segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Crônicas interioranas: Quati branco


Não era a primeira vez que Sidnei – o famoso quati branco – era levado para passar uma temporada no hospital de urgência de Palmas. A verdade é que no ultimo período isso estava se tornando uma rotina.
O médico lhe proibia terminantemente de colocar um pingo de cachaça na boca, ele então retornava para casa, jurava de pé junto para todos que já mais tomaria se quer uma dose de pinga. E resistia bravamente em sua resolução – um mês, dois meses, até três meses. E quando todo mundo acreditava que ele havia superado o vicio, o miserável aparecia travado na cachaça.
E quando começava beber não havia quem o fizesse parar. Era dia e noite, semanas e semanas enfiado na cachaça. Só parava quando o seu organismo já não suportava mais e tinha que ser levado as pressas para o hospital de urgência de Palmas.
E lá ficava uma, duas, três semanas, até um mês. Escutava a ladainha do medico o mandando escolher entre a vida e a cachaça. Recebia alta, voltava para casa, jurava para todo mundo que não tomaria mais bebida alcoólica. Ninguém acreditava num primeiro momento. Com o passar dos meses o povo começava acreditar, mas logo ele aparecia engatado na cachaça novamente.
- Homem, tu larga essa cachaça que tu morre diabo.
- Eu num tô bebendo não.
- Como não tá bebendo? E esse cheiro de cachaça? Eu sou besta por acaso?
- Só tomei uma dosinha.
- Bom. O médico já ti avisou. Continua desce jeito que tu vai parar de baixo do pé de gameleira.
Nem com a ameaça de ir parar na cidade dos pés juntos o pobre miserável conseguia largar a cachaça. Porém da ultima vez ele exagerara e foi levado já nas ultimas para o hospital de urgência. Estava tão mal que todos por ali já contavam como certo a sua morte.
Passou-se uma, duas, três, quatro semanas e nada do quati branco melhorar. E as noticias que chegavam em Lajeado não eram animadoras.
- O quati branco esta a beira da morte.
- É. Dessa ele não escapa.
E não escapou mesmo. A noticia foi recebida com muita tristeza pela sua família e seus companheiros de cachaça.
- É. Ele bebia suas cachaças, mas não fazia mal a ninguém.
- É mesmo.
Agora já não se podia fazer nada, o pobre quati branco estava morto. Perdeu a batalha que vinha travando há vários anos contra a cachaça. Aos familiares e amigos restava organizar o velório, comprar o caixão, abrir a cova e então despedir-se do ente querido – que deixaria saudades.
Chega então o grande momento aguardado – a chegada do corpo para ser velado. No entanto para surpresa geral, o miserável não havia morrido. Estava vivíssimo da silva. Tudo não havia passado de um engano. Outro homem com nome de Sidnei havia morrido no mesmo hospital que ele estava internado e na hora de comunicar a família do morto erraram de enderenço. E assim a noticia que chegará em Lajeado é que havia sido o pobre do quati branco que se encontrará com “o único mal irremediável”.
- Essa misera tá viva? Vamos enterrar ele. Ora depois de todo o trabalho que ele nos deu? Vamos enterra-lo vivo. E assim o povo fez. Enterrou o pobre coitado vivo.
Não, não foi isso que aconteceu. A verdade é que sua família e seus companheiros fizeram uma grande festa regada a muita cachaça em comemoração ao retorno da terra dos mortos feita pelo quati branco. Claro, ele não tomou nenhuma dose, pois após a experiência que vivera, jurou de pés juntos que nunca mais colocaria uma dose de cachaça na boca.
Mas como vocês podem imaginar, após alguns meses ele voltou a tomar todas. E assim a sua batalha contra a cachaça continua, resta saber até quando ele vai resistir.

 Pedro Ferreira Nunes é Peta e escritor Popular Tocantinense.

Crônicas da UFT: Miguel Arroyo entre nós.


Ninguém tem maior consciência da opressão do que aquele que a sofre. Ninguém tem maior consciência da pobreza do que aqueles que a sofrem. E Ninguém melhor reage a pobreza do aqueles que a sofrem.
Miguel Arroyo, Simpósio Educação, Pobreza e Desigualdade Social – UFT, Campus de Palmas. 24 de Nov. 2017.
Era uma noite de sexta-feira. Estava frio devido à chuva que caíra ao longo do dia na capital tocantinense. Assim que terminou minha aula mais do que de pressa me encaminhei para o Cuica para ver se conseguia pelo menos pegar a parte final da fala do professor Miguel Arroyo na abertura do simpósio sobre “Educação, Pobreza e Desigualdade Social”. Ora, quem milita na educação ou pretende tornar-se um educador não pode deixar passar a oportunidade de ouvir um sujeito tão importante. Até por que não é todos os dias que temos o professor Miguel Arroyo entre nós.
Cheguei ao Cuica exatamente no momento que a fala do professor Miguel Arroyo se encaminhava para o fim. E quão lotado estava o Cuica, o que me surpreendeu positivamente, já que apenas duas vezes havia visto o Cuica lotado desde que ingressei na UFT – e não era nem de estudantes e nem de professores, mas sim de latifundiários e seus representantes políticos que haviam ido ouvir a então ministra da agricultura Kátia Abreu falar sobre o MATOPIBA. Agora não, agora era diferente. O auditório estava lotado de estudantes e professores de vários cantos do Tocantins que vieram discutir o papel da educação no combate a pobreza e a desigualdade social.
Apesar do pouco que ouvi foi tão marcante que posso afirmar ter sido o principal momento vivenciado por mim durante esse ano na UFT. Afinal de contas, como diz a canção: “quando se sabe ouvir não precisa muitas palavras” não é mesmo?! Também é preciso destacar que existem figuras tão diferenciadas que conseguem com poucas palavras transmitir muito mais do que as aulas de todo um período na universidade – Miguel Arroyo é uma dessas figuras. Eis ai bem objetivamente a diferença entre ser educador ou um professor simplesmente.
E o que ele disse de tão marcante assim? No pouco que pude ouvir, ele nos chamou a atenção para o papel da resistência. É através da resistência que tomamos consciência, que nos libertamos e que nos humanizamos. Para Arroyo, como educadores devemos questionar o que está posto, resistir, lutando para se libertar e dessa forma se humanizar. Em suma, antes de querer transformar o outro devemos transformar a nós mesmos, antes de querer libertar o outro, devemos libertar a nós mesmos e antes de querer humanizar o outro devemos humanizar a nós mesmos, um processo que se dá através da resistência, da luta por libertar-nos.
Arroyo foi enfático ao afirmar: “Ninguém tem maior consciência da opressão do que aquele que a sofre. Ninguém tem maior consciência da pobreza do que aqueles que a sofrem. E Ninguém melhor reage a pobreza do aqueles que a sofrem”. Assim ele se coloca contrariamente a concepção pedagógica equivocada daqueles que acreditam que estão se formando professores e irão transformar o mundo – que irão conscientizar os oprimidos, que irão acabar com a pobreza. Ora, é muito arrogância achar que os pobres e oprimidos não tem consciência. A estes, Arroyo reafirma uma questão fundamental, a libertação do oprimido é obra do próprio oprimido, a superação da pobreza é obra daqueles que sofrem com a pobreza.
O professor Miguel Arroyo chama atenção para o fato de que não é só a escola que humaniza. Tal afirmação se deu quando ele se questiona a cerca do que humaniza os pobres, já que a pobreza os desumaniza. Ele responde: “Não é só a escola. A suas resistências contra a pobreza é que os humaniza”. E não falta exemplo que corroboram com a afirmação do professor Miguel Arroyo – podemos destacar em especial a luta dos sem teto, dos sem terra, dos indígenas e dos quilombolas.
E na atual conjuntura política do país o maior exemplo de resistência contra o governo Temer e suas reformas é justamente do MTST – um movimento que organiza os setores mais pauperizados da sociedade e faz um importante trabalho de formação de base. Por fim, o professor Miguel Arroyo afirmou “Pobre é resistente. Nós somos pobres aniquilados pela pobreza. Vitimas da pobreza, mas resistindo, resistindo”. E citando Paulo Freire conclui: “Paulo Freire sempre falou “os oprimidos resistem, por libertar-se da opressão””.
Quando o professor Miguel Arroyo terminou sua fala não teve que não se contagiasse, e todo o auditório foi tomado por uma onda de aplausos e gritos entusiasmados em sua saudação – o que perdurou por mais de minuto. Com certeza a fala do professor Miguel Arroyo nos enche de animo para continuarmos a tão necessária resistência contra a opressão que assola o nosso povo. E por fim para coroar a noite a arte de resistência através dos acordes de violão e das cantigas do Juraildes da Cruz e a poesia do poeta Paulo Aires encerraram o momento.
Pedro Ferreira Nunes é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, e vindo do interior”.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Luta popular impõe importante derrota ao Hidronégocio no interior do Tocantins!!!


As centenas de barragens espalhadas pelo território brasileiro são responsáveis por aproximadamente 90% da energia consumida no Brasil. O processo de construção dessas barragens impacta violentamente o meio ambiente e as populações atingidas por essas barragens.
Roberto Malvezzi (Gogó)
A resistência popular contra o projeto de construção da Usina Hidrelétrica Monte Santo (no rio do Sono) tem conseguido impor importantes derrotas ao hidronégocio tocantinense. E tem nos dado um grande exemplo de como a resistência popular é fundamental para barrar projetos que contrariam o interesse coletivo.
Dois fatores são fundamentais para compreendermos a força do movimento contra a construção da UHE Monte Santo: O trabalho de base – conscientizando a população dos impactos negativos que a região sofrerá caso o projeto saia do papel e à organização do povo através do Movimento não á UHE Monte Santo.
O trabalho de base começou, sobretudo quando o Naturatins convocou audiências públicas para discutir o projeto “UHE Monte Santo” com os moradores dos municípios que serão atingidos. Nas audiências públicas e através de um abaixo-assinado ficou claro que a maior parcela da população era contraria ao projeto. No entanto mesmo assim o Naturatins concedeu a licença ambiental para que o projeto fosse tocado em frente pela empresa ECBrasil. Eles pretendiam com as audiências públicas convencer a população da importância econômica do projeto para a região. Porém como não conseguiram, não pensaram duas vezes em passar por cima da vontade popular e atender aos interesses do hidronégocio.
Porém ao invés de desmobilizar o povo, a concessão da licença ambiental pelo órgão do Estado que deveria prezar pela proteção do meio ambiente. Serviu como lição para que a população não se iluda com esse governo. Logo era necessário que se organizassem e se mobilizassem mais ainda. A partir dai o movimento ganhou força e fez importantes mobilizações, inclusive barrando rodovias para dar visibilidade a causa. E também recorreu a outros espaços conseguindo importantes conquistas e impondo derrotas ao hidronégocio tocantinense. Podemos destacar, por exemplo, a decisão judicial que cassou a licença ambiental que o Naturatins havia concedido a empresa ECBrasil para execução do projeto.
A decisão judicial deixou claro que o Naturatins não levou em consideração o próprio acordo que havia feito com a população nas audiências públicas, tomando assim uma decisão “contraditória” nas palavras da juíza Aline Iglesias. O que para nós fica evidente que ao tomar à decisão de conceder à licença ambiental á empresa responsável pelo projeto da UHE Monte Santo, o Naturatins estava atendendo interesses políticos e econômicos dos senhores do hidronégocio no Tocantins. Com a decisão judicial favorável o Movimento Não á UHE Monte Santo ganhou mais força e obteve uma vitória histórica.
Lei transforma o rio do Sono e Perdido em Patrimônio Histórico, Natural e Turístico.
O projeto de lei foi aprovado (por unanimidade) pela Câmara de Vereadores de Pedro Afonso e sancionado pelo executivo. Além de proteger o rio do Sono o projeto também se estende para proteção do rio Perdido. O mesmo projeto está sendo apreciado no legislativo de Novo Acordo com grande possibilidade de ser aprovado.
Com isso, na prática fica proibido “a submersão, alargamento dos canais ou instalação de qualquer estrutura que regule a vazão dos rios e altere seu regime hidrológico natural”. Ao invés de disso será incentivado “o turismo ecológico, a prática de esportes, a pesca esportiva e a educação ambiental, protegendo o patrimônio natural, preservar a diversidade ecológica e a beleza dos rios e seus afluentes, além de promover o desenvolvimento sustentável e a melhoria de vida das populações ribeirinhas, indígenas e dos pescadores profissionais”.
É sem dúvidas um marco histórico na luta pela preservação do nosso bioma natural, um marco histórico na luta em defesa dos nossos rios. E isso é fruto da mobilização, da resistência e da luta popular. Foi à resistência popular através do Movimento Não á UHE Monte Santo que sensibilizou o poder público municipal da necessidade da criação de uma legislação que torna rio do Sono e o rio Perdido um Patrimônio Histórico que deve ser preservado.
Mas a luta não está ganha, projetos assim contrariam interesses de gente muito influente economicamente, e que não ficaram de braços cruzados. Com certeza tentaram outros meios para que seus interesses não sejam contrariados. Logo, é preciso continuar lutando e resistindo. E essa luta não é apenas do povo de Novo Acordo e Pedro Afonso. Essa é uma luta de todos nós que acreditamos ser possível um modelo de desenvolvimento que não destrua os nossos rios e nem o nosso bioma natural. Nós do Coletivo José Porfírio desde o primeiro momento nos colocamos contrários a UHE Monte Santo, pois sabemos muito bem (já que fomos impactados pela construção da UHE Luiz Eduardo Magalhães) o quão nocivo para o meio ambiente e para população tradicional é o barramento de um rio.
Por fim, saudamos o Movimento Não á UHE Monte Santo, e conclamamos a população tocantinense a seguir esse exemplo. Precisamos nos mobilizar em todo o Tocantins não para flexibilizar a legislação ambiental como querem alguns deputados estaduais. Mas sim por projetos que protejam os nossos rios e os nossos biomas naturais, transformando-os em Patrimônios Históricos, Naturais e Turísticos.
Pedro Ferreira Nunes é – Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio. Atualmente é membro da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Algumas palavras sobre o discurso dos “políticos” tocantinenses a cerca do projeto de transposição do Rio Tocantins


Nos últimos dias vários representantes políticos de diversos partidos tem se posicionado contrariamente a transposição do Rio Tocantins – Siqueira Campos, Kátia Abreu, Josi Nunes, Lázaro Botelho e Mauro Carlesse. Inclusive tramita na assembleia legislativa um projeto de lei de autoria do deputado Mauro Carlesse (PHS) que impediria essa possível transposição das águas do rio Tocantins. E está circulando nas redes sociais um abaixo-assinado em apoio a este projeto. A partir dai surge uma questão. Será que estas figuras estão realmente preocupadas com a preservação do rio Tocantins? Ou é apenas discurso demagógico?

O fato é que nenhum dos 11 representantes tocantinenses no Congresso Nacional (8 deputados federais e 3 senadores) moveu uma palha para que o projeto fosse barrado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Só depois da aprovação do projeto é que três desses onze representantes se posicionaram (A senadora Kátia Abreu e os deputados federais Josi Nunes e Lázaro Botelho). Além de se omitirem da discussão e aprovação do projeto de lei de autoria do deputado Gonzaga Patriota do PSB de Pernambuco. Também não informaram a população tocantinense que estava em curso no congresso nacional um projeto que se aprovado e executado vai impactar a vida de milhares de famílias que vivem nas margens do rio. 
 
Ora, mesmo que não haja deputados tocantinenses compondo a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos deputados. A bancada tocantinense poderia muito bem pressionar os deputados dessa comissão a não aprovar um projeto que atinge diretamente os interesses do povo tocantinense. Sobretudo sem ouvi-los através de audiências públicas. Se não queriam fazer essa pressão diretamente poderiam mobilizar a população a se mobilizar para fazê-la tal como tem sido feito agora.

No entanto ás declarações contrárias dos políticos locais ao projeto de transposição das águas do rio Tocantins e o chamado para que o povo se mobilize para barra-lo. Só começaram a surgir após a repercussão por parte da imprensa regional da aprovação do projeto na CCJ da câmara dos deputados sem a necessidade de votação no plenário e por tanto podendo seguir para discussão e aprovação no senado. Diga-se de passagem, essas declarações foram dadas tardiamente. E, sobretudo devido à repercussão negativa do projeto nas redes sociais e pela pressão da imprensa regional.

O fato é que a maioria da população tocantinense foi pega de surpresa. Inclusive no período da aprovação do projeto na câmara escrevemos um artigo com o titulo “Transposição das águas do rio Tocantins?” Um título que acredito representa bem o que veio na cabeça de muitos tocantinenses a tomar conhecimento do projeto. Quando escrevemos esse artigo denunciando o absurdo de um projeto de um deputado de outra unidade da federação que demonstra não conhecer as condições atuais do rio Tocantins e, sobretudo sem dialogar com a população local, não havia ainda nenhum posicionamento de políticos locais contrário ao projeto.

No entanto, nas ultimas semanas, não tem faltado posicionamento de figurões da política regional contrário à transposição e defendendo o rio Tocantins. Mas será que estas figuras estão realmente preocupadas com a preservação do rio Tocantins? Ou é apenas discurso demagógico? Ora se o rio Tocantins a cada ano está numa situação mais calamitosa é pelo modelo hegemônico de exploração dos recursos naturais do Estado – modelo hegemônico pautado no agronegócio e no hidronégocio. E quais os políticos responsáveis pela hegemonia desse modelo de exploração no Tocantins se não Siqueira Campos, Katia Abreu, Mauro Carlesse entre outros?! Se o rio Tocantins está morrendo estes senhores tem as mãos suja de sangue.

Desse modo, a população tocantinense não pode se iludir com esse discurso demagógico. Colocar a defesa do rio Tocantins nas mãos dessas figuras é condena-lo a morte. Ora, essa burguesia entreguista é capaz de vender a própria mãe. Por que não venderia o rio Tocantins? Aliás, não é isso que fazem através do hidronegocio?! 
 
Todo esse discurso contrário à transposição do rio Tocantins por parte desses senhores tem como foco as próximas eleições. Inclusive o projeto de lei do deputado Mauro Carlesse – que está muito longe de ser a salvação do rio Tocantins. Pois se limita a impedir a transposição dos rios do Tocantins para outros estados. Atacando assim uma questão pontual, que não encara e nem resolve devidamente o problema como um todo. E atende simplesmente os interesses da burguesia agrária do Tocantins que quer continuar tendo o monopólio da exploração dos recursos hídricos do Estado. 
 
Ora o que adianta por um lado impedir a transposição dos rio do Tocantins para outras regiões do país e por outro continuar construindo usinas hidrelétricas e expandindo um modelo agropecuário que devasta os recursos naturais do Tocantins? Nós que verdadeiramente defendemos os rios do Tocantins como um patrimônio de todo o povo tocantinense devemos lutar por uma lei mais ampla – que além de impedir a transposição dos nossos rios também proíba a construção de usinas hidrelétricas, a exemplo do projeto UHE Monte Santo no rio do Sono. E a flexibilização das leis ambientais do Tocantins através da reforma do código florestal em discursão na assembleia legislativa.

Portanto não nos iludamos com discursos demagógicos desses representantes da burguesia agrária tocantinense. Salvar o rio Tocantins e outros rios do Estado é tarefa de todos nós. Foi a nossa mobilização que obrigou alguns políticos locais a se posicionarem. Foi a nossa mobilização que obrigou o deputado Gonzaga Patriota a dialogar com os parlamentares para explicar melhor o projeto. E é a nossa mobilização que irá enterrar esse projeto de vez.

Pedro Ferreira Nunes – é Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio.

III Encontro de Arte e Cultura de Lajeado do Tocantins


O Encontro de Arte e Cultura de Lajeado caminha para sua terceira edição. E vem se tornando tradicional não só no munícipio, mas no calendário cultural do Tocantins. É um evento que tem se destacado pelo perfil diferenciado dos eventos culturais que acontece na região. Pois além de apresentar a riqueza cultura da cidade e o grande potencial artístico dos nossos artistas locais, o encontro também tem possibilitado importantes reflexões sobre a necessidade de preservação do patrimônio natural do munícipio e chamado atenção do poder público para necessidade de políticas públicas de apoio a cultura, a arte e a preservação do meio ambiente.

Nessa terceira edição não será diferente – os participantes terão a oportunidade de conhecer a rica cultura local através da visita guiada na Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães e da mostra de “Artefatos Arqueológicos e exposição do Museu de Zoologia e Taxidermia da Unitins”. Além disso, poderá conferir a produção artística local – o artesanato em cerâmica, a música, a dança, o teatro e a literatura. E para coroar esse momento teremos shows de ícones da nossa cultura regional – Genésio Tocantins e Tambores do Tocantins.

Além de conferir a cultura e a produção artística Lajeadense o público poderá colocar a mão na massa nas oficinas que serão ministradas no evento – terá oficina de bonecas, modelagem, contação de estórias entre outras. E participar dos debates e discussões durante as mesas e palestras sobre a cultura e a questão ambiental – por exemplo, sobre “Ecologia do Cerrado” com o Prof. Dr. Ricardo Haidar (Unitins), “Conhecendo a APA Serra do Lajeado” com a Msª Camila Oliveira Muniz (Naturatins), “História da Pedreira” com o escritor José Parente entre outros. Além da mesa redonda sobre “Turismo sustentável: Ecológico e arqueológico” com a presença do Prof. Dr. Marcos Zimermam do IPHAN/TO.

O Encontro de Arte e Cultura de Lajeado é uma realização da Associação das Mulheres Artesãs de Lajeado (AMAE) com o apoio de outras organizações, por exemplo, o poder público municipal, as Escolas locais, a Universidade do Tocantins (Unitins), a APA Serra do Lajeado, a Radio Lajeado FM (104,9) entre outros. Essa terceira edição acontecerá nos dias 23, 24 e 25 de Novembro de 2017. E as atividades ocorreram em dois espaços: no Centro de Artesanato Poeta José Gomes Sobrinho e na Feira Coberta (Galpão).

Além da programação oficial do evento, os visitantes podem aproveitar para se deliciar com a rica culinária local nos diversos restaurantes que tem na cidade. Fazer uma trilha no Morro do Segredo ou na Serra do Carmo, conhecer os sítios arqueológicos e se refrescar nas águas do Tocantins. É sem duvidas uma ótima oportunidade de conhecer o Lajeado se você ainda não conhece, e se conhece, de retornar ao município para apreciar as belezas locais e participar de um evento tão importante para o nosso Tocantins e o povo que aqui vive.

Pedro Ferreira Nunes – é “Apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, e vindo do interior”.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A educação brasileira é digna de ter Paulo Freire como seu patrono?


Vi várias declarações indignadas de camaradas meus a respeito do projeto que pretende tirar de Paulo Freire o titulo de patrono da Educação brasileira. – Como pode um absurdo desses com uma figura que deixou um legado inquestionável e reconhecido em todo o mundo? É óbvio, só podia ser mais uma do movimento escola “sem” partido. Sem partido mesmo? “Pero no mucho, pero no mucho”.
Com respeito a meus camaradas, não sei se isso é motivo para tanta indignação. Não que Paulo Freire não seja digno de ser patrono da educação brasileira. A questão é: A educação brasileira é digna de ter Paulo Freire como seu patrono?
Me parece um contrassenso ter Paulo Freire como patrono de uma educação que caminha justamente no sentido contrário de tudo aquilo que ele sempre defendeu. Uma educação que em pleno século XXI ainda não resolveu o problema do analfabetismo. O Brasil é hoje o segundo país na América do Sul com maior número de analfabetos adultos. Se fossemos contabilizar o analfabetismo funcional então, o estrago seria muito maior. Porém o fato do Brasil ocupar 85º lugar no ranking da ONU em relação à Educação, ficando acima na América do Sul apenas do Suriname e da Guiana, é bastante esclarecedor.
Para Helene (2017) “nosso sistema educacional é extremamente desigual e excludente: quase metade dos jovens é excluída da escola antes de completar o ensino médio, basicamente, por razões econômicas”. Tal fato pode ser comprovado pelo estudo do IBGE que mostrou que 1,3 milhões de jovens entre 15 e 17 anos abandonaram a escola recentemente. Mas para além da questão econômica está um sistema educacional que existe justamente para não dar certo. Ora, por que cargas d´agua alguém que tira vantagens dessa situação moveria uma palha para modifica-lo?
Pelo contrário, o que farão é uma cortina de fumaça para encobrir os reais problemas, tentando assim desviar o foco dos verdadeiros problemas. Um exemplo concreto disso é o discurso do deputado tucano Rogério Marinho (relator da famigerada reforma trabalhista no congresso nacional) que resume os problemas da educação na questão da formação dos professores – formação de professores que segundo ele “No Brasil, abandonou-se a pedagogia em prol de discursos políticos e militantes”.
Seguindo essa linha o deputado Rogerio Marinho pegará Paulo Freire como exemplo desse discurso político e militante na educação brasileira. Em nenhum momento o deputado fala da questão estrutural das escolas, fala do currículo, da valorização profissional, como também omite que a maioria dos professores são formados em universidades privadas. Uma formação que é tudo, menos Freriana. Mas isso são detalhes não é mesmo senhor Marinho?!
Ao utilizar Paulo Freire como bode expiatório tentando culpar o seu legado pelo “fracasso de nossa educação”. O movimento escola “sem” partido e o senhor Rogério Marinho mostra que não querem mudar nada, a não ser para pior. Mais uma coisa o deputado tucano tem razão ao dizer que Paulo Freire “é muito comentado e pouco lido”. De fato isso é verdade. E o seu próprio discurso comprova bem essa questão. O que quer dizer duas coisas – ou ele nunca leu uma obra de Paulo Freire ou ele conhece muito bem a obra Freiriana e a distorce intencionalmente para atingir os seus propósitos.
Propósitos esses que no final das contas é o aprofundamento da lógica mercadológica na educação pública. E o pior é que esse discurso ganha eco na sociedade – mas só sendo muito ingênuo para crer que o fato de tirar o titulo de patrono da educação brasileira de Paulo Freire irá “transformar” a educação pública no Brasil.
Outra questão importante é sobre o argumento do deputado Rogério Marinho de que Paulo Freire é “patrono do fracasso”. Não nos iludamos. Que fracasso? Mais uma vez utilizarei uma citação de Darcy Ribeiro que tenho utilizado bastante nos meus textos - “a crise educacional do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise, é um programa. Um programa em curso, cujos frutos, amanhã, falarão por si mesmos”. Ora não dar para falar em fracasso quando a educação na nossa sociedade tem cumprido exatamente o papel que as elites desejam – manter o trabalhador alienado – e, por conseguinte a ordem hegemônica do capital.
Diante de tudo isso fazemos o seguinte questionamento: o projeto de tirar o titulo de patrono da educação de Paulo Freire, titulo esse dado por um projeto de lei aprovado no Congresso Nacional, é motivo para tanta revolta? Não estamos mais uma vez caindo num factoide para desviar a atenção das questões realmente importantes? Ora, a esquerda precisa parar de cair nessas armadilhas, de aceitar esse debate raso e superficial. Que importa se Paulo Freire é ou não patrono da Educação Brasileira? O que isso tem mudado na situação dos oprimidos? Se quisermos realmente defender Paulo Freire devemos retomar o seu legado na prática e não apenas no discurso. E isso passa pela sua defesa da educação como um ato político.
De acordo com suas palavras “não é possível negar, de um lado, a politicidade da educação e, do outro, a educabilidade do ato político... se educação é sempre um ato político os educadores são seres políticos, importa saber a favor de quem fazem política, qual a nossa opção”. Diante dessas palavras os defensores da escola “sem” partido se levantam apontando o dedo acusando Paulo Freire de fazer política, de tomar partido. Ora, isso não deve ser motivo de indignação para nós, mas sim de orgulho. Paulo Freire sempre tomou partido pelos oprimidos de modo que esse legado, dado a partir da sua militância, ninguém tira dele.
Por fim, se o movimento escola “sem” partido quer de fato tocar esse projeto de retirada do titulo de patrono da educação brasileira de Paulo Freire – que faça. Estarão nos fazendo um grande favor. Pois isso não me incomoda, o que me incomoda é o nome de Paulo Freire ser patrono de um sistema educacional excludente, de um modelo de educação que reproduz o conformismo – o engodo da conciliação de classes e o discurso da “neutralidade”. Aliás, fica a dica, deem esse titulo para o Alexandre Frota ou para o Danilo Gentili.
Pedro Ferreira Nunes é Educador Popular e Militante do Coletivo José Porfírio.

LÊNIN E A QUESTÃO DO ESTADO - PARTE FINAL.


A experiência da URSS
 PEDRO FERREIRA NUNES
GRADUANDO EM FILOSOFIA PELA UFT
De acordo Zizek (2017) “Assombrados” com a experiência da Comuna de Paris que não conseguiram sustentar o poder por muito tempo. Os bolcheviques trataram de não cometer os mesmos erros cometidos pelos comunados, apontados por Lênin em “O Estado e a Revolução”. Por isso um partido que atuava na perspectiva do centralismo democrático, não permitindo tendências internas. Além de uma facção militar que teve um papel importante na organização da luta armada e ainda na criação da guarda e posteriormente do exercito vermelho. Que vai na linha do que ele defendia da necessidade de armar o povo para resistir e destruir a resistência da burguesia. Percebe-se também a sua preocupação em reconstruir o Estado, a esse respeito Zizek aponta (2017):
Em 1917, em vez de esperar até que as condições fossem propicias, Lenin organizou um ataque preventivo, em 1920, como líder do partido da classe operária sem classe operária (a maior parte havia sido dizimada na guerra civil), ele deu prosseguimento à organização de um Estado, aceitando plenamente o paradoxo de um partido que tinha que organizar – e até recriar – sua própria base, sua classe operária.
Percebemos ai a preocupação em reorganizar o Estado, mas um Estado que funcione a partir de outra lógica, um Estado a serviço da revolução proletária. Logo é preciso a radicalização da democracia – “paz imediata, distribuição da terra e, é claro, todo poder aos sovietes, ou seja, o desmantelamento do aparelho do Estado existente e sua substituição por novas formas de administração social...”. (Zizek, 2017). Isso mostra que Lênin de fato tentou levar a cabo o que ele defendeu em “O Estado e a Revolução”. A destruição do Estado burguês através de uma revolução violenta, substituindo-a pela ditadura do proletariado.
No entanto após a morte de Lênin, e sob a liderança de Stalin, o Estado soviético caminhou por outro caminho. Tal fato aconteceu pela questão histórica? Por que a revolução não estourou em outros países mais economicamente desenvolvidos? Havia outro caminho a seguir? Sob a liderança de Trotsky a URSS teria um destino diferente? Não é nosso objetivo responder essas questões aqui. O fato é que com Stalin a revolução caminhou a passos largos para uma hierarquização e a ditadura do proletariado foi substituída por uma burocracia. Em vez da radicalização da democracia caminhou-se para o autoritarismo. O Estado, ainda que com diferenças, continuou sendo um instrumento de dominação de uma minoria sobre a maioria. E por fim o Estado soviético definhou, mas ao contrario do que vimos em “O Estado e a Revolução”, o seu definhamento veio acompanhado da restauração do sistema capitalista e, por conseguinte, do Estado burguês – ainda mais forte do que outrora. Uma tendência que vimos também em outros regimes “anticapitalistas”.

A questão do Estado e a Esquerda Hoje
Sempre nos momentos de crise aguda do sistema capitalista entra em evidencia como pano de fundo a discussão a cerca do papel do Estado. Logo não seria diferente que essa questão voltasse à tona no momento que estamos passando. Mas o debate acaba caindo numa superficialidade: Estado mínimo (neoliberal) ou Estada forte (nacionalista). Superficial pelo fato de que se discute a forma, mas não se discute a essencial do Estado. E nos parece que o enfraquecimento da esquerda no ultimo período se deu justamente por que caiu nessa armadilha – por perder de vista a essência do Estado, isto é, como um produto do antagonismo inconciliável de classes.
De acordo com Zizek (2017) tentar subverter a dominação capitalista através da democracia capitalista consiste na “negação da negação” hegeliana: “primeiro a antiga ordem é negada dentro de sua própria forma político-ideológica; depois é a própria forma que deve ser negada. Aqueles titubeiam, aqueles que têm medo de dar o segundo passo para superar a forma em si, são aqueles que (parafraseando Robespierre) querem uma “revolução sem revolução” – e Lênin mostra toda a força da sua “hermenêutica da suspeita” ao explicar as diferentes formas desse recuo”.
Trazendo para o contexto atual podemos exemplificar o Lulismo no Brasil que terminou de forma dramática com o impeachment de Dilma Rousseff – um governo que foi marcado pela política da conciliação de classes e na crença de que era possível acabar com a dominação capitalista através da democracia capitalista. Crença que, aliás, continua, já que grande parte da esquerda jogam todas as esperanças no próximo processo eleitoral. Não tendo, portanto a capacidade de fazer uma autocritica bem como de caminhar no sentido de superar o erro que foram cometidos no ultimo período. De modo que não é de se admirar o fato da esquerda não ser vista como uma alternativa real.
Insistem no discurso do “golpe”, mas será que de fato houve um golpe ou que ocorreu foi justamente à lógica da democracia burguesa? Isto é, só funciona desde que os interesses das classes dominantes não sejam contrariados. O Impeachment mostra de maneira cabal que a democracia burguesa tal como Lênin apontou trata-se de uma farsa. Acreditar num transformação da sociedade via democracia burguesa é iludir-se ou pior, iludir os trabalhadores. E é nesse erro que a esquerda persiste ao apostar todas as suas fichas na via eleitoral.
Nessa linha é importante salientar o que aponta Gauchet (2017) “cedo ou tarde, novos projetos de esquerda ressurgirão..., (...) mas o que impressiona é o tamanho do buraco histórico... Tudo terá que ser refeito. Será necessário redefinir três elementos ao mesmo tempo. O primeiro será determinar o perímetro de uma transformação social. A herança marxista nos levou a pensar do ponto de vista mundial. Mas, o conceito de nação está de volta. (...) Entre o mundial e o nacional, será necessário rever essa articulação.” Outra questão apontada pelo filósofo francês é a cerca da gestão do Estado. Para Gauchet (2017) “a esquerda vivia da ideia da superioridade da gestão pública” o que na prática refletiu numa burocratização e, por conseguinte na derrota da esquerda. Vimos que na perspectiva leninista o papel dos revolucionários não é gerir o Estado capitalista, mas sim destruí-lo.
Por fim, ainda sobre a reconstrução da esquerda, o filósofo francês Foessel (2017) aponta que “o papel da esquerda é propor uma nova gramatica capaz de traduzir frustrações individuais em exigências coletivas”. Tivemos exemplos recentes nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra, no entanto é preciso que a partir dessas experiências a esquerda tenha ganhos organizativos que caminhe concretamente para transformação da sociedade e não apenas na perspectiva de atenuar as contradições antagônicas de classes.

Referencias Bibliográficas
A dificuldade da esquerda é reconstruir o coletivo”, diz filósofo francês. Disponível em br.rfi.fr. Acesso em: 16 out. 2017.
Lênin, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução: O que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revolução. Tradução revista por Aristides Lobo – 2º ed. rev. atual.--São Paulo: Expressão Popular, 2010.
Zizek, Slavoj. As “Teses de abril”, de Lênin. Disponível em: blogdaboitempo.com.br. Acesso em: 20 Out. 2017.