerda. Por exemplo, do Deputado Federal Glauber Braga (PSOL). Não sendo possível, seguindo a linha do Professor José Paulo Netto, apoiaremos o nome que tiver mais condição de derrotar Bolsonaro. Se esse nome for o do Lula, que seja então. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

domingo, 15 de maio de 2022

A questão do Conservadorismo no filme o Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade

Num povoado, no interior de Minas Gerais, um casal de jovens se apaixona perdidamente. Até ai tudo bem, se ele não fosse Padre. Para viver esse amor, além da guerra interna entre a sua fé e o seu desejo, o Padre juntamente com sua amada terá que superar a revolta da comunidade local.

Esse é enredo do filme “O Padre e a Moça” (1966) de Joaquim Pedro de Andrade, baseado num poema do Carlos Drumond de Andrade. Na contramão do seu “Macunaíma”, o cineasta nos intrega um filme denso, num ritmo lento, num cenário de decadência tal como as figuras que ali vivem. Mas ao mesmo tempo, uma história que prende, que nos provoca, que nos faz refletir. É sem dúvida um belo filme da cinematografia nacional.

O filme tem início com a chegada do jovem Padre (Paulo José) ao povoado, que se deu devido a morte do Padre António – vigário da igreja local. A partir daí somos levados a conhecer os indivíduos que ali vivem, bem como os seus dramas. Entre eles está Mariana (Helena Ignez), uma linda jovem, que vive como prisioneira na casa do homem mais rico da localidade – Honorato (Mário Lago). Este cria a jovem desde pequena, após ela ficar órfão, mas vive com a moça como se fosse sua mulher. E agora com a morte do Padre António, pretende oficializar aquela união. Já Vitorino (Fauzi Arap), um comerciante local, também é apaixonado por Mariana, e vive embriagado, como reflexo da sua impotência de enfrentar Honorato para ficar com ela.

A chegada do Padre mexe com a vida desses personagens. Sobretudo de Mariana que se apaixona por ele, e vê ali uma chance de sair da prisão ao lado de um homem que ela não ama. Mas o Padre resiste a abandonar sua batina para ficar com a jovem. E busca reprimir o sentimento que nutre por ela. Enquanto isso o plano de Honorato de fazer de Mariana sua esposa avança, mesmo diante da revolta de Vitorino, que clama ao Padre para que possa intervir diante daquela “pouca vergonha”.

A cena que dá uma virada na história é quando Mariana, sai escondida a noite e vai procurar o Padre para declarar o seu amor. No dia seguinte o Padre cai em desgraça. Toda a cidade vira as costas para ele, até mesmo Vitorino. Diante disso o Padre se vê num beco sem saída. Agora, só lhe resta apressar o seu retorno, mas não pode deixar Mariana naquele sofrimento. Irá leva-la com ele –os dois partiram em fuga, mas não se iluda, não será para serem felizes para sempre. 

Aqui não nos interessa falar sobre como termina o filme. O ponto que gostaríamos de chamar atenção é para conduta da comunidade diante do drama de Mariana. Não se vê nenhuma atitude de repreensão, por parte da comunidade, a conduta de Honorato em relação a moça. Mesmo que se percebe ali claramente, nas palavras de Vitorino, “uma pouca vergonha”. No entanto essa mesma comunidade que se omite diante da conduta de Honorato, não pensa duas vezes em condenar o Padre e a Moça.

Estamos assim, diante de um bom exemplo de como o conservadorismo funciona na prática. Isto é, há uma espécie de seletividade para determinar o que é certo ou errado do ponto de vista moral. Para compreendermos melhor essa seletividade é preciso entender uma característica do conservadorismo – o senso de comunidade. Se você faz parte dessa comunidade, como é o caso do Honorato (e tem poder), relava-se a sua conduta imoral, mas se não, o julgamento é impiedoso. 

Diante dos tempos que estamos vivendo, o filme “O Padre e a Moça” ganha relevo importante. Sabemos o quão é difícil fazer o debate sobre costumes na nossa sociedade. Sobretudo diante da hipocrisia que há por trás do discurso conservador. No entanto,  é uma discussão necessária, se não quisermos ser queimados em praça pública por ir contra “a moral e os bons costumes”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

terça-feira, 10 de maio de 2022

Crônica: Ventos Gerais

O dia amanheceu diferente. Ah, são os ventos gerais. A mim me parece que por essas bandas do norte o ano só inicia mesmo quando começam os ventos gerais. Tudo bem que com eles vem o período de estiagem – o que significa dizer que chuva agora só lá para setembro. E olhe lá!

Com os ventos gerais também vem a poeira e as queimadas. Sem falar naquele calor para vendedor de picolé nenhum botar defeito. Mas para compensar tem as praias, não é mesmo?! Apesar que com o lago da usina temos praia o ano todo. No entanto a temporada oficial é diferente. As exposições agropecuárias e as festas juninas formam a trinca que movimenta a vida cultural, fazendo desse período, um período diferenciado. Por isso que quando os ventos gerais começam é como se o ano de fato começasse.

De certa forma, no interior nortista o tempo é vivido de um modo cíclico. Indo portanto, numa perspectiva contrária ao modelo de tempo linear que o calendário tenta nos impor. É a partir dessa compreensão que podemos entender a representatividade dos ventos gerais para a vida local. Pois em última análise estamos falando do início de um novo ciclo, mais relacionado com os fenômenos da natureza do que com o calendário. 

Para mim os ventos gerais trazem saudades. Lembro da minha infância, da baixa Preta, da chácara dos meus avós, da Ilha da praia, dos parentes e amigos que partiram. Tomo consciência que o tempo está passando – ainda que no interior ele parece se mover mais devagar. Mas de repente quando você percebe, o rio não é mais o mesmo, a Ilha verde não é mais a mesma, as festas não são mais as mesmas, seus vizinhos não são mais os mesmos, você já não é mais o mesmo.

De repente você está falando: - Ah, no meu tempo as coisas eram diferentes. Quer prova maior de que você está ficando velho? O pior não é envelhecer e morrer. O pior é ver pessoas queridas partir (algumas partem mesmo antes de morrer). Numa conversa qualquer, numa esquina, numa fotografia você se dá conta que fulano de tal não está mais aqui. Ai vem na sua memória a bela canção do Elomar Figueira Melo:

“Mas cadê meus cumpanhêro, cadê/ qui cantava aqui mais eu, cadê/ Na calçada no terrêro, cadê/Cadê os cumpanheros meus, cadê/Cairo na lapa do mundo, cadê/Lapa do mundão de Deus, cadê...”.

Mas assim é a vida, camarada. Ela é constituída das memórias dos encontros e desencontros que vamos tecendo ao longo da caminhada – de uma caminhada que um dia terá um fim, afinal de contas somos finitos. E talvez ai esteja a beleza da vida – o fato de que ela um dia acaba. De modo que devemos nos esforçar ao máximo para que essas memórias, além de saudade, nos traga orgulho do que vivemos – da história que construímos, das amizades que fizemos.

Por Pedro Ferreira Nunes – Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.