Assim que tomei conhecimento da proposta do governo Bolsonaro de extinguir municípios com uma população menor que 5 mil habitantes (com uma arrecadação própria menor que 10% de sua receita total) respondi instantaneamente que a mesma não seria aprovada – Não por que será ruim para população desses pequenos municípios, mas por que por um lado, prefeitos e vereadores não irão querer perder suas benesses, e por outro deputados e governadores não irão querer perder seus feudos eleitorais.
Depois, ao descobrir, o contexto em que a proposta foi apresentada (num pacote com outras medidas denominado de “Plano Mais Brasil”), tive mais certeza ainda. Aliás acrescentaria que a ideia do governo não é aprovar mesmo essa proposta, mas utiliza-lá para fazer barganha e desviar o foco das questões principais do pacote de reforma econômica. E pelo menos nesse primeiro momento conseguiu. No Tocantins esse foi o ponto mais repercutido pela mídia e entre os parlamentares que representam o Estado no Congresso Nacional.
A nível nacional não foi diferente – o Jornal Nacional deu destaque para proposta inclusive mostrando o exemplo de um município no interior do Estado de Mato Grosso onde a prefeitura está fechando as portas por falta de recursos (uma mostra da sua neutralidade jornalística). Um entrevistado (defensor do projeto) que não me recordo o nome, afirmou que a proposta segue o modelo de outros países e citou nominalmente a França. Óbvio, ele se esqueceu de um detalhe, a diferença territorial significativa entre um país e outro – enquanto a França tem 643.801 Km2, o Brasil possui 8.511.000 Km2. E o tamanho da população – enquanto a França têm uma população estimada em 66 milhões e 362 mil habitantes, o Brasil ultrapassou a marca de 210 milhões de habitantes (fontes: IBGE e RFI).
Paulo Guedes foi mais honesto, confessou que esse ponto não se trata de uma questão econômica, mas política. “Seguramente não foi um economista do nosso grupo que lançou isso lá. Normalmente, é sempre uma liderança política que chega lá e fala: ‘Está acontecendo isso aqui’. E são lideranças políticas experientes, e eles têm lá os combates deles. Nós vamos assistir isso ai” (Fonte: G1). Nada mais esclarecedor, não?! Essa declaração deixa ainda mais evidente se tratar de uma estratégia para desviar o foco dos pontos mais importantes do pacote que é mais redução de direitos da classe trabalhadora.
Como assim mais redução de direitos da classe trabalhadora? Vejamos: Congelamento do reajuste do salário mínimo; Desvinculação e diminuição dos gastos com Saúde e Educação; Desvinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do Salário Mínimo; Redução dos salários dos servidores, com redução da jornada de trabalho quando os gastos do orçamento ultrapassarem 95% e Privatizações dos bens públicos. Ou você tem alguma dúvida de quem é que vai pagar essa conta se essas medidas forem efetivadas?
Ivan Valente (líder do PSOL na Câmara dos deputados) percebeu bem a estratégia do governo – “Essa proposta de extinção dos municípios foi colocada como moeda de troca. O governo vai barganhar com ela. Vai dizer que foi bonzinho em retirar o bode da sala” (Fonte: El país). Eu prefiro o termo boi de piranha – Uma expressão popular usada para designar uma situação onde se abre mão de algo por outro mais importante.
O importante é aprovar o plano “Mais Brasil” assim como se aprovou a reforma da previdência. Mesmo que para tanto tenha que se abrir mão ou modificar alguns pontos da proposta, assim como foi feito com a reforma previdenciária. Nesse sentido cabe a reflexão do filósofo Vladimir Safatle de que “temos um governo que fala, a todo momento, está operando uma revolução no país. Por isso ele mobiliza a lógica do “governo contra o estado”. E digamos que o plano “Mais Brasil” segue essa lógica.
Numa espécie de recuo (o que não é novidade por parte desse governo) Bolsonaro já declarou que será a população dessas localidades que decidiram sobre essa questão. E são elas mesmas que tem que decidir (por meio de plebiscito como estabelece a Constituição Federal de 1988), não o Governo ou o Congresso Nacional. De modo que essa proposta de cima para baixo nem deveria ter sido apresentada. Mas foi por que é preciso alimentar o discurso do “governo contra o estado” e servir como boi de Piranha para retirada de mais direitos dos trabalhadores.
Mas enfim, na prática é uma proposta que já nasceu derrotada. Cumpre tão somente o papel de boi de piranha que será sacrificado no momento oportuno. Por isso será perca de tempo focar o debate em torno desse ponto. Espero que as forças progressistas não caíam nessa armadilha.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.