A obra em questão intitulada de DIREITOS HUMANOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: subsídios para a Educação em Direitos Humanos na Filosofia. Não é uma publicação recente. Saiu em 2010 pela Editora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). No entanto nos parece que a sua relevância é ainda maior no contexto atual. Apesar de serem voltados para o ensino superior, em especial a graduação em Filosofia, os textos são bastantes acessíveis. Fazendo com que a obra não fique restrita a esfera acadêmica, mas possa ser apropriada pelo público em geral.
Mas certamente quem tem uma formação em Filosofia ou está se formando nessa área terá uma facilidade maior tendo em vista que o esforço dos autores é refletir sobre os direitos humanos a partir de uma perspectiva filosófica, de modo que há conceitos, referências e articulações que dificulta um pouco o entendimento de quem é totalmente alheio a tradição filosófica. Nesse sentido ter do lado um dicionário de filosofia pode contribuir bastante.
A obra é dividida em 5 partes. Sendo que a primeira trás apenas um texto do Paulo César Carbonari abordando a problemática de como o Ensino de Filosofia pode contribuir com a educação em direitos humanos. As demais parte segue a seguinte lógica: Num primeiro momento busca-se conceituar o que são direitos humanos e a sua fundamentação. Já num segundo momento busca-se um olhar mais prático a partir de uma relação com a ética e a política. E em todos eles há o problema central que é a educação em direitos humanos.
Ensino de Filosofia e Educação em direitos humanos
Para Carbonari (2010) a filosofia tem como tarefa uma abordagem crítica dos direitos humanos. Ele ressalta que essa temática não é estranha a Filosofia. E que por tanto, essa área do conhecimento pode contribuir para que se tenha efetivamente uma educação em direitos humanos. Para tanto um aspecto importante que esse autor ressalta é a “carência de material de apoio didático-pedagógico para o ensino de filosofia e para educação em direitos humanos na educação básica” (2010, p. 46). Desse modo um grande desafio é o desenvolvimento desse material a partir da realidade vivenciada em sala de aula.
O que são Direitos humanos
Entre os artigos que buscam definir conceitualmente o que são direitos humanos destacaria o de autoria do Giuseppe Tosi intitulado de O que são esses tais direitos humanos? O seu ponto de partida é uma contextualização histórica de como a questão dos direitos humanos foi introduzida no Brasil – no processo de resistência aos crimes cometidos no período da ditadura Cívil-Militar (1964-1985) e na luta pela redemocratização. Para esse autor (2010, p. 57), a Constituição Federal de 1988 criou as condições jurídicas e políticas para efetivação dos direitos humanos – falta ainda essa efetivação. É a partir daí que ele definirá os direitos humanos como “um conjunto de princípios que regem a convivência civil e o contrato social de uma nação” (2010, p 68). Ou seja, normas para uma boa convivência num determinado território. Diante disso para esse autor (2010, p.74) “os direitos humanos constituem um horizonte irrenunciável do nosso tempo”.
Fundamentação dos direitos humanos
Entre os textos que buscam fundamentar os direitos humanos a partir de uma perspectiva filosófica temos o do Ralph Ings Bannell (O problema da racionalidade e os direitos humanos) – que pontua a racionalidade humana como fundamento desses direitos – destacando que é através dessa racionalidade, que é inerente a nós, que reconhecemos os direitos humanos. De acordo com esse autor (2010, p. 93) “uma sociedade liberal é a única ordem social aceitável para agentes autônomos e racionais”. Logo, só é possível vislumbrar a efetividade dos direitos humanos nesse contexto.
O texto do Milton Meira do Nascimento (A tradição crítica dos direitos humanos) faz de certa forma um contra ponto ao texto anterior. Sobretudo por questionar a sua efetividade nos marcos de uma sociedade burguesa (liberal), onde esse acaba tendo um caráter abstrato. Desse modo, esse autor (2010, p. 140) salienta que a crítica aos direitos humanos é importante para que não deixemos que o mesmo se afaste da realidade concreta.
O texto do Marconi Pequeno (O sujeito dos direitos humanos) busca fundamentar os direitos humanos a partir da compreensão do sujeito titular desses direitos – que tem sua origem na modernidade, tendo em Descartes um dos seus idealizadores. Pequeno (2010, p. 166) destaca que esse sujeito não pode ser compreendido unicamente da perspectiva da sua racionalidade, mas também emocional. Pois estamos falando de um “ser que é cognitivo, reflexivo, passional, moral, político e social” (2010, p. 157).
Educação em direitos humanos
A efetividade dos direitos humanos passa necessariamente pela educação como um instrumento importante no processo de socialização, sensibilização e apropriação dos conhecimentos historicamente construídos e a partir daí mudar determinada realidade. Mas que educação seria essa? O texto do Eduardo C. B. Bittar (Os direitos humanos e a sensibilidade estética: educação em direitos humanos, resistência e transformação social) é muito interessante. Sobretudo por propor trabalhar os direitos humanos a partir da estética, buscando sensibilizar os indivíduos por meio da arte. Para Bittar (2010, p. 181) “a educação em direitos humanos e para direitos humanos” deve utilizar diferentes estratégias para resgatar o sujeito, incluindo a sensibilidade. Ele ressalta que (2010, p. 182) “para ensinar liberdade, solidariedade, equidade, diversidade, igualdade, respeito, é necessário, do ponto de vista metodológico, algo mais que simplesmente falar”.
Castor M. M. Bartolmé Ruiz também apresenta uma contribuição muito interessante acerca da educação em direitos humanos no seu texto (Os direitos humanos como direitos do outro), sobretudo a ideia de que, partindo da compreensão de que os direitos humanos deve ser compreendido como direitos das vítimas, ou seja, daqueles que são aleijados desses direitos. Uma educação em direitos humanos tem como desafio superar a visão individualista que coloca o Eu no centro, tendo como fim a defesa da propriedade privada. É importante compreender que eu só sou quem sou, só possuo direito, por que existe um outro.
Direitos Humanos, Ética e Política
Quando falamos em direitos humanos de uma perspectiva filosófica estamos falando de um problema ético-político. Desse modo não dá para abordar esse tema sem trazer esse aspecto. Nesse sentido o texto do Marcelo Andrade (Direitos Humanos, diferença e tolerância: sobre a possibilidade de fundamentos éticos-filosóficos) dá a sua contribuição ao pensar os direitos humanos “longe das pretensões sobre falso ou verdadeiro e próximo dos questionamentos sobre justo e injusto” (2010, p. 235). A partir daí ele vai analisar diferentes perspectivas éticas com a kantiana, aristotélica e habberniana. Enfatizando a busca por uma sociedade pluralista.
O texto da Maria Clara Dias (Direitos Humanos e a crise moral: em defesa de um cosmopolitismo de direitos humanos) segue a linha anterior ao defender que não é possível vislumbrar a efetividade dos direitos humanos num contexto em que não aja respeito a diversidade. Esse respeito por sua vez é fruto de valores construídos. Daí que para essa autora, “direito humanos são, antes de tudo, direitos morais” (2010, p. 268).
Trazendo mais para o âmbito político o texto do Edson Luiz de Almeida Teles (Memória e verdade: Ação do passado no presente) salienta que não é possível falar em direitos humanos no presente sem tocar nas feridas do passado. Ele enfatiza que o direito a memória é uma questão fundamental para que não se repita os crimes do passado. Um aspecto importante é o seu entendimento de que o controle da memória é um ato político. Desse modo ele afirma (2010, p. 308) “a busca pela verdade do passado é, antes, uma ação de rejeição à impunidade e ao respeito aos direitos e a formação de um valor ético, mas também uma ação política”.
Para fechar temos os textos do Guilherme Assis Almeida (Questão do mal, direitos humanos e a perspectiva cosmopolita) e da Helena Esser dos Reis (Democracia e Direitos Humanos: relações sociais e políticas). Ambos apontam que o desafio para uma cultura de respeito aos direitos humanos está na participação efetiva das pessoas na esfera pública. Reis, por exemplo, afirma que (2010, p. 338) “é na ação dos cidadãos, muito mais do que nas instituições, que o Estado Democrático demonstra sua utilidade”. E consequemente na efetivação de políticas públicas de promoção aos direitos humanos.
Enfim, temos ai uma coletânea de textos acerca da educação em direitos humanos muito rica – que certamente, diante da escassez para se trabalhar essa temática, é um excelente guia não só para educação superior, mas sobretudo para educação básica onde essa carência é maior ainda.
Diante disso não poderíamos deixar de indicar a leitura do mesmo. Tanto como um exercício de reflexão e entendimento da temática. Mas também como subsídio para elaboração de material didático a ser trabalhado em sala de aula.
Pedro Ferreira Nunes – É Professor da Educação Básica. Educador Popular. E Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.