quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Gestão “Despertar é preciso!”: Um breve balanço.

Um galo sozinho não tece uma manhã:
Ele precisará sempre de outros galos.
De um galo que apanhe esse grito que ele
E o lance a outro;

João Cabral de Melo Neto

Quando ingressei no curso de licenciatura em Filosofia da Universidade Federal do Tocantins não estava nos meus planos militar no movimento estudantil e muito menos participar da gestão do Centro Acadêmico (C.A). No entanto ao me deparar com uma situação de aparelhamento político do CAFIL voltado para interesses particulares, não pude me omitir.

O primeiro passo então foi articular a derrubada da gestão comandada por uma figura bastante oportunista, gestão que já tinha terminado, mas a figura continuava se autointitulando presidente do C.A de Filosofia. Aliás, essa figura fez várias mudanças no Estatuto (sem a realização de uma assembleia geral) e articulou um processo eleitoral “á toque de caixa” para permanecer na gestão. Ele não contava que um grupo de estudantes começasse a questionar e a denunciar as fraudes. Obrigando-o a recuar.

Como resultado desse recuo foi realizado verdadeiramente uma Assembleia Geral que desfez todas as mudanças estatutárias que haviam sido feitas sem o devido processo legal e elegeu-se uma Comissão Eleitoral (da qual eu fazia parte) para conduzir um uma eleição legitima. Isso foi um marco importante por que deixou claro que os estudantes não aceitariam falcatruas na condução do seu Centro Acadêmico. 

Com o processo eleitoral uma nova gestão foi eleita. Uma gestão que teve momentos interessantes como, por exemplo, na realização da festa “Dionisíacos” em parceria com o C.A de Teatro. Mas que não conseguiu manter uma dinâmica boa durante toda a gestão – acompanhando as reuniões do colegiado, do conselho diretor e mantendo um contato mais próximo com todos os estudantes do curso. Inclusive acabou deixando o CAFIL entrar em vacância mais uma vez. Porém há de se ressaltar, que se essa gestão não conseguiu um grande êxito. Pelo menos não usou o C.A para beneficio próprio como fez à gestão anterior.

Era o inicio de 2017 e o CAFIL mais uma vez estava em vacância. Uma situação que muito me incomodava, mas sozinho não poderia fazer muita coisa. Foi então que um grupo de estudantes mostrou-se interessado em assumir a direção do Centro Acadêmico de Filosofia. O que me animou a tomar a frente para viabilizar o processo eleitoral. Articulamos a realização de uma Assembleia Geral e elegemos uma Comissão Eleitoral para conduzir a eleição futura.

Essa Assembleia Geral foi muito importante também por que fizemos mudanças estatutárias fundamentais. Mudanças que culminariam num Estatuto que representasse a realidade das e dos estudantes do curso de Filosofia da UFT. Pois o anterior era simplesmente uma copia de outros estatutos de outros cursos. E dessas mudanças talvez a mais significativa foi ter organizado a Coordenação Geral numa perspectiva horizontal de gestão. E como símbolo disso, aboliu-se a figura do presidente e do vice-presidente. 

Nessa Assembleia Geral começou um movimento de alguns estudantes querendo que eu encabeçasse uma chapa. Mas continuava sem querer participar diretamente. O fato é que durante o processo acabou acontecendo um racha entre os únicos estudantes interessados em compor o que seria uma chapa única e a partir dai o que se vislumbrava era que o CAFIL continuasse em vacância, já que ninguém queria assumir a sua coordenação. 

E foi diante desse quadro que decidimos montar a chapa Despertar é preciso! Mesmo assumindo a tarefa de montar a chapa (composta por 5 mulheres e 3 homens) não queria encabeça-la. Mas no final das contas, coletivamente, decidimos que eu deveria assumir essa tarefa. 

Não foi difícil sermos eleitos, erámos chapa única. De modo que as opções que os estudantes do curso tinham não eram muitas – nos eleger ou ficar sem representantes. Bom, às vezes é melhor ficar sem representantes do que eleger algumas figuras. Mas, cerca de 95% dos que votaram, decidiram que erámos a melhor opção. E em março daquele ano, assumimos. Assumimos com a dura missão de resgatarmos a credibilidade do CAFIL junto aos estudantes do curso. Partindo de uma organização numa perspectiva horizontal, fazendo uma gestão coletiva, submetendo nossas ações a avaliação dos nossos representados e atuando de forma autônoma. Em suma, uma gestão inspirada nas melhores tradições da esquerda revolucionária.

Gestão Desperta é preciso!

Quando completamos 01 ano a frente do Centro Acadêmico, fizemos uma Assembleia Geral dando a possibilidade dos estudantes decidirem se nossa gestão continuaria ou não. Não há nada no nosso Estatuto que nos obrigasse a isso. Mas nós fizemos em respeito a essas tradições que nos guia. E por unanimidade a Assembleia Geral aprovou a nossa permanência a frente do CAFIL. 

Não temos dúvida que isso se deu como reflexo da gestão que fizemos. E cabe aqui elencarmos algumas conquistas não para nos vangloriar, mas no sentido de mostrar a importância de um Centro Acadêmico com uma gestão atuante – pensando no bem comum.

Conseguimos a oferta de disciplinas de Verão no curso; Conseguimos que os estudantes ameaçados de ser jubilados permanecessem mais um semestre para se formarem; Conseguimos que os requerimentos dos estudantes fossem levados para o colegiado; Evitamos a vinda de um professor fascista para o curso; Conseguimos um ônibus para levar uma caravana ao ENEFIL (Encontro Nacional de Estudantes de Filosofia) em Fortaleza – CE; Participamos da recriação da Executiva Nacional de Estudantes de Filosofia (ENEF) e da Comissão Eleitoral do Diretório Central dos Estudantes da UFT. 

Além disso, conseguimos uma maior interação entre todos os períodos do curso. Realizamos a recepção dos Calouros e Calouras, criamos blog, e-mail e demos uma nova dinâmica para os grupos do CAFIL nas redes sociais. Participamos ativamente das reuniões do Colegiado defendendo os interesses das e dos estudantes – publicizando as decisões que ali eram tomadas através de informes. 

Contribuímos com a construção do Novo PPC do Curso. Participamos dentro das nossas possibilidades do Conselho Diretor do Campus e nos posicionamos contra o calendário atualmente em vigor. Ajudamos a organizar os eventos do curso e por fim acabamos assumindo a organização da jornada filosófica – outro marco importante diante do fato de que os estudantes nunca haviam assumido totalmente a organização de um evento acadêmico no curso. E a última edição mostrou um fortalecimento do evento e o aumento da sua credibilidade com a participação de acadêmicos de outras instituições de ensino, inclusive de fora do Tocantins.

Defendemos a aprovação da criação de uma Revista dos Graduandos de Filosofia da UFT e da criação de uma premiação para os melhores trabalhos de Conclusão de Curso – propostas que foram aprovadas no Colegiado de Filosofia. Também lutamos pelos laboratórios do curso que estão sendo instalados no bloco B, assim como uma sala para o CAFIL. É importante ressaltar também a realização de assembleias gerais periódicas, publicação de boletins no final dos períodos e a confecção das camisetas criando uma identidade maior entre nós e um sentimento de pertencimento ao curso. 

Não ficamos alheios à conjuntura de ataques aos direitos dos trabalhadores e ao sucateamento da educação pública. E assim nos fizemos presente na construção do Comitê Reage UFT e na realização da Greve Geral contra a reforma da previdência e reforma trabalhista. Também participamos de uma manifestação nacional dos estudantes de filosofia – na capital Cearense – em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade.

Todas essas ações que fizemos nesses quase dois anos de gestão, faz com que deixemos o CAFIL UFT, que na nossa gestão passou a se chamar CAFIL Prof. José Manoel Miranda, em outro patamar de respeito e credibilidade tanto dentro como fora da UFT. Não foram poucos aqueles que cogitaram a nossa permanência. E entendo isso como um reconhecimento ao trabalho feito pela nossa gestão. 

Mas vemos como bom a eleição de uma nova coordenação, com novos estudantes, que darão um novo gás ao CAFIL. E ficamos felizes em ver que duas chapas disputaram as eleições para coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da UFT. Ainda mais quando recordamos que ninguém queria essa tarefa quando assumimos.

Por fim, não tenho dúvida que o êxito da nossa gestão foi ter si guiado pelas melhores práticas da esquerda revolucionária. Não que não tivemos derrotas, que não erramos, que algumas vezes nos questionávamos se valia a pena. E nesse meio tempo alguns ficaram pelo caminho – dos 08 membros da chapa – apenas cinco permaneceram até o fim. Mas os motivos para comemorar são maiores que as nossas frustrações. De modo que chegamos ao fim com o sentimento de missão cumprida. E o fundamental, plantamos uma sementinha que esperamos que dê frutos.

Pedro Ferreira Nunes – É Estudante do Curso de Licenciatura em Filosofia da UFT e Fez parte da Gestão Despertar é preciso! Á frente da Coordenação Geral do CAFIL Prof. José Manoel Miranda.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Fogos em Lajeado

Ah, vida boa
de parlamentar!
Conforto em primeiro lugar
Roubando e ensinando a roubar
sempre mentir...

Ratos de Porão

No dia 18 de dezembro a cidade de Lajeado foi despertada com uma queima de fogos. Quando isso acontece à população da cidade já sabe: é algum acontecimento político no munícipio. Nesse caso se tratava da noticia que os vereadores Adão Tavares (PTN) e Emival Parente (PDT) haviam conseguido uma liminar para retornar ao cargo após serem afastados pelo juiz Alan Ide Ribeiro (da comarca de Tocantinia) a pedido do Ministério Público.

De fato os vereadores têm motivos para soltar fogos, pois quem em sana consciência abriria mão por bel prazer da “vida boa de parlamentar” seja a nível federal, estadual ou municipal. Que o diga Tiririca que renunciou o mandato com todo um discurso moralista de decepção com a politica, mas já na eleição seguinte se candidatou novamente e se elegeu. Se tratando dessas duas figuras que fazem da política suas profissão, isso não é nem cogitado. Adão Tavares tem quase 20 anos de vereança e Emival Parente não fica atrás.

Mas se os vereadores têm bons motivos para soltar fogos não podemos dizer o mesmo da população lajeadense. Essa só tem o que lamentar ao ver o legislativo lajeadense nas mãos de um bando de achacalhadores. Pois é para isso que aponta as investigações do Ministério Público e que vem embasando as decisões do juiz Alan Ide Ribeiro em relação ao caso do ICMS oriundo do funcionamento da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães no munícipio.

O Ministério Público aponta para a existência de uma espécie de “mensalinho” na Câmara de Vereadores de Lajeado para a aprovação de uma lei abrindo mão de parte do recurso ao que o munícipio tinha direito. Explicando melhor. Segundo o MP, nossos mandatários fizeram um acordo, mediado por um escritório advocatício (Melo & Bezerra), no qual o munícipio de Lajeado abriu mão de 50% dos recursos ao que tinha direito – cerca de 200 milhões. E dos 50% que recebeu, uma parcela robusta (20%) ficou com o escritório Melo & Bezerra. Em suma, no final das contas só chegou aos cofres do município cerca de 80 milhões, dos 200 milhões ao qual teria direito.

Dinheiro público que deveria ser aplicado na educação, na saúde, no turismo, na geração de emprego, na segurança pública e no transporte para melhorar a vida sofrida do povo lajeadense.

Na decisão da juíza Célia Regina Regis do TJTO (Tribunal de Justiça do Tocantins) deferindo a liminar de recondução dos vereadores Emival Parente e Adão Tavares as suas cadeiras no legislativo lajeadense. O que chamou atenção mesmo foi o fato de que ela não descarta a participação dos parlamentares no esquema de desvio de recursos do ICMS do munícipio. Tanto que ela manteve a decisão da primeira instancia de bloqueio de bens dos acusados.

Na sua sentença a juíza deixa claro que foram “evidenciados indícios da materialidade e autoria delitiva”. Traduzindo para linguagem popular o que ela disse foi: - Eles têm culpa no cartório. Daí que segundo o seu argumento é preciso manter o bloqueio de bens para que aja um possível ressarcimento aos cofres públicos do munícipio. Apesar disso ela não vê justificativa para afastar os parlamentares dos seus mandatos no legislativo municipal. E argumenta que Adão Tavares e Emival parente foram legalmente eleitos e “sem elementos que indiquem a autorização legal da medida, representa uma verdadeira usurpação ao mandato, conferido legitimamente pelo povo”.

Nos parece uma sentença bastante contraditória – e diria um especialista em matéria de lógica (coisa que eu não sou) – sem lógica. Mas isso não é novidade quando se trata de decisões judiciárias, não é mesmo?! Ora se a magistrada reconhece a existência de provas que comprovam o envolvimento dos acusados num esquema de corrupção, inclusive determina a manutenção do bloqueio de bens dos envolvidos. Como pode permitir que voltem a exercer os seus mandatos quando está evidente que estes vereadores utilizam suas cadeiras no parlamento não para representar o povo mas os seus próprios interesses?

Outra afirmação da juíza Célia Regina Regis que merece ser questionada é até que ponto pode se afirmar que estes vereadores foram eleitos legalmente. Ainda mais quando não se pode descartar que dinheiro do esquema foi utilizado nas suas campanhas de reeleição. E se utilizaram dinheiro de corrupção para financiar suas campanhas, não foram eleitos legalmente. Eis um ponto que merece ao menos ser investigado.

É importante também destacar que esse não é o único escândalo de corrupção em Lajeado no qual o nome dos vereadores Emival Parente (PDT) e Adão Tavares (PTN) aparece. Eles também foram denunciados juntamente com outros políticos da cidade (incluindo o atual prefeito Tércio Neto (PSD) e sua antecessora Márcia Reis) no esquema de doação de lotes (públicos) em troca de apoio politico no pleito eleitoral de 2016. Esquema esse revelado por uma operação da Policia Federal – denominada de “Colheita”. Que também apurou a transferência irregular de eleitores para o munícipio – beneficiando tanto Adão Tavares, Emival Parente entre outros.

Isso nos remete ao ponto anterior, isto é, ao questionamento sobre até que ponto estes senhores se elegeram legalmente. De modo que mantê-los no cargo com a justificativa de que a vontade popular não deve ser contrariada, não é razoável. A verdade é que a vontade popular foi contrariada no momento que estes vereadores, que foram eleitos para representar os interesses da população, utilizam o mandato para praticar ilícitos. E não sou eu que estou dizendo isso – é o Ministério Público através de provas concretas.

Para finalizar, quando o lajeadense ouve ecoar no céu o estouro dos foguetes, ele não fica alegre. Pois sabe que não se trata da inauguração de uma obra. Ou de alguma conquista para o munícipio que melhorará a vida dos cidadãos. Quando você ouve foguetes no meio da semana por essas bandas, pode ter certeza, é alguém comemorando a desgraça de alguém. E no meio desse fogo cruzado fica a população inerte, “com a boca escancarada cheia de dentes”, tomando cachaça e “esperando a morte chegar”.

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.


domingo, 16 de dezembro de 2018

Obviedades: Sobre a situação do DCE UFT.

O Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Tocantins encontra-se em vacância mais uma vez (se não me engano desde outubro – quando finalizou o mandato da ultima gestão eleita). Desde então várias tentativas de realização de um CEB (Conselho das Entidades de Base) não vingaram. Por que não vingaram? Eis a questão que pretendemos responder.

As justificativas que vieram a público até o momento são diversas. Entre elas, duas me chamaram atenção. A primeira foi acerca de quem teria legitimidade para convocar um Conselho de Base. E a segunda foi por questões estruturais. O que me chamou atenção é que para mim essas justificativas revelam uma pequenez política do movimento estudantil na UFT. Não, não me apedrejem. Explico por que. Antes compreendamos o que é pequenez política.

Pequenez política é quando agimos de forma mesquinha – pensando mais nos nossos interesses pessoais do que na coletividade. Para conseguir os nossos objetivos não pensamos duas vezes em agir com baixeza e utilizando de artifícios intelectualmente e moralmente condenáveis. Ousaria dizer que quem age com pequenez na política não faz política e sim politicagem.

Voltemos à questão. Em relação a legitimidade para convocar o Conselho de Base ficou notório a tentativa de falsificar o estatuto da entidade para dar legitimidade para quem já não tinha. Já em relação à falta de estrutura um movimento estudantil que não tem a capacidade de se autofinanciar para realizar um encontro anualmente não sei nem o que dizer. Não há justificativa. Mas o pior é que quem conhece os bastidores sabe bem que não é isso. Tanto a legitimidade para convocar o CEB como a questão estrutural seria facilmente superada se houvesse disposição para o diálogo e os interesses coletivos fossem colocados acima dos interesses particulares.

Mas não, preferem ficar perdendo tempo numa disputa mesquinha para ver quem consegue convocar o CEB que dará quórum. E por que isso? Por que acreditam que assim conseguiram vantagens na disputa futura. Por isso boicotam-se mutuamente (O problema é que sem CEBE não há disputa). E quem perde com isso? Todas e todos os estudantes da Universidade Federal do Tocantins que estão sem o seu órgão máximo de representatividade. E a perspectiva é que entremos em 2019, um ano nebuloso com a ascensão de um governo de extrema direita na presidência da república, sem uma nova gestão. E isso, por pequenez política do movimento estudantil na UFT.

Ora, antes do inicio de qualquer campeonato esportivo os dirigentes precisam se reunir para deliberar acerca do regimento que irá regular as disputas, como também quem serão os responsáveis por garantir que esse regimento seja respeitado. Sem isso não há jogo. De modo que os envolvidos tem que deixar a rivalidade de lado e sentarem na mesma mesa para construir se não um consenso, pelo menos algo aprovado pela maioria.

As eleições para um Diretório Central dos Estudantes (DCE) não é uma disputa esportiva. Mas o processo não é muito diferente. Para que aja eleição é preciso elaborar um regimento eleitoral e eleger uma Comissão que ficará responsável por garantir o respeito a esse regimento. Sem isso não há eleição. De modo que as entidades de base (Diretórios Acadêmicos e Centros Acadêmicos) precisam sentar na mesma mesa para deliberar sobre o regimento das eleições bem como quem será a Comissão Eleitoral. E isso se dá através da realização do CEB.

Bom, o que acabo de dizer é bastante óbvio. Todos que estão envolvidos no processo têm plena consciência disso. Mas por que agem de forma diferente? Isso evidência mais ainda as suas pequenez politica.

Pedro Ferreira Nunes – Cursa Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Conto: Morro encantado

Quando Sophia ia passar férias em Lajeado, adorava ouvir as estórias que sua bisavó lhe contava a cerca daquele lugar encantador. Ela tinha uma paixão inexplicável por aquele lugar – mesmo não sendo dali. Mas lá no fundo do seu coração era como se fosse. Até por que, ali era a terra de sua bisavó, de sua avó e de sua mãe.

- Bisa, por que aquele morro se chama morro encantado?

- Oh, minha filha é uma estória longa. Tem certeza que quer ouvir agora? Vai brincar mais os teus amiguinhos, aproveita o tempo que as férias já estão acabando e logo tu volta pro Goiás. 

- Não vó. Não quero brincar agora. Conta vai, a senhora sabe que adoro ouvir essas lendas.

- Isso não é lenda não menina. Isso aconteceu mesmo e ainda acontece. Que o diga os pescadores que andam por aquelas bandas.

A verdade era que dona Maria Lucia, a bisavó de Sophia adorava contar aquelas estórias. Estórias que ela ouvia quando criança. E contar aquelas velhas estórias, que quase ninguém se lembrava por ali, era uma forma dela rememorar a sua infância. Quando a velha Maria Lucia contava aquelas estórias para sua bisnetinha Sophia, ela voltava a ser a criança que fora há muitos anos.

- Minha querida há muitos anos atrás não existia a cidade de Palmas, nem Lajeado, nem Tocantinia, nem Miracema. Muito menos existia o estado do Tocantins. Nessa região existia apenas a cidade de Porto Nacional, que antes, ainda na época do império se chamava Porto Real – um povoado que se tornou cidade graças ao garimpo de pedras preciosas. Nesse tempo não havia estradas, todas as mercadorias que chegavam e saiam de Porto Real era pelo rio Tocantins através de barcos e de canoas. Esse era o transporte mais utilizado nessa região. 

- E como eles faziam para passar pela usina hidrelétrica bisavó?

- Vixe. Essa usina aqui foi construída muito tempo depois. Tu nem imagina o quanto isso aqui era diferente, o quanto isso aqui era bonito antes da construção da usina hidrelétrica. 

A velha suspirou e disse: Ah, aquele sim, foi um tempo bom, tempo que não volta mais minha querida. Mas também era muito perigoso. Muitos navegadores tiveram seus barcos tombados e perderam a vida nessas águas.

- É a senhora já me contou algumas dessas estórias, mas também com tantos animais encantados que habitam essas águas. Não é de se admirar que tanta gente tenha morrido neste rio não é mesmo?!

- Mas sabe Sophia. O maior perigo não era nem os animais encantados que vivem nas águas do Tocantins, mas sim as seis cachoeiras, que eram quase impossíveis de embarcações, passar sem tombar e afundar. Passar a cachoeira do quebra cocos, dos pilões, de todos os santos, e dos mares até que era tranquilo, mas passar a do Lajeado e a do funil era quase impossível, só os melhores canoeiros e barqueiros conseguiam. Mas deixemos a estória das seis cachoeiras de lado que outra hora de conto, vamos falar sobre o morro encantado.

- Tá certo bisa. Mas me diga antes. Pra onde eles iam com essas mercadorias se não existia nem Palmas, Lajeado, Miracema e Tocantinia?

- Eles iam para Marabá e Belém no Pará. 

- Já existiam?

- Sim.

- Tá bom bisa. Continua a contar então sobre a estória do morro encantando.

- Certa vez um barco carregado de pedras preciosas partiu de Porto Real rumo a Belém do Pará. E no caminho esse barco foi assaltado por uns piratas.

- Piratas no rio Tocantins?

- É o que o povo conta minha filha. Para ti dizer a verdade não sei bem nem o que é pirata.

- São ladrões bisa.

- Isso mesmo. Eles assaltaram o barco e conseguiram tomar todo o ouro que havia. E em seguida se esconderam neste morro carregados de ouro, diamante e outras pedras preciosas. Pois sabiam que não tardaria da coroa portuguesa que era dona de todo aquela riqueza mandar os guardas imperiais em busca da carga roubada pelos piratas.

- Nossa!

- E eles estavam certos. Não tardou do rio Tocantins ser tomado por embarcações oficiais vindo de Porto e de Belém. Os guardas imperiais não demoraram de achar o rastro dos piratas e logo adentraram a serra em busca deles. E assim que os encontraram começou uma grande troca de tiro. Os piratas perceberam que não conseguiriam resistir por muito tempo aos ataques dos guardas imperiais, pois suas munições já estavam no fim. Decidiram então esconder o ouro e fugir, e assim depois de algum tempo voltariam para busca-lo. Mas na fuga pelo morro acabaram sendo mortos pelos guardas imperiais. E mesmo o local sendo revirado de ponta a ponta o ouro nunca fora encontrado.

- Até hoje?

- Sim. Assim o povo conta.

- Quer dizer que tem um tesouro escondido no morro encantado?

- Depois desse acontecido, todos os pescadores e viajantes que navegam por aquelas bandas à noite, relatam a aparição de uma enorme bola de fogo protegendo o local. O povo mais velho acredita que essa bola de fogo é uma proteção do tesouro escondido pelos piratas, que foram mortos ali e se tornaram seres encantados e é dessa estória que nasceu o nome de morro encantado.

- Que estória incrível bisa. Inacreditável. Daria para fazer um filme.

E dona Maria Lucia ficava extremamente feliz ao ver o encantamento de Sophia por aquelas velhas estórias.  Ainda mais por que ninguém por ali se importava com aqueles causos populares, especialmente os mais jovens. E a falta de interesse levaria ao desaparecimento dessas estórias que são passadas de geração em geração de forma oral. No entanto para dona Maria Lucia ter uma jovem interessada por essas estórias era um sinal de que esses causos e contos populares permaneceriam vivos.

- Quem sabe Sophia não se torne uma escritora um dia e escreve essas estórias para que elas nunca se percam. 

Pensava consigo a velha Maria Lucia orgulhosa da sua bisnetinha que a fazia lembrar do seu tempo de criança. 

Por Pedro Ferreira Nunes - Poeta e Escritor popular tocantinense. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

“Não seja um universitário imbecil”

Quando entramos na academia corremos o risco de nos achar seres superiores aos demais, passamos a desprezar o conhecimento popular e nos isolamos do restante da sociedade. Foi a esse processo que o Educador Francisco Alemberg se referiu quando nos disse para não ser universitários imbecis – que acredita ser os detentores do conhecimento, os únicos capazes de transformar a sociedade com nossas teorias de gabinete.

Alemberg nos desafiou a sair das nossas redomas de vidro, colocar o pé no chão e ir ao encontro do povo. Não para levar nossas teorias buscando liberta-los, mas dispostos a aprender, e a partir dai construir conjuntamente trincheiras de resistência contra esse sistema que nos segrega. E ele tem bastante legitimidade para nos dizer isso. Pois criou uma organização social (Fundação Casa Grande) no sertão do Cariri de renome internacional – colocando uma pequena cidade interiorana que era invisível no Brasil, diria que até mesmo no Ceará, no mapa mundial. E o principal, dando condições para que as pessoas que ali vivem construam sua autonomia e sejam protagonistas de suas histórias.

No interior as elites políticas querem tudo, menos sujeitos autônomos capazes de questionar sua autoridade. Daí que muitos preferem migrar para os grandes centros em busca de melhores condições de vida. Alemberg nos mostra que essa não é a alternativa, precisamos permanecer no interior e criar condições para ter uma vida digna sem precisar deixar nossa terra. Ele nos mostra que isso não é impossível. O interior tem um acervo riquíssimo que pode ser explorado sustentavelmente em beneficio da comunidade – o que falta são sujeitos dispostos a fazer em vez de se acomodar.

Alemberg nos desafiou a olhar para o entorno da universidade, a observar o que está sendo produzido nas comunidades populares, trazer esses saberes para universidade e aprender com eles. Quando ele disse isso fiquei imaginando de quanta coisa bacana do ponto de vista cultural, cultura de resistência – temos no nosso entorno, mas que não damos o devido valor. Me refiro por exemplo as pinturas rupestres na Serra do Lajeado, a Arca em Miracema, a Arte Cerâmica das Mulheres Artesãs do Município de Lajeado, a Fundação Fava de Bolota em Palmas, o Projeto Viola de Vereda, Tambores do Tocantins, sem falar no artesanato indígena e quilombola. 

Porém é preciso não ser um universitário imbecil para poder perceber toda essa riqueza e aprender com ela. Nós a frente da gestão Despertar é preciso! do Centro Académico de Filosofia da UFT – CAFIL Prof. José Manoel Miranda sempre defendemos a necessidade de derrubarmos os muros que separa a universidade do resto da sociedade. É por isso que nos eventos que ajudamos construir fazemos questão da participação de grupos de cultura popular. E nessa V Semana Intercursos de Filosofia e Teatro a presença do Francisco Alemberg na conferência de encerramento foi mais um passo nesse sentido.

Um evento que teve como tema: “Arte, política, hoje” não poderia ter sido encerrado melhor como foi com a fala do Alemberg – compartilhando conosco sua rica experiência no sertão nordestino, mostrando como a arte é um poderoso instrumento de formação e construção de autonomia dos sujeitos. Muito significativo também para nós tocantinenses, é que Alemberg tem uma ligação forte com esse antigo norte goiano, pois viveu parte da sua infância e juventude em Miranorte, e ali aprendeu a importância da música na sua formação – um elemento fundamental em todo o trabalho que ele desenvolve.

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e militante do Coletivo José Porfírio. Cursou a faculdade de Serviço Social e atualmente cursa Filosofia pela UFT.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Breve reflexão sobre “responsabilidade política”

O que seria ter responsabilidade política? O ponto de partida para responder essa questão é entender o que é política. Pois não tem como falar em responsabilidade politica se não sabermos antes o que é política. Tal questão se torna ainda mais fundamental nos nossos dias que parece se caracterizar por uma negação da política.

A palavra política vem do grego polis que significa cidade. E de acordo com Marcondes (2001), é “tudo aquilo que diz respeito aos cidadãos e ao governo da cidade”. Isto é, aos negócios públicos. E aqui já observamos três conceitos importantes para compreensão da política: Cidadão, Governo e Público. Não, não destrincharemos cada um deles. Mas é importante notar que no seu sentido original, a política é constituída desses três elementos. 

Na tradição clássica em geral Marcondes (2001) nos diz que “a política pertence ao domínio do conhecimento prático e é de natureza normativa, estabelecendo os critérios da justiça e do bom governo”. Tendo como fim a busca pelo bem-estar na sociedade – na existência coletiva.

Aranha (2003) também segue essa linha, apontando a política como “a arte de governar, gerir o destino da cidade”. Ora, quem tem o dever de fazer isso se não os cidadãos através da intervenção na esfera pública?! A autora nos trás dois conceitos importantes para compreendermos a política – poder e força. Para Aranha (2006) “a política se refere às relações de poder” e para que alguém exerça esse poder é necessário força. Ressaltando que quando em política se fala em força não necessariamente está se falando do uso da violência explicita.

Diante dessa questão é possível fazer uma relação com o que diz Marcuse na sua obra: “A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem Unidimensional”. Este autor vai exatamente apontar a instrumentalização da tecnologia para dominação política. Ele nos diz que “a tecnologia serve para instituir formas novas, mais eficazes e mais agradáveis de controle social e coesão social.” (1973, p. 18) E como fica a política nesse contexto? A política é negada, sobretudo, quando de acordo com Marcuse (1973) o debate político perde a “sua função critica básica” de independência de pensamento, autonomia e direito à oposição. 

Nessa linha de negação da política que nos parece ser uma das características da contemporaneidade é importante trazer a reflexão do filosófo Desidério Murcho no seu artigo sobre “O fim da política”. Murcho (2010) afirma que atualmente um interesse intenso pela vida política só faz sentido para generalidade das pessoas quando o conforto da sua vida privada está em risco, ou quando têm a esperança de que uma mudança política terá resultados importantes para qualidade da sua vida privada. 

Desse modo é plausível falar em fim da política, pelo menos no seu sentido clássico – onde a preocupação como vimos era com o bem comum, o coletivo, o público e não a vida privada de cada indivíduo . Para Murcho (2010) “a generalidade da população sempre encarou a vida pública como um mero meio para ter uma vida privada melhor”. Dai que para o filósofo só há uma preocupação com a política por parte da generalidade dos indivíduos quando seus interesses privados são atingidos. Para o autor isso explica a ascensão de gestores no lugar dos políticos tradicionais. Que inclusive são eleitos justamente com o discurso de negação da política.

Para onde isso nos levará? Quais as consequências disso para nossa existência coletiva na cidade? Todos estão cientes dessas consequências? Bom, é aqui que entra a questão da responsabilidade. De acordo com Marcondes (2001) “a noção de responsabilidade está estritamente ligada à noção de liberdade, já que um indivíduo só pode ser responsável por seus atos se é livre, isto é, se realmente teve a intenção de realizá-los, e se tem plena consciência de os ter praticado”.

Diante disso é interessante retomarmos Marcuse, sobretudo ao abordar a questão da liberdade na sociedade contemporânea. De acordo este autor (1973) “sob o julgo de um todo repressivo, a liberdade pode ser transformada em poderoso instrumento de dominação.” Ora, como falar em responsabilidade política nesse contexto de negação da politica – uma negação que nos parece que se dá justamente pela falta de consciência das suas consequências.  E o que seria essa responsabilidade política? 

O primeiro ponto é seguir a linha que adotamos nesse texto, isto é, começar por entender o que é política. Sem ter consciência a respeito do que é e qual o papel da política não tem como haver responsabilidade política. Nessa perspectiva é fundamental resgatar o conceito clássico de Política, sobretudo no que concerne a busca pelo bem-estar comum. Apontando o fato de que quando nos preocupamos apenas com o nosso bem estar privado ou de determinado grupo, estamos negando a política e caminhando perigosamente para o campo do fundamentalismo e da intolerância – e não precisamos ir muito longe na história da humanidade para perceber que o saldo desse caminho não é positivo. 

Desse modo, para finalizar, a maior responsabilidade política que devemos assumir é a defesa da política como um elemento central na vida em sociedade – o que novamente nos faz voltar ao ponto de que é preciso saber o que é política e a sua importância para construção de uma sociedade democrática.

Referência Bibliográfica

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia – 3 ed. revista – São Paulo: Moderna, 2003.

MARCONDES, Danilo; JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia. 3º Edição. Jorge Zahar Editor – Rio de Janeiro; 2001.

MARCURSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem Unidimensional. Tradução: Giasone Rebuá. 4º Ed. Zahar Editores – Rio de Janeiro, 1973.

MURCHO, Desidério. O fim da Política. Disponível em: criticanarede.com. Acesso em: 30 de Agosto de 2017.

*Pedro Ferreira Nunes – É Graduando em Filosofia pela UFT.

*Trabalho apresentado à disciplina de Fundamentos de Filosofia Política, do curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Federal do Tocantins. Palmas, 2018.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Poema: Batuque

O batuque dos tambores toca profundo no meu
coração
Não sei por que
Não tenho explicação.
Quando ouço o som dos tambores
Acelera o meu coração.
Samba de coco
Maracatu
Súcia
Tambor de crioula
Ah, não tem jeito não
O som dos tambores mexe com meu coração.

O batuque dos tambores é o grito dos meus ancestrais
que foram arrancados da mãe África
Que foram escravizados, torturados, maltratados.
Mas que bravamente resistiram:
Batucando
Cantando
Dançando
Amando
E lutando.
E é por isso meus irmãos
Que o batuque dos tambores
Mexe com o meu coração.

Por Pedro Ferreira Nunes 

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Sobre as “Noticias do esbulho”.

“Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve, 
sem o agrobiz feroz, 
desenvolvimentista.  
Mas até hoje na verdade nunca houve 
um desenvolvimento tão destrutivista...”
Reis do Agronegócio, Chico César

A divulgação do relatório realizado pela Caravana Matopiba (composta por 34 organizações brasileiras e internacionais) que aponta “indícios de grilagem de terras por empresas nacionais e estrangeiras e as consequentes violações de direitos humanos decorrentes dessas grilagens”. Sem falar dos impactos ambientais. Confirmam o que estamos denunciando já há algum tempo. 

Nunca tivemos nenhuma ilusão que esse projeto tão festejado pelas elites locais traria algum beneficio para os povos tradicionais que vivem na região. E já alertávamos para o fato que “as riquezas que serão geradas por este projeto encherá apenas os bolsos da burguesia agrária e das transnacionais. Enquanto os povos tradicionais dessa região ficaram na miséria e o bioma cerrado será completamente devastado”. (Manifesto: Em defesa do cerrado, em defesa da vida – Não ao MATOPIBA!, 2016) E esse prognostico tem se confirmado como aponta os dados divulgados pela Agrosatélite – de que já foram perdidos cerca de  171,4 mil Km2 do bioma nativo.

O que também tem se confirmado é o aumento da violência e a expulsão dos povos tradicionais – indígenas, quilombolas e camponeses pobres de suas terras. No Tocantins, por exemplo, recentemente tivemos o ataque sofrido pela Comunidade Camponesa Tauá no município de Barra do Ouro. E em Março de 2016 denunciamos as ameaças sofridas por camponeses pobres dos munícipios de Rio Sono e Lizarda. Inclusive naquela oportunidade já alertávamos para o fato de que “casos como esse tendem a se intensificar no MATOPIBA, onde será atingida uma área de mais de 70 milhões de hectares”. (NUNES, 2016)

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) também vem apontando no seu levantamento anual de conflitos no campo o aumento da violência contra os povos tradicionais na região do MATOPIBA. Aliás, violência que nós mesmos sentimos na pele quando nos manifestamos contra o projeto em dois eventos realizado no campus de Palmas da Universidade Federal do Tocantins. E em um desses eventos com a presença de diversas autoridades o objetivo era apresentar o projeto MATOPIBA para investidores internacionais. 

Nessa linha é importante destacar a participação de investidores internacionais no avanço do projeto MATOPIBA. Segundo o documento elaborado pela Caravana Matopiba um levantamento feito na Europa aponta o envolvimento de “fundos de pensão da Holanda, Alemanha e Suécia na expansão do agronegócio e nas apropriações de terras na região” transformando-as em um bem financeiro. E a partir dai a busca é em obter o máximo de lucro possível. De modo que não há nenhuma preocupação com os impactos socioambientais. E a situação se torna ainda mais degradante devido à anuência e omissão por parte dos governos tanto a nível federal, estadual e municipal. 

Essa anuência e omissão são ressaltadas pelo documento ao apontar que “o Estado brasileiro – em níveis federal, estadual e municipal – violou suas obrigações relativas aos direitos humanos ao promover o avanço do agronegócio na região, ao não proteger a população local das ações de grileiros locais, das empresas do agronegócio e dos investidores, e ao não estabelecer uma prestação de contas”. (Caravana Matopiba, 2018).

Diante da conjuntura política atual no Brasil, sobretudo da força da bancada ruralista no congresso nacional e do governo eleito. Infelizmente esse processo tende a se intensificar. O que fica evidente diante do discurso do presidente eleito (Jair Bolsonaro) e do seu futuro ministro da Casa Civil (Onix Lorenzoni) contra as organizações ambientalistas que segundo eles atrapalham o desenvolvimento do Brasil. Nos cabe questionar: Que desenvolvimento? O do projeto MATOPIBA?

O desenvolvimento que vocês prometem conhecemos bem. É o desenvolvimento que Chico César na sua canção-manifesto Reis do Agronegócio denuncia – um desenvolvimento destrutivista. Um desenvolvimento que não interessa aos indígenas, quilombolas e camponeses pobres. E nem a qualquer um que sabe da importância de protegermos e preservarmos nossas riquezas naturais.

É interessante que na hora de criticar as organizações internacionais que apoiam a defesa do meio ambiente o discurso do futuro governo é claro – “não podemos aceitar que essas ONGs ambientalistas interfiram na nossa soberania”. E o que dizer da participação do capital internacional no avanço do agronegócio adquirindo extensas áreas de terra, financiando a violência contra os povos tradicionais e usurpando seus territórios? Isso não vai contra a soberania nacional? 

Diante dessas questões mais do que nunca precisamos nos organizar e nos mobilizar contra esse modelo de desenvolvimento no qual o projeto MATOPIBA esta inserido. Nós do Coletivo José Porfírio temos denunciado e continuaremos denunciando os efeitos nefastos desse projeto, sobretudo no Tocantins. Nos colocamos terminantemente contrários a esse modelo de desenvolvimento que usurpa nossas riquezas e viola nossos direitos. E conclamamos a todos os povos do campo a levantar trincheiras de resistência nessa luta também.

Pedro Ferreira Nunes
Pelo Coletivo José Porfírio

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Ainda sobre as eleições no Tocantins: A vitória.

Se na nossa analise Marlon Reis e o seu partido Rede Sustentabilidade foram os maiores derrotados nas eleições tocantinenses. Quem seria então o maior vitorioso? O governador Mauro Carlesse (PHS) que conseguiu a reeleição ainda no primeiro turno? O MDB que mesmo em crise elegeu a maior bancada da assembleia legislativa? A família Abreu com a eleição de Irajá para o senado? Ou Eduardo Gomes e o seu partido Solidariedade?

Sem dúvida todos esses personagens têm motivos para comemorar. No entanto o maior vitorioso nesse pleito eleitoral foi o senador eleito Eduardo Gomes (SD). Gomes teve a façanha não só de ser eleito (com 248.358 votos) o senador mais votado do Tocantins com pouco mais de 34 mil votos de diferença para o segundo colocado – desbancando figuras com mandato como os senadores Vicentinho e Ataídes Oliveira. Mas também foi o principal articulador e estrategista para que seu partido (Solidariedade) ressurgisse das cinzas e tivesse um grande êxito na eleição de deputados estaduais e federais.

Por exemplo, o partido comandado por Eduardo Gomes elegeu mais parlamentares que o partido de Mauro Carlesse – o PHS. E também mais do que partidos tradicionais como PSDB, PR, PP, PSB e PT. Ficando apenas atrás do MDB.  Enquanto o partido comandado por Eduardo Gomes elegeu 3 deputados estaduais, o MDB elegeu 5. No entanto para a Câmara dos deputados o Solidariedade elegeu 2 deputados enquanto o MDB só elegeu 1. E somando a isso a eleição do próprio Eduardo Gomes para o senado faz do Solidariedade o partido mais vitorioso dessa eleição.

Diante disso, ainda que não fosse eleito para o senado, Eduardo Gomes teria o que comemorar. O que não ocorreu com o PR do Vicentinho que sai menor do que entrou na disputa. A mesma coisa pode se falar do PSD, do PSDB e até mesmo do MDB – que, aliás, foi o que mais perdeu em relação ao que conseguiu eleger em 2014. E em 2016 onde elegeu o segundo maior número de prefeitos.

O Solidariedade por sua vez que saíra derrotado em 2014 tanto com Sandoval Cardoso na disputa pelo Governo como para o senado com Eduardo Gomes perdendo para Kátia Abreu. E que em 2016 elegeu apenas 5 prefeitos – não sendo nenhum dos grandes municípios tocantinenses. Se coloca novamente como uma grande força política no cenário regional. Um fenômeno que se deve inquestionavelmente a liderança de Eduardo Gomes.

Eduardo Gomes não é uma figura nova na política tocantinense. Formado nas fileiras da antiga União do Tocantins (UT) ele já ocupou diversos cargos eletivos, incluindo de deputado federal. E foi justamente a atuação como deputado federal que pavimentou a sua eleição agora para o senado. No entanto, mesmo tendo uma forte ligação política com o Siqueirismo, Eduardo Gomes tem algumas qualidades que falta para maioria dos políticos tocantinenses (especialmente os oriundos da UT). E essas qualidades como capacidade de diálogo, articulador e estrategista fizeram com que ele tivesse a maior vitória dessa eleição tanto do ponto de vista pessoal como do ponto de vista partidário.

Eduardo Gomes tinha tudo para deixar o SD após as eleições de 2014, mas não o fez. Não abandonou o barco como fez Sandoval Cardoso e outros. Em 2016 foi outro momento que ele poderia abandonar o barco em busca de uma estrutura partidária mais forte para disputar uma vaga ao senado, mas também não o fez. Mesmo quando foi indicado para ser suplente do velho Siqueira na disputa por uma vaga ao senado –Eduardo Gomes aceitou com humildade – sem espernear. 

Gomes poderia ter feito como outros que foram em busca de espaços mais privilegiados junto a outras coligações. Ou então poderia se lançar a Câmara dos deputados – que não teria dificuldades para se eleger. Mas ao decidir ficar na suplência de Siqueira mostrou ter visão estratégica e de grupo. Pois se levasse o SD para outra coligação muito provavelmente não teria o mesmo saldo eleitoral. E acabou sendo premiado com a desistência do velho Siqueira de concorrer ao senado por problemas de saúde.

Quando isso se deu escrevemos um artigo falando que a imagem do velho Siqueira iria ser usada para fortalecer as candidaturas dos seus aliados. E foi justamente o que fez Eduardo Gomes. No entanto não podemos reduzir a sua vitória ao apoio do Siqueira. Mas sim a um trabalho de base que ele vem fazendo nos municípios há um bom tempo. Aliás, essa é uma das suas grandes características – atuar nos bastidores, longe dos holofotes.

Diante disso para nós fica evidente que Eduardo Gomes e o seu partido tiveram a maior vitória no pleito eleitoral. E a sua capacidade o coloca numa posição privilegiada diante do governo Bolsonaro (É, governo Bolsonaro, quem diria?!). Sobretudo através do desprezível Onix Lorenzoni. Com isso Eduardo Gomes tem tudo para se tornar a principal referencia política do Tocantins a nível nacional – tomando uma posição que até então era da Senadora Kátia Abreu. 

Esse movimento revela uma mudança importante na política tocantinense. Com uma renovação de quadros tomando uma posição de liderança ainda maior do que já ocupavam. Esse movimento pode ser observado não só pela vitória do Eduardo Gomes e o fortalecimento do seu partido (SD). Mas também com a eleição de Irajá Abreu (PSD) e do próprio Mauro Carlesse (PHS). Por outro lado o que fica evidente é que essa mudança é apenas de nomes já que os interesses que eles representam continuam sendo os das elites.

Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e militante do Coletivo José Porfírio. Cursou a faculdade de Serviço Social e atualmente estuda Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Um show do Matanza

“Ergam seus copos por quem vai partir...”
Matanza

Quando fiquei sabendo que o Matanza ia tocar no Martin Cererê em Goiânia decidi que não poderia perder a oportunidade de ver pela primeira vez aquela banda que eu tanto apreciava, tocando ao vivo. Conheci o som dos caras através de uma rádio chamada Venenosa FM – aliás não só o Matanza mas a maioria das bandas que curto hoje – como Ratos de Porão, Inocentes, Cólera, Garotos Podres, Sex Pistols, Motorhead, Metallica entre outros.

No Matanza o que mais me chamou atenção não foi nem tanto o som, mas as letras. Por exemplo, de canções como “Ela roubou meu caminhão”, “Clube dos canalhas”, “Mesa de Saloon”, “O ultimo bar”, “Eu não gosto de ninguém”, “A arte do insulto” só para citar algumas. O slogan dos caras era “música para beber e brigar”. Eu nunca fui de beber (muito) e muito menos de brigar. Mas aquelas estórias me encantavam. Imediatamente me tornei um fã daqueles que vestem a camisa, cola pôster na parede e tudo mais. De modo que quando soube que os caras estariam em Goiânia – e nesse período eu morava lá – não podia deixar de ir vê-los ao vivo. E assim fiz.

Era uma noite de sábado, a data já não me lembro. Cheguei cedo ao local e fiquei tomando algumas cervejas. Tinha pouca gente, mas aos poucos o público foi aumentando, sobretudo na medida em que se aproximava a hora do Matanza subir ao palco. Logo pudemos perceber que houve um erro de calculo da organização – o público era bem maior do que o espaço podia abrigar. De modo que quando ouvimos os primeiros acordes da banda passando o som, formou-se um tumulto na entrada do salão. Como eu queria ficar mais próximo possível do palco me enfiei bem na frente da galera que pressionava a porta do salão para entrar.

Não foi uma coisa muito inteligente a se fazer. Pois quem estava na frente era pressionado pela multidão atrás. E quando escutávamos os acordes à pressão só aumentava. Com isso muita gente que estava na linha de frente ia desistindo. Eu quase fui um desses, mas como tinha uma boa experiência no Eixão – nos horários de pico, persisti e fiquei até que as portas se abrirem.

Quando as portas se abriram a multidão ocupou todo o espaço. E mesmo assim muita gente não conseguiu entrar. As portas não puderam ser fechadas e nem as janelas – com isso o ar-condicionado foi para o pau. E o palco do Martin Cererê mais parecia uma sauna. Todo mundo começou tirar as camisas, inclusive os membros da banda – que não deram tempo para que houvesse reclamação. Era uma pedrada em cima da outra. 

Eles estavam com o show do disco “MTV apresenta Matanza” cheio de clássicos da banda. Como um mestre de cerimonias Jimmy anunciava os petardos: “Meio psicopata”, “Mesa de Saloon” que para mim tem um dos refrãos mais incríveis da banda “Foi numa mesa de bar que a conheci. Bem no meio do saloon me apaixonei. E logo na manhã seguinte eu descobri. Com ela não consigo mais viver dentro da lei”. E o que dizer da “O ultimo bar” – “O ultimo bar quando fecha de manhã, só me lembra que não tenho aonde ir. Bourbon tenho demais, mas que diferença faz, se você não esta aqui pra dividir?”. E da “Tempo ruim” – “quero que a estrada venha sempre até você. E que o vento esteja sempre a seu favor. Quero que haja sempre uma cerveja em sua mão. E que esteja ao seu lado, seu grande amor”.

Além do Jimmy nos vocais, o Jonas na bateria, o China que ainda era o baixista e o Mauricio na guitarra – que já estava substituindo o Donida nos shows ao vivo, estavam inspiradíssimos naquela noite. E assim o set list ainda contou com “Maldito hippie sujo”, “E tudo vai ficar pior”, “Matarei”, “Clube dos canalhas”, “Eu não gosto de ninguém”, “A arte do insulto”, “As melhores putas do Alabama”, “Ela roubou meu caminhão”, “Whisky para um condenado” entre outras. Foi um show memorável, uma noite inesquecível. Que ganha um sabor mais especial, sobretudo agora que a banda encerrou suas atividades, e que muito provavelmente não terei outra oportunidade de vê-los em ação.

Mas não é por isso que fiquei triste com o anuncio do fim da banda. E sim por que eles estavam no auge. É só analisarmos o ultimo disco que eles lançaram “Pior cenário possível”. Cheio de clássicos como “A sua assinatura”, “Matadouro 18”, “O pessimista” e em especial “Sob a mira”. No entanto, como fã, nos cabe respeitar a decisão dos caras e desejar que eles se realizem nos projetos futuros que vierem a desenvolver. Como também agradecer por tudo que eles construíram juntos e que permanecerá nos discos que eles gravaram.

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A pergunta que não se fez!

A melhor maneira de desviar o foco do problema é fazendo perguntas que não tem haver com a questão em pauta. E me parece que foi exatamente isso que ocorreu no episódio em que policiais civis mataram um policial militar em Gurupi. E se querem tirar o foco com a conivência da imprensa regional é por que tem algo que querem esconder. Para compreendermos o problema precisamos ir à raiz fazendo a pergunta ou as perguntas que ninguém fez.

Mais do que depressa a cúpula da segurança pública do Tocantins veio a público comunicar que não havia uma crise institucional entre as duas corporações. E foi a isso que a imprensa regional deu ênfase – a meu ver para tirar o foco do problema. O problema é saber o porquê e a mando de quem dois policiais militares a paisana (numa moto) assassinaram duas pessoas e balearam outras duas nas ruas de Gurupi. Quem eram essas vitimas? Que crime cometeram? E se cometeram algum crime por que foram executadas ao invés de serem presas? 

São perguntas que precisam ser feitas e que a segurança pública do Tocantins tem a obrigação de responder. Pois se não, estará sendo conivente com os crimes praticados pelos dois policiais militares – crimes confessado num primeiro momento pelo sobrevivente no confronto com os policiais civis. Ao não responder essas questões o governo estadual através da sua secretária de segurança pública nos dá margem para especular a existência de “um grupo de extermínio” no seio da policia militar.

E é a partir dai que surge a pergunta que ninguém fez: existe um grupo de extermínio na polícia militar? O vídeo gravado em tom de ameaça no velório por um companheiro de corporação do policial militar morto no confronto com a polícia civil só corrobora com essa tese. 

De acordo com o portal AF Noticias no vídeo o policial declara que “amigos e combatentes estarão sempre continuando a guerra que ele começou” bem como “o nosso irmão não morreu em vão e vai ser honrado”. A postura da cúpula da segurança pública diante das declarações foi de “jogar panos quentes” dizendo que não se tratava de uma ameaça. Mas as declarações falam por se só e reforça a conivência com os crimes que ocorreram bem como com o objetivo de desviar o foco do problema.

Ora, não houve confronto entre Policia Civil e Policia Militar. O que houve foi um confronto entre uma equipe da policia civil com dois indivíduos numa moto que estavam cometendo crimes pelas ruas de Gurupi – indivíduos esses que depois veio a se saber – eram policiais militares. E esse fato não dá nenhuma margem para que se avente a possibilidade de uma crise institucional entre as corporações. Mas a cerca da possibilidade de existência de um grupo de extermínio sim. É só analisarmos as características das vitimas – todos jovens. Bem como o modus operandis de agir dos executores.

Porém não cabe a mim dá respostas às questões levantadas. Mas sim a cúpula da segurança pública do Tocantins. Para tanto o Ministério Público e a Defensoria Pública devem cobrar essas respostas. Pois a sociedade tem o direito de saber.

Pedro Ferreira Nunes – é Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio. Cursou a faculdade de Serviço Social e atualmente cursa Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Um jabuti no pacote: Comentário sobre a sessão da Câmara de Vereadores de Lajeado que aprovou adicional de Férias para os Vereadores.

Na sessão da Câmara de Vereadores de Lajeado realizada no dia 25 de outubro (2018) foi aprovado um pacote com diversos projetos proposto tanto por parte do legislativo como do executivo municipal. Entres estes projetos um chamou atenção – o que concede adicional de férias para os vereadores. Estava lá escondidinho em meio a outros projetos – como uma espécie de jabuti.

Não, não estamos falando do réptil. Mas de uma prática bastante comum nos legislativos de norte a sul do país – que é a inserção por parte de parlamentares de propostas impopulares no meio de um pacote de medidas. Sendo que essas propostas impopulares destoam do pacote. E como são temas polémicos – a ideia é camufla-lo para que passe sem maiores resistência. Tal pratica é conhecida no meio político como inserir um “jabuti”. Na esfera federal essa questão mereceu inclusive uma decisão do Supremo Tribunal Federal proibindo as chamadas “emendas jabutis”.

Na sessão os vereadores do legislativo lajeadense aprovaram a mudança de nome da Avenida Palmas, que agora passará a se chamar Avenida Anísio Gomes de Gouveia. A denominação de Praia Pública do município do Lajeado. A realização de concurso para escolha do Hino oficial de Lajeado. Além de requerimentos na área de infraestrutura e assistência social. Até ai tudo bem, mas incluir no meio desse pacote a concessão de adicional de férias para os vereadores é muito estranho. Não vou nem entrar no mérito aqui se os vereadores merecem ou não adicional de férias. O que nos interessa é a forma com que o projeto foi pautado e aprovado.

Ora, nos parece bastante evidente que incluir um projeto que cria um adicional de férias para os vereadores que impactará os cofres públicos – num pacote de projetos como mudança de nome de rua é no mínimo questionável. Mas o fato é que não é a primeira ação questionável da autora do projeto que também é presidente da casa de leis – a senhora Leidiane Mota (PSD). 

Ela é autora de projetos de lei como o que cria o serviço de wi fi gratuito na cidade e a oferta gratuita de transporte para os moradores da cidade que trabalham em Palmas – projetos que foram aprovados pelo legislativo lajeadense mas que nunca se efetivaram. Pois na verdade serviram apenas como uma cortina de fumaça “para cobrir o mal estar gerado junto à população com a reforma desnecessária do prédio da câmara municipal” (NUNES, 2017).

Bem, o projeto de lei que cria o serviço de wi fi gratuito na cidade e a oferta gratuita de transporte para os moradores que trabalham em Palmas não saíram do papel. E o adicional de férias para os vereadores sairá? 

Oh, meu camarada. Tu tens alguma dúvida disso? É óbvio que sairá – pois quem são os beneficiários se não os próprios vereadores?! Se ainda fosse para os servidores públicos teria minhas dúvidas. Pois com certeza ouviríamos o discurso de que “estamos em crise e não temos condições” para tanto. Mas como é para criar mais um privilégio para quem já é tão privilegiado não há nem discussão – nem uma audiência pública para pelo menos tentar convencer a população de que os pobres vereadores que ganham um salário de fome precisam de um adicional de férias.

É, no ritmo que vamos, e diante da inercia da população, não me espanta se futuramente propuserem a aprovação de um auxilio moradia.

Pedro Ferreira Nunes – é Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio. Cursou a faculdade de Serviço Social e atualmente cursa Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Soube que você irá votar no Bolsonaro

Decerto nasceu em berço de ouro,
herdou uma grande herança.
Ou é um banqueiro,
um empresário,
um latifundiário.
De modo que você não precisa:
se preocupar com salario mínimo,
décimo terceiro,
férias,
aposentadoria.
Não precisa do SUS,
pois pode,
pagar um plano de saúde privado.
Não precisa de universidade pública,
pois pode muito bem
estudar na Europa.
Aliás, pra quer estudar né?!
Se você tem um líder
que lhe diz o que precisa saber.
É homem,
branco,
hétero.
E cristão (ainda que só no discurso).
Se esse for o seu caso,
não ti tiro a razão.
Deve de fato
votar no Bolsonaro.
Mas se for o contrário,
há algo de muito errado,
com você.

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

(*Inspirado livremente no poema “Soube que vocês nada querem aprender” do Bertold Brecht)

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Perfil de um eleitor do Bolsonaro numa pequena cidade do interior do Tocantins

Geralmente o eleitor do Bolsonaro se caracteriza por um discurso moral, sobretudo em torno do slogan “Em defesa de Deus e dos valores da família”. O nosso personagem não é diferente. Não revelarei seu nome para evitar maiores problemas, mas como os fatos que relatarei não é segredo por essas bandas não será difícil encontrar testemunhas que comprove não se tratar de um personagem fictício. É interessante conhecermos o seu perfil, sobretudo para compreendermos o discurso moral e o fundamental – a sua dimensão ética. 

Nossa figura é homem, de origem negra, hétero e evangélico protestante. Veio das bandas do Maranhão para trabalhar na Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães. Aproveitando o “boom” de crescimento da cidade com a vinda de operários de vários cantos do país para trabalhar na obra decidiu se aventurar no comercio e prosperou. Tornou-se, portanto um cidadão “modelo” e “respeitado” na cidade. Tornou-se inclusive um líder religioso admirado a nível regional – com programa na rádio local – onde todas as manhãs pregava “a palavra de Deus” as famílias. A partir dai não é de se admirar que se tornasse um líder político – elegendo-se vereador do município.

Como se vê não estamos diante de uma figura qualquer – é o retrato fiel de “um cidadão de bem” defensor de “Deus e dos valores da família”. E foi em nome desses valores que ele traiu sua esposa e fugiu com a cunhada. Mas tudo bem, ele se arrependeu, voltou e ela o aceitou. A segunda traição foi com a nora. E depois dessa o casamento chegou ao fim. Assim como o programa na Rádio, pois foi de mais até mesmo para comunidade evangélica tê-lo como porta voz. Para completar a Policia Federal bateu na sua porta para investigar “um esquema de doação de lotes em troca de apoio político”. O que acabou culminando com a sua não reeleição para a Câmara de Vereadores.

Porém nada disso impede que ele continue pregando pelos quatro cantos “a palavra de Deus” e “os valores da família”. Defendendo e sendo um dos principais cabos eleitorais da figura que promete moralizar o Brasil – livrando-nos da má influencia comunista. Como se os comunistas tivessem alguma relevância significativa hoje na sociedade. Ainda mais no interior do Tocantins. Ora, esses “valores morais” que ele diz defender não passa de discurso. Pois na realidade ele faz justamente o contrário daquilo que prega. 

É uma grande incoerência não?! Na verdade não. Ele segue exatamente a linha do seu líder – Bolsonaro – que se caracteriza pela seguinte máxima: - faça o que eu digo, não o que eu faço. É a partir dai, portanto, que podemos compreender o discurso moral do senhor Bolsonaro e principalmente daqueles que o seguem – como é o caso do nosso personagem. Um discurso que na prática se torna moralismo – que se caracteriza pela “supervalorização de uma moral tradicional”. (Marcondes, 2002)

O filósofo espanhol Adolfo Sánchez Vásquez (2006) diz que os homens “em seu comportamento prático-moral, não somente cumprem determinados atos, como, ademais, jul¬gam ou avaliam os mesmos; isto é, formulam juízos de aprova¬ção ou de reprovação deles e se sujeitam consciente e livremente a certas normas ou regras de ação”. Não é o caso do nosso personagem, que não julga ou avalia seus atos, mas o que os outros fazem. Para ele o problema está sempre no outro e não em si mesmo. Minha mãe tem um ditado interiorano sensacional que explica isso que é: “macaco não olha pro rabo, só pro toco da cotia”. Traduzindo: em vez de olhar para os nossos defeitos, preferimos apontar o dedo para o defeito dos outros.

Diante disso e a luz do que nos diz Adolfo Sánchez Vásquez, podemos dizer que não existe uma dimensão ética no discurso moral do nosso personagem. Para Vásquez (2006) “a ética , quando trata de definir o que é bom, recusa reduzi-lo àquilo que satisfaz meu interesse pessoal, exclusivo” com isso “evidentemente influirá na prática moral ao rejeitar um comportamento egoista como moralmente valido”. É justamente o contrário do que vemos em marcha no Brasil – onde sobra moralismo e falta ética – e o nosso personagem assim como o seu candidato é apenas um dos muitos exemplos.

Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Prorrogada até 10 de novembro a chamada de inscrição de trabalhos para serem apresentados na V Semana Intercurso de Filosofia e Teatro e IV Jornada Filosófica da UFT

Estão prorrogadas  até o dia 10 de novembro  as inscrições
para apresentação de trabalhos na V Semana Intercurso de Filosofia e Teatro e IV Jornada Filosófica da UFT. Os eventos ocorreram entre 26 e 30 de Novembro de 2018 – na UFT Campus Palmas. E como temática a semana intercursos abordará a questão da “ARTE, POLÍTICA, HOJE” e a jornada filosófica “A SOLIDÃO NO SÉCULO XXI”.

Das regras para inscrição dos trabalhos

No caso de Comunicações deverá ser enviado um
arquivo doc ou docx com o nome do autor e coautor (se tiver), o título da comunicação e também um breve resumo que deverá ter no máximo 250 palavras. Já para Minicursos deverá ser enviado o nome do autor e coautor (se tiver), o título do minicurso e a proposta de conteúdo.

Em relação à apresentação das comunicações, se darão em mesas temáticas e cada autor e coautor (se tiver), disporá de 15 (quinze) minutos para apresentação. Em seguida haverá 5 minutos para debate em cada trabalho.

As inscrições deverão ser feitas exclusivamente pelos e-mails (no caso da IV Jornada Filosófica o e-mail é: uft.cafil@gmail.com. E na V Semana Intercursos de Filosofia e Teatro é: inscricaotrabalhofilosofiauft@gmail.com).

Todas as propostas recebidas serão avaliadas por uma comissão que enviará um e-mail confirmando os trabalhos aprovados.

Da organização

A semana intercurso de Filosofia e Teatro é uma realização conjunta dos colegiados dos cursos de licenciatura em Filosofia e Teatro da Universidade Federal do Tocantins. O Evento que ocorre anualmente e já caminha para sua quinta edição. A jornada filosófica que acontece semestralmente, a partir da sua terceira edição passou a ter a organização a cargo do Centro Acadêmico Professor José Manoel Miranda – CAFIL.

A importância dos eventos

Tanto a semana intercurso de Filosofia e Teatro como a Jornada Filosófica são espaços importantes de promoção do intercâmbio acadêmico das e dos estudantes de Filosofia e Teatro da Universidade Federal do Tocantins e de outras instituições. E da discussão de temas relacionados à educação em geral, e no campo da filosofia e do teatro em particular, através da realização de palestras, minicursos e apresentação de trabalhos.

De modo que fica o convite para todas e todos participarem desses eventos, que pautaram temáticas importantes, sobretudo no contexto atual brasileiro.

Pedro Ferreira Nunes
Pela Coordenação Geral do Centro Acadêmico Professor José Manoel Miranda – CAFIL/Gestão Despertar é preciso!

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Breve reflexão sobre as eleições no Tocantins: A derrota.

A maior derrota no processo eleitoral no Tocantins não foi de Carlos Amastha (PSB) que não conseguiu levar a disputa pelo governo do Estado ao segundo turno. Também não foi de Vicentinho que se destacava nas pesquisas como o favorito para ocupar uma das duas vagas ao senado. Ou da esquerda representada pela candidatura do PSOL que não conseguiu se quer alcançar o voto de 1% do eleitorado. Sem dúvida a maior derrota dessas eleições é de Marlon Reis da Rede Sustentabilidade. Por quê? Vejamos.

De todos os candidatos que se apresentavam para disputa ao Palácio Araguaia, Marlon Reis era a novidade. Afinal de contas, oriundo do judiciário, seria a primeira vez que disputaria um cargo eletivo. E apostando na possibilidade de crescimento diante do desgaste de representantes da política tradicional no Tocantins ele se lançou. No entanto nós já alertávamos para o fato de que “se fosse uma eleição municipal numa disputa pela prefeitura da capital ou de uma grande cidade do interior como Araguaína, Gurupi, Porto Nacional ou Paraiso. Sem duvidas Marlon Reis seria um nome com condições reais de pelo menos incomodar”. Mas também pontuamos que sua candidatura poderia “desempenhar um papel importante” tanto pelo fato de qualificaria o debate bem como apontaria “formas alternativas de fazer política”. (CONJUNTURA POLÍTICA NO TOCANTINS, 2018).

Veio então à eleição suplementar e Reis surpreendeu com uma votação expressiva alcançando quase 10% do eleitorado (56 mil votos). E a surpresa maior foi ter conseguido derrotar candidaturas tradicionais em vários colégios eleitorais – isso sem aliança com grandes partidos, sem tempo de TV e pouca estrutura. De modo que Marlon Reis saia fortalecido do processo eleitoral suplementar – inclusive mais fortalecido que nomes que haviam ficado a sua frente na disputa. O que fez com que ele e seu grupo político logo passassem a vislumbrar algo maior nas eleições regulares.

Até ai tudo bem. De fato o resultado apontava que havia espaço para construção de uma terceira via. Mas o problema é quando Marlon Reis e seu grupo político na busca por alçar voos maiores se alia a grupos da política tradicional tocantinense. Com isso ele ganha mais tempo de TV e maior estrutura. Mas perde aquilo que fazia de sua candidatura uma novidade – autonomia das grandes legendas e uma forma alternativa de fazer política. Perde também a credibilidade diante do eleitorado que passa a vê-lo como mais do mesmo. É o que reflete a sua votação na eleição regular que alcançou apenas 6,68% do eleitorado (47.046). Como se vê, de 56 mil nas eleições suplementares, que inclusive foi mais disputada que a eleição regular e teve menos votantes, o candidato da Rede caiu para pouco mais de 47 mil votos.

Mas a grande derrota de Marlon Reis, não foi ter tirado menos voto e não ter sido eleito. Isso era previsível. A sua derrota foi ter abrido mão dos princípios que dizia defender. Se mantivesse a coerência construiria uma base solida para as próximas disputas eleitorais. Já que a base que se formou em torno da sua candidatura foi única e exclusivamente por oportunismo. Muitos dos partidos que se aliaram com o candidato da Rede só o fizeram por que tiveram as portas fechadas nas coligações comandadas por Carlesse e Amastha.

Marlon Reis foi um tanto ingênuo ao achar que podia contar com o engajamento dos grupos da politica tradicional em torno da sua candidatura – estes quase sempre estavam em palanques dos seus adversários. E assim, em vez de usa-los, Marlon Reis foi usado por eles, e bem usado. Pois afinal de contas à coligação encabeçada por Marlon Reis elegeu o senador Irajá Abreu (PSD) além de deputados federais e estaduais. Porém nenhum é da Rede Sustentabilidade – que sai da eleição como entrou, sem nenhum representante no parlamento.

E como esses que foram eleitos na chapa encabeçada por Marlon Reis não tem uma aliança programática com a Rede Sustentabilidade. É óbvio que mudaram de lado – irão para o lado de quem está com a máquina pública na mão.

É diante de tudo isso que para nós fica evidente que a maior derrota dessas eleições é de Marlon Reis da Rede Sustentabilidade. Pois no final das contas mesmo sendo derrotado – Carlos Amastha conseguiu uma votação expressiva, inclusive aumentado a sua votação em relação à eleição suplementar. A derrota de Vicentinho também não foi a pior dessas eleições. Afinal de contas desde o inicio do pleito apontávamos que a disputa pelas duas vagas do senado seria a mais concorrida da história do Tocantins.  Não dá para negar que surpreendeu muita gente, inclusive as pesquisas. Porém se olharmos para o cenário nacional perceberemos que Vicentinho não foi o único cacique da política a perder o mandato no senado nacional. Já quanto à votação do PSOL, também não vemos como uma derrota – derrota seria não ter uma candidatura própria e se aliar com um partido da ordem – como defendiam alguns no PSOL Tocantins.

Sendo assim é de fato Marlon Reis e seu grupo político que saem com a maior derrota e a grande frustração dessas eleições no Tocantins. Resta saber se terão força para tentar reverter essa derrota nas disputas eleitorais futuras – uma tarefa que não é impossível. Afinal de contas em política os derrotados de hoje, poderão ser os vencedores de amanhã. Para tanto é preciso tirar lições das derrotas para não repeti-las. Se estão dispostos a isso, saberemos futuramente.

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e militante do Coletivo José Porfírio. Cursou a faculdade de Serviço Social e atualmente estuda Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Resenha: “Marx: Vida e Obra” por Leandro Konder

“Marx elaborou as bases de uma vasta concepção do homem e do mundo. Por força das condições em que viveu e em virtude da urgência das tarefas que se impôs, não pode desenvolver suas idéias no que concerne aos diversos planos da atividade humana: concentrou-se nos exame dos problemas econômicos, sociais e políticos.”
Leandro Konder

Nesse ano em que se celebra os 200 anos do natalício de Karl Marx têm sido publicado várias livros que resgatam a sua trajetória de vida bem como a relevância das suas obras. Porém não falaremos aqui de uma dessas novidades. Mas de um livro que já foi publicado há certo tempo – a primeira edição data de 1968. Trata-se de “Marx: Vida e Obra” escrito pelo filósofo Leandro Konder. A edição da qual falaremos é a 7ª publicada pela editora “Paz e Terra” em 1999.

Comecemos, pois falando do autor do livro – Leandro Konder – sem dúvidas uma das referencias filosóficas na América Latina nos estudos Marxianos e Marxistas. Leandro Konder Nasceu no Rio de Janeiro no ano de 1936 numa família envolvida com a militância política. Inclusive seu pai – o médico Valério Konder – era líder comunista. Leandro Konder por sua vez formou-se em Direito, mas foi na Filosofia, onde doutorou-se, que digamos, ele se encontrou. Dedicou boa parte da vida a militância política e a docência e é a partir daí que surgiram suas obras. Entre elas podemos destacar: “Marxismo e alienação”, “O que é dialética”, “O marxismo na batalha das ideias”, “O futuro da filosofia da práxis”, “A questão da ideologia” e “Sobre o amor”.

 “Marx: Vida e Obra” é dividido por tópicos que são desenvolvidos de forma breve. Ele parte do “Nascimento” de Karl Marx em “Tréves, no sul da Prússia Renana, região situada hoje na Alemanha” (pag. 11). Passando pela “infância”, a relação com sua companheira de toda a vida – “Jenny”. A vida universitária, a atividade como jornalista, a amizade e parceria com “Engels”. O seu desenvolvimento intelectual, a militância política, as “polêmicas” travadas com tudo e todos. As perseguições que sofrerá fazendo com que “mudasse mais de país do que de sapatos” como diria Brecht. A miséria permanente, as perdas sofridas, enfim a “morte” e o seu legado.

E no meio de todas essas questões Leandro Konder vai introduzindo os principais conceitos marxianos e o contexto em que foram elaborados. Por exemplo, “Alienação”, “Dialética”, “Materialismo”, “Prática”, “Mais-Valia” entre outros. Tudo numa escrita bem objetiva – no intuito apenas de introduzir Marx aqueles que não o conhecem, mas querem se aventurar nos estudos da sua obra. Konder acerta na medida, sobretudo ao deixar aquele gosto de “quero mais”. E isso leva o leitor a ir buscar outras leituras, especialmente do próprio Karl Marx.

Para se ter uma ideia como ele desenvolve isso vejamos um trecho do livro no tópico sobre a polêmica que ele trava com “Proudhon”, polêmica da qual teve como fruto a obra “A miséria da Filosofia” em resposta “A filosofia da miséria” de Proudhon.

"Proudhon condenava a filosofia dos que procuravam explorar a miséria dos trabalhadores, conduzindo-os por caminhos revolucionários (que, a seu ver só lhe trariam prejuízos). Marx criticou Proudhon por reduzir a dialética hegeliana às proporções mais mesquinhas que poderiam ser imaginadas. “Na França, ele tem o direito de ser um mau economista, porque passa por ser um bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser um mau filósofo, porque passa por ser um dos melhores economistas franceses”." (KONDER, 1999; 59)

É essa trilha que Leandro Konder segue por toda a obra. Trazendo questões da vida e da obra de Karl Marx intercalando com citações diretas do próprio biografado. Como podemos verificar em mais um trecho no tópico onde o autor aborda a “Dor” sofrida por Marx com a perda do filho Edgar aos nove anos de idade. 

"A morte do garoto deixou Marx acabrunhadíssimo. Em total prostração, ele escreveu a Engels: “tenho passado por todas as espécies de dificuldades, mas só agora sei mesmo o que é uma verdadeira desgraça”. E, dois meses depois, ainda escreveu a Lassalle: “Bacon diz que os grandes homens têm relações tão diversas com a natureza e com o mundo, têm tantos objetivos a reter-lhes a atenção, que lhes é fácil esquecer a dor de qualquer perda. Pois bem: não sou um desses grandes homens. A morte de meu filho me abalou profundamente o coração e a cabeça. E continuo a sentir-lhe a falta com a mesma intensidade que no primeiro dia”. "(KONDER, 1999:87)

A narrativa de Konder não é cansativa, pelo contrário. Tem uma verve literária que torna a leitura por demais agradável. E assim vemos se materializar diante de nós o homem que Engels definiu como “Revolucionário” que se dedicou a cooperar de diversas formas com a superação da “sociedade capitalista e das instituições de Estado por ela criadas”. O homem que tinha como elemento a luta. “E lutou com paixão, uma tenacidade, um êxito, como poucos.” (Engels)

Falando da posteridade da obra de Karl Marx, Leandro Konder ressalta que mesmo pensadores não marxistas reconhecem a vitalidade do seu pensamento.

"é por isso que um Heidegger por exemplo, no fim da vida estava se dedicando a reflexões sobre temas colhidos na obra de Marx. É por isso que Jean-Paul Sartre, tendo partido de pontos de vista existencialistas, desemboca na conclusão de que: “o marxismo é a filosofia insuperável do nosso tempo”. E é por isso que o católico Jean Lacroix, replica àqueles que se apegam a uma versão dogmática do marxismo, escreve: “Em sua inspiração mais profunda, o espirito marxista é, sem dúvida, uma negação radical de todo dogmatismo”." (KONDER, 1999; 151)

Sem dúvidas “Marx: Vida e obra” de Leandro Konder é uma ótima maneira de se introduzir nos estudos da obra Marxiana. E por que começar lendo uma biografia em vez de ler o próprio Marx? Por que acreditamos, tal como aponta uma perspectiva hermenêutica, que não podemos conhecer a obra de um autor sem entender quem foi esse autor e o contexto no qual ele desenvolveu suas ideias.

Além disso, não podemos deixar de lado a biografia de Karl Marx para não cairmos numa visão reducionista da sua obra ou então tirar o seu conteúdo subversivo e revolucionário. Isso não quer dizer que devemos, se de fato queremos entende-lo, se limitar a leitura de uma biografia. 

Aliás, o próprio Leandro Konder deixa claro que o seu objetivo com essa obra é apenas nos legar uma “breve introdução a Marx”. Afirmando que “quem quiser aprofundar seus estudos sobre Marx e suas concepções, evidentemente, deverá procurar lê-las nos próprios textos de sua autoria”. (KONDER, 1999; 153). Uma questão fundamental, sobretudo nos tempos medíocres que vivemos.

Pedro Ferreira Nunes – Cursou a Faculdade de Serviço Social e atualmente estuda Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.  É Educador popular e Militante do Coletivo José Porfírio.