Mas não é sobre isso essa crônica. É sobre quando eramos jovens e vivíamos perigosamente. Quando trocávamos a noite pelo dia. Tomávamos todas como se não houvesse o amanhã. Amávamos sem pudor. Cabulavamos aula pulando o muro da escola para ir assistir futebol. De quando, quando acreditávamos em algo estávamos dispostos a morrer por isso. De quando incomodar para nós era uma necessidade – seja através do nosso jeito de se comportar, se vestir, das nossas gírias, da música que ouvíamos. Dos ídolos que cultuavamos. Se não concordavamos com algo não cruzavamos os braços e calavamos a boca. Não aceitavamos que nos dissem o que deveríamos fazer, como deveríamos nos comportar.
A lembrança desse tempo me veio na cabeça diante de uma conversa entre dois colegas que mostravam-se indignados diante da falta de interesse dos jovens pelos estudos. – Você não concorda? Questionou me um deles. Não, eu não concordava. Mas não estava com disposição de abrir um debate com criaturas que mostravam um profundo ressentimento nas suas falas – pessoas dominadas pelo ressentimento são incapazes de uma discussão racional. Dei uma ignorada e continuei a minha leitura – a vida é muito preciosa para perdermos tempo com pessoas de alma pequena.
Diziam que nós não teríamos futuro. Que não seríamos ninguém. Mas não nos importávamos. É verdade que não sabíamos o que queríamos. Mas tínhamos certeza do que não queríamos. Não queríamos nos tornar indivíduos medíocres. Que se anulavam em troca de algum prestígio – cadáveres ambulantes que apenas faziam peso na terra.
Para aqueles cadáveres era uma provocação jovens cheios de vida – vivendo a vida. E como zumbis nos atacavam buscando nos transformar num deles. E conseguiam fazer isso com muitos. Mas não com a gente. Éramos muito obstinados para nos deixar cair naquela armadilha. Viver perigosamente era a nossa forma de resistir aquele teatro dos vampiros. Aprendiamos muito mais com a Legião Urbana do que com certos professores.
“Sempre precisei de um pouco de atenção.
Acho que não sei quem sou
Só sei do que não gosto.
E destes dias tão estranhos
Fica poeira se escondendo pelos cantos.
Este é o nosso mundo
O que é demais nunca é o bastante,
E a primeira vez é sempre a última chance.
Ninguém vê onde chegamos
Os assassinos estão livres, nós não estamos...”.
Não conseguimos mudar o mundo, na verdade, nem a nossa cidade. O avançar da idade nos fez adquirir uma certa prudência. E viver perigosamente já não nos parece tão atrativo. No entanto aquele jovem rebelde continua dentro de mim, evitando que me torne o cadáver ambulante. E isso só é possível por que quando éramos jovens não nos sucumbimos a pressão social. Ora, vivendo o que vivi e me tornando o que me tornei. Como poderia não compreender que muitos jovens vivam perigosamente. A verdade é que me alegro que seja assim. O que me deixa triste é ver um jovem se comportando de forma contrária. Não sabe ele que está caminhando para uma morte prematura – a pior morte possível – morrer em vida.
Para concluir vale a pena lembrarmos de Nietzsche e sua filosofia de afirmação da vida. Aliás, nosso filósofo em “além do Bem e do Mal” fala sobre como esse período da nossa vida irá nos afetar no futuro. Sobretudo pelo fato de que nesse período de transição acabamos punindo a nós mesmos pela desconfiança nos nossos sentimentos. E assim quando nos tornamos adultos a tendência é tomar partido contra a juventude. Já nós que agimos de forma contrária certamente temos uma posição mais compreensiva.
Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.