Guiomar é o nome da jovem cortejada. De origem popular, acabou sendo adotada por uma baronesa em substituição a uma filha falecida. De modo que isso lhe deu acesso a uma educação superior bem como uma posição social privilegiada. Não estamos diante de uma personagem frágil ou acomodada. Mas de alguém consciente de si e de onde quer chegar – uma personagem que não se deixa iludir por uma declaração de amor qualquer. De modo que no fundo nunca houve um dilema profundo em relação a sua escolha. Se num determinado momento ela tende a satisfazer a vontade da madrinha é apenas uma estratégia para alcançar o que queria.
Mas Machado de Assis, brilhante como é, consegue manter um suspense em aberto. Segurando-nos até a última linha para saber qual será a luva que encaixará perfeitamente na mão da jovem. Isso se deve pelo fato dele nos fazer sentir simpatia por um dos personagens – que é apresentado como se fosse um protagonista ao lado da moça. Levando nos acreditar que essa será sua escolha, sobretudo pensando com o coração. Mas no final a escolha acaba pairando sobre o menos improvável. Menos improvável para nós românticos.
Consegui identificar em a mão e a luva algumas semelhanças com outra obra mais célebre do autor (Dom Casmurro) que foi publicada alguns anos depois. Por exemplo, o personagem Estêvão. A sua personalidade me pareceu bastante a do Bentinho. Inclusive o seu final. Trata-se também de um bacharel em direito que gosta de literatura e filosofia mas que mostra uma insegurança e fraqueza enorme. Guiomar por sua vez lembra Capitu – inteligente, articuladora e audaz.
A gente acaba torcendo para que eles fiquem juntos. Mas no fundo percebemos que são incompatíveis. De modo que a escolha de Guiomar é no final das contas uma escolha racional. Ela opta por alguém que tem um projeto de vida – que sabe o que quer e onde quer chegar. Ou seja, ela abre mão do romântico e apaixonado (Estêvão) por um astuto e ambicioso (Luiz Alves). O terceiro (Jorge) só figurou como uma alterntiva por ser sobrinho da Baronesa e contar com sua simpatia e bênção.
A priori pode parecer que a escolha de Guiomar seguiu o que determina a moral burguesa – onde as relações afetivas são no fundo por interesses comerciais. Ela viu em Luiz Alves, que se tornara deputado, alguém que poderia alça-lá a uma condição de maior destaque na sociedade. Os outros dois pretendentes não eram pobres. Mas não tinham essa característica que ela tanto apreciava – a ambição.
É importante não ver esse termo de forma pejorativa como se estabeleceu em grande parte do senso comum. A ambição aqui é no sentido de não acomodação. De querer algo e ir atrás. Fazer acontecer. Foi a partir daí que surgiu o amor deles. Dá percepção de que um completava o outro. Não a partir de uma idealização mas de coisas palpáveis. Isso me lembrou Nietzsche e o seu amor fati.
“Minha fórmula para o que há de grande no individuo é amor fati: nada desejar além daquilo que é, nem diante de si, nem atrás de si, nem nos séculos dos séculos. Não se contentar em suportar o inelutável, e ainda menos dissimulá-lo, mas amá-lo”.
Enfim, se “a mão e a luva” não é um dos romances mais célebre do Machado de Assis, não é por falta de qualidade. Trata-se de uma obra agradável de ler e que mostra o gênio literário dessa figura que é sem dúvida um dos maiores da literatura mundial. A obra trás alguns temas que é recorrente na literatura Machadiana como a reflexão sobre a vida, o amor e as relações sociais. E ao final da leitura certamente não saímos os mesmos.
Pedro Ferreira Nunes – Professor da Rede Pública Estadual da Educação do Tocantins. Graduado em Filosofia. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. E Mestre em Filosofia.