segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Resenha: As Tocantinas, do Célio Pedreira

Se for feito uma pesquisa sobre escritores e obras literárias produzidas no Tocantins o nome do portuense Célio Pedreira e o seu livro “As Tocantinas” certamente apareceram. Um dos motivos foi o fato de ter sido indicado como obra literária para o vestibular da Universidade Federal do Tocantins  (UFT) – o mais disputado do Estado – o que mostra a sua relevância sintetizada muito bem no prólogo do livro escrito pelo Pedro Tierra.


Aliás, o que falar de “As Tocantinas” depois do que escreveu Pedro Tierra? Concordo totalmente com o que ele fala a respeito da influência do Manoel de Barros na poesia do Célio Pedreira. No decorrer da leitura isso fica muito evidente. Assim também o que Tierra chama de exercício temerário da língua. É desse exercício que o poeta vai construindo as imagens que a Carolina Pedreira chama atenção na sua apresentação da obra. Eu acrescentaria também um vocabulário que remete as raízes tocantinense com a inserção de palavras como: arrancho, gamela, furupa, bulandeira, loca entre outros. 


As Tocantinas não é a primeira obra desse médico, professor, escritor e poeta tocantinense que nasceu nos idos de 1959 na histórica cidade de Porto Nacional. Na sua bibliografia consta Porta (2003),  Porto Transversal (2008), Raimundo (2012) e Um poema catedral uma canção  (2005). Todos de poesia, sendo este último em parceria com Elizeu Lira. Na prosa consta Agudas e crônicas  (2007) e três cartas para Maria Isabel  (2009). Também em parceria com Elizeu Lira (entre outros) tem o cantigas da claridade (2005) e ainda Saúde e Comunidade (2015).


As Tocantinas foi publicado em 2014 pela editora da Universidade Federal do Tocantins  (EDUFT). E trás 100 poemas que retratam a relação do poeta com suas origens, reconstruindo memórias e vivências no sertão tocantinense. Tudo isso construído numa espécie de trabalho artesanal com a língua que culmina em imagens que nos ajuda a compreender um pouco mais das nossas raízes culturais. Um exemplo nesse sentido é o poema bulandeira:


O braço

rompe a roda

a roda

vira o ralo

o ralo

na raiz da fome

farinha.


Numa primeira leitura me pareceu não muito palatável. De modo que não recomendaria para quem não tem um certo nível de leitura – que compreenda o exercício da língua feito pelo poeta na construção dos seus poemas. Apesar de serem poemas curtos é necessário um tempo para digestão de cada um. No exemplo acima o poeta fala de um instrumento (bulandeira) utilizado no processo de transformação da mandioca em farinha – um alimento fundamental na culinária sertânica. Na verdade a questão que o poema trás não é a bulandeira em si, mas a lembrança de algo que já se foi, talvez a infância, já que com a modernização isso é coisa do passado na produção de farinha. Além desse olhar saudoso para o passado há aqueles que descreve paisagens tipicamente interioranas como o rio, grotas, serras, luar, ruas, casas ou como no poema a seguir, os pés de manga:


Fiel aos quintais

quanto mais sem dono

mais anda igual

na boca dos homens

e dos porcos.

Oásis soberano

no solapino

lugar de arvorar-se.

Verde praticável

no estio

ou festejando chuva.

Paciência índia

nesses trópicos de machado.


São muitos poemas. Não destacaria alguns, mas a obra completa (Os dois que destaquei acima foi apenas para ilustrar minha fala). Aqueles que se interessarem pela leitura, além da versão impressa comercializada pela EDUFT, há versões em pdf que podem ser baixadas gratuitamente na Internet.


Como leitor não vou dizer que a obra tenha me afetado tal como “O Porto submerso” do Pedro Tierra – nosso poeta maior. Ou outros poemas de poetas que produzem literatura no Tocantins como o J.J Leandro. Confesso que até me decepcionei um pouco. Pois esperava mais, sobretudo por que já havia lido antes algumas crônicas desse autor no jornal do Tocantins e as achei excelentes. Talvez o erro do poeta, na minha visão, tenha sido o de ter tentando imitar o Manuel de Barros. O estilo do Manuel é inimitável. De modo que me pareceu um tanto forçado e transformou sentimentos genuinos em poemas pouco tragáveis. Pelo menos numa perspetiva popular.


Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

O lugar da Filosofia e das Ciências Sociais nas trilhas de aprofundamento do Novo Ensino Médio no Tocantins

Enquanto alguns pressionam para que o atual Governo revogue a reforma do Ensino Médio – o que me parece, após ouvir declarações do Ministro da Educação Camilo Santana, não está no horizonte político do Governo Lula – pelo menos não a curto prazo. O que temos de concreto mesmo é a implantação da nova estrutura pelos Estados. Nesse sentido o governo do Tocantins publicou por meio de uma instrução normativa (n° 10 de 19 de dezembro de 2022 e alterada em 18 de Janeiro de 2023) a modulação das trilhas de aprofundamento que serão trabalhadas nas 2° e 3° séries. Nosso objetivo aqui será fazer uma breve análise dessas trilhas pontuando o lugar da Filosofia e das Ciências Sociais. 

Uma das críticas que se faz ao chamado Novo Ensino Médio é a redução do espaço dado as humanidades. Prejudicando a formação de uma consciência crítica e humanista. Nesse sentido não custa lembrar que até cogitou-se a retirada da Filosofia  e da Sociologia da grade curricular de ensino – o que não ocorreu após muita resistência de estudantes e professores. Continuou, porém não mais como um componente curricular obrigatório. Além disso História e Geografia perderam carga horária presencial. Nesse contexto é fundamental compreendermos essa nova dinâmica para dispultarmos os espaços criados (itinerários formativos e trilhas de aprofundamento) – recolocando a Filosofia e as Ciências Sociais no seu devido lugar, ou seja, na base do processo formativo.


Implantação do Novo Ensino  Médio 

No Tocantins, a implantação do Novo Ensino Médio teve início no ano letivo de 2022 com os itinerários formativos nas 1° séries e na Educação de Jovens e Adultos  (EJA) Terceiro Segmento. Esses itinerários formativos consistia no Componente Curricular de Projeto de Vida e em disciplinas eletivas.


Em relação as disciplinas eletivas, o estudante deveria cursar 1  (da sua escolha) semestralmente. Por tanto caberia a escola disponibilizar um cardápio com opções para que ocorresse essa escolha. Esse cardápio poderia ser construindo tanto com eletivas organizadas pela Seduc-TO como por eletivas elaboradas pelos próprios professores de uma determinada escola. Quanto a escolha dependeu muito do tamanho da unidade de ensino. Um ponto de atenção que observamos nesse processo é o risco de que essa escolha não aconteça. Com isso as eletivas são empurradas goela abaixo dos estudantes. Ai então a tão propagandiada liberdade do estudante na construção do seu itinerário formativo vai para o ralo. Isso também serve para as trilhas de aprofundamento.


Nesse novo contexto o componente curricular de Projeto de Vida passa a ter um peso considerável, com uma carga horária semanal de 3h, sendo 1h não-presencial. E tendo como objetivo desenvolver competências e habilidades voltadas sobretudo para o autoconhecimento e o autocuidado, ajudando o estudante a direcionar o seu processo formativo para um determinado objetivo de vida. De modo que os demais componentes curriculares devem se organizar a partir daí. 


Essas mudanças significou o aumento da carga horária do Ensino Médio. E para encaixar tudo isso no horário regular criou-se então as aulas não-presenciais. Não só no componente curricular de Projeto de Vida como falamos acima. Mas outros componentes curriculares como Português, Matemática, História e Biologia tiveram sua carga-horária presencial reduzida. Já o funcionamento dessas aulas não-presenciais requer uma avaliação séria sobre a sua efetividade. Sobretudo com o uso dos roteiros impressos. 


Outra novidade foi a criação da figura do Coordenador de Área, responsável por coordenar as ações desenvolvidas pelas áreas. Partindo da ideia de que a formação básica agora não é mais por componente curricular mas por área, essa figura tem um papel fundamental para garantir que isso funcione na prática. Isto é, garantir que todas as ações no contexto do Novo Ensino Médio, tenha uma perspetiva multidisciplinar. E a sua importância vai aumentar a medida que for avançando a implantação das trilhas de aprofundamento nas 2° e 3° séries. Pois a forma com que será desenvolvida as trilhas de aprofundamento, caberá ao coordenador de área fazer a articulação e ajustes necessários entre os professores que irão trabalhar uma determinada trilha.


As trilhas de aprofundamento 

Como o nome sugeri as trilhas de aprofundamento vem para dar continuidade ao processo anterior. Parte-se da ideia que o estudante adquiriu um conhecimento sobre o seu objetivo de vida que lhe permite dar um passo maior em direção ao mesmo.


As trilhas foram elaboradas pela Seduc-TO no contexto do Documento Curricular do Tocantins (DCT). Mas os estudantes, em tese, continuam com o poder de escolha. A partir de uma análise da instrução normativa n° 10 de 19 de Dezembro de 2022 e com alterações de 18 de janeiro de 2023, podemos dizer que essa escolha se dará por área. Ou seja, cada área tem um cardápio de trilhas e os estudantes deverão optar por uma dessas. No entanto, um aspecto a se ressaltar é que se o estudante optar por uma trilha de linguagens, não quer dizer que ele só terá aula de componentes curriculares da área de linguagens. Como assim? Explico.


As trilhas serão divididas em módulos. E pode ser que num determinado módulo de uma trilha de Matemática seja trabalhado por alguém da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Para ficar mais claro peguemos um exemplo da modulação indicada pela instrução normativa n°10/2022.


A trilha de aprofundamento “Nutrição e qualidade de vida: cuidado do corpo e da mente” é da Área de Ciências da Natureza e suas tecnologias. No entanto, ao longo dos seus 10 módulos, alguns poderão ser ministrados por alguém da Educação Física, da Geografia, da Sociologia e da Filosofia. São vários exemplos nesse sentido. Desse modo, percebemos que a maioria das trilhas são integradas com um ou mais componente curricular. Ou com uma, ou mais área. Vejamos outro exemplo: A trilha “clube dos Literatos Juvenis” é da Área de Linguagens, mas ao longo dos seus módulos temos Sociologia e História que são da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. 


Tem algumas exceções, como por exemplo, na área de Matemática a trilha “Modelagem Matemática aplicada à vida: construindo o saber matemático a partir das relações sociais”. Não tem outro componente curricular a não ser matemática. O que na nossa avaliação é um equivoco pois falar em saber e relações sociais sem filosofia e sociologia não dá. Eis ai um ponto que cabe uma problematização maior e nos leva ao nosso problema sobre o lugar da Filosofia e das Ciências Sociais nas trilhas de aprofundamento. Mas deixemos para adiante essa questão. Antes é importante destacar que há uma diferença na carga-horária das trilhas, isso por que a da 2° Série é menor do que a da 3° Série). Além disso os estudantes das 2° e 3° séries continuaram com o Componente Curricular de Projeto de Vida, mas apenas com 1h/a semanal. E as eletivas no mesmo esquema das 1° séries. Inclusive poderão cursar uma eletiva juntamente com estudantes de outra série ou turma que não a sua de origem. Na 3° série não haverá os componentes curriculares de Arte, Filosofia e Sociologia. No entanto, os mesmos poderão ser abordados nas trilhas, eletivas e projeto de Vida.


O lugar da Filosofia e Ciências Sociais nas trilhas de aprofundamento 

Num primeiro olhar podemos ressaltar que o lugar da Filosofia e das Ciências sociais (Geografia, História e Sociologia) vai para além da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Percebemos a presença desses componentes curriculares nas trilhas de aprofundamento das demais áreas. Como também tem a presença de componentes curriculares de outras áreas nas trilhas das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – uma integração que já estava prevista nas disciplinas eletivas. Mas que com as trilhas há uma organização mais fechada. 


Essa organização mais fechada, por um lado garante que a integração ocorra de fato. Por outro lado coloca uma espécie de tutela limitante. Pois pensando a partir da Filosofia e das Ciências Sociais percebemos que os módulos onde somos chamados a cooperar não são os adequados. Vejamos três exemplos nesse sentido:

Na trilha “AMPLIFICA! A linguagem em movimento”, a História que deveria ser o ponto de partida ou um ponto intermediário, é o último, o que fecha a trilha. Também caberia um módulo para falar da Filosofia da linguagem. Na trilha “agronegócio e Agricultura Familiar” nos parece óbvio que o ponto de partida é a Sociologia e não Química ou Biologia como proposto. Na trilha “Contribuições da matemática para o mundo digital” o ponto de partida é uma questão filosófica sobre o que é a matemática e o que é o mundo digital, cabendo assim como ponto de partida um módulo de Filosofia da Matemática. 


Outra questão são as trilhas que seria fundamental um módulo para Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, que não há. Como no exemplo que trouxemos da trilha da Área de Matemática Modelagem Matemática aplicada à vida: construindo o saber matemático a partir das relações sociais”.


Pode parecer corporativismo, mas creio que todas as trilhas de aprofundamento, independente da área, requer necessariamente pelo menos um módulo sob responsabilidade de alguém com formação na área das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas  (Filosofia, Geografia, História e Sociologia). Pois é impossível o aprendizado do que quer que seja sem levar em consideração os aspectos filosóficos, sociológicos, históricos e geográficos). Peguemos por exemplo um curso universitário, independente da área de formação certamente haverá um módulo sobre ética e de fundamentos histórico-sociológico. Ora, sem a presença de uma dessas perspectiva de conhecimento não podemos falar na formação de uma consciência crítica voltada para o exercício da cidadania.


Com isso concluímos ressaltando que a organização atual das trilhas de aprofundamento da Rede Estadual de Educação do Tocantins deve ser repensada. Sobretudo em relação ao lugar da Filosofia e das Ciências Sociais. Não podemos aceitar um processo de ensino-aprendizagem que relega para as humanidades uma posição terciária na grade curricular de ensino. Sobretudo num contexto de desumanização crescente, ataques a democracia e aos direitos humanos.


Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Educação em Lajeado: Limites e desafios

Reconhecer nossas limitações é condição sine qua non para superá-las. Nesse sentido o objetivo desse artigo é contribuir para identificar quais os desafios da Educação em Lajeado para que possamos avançar no sentido de garantir uma formação básica de qualidade.

Lajeado tem uma situação orçamentária privilegiada em relação aos municípios do mesmo porte. Além de todo o seu potencial de desenvolvimento na área do turismo, com uma localização estratégica próximo a capital tocantinense. De modo que não falta condições para que desenvolva políticas públicas que atenda as necessidades das pessoas que aqui vivem. Entre essas políticas, uma educação de qualidade. 

Falar da importância da educação é dizer mais do mesmo. Porém precisamos continuar reafirmando enquanto esta continuar sendo prioridade apenas nos discursos. Ora, entra governo e sai governo e é sempre a mesma história. Dizem: - educação deve ser prioridade. Qualquer pesquisa de opinião pública também encontraremos a educação na lista de prioridades. E na academia então –anualmente são centenas de pesquisa reafirmando a sua importância.  Enquanto isso na prática pouco ou nada muda – as vezes até retrocedemos.


Educação em Lajeado 

Quando falamos em educação em Lajeado estamos nos remetendo a rede pública de ensino. Já que no município não temos instituições particulares. E quando falamos em rede pública de ensino ela se divide em  duas: uma de responsabilidade do município e outra do Estado. A rede pública Municipal é composta por três unidades educacionais (Centro Educacional Infantil Dona Antonia, Escola JK e Escola Sebastião de Sales Monteiro) onde oferta educação infantil, ensino fundamental anos iniciais e finais. Já a rede pública estadual é responsável pelo Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência que além do Ensino Médio também oferta turma dos anos finais do Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos – terceiro segmento.

De acordo com o censo escolar (2021) o público atendido pela rede pública de ensino, tanto municipal como estadual, são de famílias da classe média e baixa – que tiram o seu sustento do serviço público, do trabalho no setor de serviço e comércio local, do trabalho informal, da pequena agricultura e da pesca.

Para grande parte desses estudantes a escola não é apenas um local onde terão acesso a uma educação formal básica para então buscar  um curso técnico ou superior. E a partir daí vislumbrar uma melhor colocação no mercado de trabalho e por conseguinte uma melhor qualidade de vida. É sobretudo um espaço de acolhida e de proteção de um ambiente doméstico muitas vezes problemático. De acesso a eventos e bens culturais que contribuam para uma formação mais humana. De uma alimentação saudável. De socialização e criação de vínculos. Em suma, de oportunizar as crianças e adolescentes que estão numa situação de vulnerabilidade social, um caminho para transformar sua vida através da educação. 

Nesse contexto nos cabe questionar. A educação em Lajeado tem cumprido esse papel? O que é preciso fazer para melhorar? Temos escolas bem equipadas e estruturadas? Temos profissionais qualificados e valorizados? Temos um currículo atrativo alinhado aos desafios da contemporaneidade sobretudo no que consiste a apropriação dos recursos tecnológicos de forma crítica? 

Se nos deixarmos guiar unicamente pelos índices educacionais como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) corremos o risco de nos iludirmos, ou desiludirmos de vez. É necessário fazermos uma avaliação seria se quisermos de fato ter a dimensão verdadeira da qualidade do ensino no nosso município. O que nos levará a seguinte conclusão: estamos aquém do nosso potencial e reconhecer isso é fundamental se quisermos avançar. 


Escola de tempo integral

As redes de ensino que se destacam entre as melhores do país tem em comum o avanço de escolas de tempo integral. Um aspecto ressaltado na experiência do Estado do Ceará, por exemplo, é que além da melhora no desempenho escolar. Também  houve uma melhora nos índices de combate á violência – com uma redução signficativa de casos nos territórios onde há escolas de tempo integral. Pois mais tempo na escola significa menos tempo ocioso. 

Diante do contexto socioeconômico que destacamos acima seria um enorme ganho para cidade de Lajeado escolas de tempo integral. Mas óbvio, isso não ocorre do dia para noite – sem planejamento, sem estrutura, sem profissionais qualificados para trabalhar nesse novo contexto, sem uma grade curricular que atenda a realidade local – que estimule o aluno a querer ficar o dia todo na escola por interesse e não por obrigação. 


Absorção do ensino fundamental pela rede pública municipal

Do ponto de vista da legislação educacional a responsabilidade pelo ensino público é dividido entre municípios, Estados é União. Sendo que prioritariamente os municípios e Estados são responsáveis pela educação básica e a União pelo ensino técnico e superior. Em relação a responsabilidade de municípios e Estados. Os primeiros são responsáveis pela educação infantil e ensino fundamental. Já o estado é responsável pelo ensino médio, e agora com o novo ensino médio, também o ensino técnico. No entanto pela falta de condições de alguns municípios, o Estado assume a oferta do ensino fundamental. 

Em Lajeado ainda temos essa realidade onde o Colégio Estadual oferta turmas do Ensino Fundamental (anos finais). No entanto a tendência é que a rede municipal assuma de forma integral a sua responsabilidade no atendimento dessa demanda. Isso já vem ocorrendo de forma gradativa ao longo dos anos, mas que  acelerou com a queda de matrícula nas redes. Com isso a tendência é o Colégio Estadual se tornar um centro de ensino médio, e quem sabe no futuro, desde que seja construído uma nova estrutura (e haja mobilização da comunidade), possa se tornar uma escola de tempo integral com a oferta de ensino técnico. 

Mas cabe uma observação em relação a absorção do ensino fundamental pela rede municipal de ensino. No atual contexto trata-se de uma perda para cidade. Primeiro por que eliminará a possibilidade das famílias escolher onde matricular os seus filhos. Segundo por que a mudança pode acarretar numa perda de qualidade do ensino e terceiro por que afetará no emprego de muitos profissionais.  

Outro aspecto importante a se ressaltar é que não se observa por parte da rede pública municipal de ensino nenhum programa de enfrentamento ao analfabetismo ou a oferta de turmas para atender um grande número de pessoas que não concluíram o ensino fundamental. De modo que antes de absolver um público que está sendo atendido deveria estar havendo uma preocupação com quem não está. 


As redes e a queda de matrícula 

O censo escolar tanto das escolas da rede municipal como do Colégio Estadual mostra uma queda no número de matrículas. O primeiro ponto a se ressaltar é que isso não é uma particularidade do Lajeado. No entanto, aqui tem alguns fatores que pode nos ajudar a compreender esse fenômeno. O primeiro ponto é a questão socioeconômica. Segundo o IBGE (2020) só 25% da população possuí uma ocupação. Isso significa dizer que um número significativo da mão de obra em Lajeado não tem trabalho fixo o que obriga muitas famílias a se deslocarem para outras cidades em busca de emprego – o que obriga as famílias a ter que tirar os filhos da escola. Há também aqueles estudantes que são obrigados a escolher entre o trabalho e a escola. E acabam optando pelo primeiro por uma questão de sobrevivência. Há também aqueles atraídos para criminalidade. Ou ainda, que não se sentem inseridos no ambiente escolar. E por fim, em menor número, há os que vão estudar em escolas militares ou o IFTO nos municípios vizinhos (Miracema e Palmas) acreditando que ali terão um ensino de melhor qualidade e por conseguinte mais oportunidades. 

No caso dos estudantes que estão na zona rural, sobretudo na Comunidade Pedreira. Muitos jovens acabam se deslocando para cidade em busca de trabalho ou mesmo de uma vida cultural que não encontram no campo. Com isso ou abandonam a escola ou se transferem para uma unidade de ensino na cidade.

Esses diferentes fatores mostra que reverter essa queda no número de matrícula na rede de ensino do municipio e do estado em Lajeado, exige mais do que ações de busca ativa permanente. Trata-se de uma questão que ultrapassa a esfera educacional e exige medidas que envolva toda a comunidade. 

Uma coisa é fato. Mudanças são necessárias. Mas essas mudanças precisam ser bem pensadas e planejadas para que não acabe ocorrendo o contrário. Pois ao invés de combater a evasão acaba contribuindo para o seu aumento. Isso Por exemplo é o que pode acontecer com o novo ensino médio que promete aquilo que por enquanto não tem conseguido entregar – o protagonismo juvenil. Por tanto mais do que nunca os espaços de decisões coletivas tem que funcionar de fato. Sobretudo o Conselho Municipal de Educação com  participação efetiva de toda a sociedade.


Para concluir

Ao longo desse artigo buscamos mostrar os limites e desafios da política educacional de Lajeado concretizada através das ações realizadas pelas unidades de ensino que compõem a rede municipal e o Colégio Estadual. Mais do que buscar culpados e ficar apontando o dedo para estes. Propomos uma reflexão acerca dos limites e desafios. Bem como fazendo apontamentos para sua superação. Desse modo concluímos com Paulo Freire dizendo: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” Por tanto, se vislumbramos mudanças de fato em Lajeado, essas necessariamente passa por uma melhoria na política educacional vigente. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.


domingo, 15 de janeiro de 2023

E vamos nós – Poema: Pouso das Araras

Mais um ano. Mais um ano por aqui. Como diria o saudoso António Abujanra continuamos navegando no incerto e cotivando a dúvida. Acho que já falei isso. Mas é sempre bom reafirmar. Recentemente alguém comentou em um post que havia gostado muito de ter encontrado um blog ativo em pleno 2022. De fato não é tão comum. Há um bom tempo que a moda dos blogs passou. Aliás quando criei este já estavam em descenso. Mas como nunca me preocupei com números ou modismos, isso não foi motivo para que eu deixasse de manter o meu atualizado. E assim tenho feito nesses últimos 11 anos. Isso, mesmo – 11 anos de existência. E continuamos por que o prazer e a necessidade de escrever só aumenta. Por tanto o que não falta é conteúdo para alimenta-ló. 

Comecemos 2023 com poesia. Este poema foi escrito em meados de 2022. Chama-se pouso das araras. Leva o nome do lugar onde tive a inspiração de escreve-ló – uma pousada sustentável localizada na Serra do Lajeado região da Comunidade Pedreira (Zona Rural do município de Lajeado). A qual tivemos o privilégio de conhecer numa aula campo de um projeto de educação ambiental realizado pela Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do CENSP-Lajeado. Lembro que encantado com o local sentei num cantinho e comecei a rascunhar os versos no meu tablet. Quando cheguei a tarde em casa dei uma lapidada final e pronto. Eis ai o resultado:


Pouso das Araras

Baby, se tu soubesse 
Como a vida é cara.
Não perderia tempo
Remoendo mágoas. 

Baby, se tu soubesse 
Como a vida é cara. 
Jogava fora o ansiolítico
E uma bike comprava.

Baby, se tu soubesse 
Como a vida é cara.
Desligava o celular 
E aos gregos se apegava.

Baby, se tu soubesse, 
Como a vida é cara.
Fugiria comigo
Lá pro pouso das araras.

Pedro Ferreira Nunes - Comunidade Pedreira. 03 de Junho de 2022.



sábado, 10 de dezembro de 2022

Breve análise do cenário político no Tocantins pós-eleições

Ainda que tenha votado majoritariamente na candidatura de Luís Inácio Lula da Silva para presidente. O resultado eleitoral de 2022 no Tocantins reforçou  uma hegemonia conservadora representado pela vitória do Republicanos – partido que nacionalmente compunha a base do Governo Bolsonaro. O alinhamento com o governo do atual mandatário da República ficou evidente quando quase a totalidade dos eleitos no primeiro turno abraçaram sua campanha no segundo turno.

Óbvio, que historicamente os políticos tocantinenses acabam se aliando com quem está no poder. De modo que a tendência após o primeiro de janeiro é essa. O discurso já mudou. Como pudemos perceber na fala do Governador Wanderlei Barbosa na conferência do clima da ONU. E não será nenhuma novidade se deputados como Carlos Gaguim (ferrenho defensor do Bolsonaro) compor a base do futuro governo Lula. Para esses políticos a sobrevivência política está acima de questões ideológicas. De modo que a preocupação é em ter força política para retribuir o apoio e fortalecer suas bases eleitorais nos municípios. 


Wanderlei e Dorinha

Não precisa ser um expert no assunto para apontar que Wanderlei e Dorinha foram os maiores vitoriosos nas eleições estaduais. Não só por terem conseguido ser eleitos. Mas sobretudo como foram eleitos, isto é,  com uma vantagem expressiva sobre seus adversários. Além disso, no caso do Governador, elegeu uma base de apoio confortável. 

É importante salientar que tanto Wanderlei como Dorinha não são novidades na política tocantinense. Ambos são políticos com uma longa trajetória na vida pública. Mas que agora chegam ao seu ápice. Ele ao ser eleito Governador, ela a Senadora. 


Desafios do Governo Wanderlei 

Por todo esse histórico na política torna-se bastante previsível o que teremos pela frente – um governo aliado aos interesses do agro. Mas que no entanto deverá conciliar esses interesses com a pauta da sustentabilidade exigida no cenário Internacional. Não será uma tarefa fácil pois trata-se de um setor que acredita que o Estado deve estar ao seu serviço tanto na concessão de benefícios fiscais como ignorando crimes ambientais como desmatamento ilegal, grilagem e uso abusivo de agrotóxico.

Além disso, o Governo Wanderlei também não tem como fugir do enfrentamento a pobreza, em especial a fome, a falta de condições básicas de moradia e a segurança pública. Na saúde e educação então, nem se fala. É cada vez mais insustentável a não realização de concursos públicos, sobretudo na área da educação que tem nos seus quadros hoje uma quantidade substancial de contratatos. Outro ponto é a necessidade de adequar, do ponto de vista estrutural, as escolas para atender o novo ensino médio. Já na saúde será necessário um investimento maior nos hospitais do interior, descentralizando o serviço de alta complexidade. A cultura, tão desprezada nos últimos governos, assim como o esporte, precisaram de ações concretas e permanentes. Nesse sentido espera-se que a volta do salão do livro não fique apenas como promessa de campanha, bem como a disponibilização de editais culturais para todas as áreas. 

Diante disso, se por um lado Wanderlei contará com uma base de apoio confortável para que possa governar com certa tranquilidade. Por outro lado temos um cenário desafiador diante do contexto de crise que o país está passando. Bolsonaro deixa um país quebrado que não será fácil recuperar tão facilmente. Sobretudo por que do ponto de vista internacional a situação também não está nada boa. De modo que o governo Wanderlei precisará estabelecer prioridades. Quais serão? Aguardemos. 


Aos perdedores...

Mesmo não tendo disputado nenhum cargo público nas eleições de 2022 o Senador Eduardo Gomes sai como um dos grandes derrotados. Tido como um dos políticos tocantinenses mais hábil, com uma capacidade de articulação inquestionável, não conseguiu eleger o seu candidato ao Governo Estadual, e como líder do Governo Bolsonaro no Senado, assistiu sua derrota para Lula no Tocantins tanto no primeiro como no segundo turno. Agora lhe resta 4 anos de mandato no Senado para que possa se refazer, afastando-se do Bolsonarismo e reconstruindo sua base no Estado para a disputa de 2026 – onde poderá concorrer a reeleição ou se aventurar ao Governo Estadual. 

Outra derrota que chamou atenção, que nos surpreendeu, foi a do MDB. Este que é certamente a organização partidária mais tradicional do Tocantins amargou um duro resultado ao não eleger nenhum candidato para a Assembléia Legislativa e Congresso Nacional. Com uma forte raiz no interior, o MDB sempre conseguiu votações expressivas, tanto que nas eleições municipais é sempre um dos partidos que mais elege prefeitos. Dessa vez nem o casal Miranda conseguiu ser eleito. E olha que o Marcelo estava disputando o cargo de Deputado Estadual.

Outra derrota, essa nem um pouco surpreendente, foi da família Abreu. Tanto a candidatura aventureira de Irajá ao Governo como da Kátia ao senado não obtiveram êxito. No caso da Kátia, que nos últimos anos passou por uma espécie de metamorfose política assumindo um tom mais moderado, a vitória do Lula lhe beneficiará pois ela certamente terá algum espaço nesse novo governo. Irajá por sua vez tem quatro anos no senado para, assim como Eduardo Gomes, se refazer.

Ainda no hall dos derrotados temos Amastha, que teve uma merecida lição após o golpe dado no pré-candidato a senador Wanderley Luxemburgo. E com isso acabou prejudicando o seu partido que não teve crescimento a nível eleitoral apesar de ter eleito um parlamentar para a assembléia legislativa. Com isso precisará trabalhar bastante para chegar em condição de competitividade as eleições municipais de 2024 – onde poderá disputar a prefeitura da Capital.

Ainda nesse sentido, não poderíamos deixar de falar do Partido dos Trabalhadores  (PT), que mesmo com a vitória do Lula no primeiro e segundo turno no Tocantins. E uma votação expressiva do Paulo Mourão. Não conseguiu eleger nenhum candidato para a Assembléia Legislativa e nem para o Congresso Nacional.

Enfim, esse é o cenário político no Tocantins pós-eleições de 2022. Um cenário construído a partir de uma breve análise dos vencedores e perdedores. Assim como dos desafios que terão pela frente. Esse cenário não é estático. Para modifica-ló ou mantê-lo,  dependerá de como esses atores se movimentaram no tabuleiro do jogo político no Tocantins. Há outros nomes certamente, mas os destacados aqui são aqueles que tem uma relevância maior no cenário político local.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Conto: Calculei errado

“O que você não quer, eu não quero insistir..."
Engenheiros do Havaí 


Havia algo no sorriso e no olhar dela que me atraía. E não demorou para eu perceber que estava apaixonado. Não era a primeira vez, aliás isso acontece até com uma certa frequência. Mas são afecções passageiras que logo supero. Com ela, no entanto, era diferente. Mesmo não vendo da parte dela nenhuma reciprocidade. 


O tempo foi passando, cada dia ela parecia ficar mais distante de mim, no entanto quando ouvia sua voz não tinha como evitar que meu coração batesse no ritmo das baquetas do Motorhead. Quando então via o olhar e o sorriso que ela sempre trazia no rosto, era como se um solo de guitarra do Jimmy Hendrix tocasse naquele momento. Eu desejava ela, está com ela, cuidar dela, amar ela, viver com ela. Ah, há muito tempo que uma mulher não mexia tanto comigo daquele modo. 


Eu pouco sabia da vida dela. E as horas de convivência que tínhamos eram insuficientes para que pudéssemos construir uma relação mais pessoal. No entanto nas nossas breves conversas eu não perdia a oportunidade de pescar algo. E cada vez que eu pescava algo, mais eu queria pescar – mais próximo eu queria ficar. E nesse querer ficar mais próximo, confundi amizade com paixão. Não me segurei, arrisquei e me declarei. Calculei errado, me dei mau.


Talvez seria mais sensato da minha parte criar mais intimidade com ela. Sair mais vezes para caminhar, tomar cerveja, jogar conversa fora nas madrugadas. Talvez nessa convivência ela despertasse algum interesse por esse ser recalcitrante. Mas eu apaixonado em demasia não via a hora de abraça-la, beija-la, de tê-la em meus braços. E então decidi arriscar e me declarar – deixar claro o meu sentimento por ela.


Recebi um não como resposta. Não posso dizer que tenha sido uma surpresa. Mas que eu esperava uma resposta diferente, eu esperava. No entanto sei bem que entre o que esperamos e o que acontece há uma distância considerável. Não vou negar que eu não tenha ficado triste. Por outro lado compreendi que era melhor assim. Era melhor encarar a realidade, ainda que uma realidade triste, do que ficar me iludindo – ficar alimentando uma vã esperança. 


Diante do não dela a minha atitude não poderia ser outra. Preciso me afastar, para que eu consiga destruir dentro de mim esse afeto que me faz quere-la tanto. Será uma guerra comigo mesmo. E como todas as guerras não será fácil. Não será fácil,  mas vou conseguir. 


Seria mais fácil se ela tivesse me dado algum motivo para odiá-la. Mas isso não aconteceu. A verdade é que tenho que agradece-la.  Pior seria ter me iludido – dizer que sentia algo por mim que não sentia. Pois como diz a letra da canção: “diga a verdade, doa a quem doer.”


Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. 

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Hanna Arendt: Onde estamos quando pensamos?

É essa pergunta que a filósofa Hannah Arendt se faz no quarto capítulo do seu livro “A vida do Espírito”. A sua resposta passa por uma reflexão acerca do espaço-tempo, isto é, por uma boa dose de metafísica. Ela faz isso em diálogo com diferentes autores, chegando a conclusão de que o lugar do ego pensante está no presente, mais especificamente numa lacuna entre passado e futuro.

O ponto de partida da nossa filósofa (2000) é uma caracterização do ego pensante. Nesse sentido a primeira ideia é de que este não segue uma ordem. Interrompe a qualquer momento as atividades do cotidiano e é por essas atividades interrompidas. Ela destaca que “as manifestações das experiências autênticas do ego pensante são múltiplas”. E que esse “ego pensante já mais poderá alcançar a realidade enquanto tal”. De acordo com nossa filósofa (2000) “a intensidade da experiência do pensamento, isto é, a oposição entre pensamento e realidade só se dá quando o mundo se torna irreal”. Nessa mesma linha ela afirma que o pensamento lida “com ausências e abandona o que está presente ao alcance da mão”. Arendt (2000) afirma que “a realidade e existência que só podemos conceber em termos de espaços-temporais podem ser suspensas temporariamente”. Isso se dá através do ego pensante, que durante sua atividade busca o significado geral das coisas. Por isso para nossa autora “o pensamento sempre generaliza”. 

Do ponto de vista espacial o pensamento fala de “lugar nenhum”. Ora, como é possível falar de lugar nenhum? Estamos diante de um conceito-limite, a exemplo do vazio e do nada. Para nossa filósofa esse tipo de conceito nos possibilita aprofundar determinadas reflexões, buscando supera-las. Na questão em análise, Arendt  (2000) nos leva a conclusão de que não é possível responder a pergunta onde estamos quando pensamos a partir unicamente da perspectiva espacial. Ela então chama atenção para o aspecto temporal.

Não somos seres apenas localizados espacialmente, mas também temporariamente. A noção do tempo nos leva necessariamente a compreensão de que existe um início e um fim. E se há um fim, em tão somos finitos. Para nossa filósofa “a consciência da nossa finitude se dá a partir da compreensão de tempo infinito que vai do passado ao futuro”. Nós vivemos no presente, que se torna um campo de batalha pelo conflito permanente entre passado e futuro – “um não-mais que o empurra para a frente e o um ainda-não que o empurra para trás”. Nesse contexto a única certeza que temos é a morte.

A consciência da nossa finitude faz com que o ego pensante não seja limitado pelo cotidiano. Ele trava uma batalha contra o próprio tempo, pois enquanto esse é infinito, nós estamos aprisionados em um corpo que é finito.

Diante disso Arendt (2000) afirma que o lugar do ego pensante pode ser determinado do ponto de vista temporal. Ele está localizado temporariamente numa lacuna entre passado e futuro, isto é, no presente. 

De acordo com as palavras da nossa filósofa:

“as duas forças antagônicas, passado e futuro, são indefinidas quanto a origem. Observadas da perspetiva do presente, que se encontram no meio delas, uma vem do passado infinito e a outra vai para o futuro infinito. Mas embora o começo seja desconhecido, elas têm um fim, o ponto que elas se encontram e colidem, que é o presente. A força diagonal  (cadeias de pensamento) é o contrário”.

Em suma, enquanto passado e futuro têm um fim conhecido, isto é, elas desembocam no presente. O pensamento por sua vez, partindo do presente, não tem um fim determinado. 

A partir daí o que podemos concluir? Mais importante do que saber onde estamos quando pensamos, é saber que pensamos. E que esse pensamento é fundamental para uma vida ativa. Pois ele nos possbilita ir além das limitações que o cotidiano nos impõe.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.