sexta-feira, 14 de maio de 2021

A arte do Rogério Caldeira no Palmas Curte Arte em Casa

 O Artista Plástico Rogério Caldeira foi um dos participantes do Projeto Palmas Curte Arte em Casa da Fundação Cultura de Palmas. Ele que tem um trabalho subversivo, utilizando as ruas da capital e outras cidades do interior Tocantinense como Lajeado, para expor o seu trabalho. Apresentou no projeto a “Arapuca de Beira de estrada” fazendo uma relação com a questão pandêmica que estamos enfrentando. O resultado pode ser conferido nesse vídeo onde tive uma pequena participação como entrevistador. Na verdade foi mais um bate papo sobre o seu fazer artístico, suas influências, sua visão sobre arte, a importância da educação artística entre outros assuntos.




segunda-feira, 10 de maio de 2021

Jean-Paul Sartre: O Muro e outros contos


— Muito bem. Serão oito. Ouve-se um grito: “Apontar”, e eu verei oito fuzis apontados para mim. Acho que desejarei penetrar no muro; empurrarei o muro com as costas e toda a minha força, e o muro resistirá, como nos pesadelos. Posso imaginar tudo isso. Ah! Se você soubesse como posso imaginar. Trecho do Conto O Muro, de Jean-Paul Sartre.


Como você agiria sabendo que em algumas horas será fuzilado? O que faz alguém abdicar da sua vida para viver a vida de outro? Por que permanecemos ao lado de outro quando já não há amor? Como formamos a nossa personalidade? Essas são algumas questões que encontramos na coletânea de Contos “O Muro” do Escritor e Filósofo Jean-Paul Sartre. São contos onde desfilam personagens atormentados diante das escolhas que deverão fazer. Pois como nos diz Sartre na sua filosofia – “O homem está condenado a ser livre, condenado porque ele não criou a si, e ainda assim é livre. Pois tão logo é atirado ao mundo, torna-se responsável por tudo que faz”.

O Muro

O conto “O Muro” dá nome a coletânea e também é o que inicia a obra. Aqui o autor nos leva para o contexto da Guerra Civil espanhola. Alguns militantes são presos e após um rápido interrogatório trancafiados numa cela. A partir dali eles sabiam – em algumas horas seriam fuzilados. E é nessas horas que antecedem a execução que Sartre enfatiza, a partir do olhar do personagem principal Pablo Ibbieta, o drama. Nosso autor vai descrevendo de forma magistral os conflitos psíquicos que se instala naquele ambiente – o estado emotivo de cada um, afetados pelo Medo. Enquanto um busca refúgio no silêncio e na observação dos demais. Outro não para de falar. Já o terceiro, o mais jovem, não consegue controlar a emoção e cai no choro. Para compreender melhor o que estou dizendo vejamos um trecho da narrativa de Ibbieta:

“Sentia-me cansado e superexcitado ao mesmo tempo. Não queria mais pensar no que aconteceria de manhã cedinho, nem na morte. Aquilo não tinha sentido, eu não encontrava senão palavras, um vazio. Desde, porém, que tentara começar a pensar em outra coisa, via canos de fuzis apontados para mim. Vivi talvez umas vinte vezes seguidas a minha execução; numa delas cheguei mesmo a pensar que o fuzilamento tinha ocorrido; devo ter dormido um minuto.”

Como nos comportamos diante de determinadas situações? Na minha leitura, eis o problema que Sartre reflete nesse conto. Diante de uma situação que parece não haver saída. O que fazer? Cada um age de uma forma diferente e é isso que pode definir o seu destino. Não vou aqui dar spoiler, como dizem. Mas adianto que o final do conto é surpreendente.

O quarto

Nesse conto Sartre nos apresenta a seguinte estória. Os pais da jovem Éve não se conformam com a vida que a filha vem levando ao lado do esposo Pierre. Esse enlouquecera e vive trancado num quarto numa realidade paralela. Éve se submete a todas as vontades do marido chegando a se isolar voluntariamente do mundo. Os pais dela não compreendem tal decisão, sendo ela tão jovem, tendo tanto para viver. Por que não colocá-lo numa clínica de repouso e retomar sua vida? É o que lhe propõem o pai. Mas ela não lhe dá ouvidos. Estava presa ao marido e qualquer coisa que viesse lembra-la que existia vida fora dali lhe aborrecia:

“Uma transformação profunda se fizera à sua volta. À luz envelhecera, ia ficando grisalha; tornara-se pesada como a água de um vaso de flores, quando esquecemos de renová-la. Sobre os objetos, naquela luz envelhecida, Ève encontrava uma melancolia de que há muito tempo se tinha esquecido; a de uma tarde de fim de outono. Olhou ao redor, hesitante, quase tímida; tudo aquilo estava tão longe; no quarto não havia nem dia, nem noite, nem estações, nem melancolia. Lembrou-se vagamente de outonos muito antigos, de outonos da sua infância, e depois, subitamente, enrijeceu-se; tinha medo das suas recordações”.

Camaradas, que Belo trecho,  não?! É, não estamos diante de um escritor qualquer. Isso é Sartre senhores. Isso é Sartre. Aqui mais uma vez o Medo determinando as ações dos personagens. O Medo nos faz se submeter a situações e condições impensáveis. 

Erostrato

Nesse conto a estória é narrada a partir da perspectiva do personagem principal – um sujeito que se acha superior aos demais e que tentará provar essa superioridade fazendo algo grande. Para tanto adquire um revólver e passa a exercer a sua “superioridade”. Numa conversa com amigos ouve a estória de Erostrato – um sujeito que para se tornar ilustre incendiou o templo de Éfeso – uma das sete maravilhas do mundo. 

“Quanto a mim, que até então jamais ouvira falar de Erostrato, sua história me encorajou. Havia mais de dois mil anos que ele estava morto e sua ação ainda brilhava, como um diamante negro. Comecei a acreditar que meu destino seria curto e trágico. Isso me amedrontou a princípio, depois me habituei. Encarado de certo ângulo é atroz, mas, por outro lado, dá ao instante que passa uma força e uma beleza consideráveis.”

Eis ai como o nosso personagem com mania de grandeza se convence da sua superioridade. Terá um destino curto e trágico, mas será lembrado por toda a eternidade. Corajoso não?! Nem tanto, no final ele se revelará o que realmente é. Como são todos esses com mania de superioridade. 

Intimidade

Nesse conto, dividido em quatro partes, Sartre também trás uma personagem feminina como protagonista. Aqui somos levados a intimidade de um casal em crise – Lulu e Henri. Ela ameaça abandona-lo. Tem um amante que fugiria com ela e uma amiga que encoraja fazê-lo. Ele do seu lado não faz nenhum movimento de mudança para que Lulu não o abandone. 

“Henri começou a roncar e Lulu assobiou. Não consigo dormir, estou me martirizando, e ele ronca, o imbecil. Se me tomasse nos braços, se me suplicasse, se me dissesse: “Você é tudo para mim, Lulu, eu te amo, não vá embora!”, eu faria esse sacrifício, ficaria, sim, permaneceria com ele a minha vida toda para que fosse feliz”.

Temos ai em síntese a realidade de muitas mulheres. Já não há amor, já não há prazer. Mesmo assim está disposta a permanecer ao lado do marido, sacrificando a sua vida e a sua felicidade. Sartre mostra como a personagem tem consciência disso. Mas será que terá coragem para romper com o marido? Eis o que vocês terão que descobrir lendo.

A infância de um Chefe

Eis o conto que encerra a coletânea. E assim como o anterior é uma narrativa de fôlego. Sartre nos apresenta a estória de Lucen – filho de uma família burguesa francesa. Está sendo formado para seguir os passos do pai no comando dos negócios, isto é,  está sendo formado para ser um chefe. Mas até que tome consciência do seu destino passará por muitas provas. A narrativa é perpassada pelas seguintes perguntas: Se eu existo, quem sou? Qual o meu papel nessa sociedade?

““TENHO DIREITOS!” Direitos! Algo parecido com os triângulos, com os círculos: eram tão perfeitos que não existiam, por mais que se traçassem milhares de rodas com compassos, não se chegava a construir um único círculo. Gerações de operários poderiam, do mesmo modo, obedecer escrupulosamente às ordens de Lucien, nunca esgotariam o direito que ele tinha de mandar; os direitos estavam além da existência, como as equações matemáticas e os dogmas religiosos. E eis que Lucien, justamente, era isto: um enorme feixe de responsabilidades e de direitos”.

Nesse conto Sartre nos mostra de forma magistral como é formado a psique das classes dominantes. A concepção de que são sujeitos de direitos enquanto os demais devem obedecer, apenas obedecer.

Enfim, eis ai de forma breve os contos que compõem essa pequena, mas excelente coletânea do Nobel de Literatura do ano de 1964. São estórias interessantes que nos mostram personagens e as suas escolhas – escolhas tomadas sobretudo dominados pelo Medo.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Conjunturais

A pandemia de Covid-19 continua cobrando caro da população brasileira como consequência das políticas desastrosas por parte dos Governantes. A oposição continua fazendo muito baralho sem pouca efetividade. O campo progressista reduziu tanto o seu horizonte político que se agarra numa possível candidatura do Lula em 2022 como perspectiva de mudança.

A eleição de 2022 é a obsessão de todos. Ainda estamos há mais de um ano do pleito, mas já não se fala em outra coisa no meio político. Todas as ações nesse campo é feita de olho na disputa vindoura. Aliás, o cenário político dos últimos anos mostra que vivemos numa campanha eleitoral contínua desde 2016.

No Tocantins o Governador Mauro Carlesse (PSL), ao contrário de Bolsonaro, voa num céu de brigadeiro. Talvez nem o Siqueira Campos no auge da União do Tocantins (UT) teve tanta tranquilidade para Governar. A oposição ao seu Governo é praticamente inexistente, tanto no parlamento onde tem na sua base de apoio de PSDB a PT. Como também por parte de Sindicatos e Movimentos Sociais. 

Essa quase unanimidade em torno do seu governo pode parecer que tudo está as mil maravilhas. Mas quando analisamos os dados da pesquisa (IBOPE, Novembro de 2020) sobre a avaliação do Governo Carlesse percebemos que há algo de errado. Somando os que avaliam o Governo entre Ruim e Péssimo o índice chega a 40%. E se acrescentarmos os 41% que avaliam como regular. Fica claro que a popularidade do Governo não é das melhores.

A inexistência de uma oposição forte num cenário desses nos revela uma coisa – não temos nenhum grupo político sintonizado com os interesses do povo, mas apenas com os seus interesses particulares. 

Enquanto isso algumas lideranças políticas já se movimentam com o objetivo de viabilizar suas possíveis candidaturas. Sobretudo aquelas figuras que estão sem mandatos, como é o caso dos ex-prefeitos Carlos Amastha, Ronaldo Dimas e Laurez Moreira. 

O fato de Carlesse não poder ser candidato ao Governo Estadual anima a disputa, como também a ausência de uma figura política como fora Siqueira Campos e até Marcelo Miranda outrora.

Além dos ex-prefeitos citados acima, destaca-se também o nome do Senador Eduardo Gomes e do Vice-governador Wanderlei Barbosa. Nenhum desses nomes se sobressai o que aponta portanto uma disputa acirrada. Por enquanto há mais especulação do que certeza. 

Além do cenário regional, e o desejo pessoal de alguns candidatos á candidato, é preciso levar em consideração o cenário nacional, sobretudo em relação às alianças que se formaram. Mas uma coisa podemos apontar, seguindo o que ocorreu nas últimas eleições é provável que pelo menos em primeiro turno não aja grandes alianças. Sobretudo porque os partidos terão que pensar na cláusula de barreira que deverão ultrapassar na disputa proporcional.

Outra disputa que merece um breve comentário é a do Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Estado do Tocantins. Não é sem decepção que vemos a mesma velha figura como candidato a Presidência do Sindicato. Figuras que estão há muito tempo afastada da sala de aula (do chão da escola), que há muito perderam a conexão com as reais demanda da classe.

Infelizmente essa não é uma exceção no movimento sindical, tanto a nível Regional como Nacional. De modo que não é de se admirar que essas organizações estejam cada dia mais esvaziadas e sem força de mobilização. Como consequência os governos não tem grande dificuldade de impor medidas de restrições de direitos. E com isso encerramos por enquanto. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Primavera literária no Tocantins

Enquanto leitor e militante da literatura tocantinense, tenho observado que nos últimos três anos tem ocorrido uma espécie de primavera literária no Tocantins. Tanto a partir de iniciativas individuais como de projetos coletivos. 

Essas iniciativas tem contribuído na mobilização e articulação de escritores de norte a sul do Estado. Propiciando o diálogo e a troca de experiência entre autores mais conhecidos e novos talentos. Desse movimento certamente teremos bons frutos. Já estamos tendo na verdade, com a publicação de obras que entraram para o hall dos clássicos da literatura tocantinense.

Essa primavera literária no Tocantins tem sido possível sobretudo a partir da apropriação das mídias digitais por parte dos autores que produzem literatura no Estado. As mídias digitais propiciam um meio acessível para publicação e divulgação da produção literária tocantinense. Contribuí também para que se construa uma rede de contatos e trocas entre esses autores. Além de uma aproximação maior com o leitor.

O interessante é que isso não tem se restringido ao campo virtual. E tem dado fruto a coletâneas, antologias e outras obras tanto no formato impresso como e-books. Creio que com o fim das restrições decorrentes da pandemia de COVID-19 isso será ainda mais possível, inclusive com a possibilidade de organização e realização de eventos literários. 

Um dado interessante é que esse movimento tem partido sobretudo do interior. Com destaque especial para Araguaína e Gurupi.

Cabe também destacar o espaço que alguns portais de Notícia têm dado a literatura regional. Um espaço ainda pequeno diante da quantidade de portais que temos no Tocantins. No entanto já é algo a se comemorar. Destacaria aqui sobretudo o portal do jornalista Cleber Toledo (Coluna do CT) onde temos a coluna “livros e cia” assinada pelo imortal da Academia Tocantinense de Letras – Zacarias Martins. E também mais recentemente o Espaço Literatura.

Os portais de noticia tem um alcance de público mais amplo do que os canais virtuais dos autores. Desse modo são importantes ferramentas para divulgar a nossa literatura. Alguns fazem isso de forma esporádica. Mas o ideal seria seguir o exemplo da Coluna do CT, criando um espaço para literatura. Uma coisa é fato, produção literária no Tocantins para alimentar esses espaços não falta.

É importante ressaltar que tanto os autores ganham com isso, sobretudo pelo fato de poder ter o seu trabalho divulgado em um espaço visitado por um público mais amplo e diversificado. Como também esses portais ao disponibilizar ao seu público um conteúdo diferenciado. E ganha sobretudo a literatura tocantinense que sai fortalecida desse processo.

Diante disso ressaltamos que ainda temos muito a avançar, não só em relação ao aspecto ressaltado acima, mas também quando por exemplo, analisamos a quantidade de editoras que temos no Estado ou de eventos literários. Os custos da publicação de um livro impresso é algo que torna essa tarefa inacessível para muitos autores. E a distribuição e comercialização dessas obras então nem se fala. E se não há uma boa distribuição e comercialização o alcance dos leitores a essas obras fica reduzidíssimo. Já o autor, ao invés de receber pelo seu trabalho tem que pagar.

Essa, porém, não é uma realidade exclusiva de quem produz literatura no Tocantins. E a depender do Governo Federal a situação tende a piorar com a proposta de taxação de 12% sobre os livros – tornando assim algo que já é inacessível para muitos, mais inacessível ainda. Ora, se o Governo não ajuda, pelo menos deveria não atrapalhar. E isso serve tanto para esfera Nacional como Estadual e Municipal.

Apesar de todas as dificuldades, vê o que tem ocorrido no campo literário tocantinense – uma verdadeira primavera literária - nos anima. Resta por tanto, continuarmos semeando frutos para outras primaveras literárias ainda mais fecundas.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Leituras: Segundo Manifesto pela Filosofia

Em tempos de polarização entre ciências e negacionistas um manifesto pela Filosofia parece deslocado da realidade. Há tempos que a Filosofia foi colocada pela nossa sociedade no campo das coisas inúteis ou supérfluas. Tanto que os esforços para retirá-la da grade curricular obrigatória da Educação Básica no Brasil, foram enormes. Mas não se engane, pois esse não é um fenômeno só do nosso país. Reformas educacionais em países como a Espanha também reduziram o espaço da Filosofia no sistema de Ensino.

É nesse contexto que o Filósofo francês Alain Badiou lançou o Segundo Manifesto pela Filosofia. Trata-se de uma atualização do Primeiro Manifesto lançado há 20 anos. Para o nosso filósofo é necessário manter o otimismo do pensamento no cenário atual. Pois qualquer perspectiva de mudança não será possível sem a força do pensamento. De modo que a Filosofia se posiciona como mais necessária do que nunca, se colocando como uma barreira ao processo de emburrecimento que querem nos impor, sobretudo a partir de uma mentalidade tecnicista.

De acordo com Badiou, no campo dos saberes, o que nos querem enfiar goela abaixo é uma mistura de um cientificismo tecnologizado e um legalismo burocrático. O primeiro se caracterizada por uma visão dos cérebros como um simples objeto. Já o segundo se expressa na forma suprema da “avaliação” que faz de todos especialistas saídos de parte nenhuma, que concluem invariavelmente, que pensar é inútil e até prejudicial. 

Para o nosso filósofo é preciso reafirmar a potência afirmativa da ideia. Por isso o seu esforço nesse segundo manifesto pela Filosofia é mostrar que: Se a Filosofia pode ser o que você deseja que ela seja. É preciso ver realmente o que você vê. Isto é, será se realmente compreendemos o que é a Filosofia e qual o seu papel? Como podemos dizer que algo é inútil ou supérfluo se não o conhecemos de fato? 

Ao longo do seu segundo Manifesto pela Filosofia, Badiou irá abordar esse problema a partir do desenvolvimento dos seguintes pontos: 1- Opinião; 2- Aparição; 3- Diferenciação; 4- Existência; 5- Existência da Filosofia; 6- Mutação; 7- Incorporação; 8- Subjetivação; e 9- Ideiação. Tudo isso seguindo um estilo matemático e as regras clássicas do discurso. 

 Alain Badiou é uma referência contemporânea no campo da Filosofia. Tendo uma trajetória marcada pela docência e pela militância política. Nascido no ano de 1937 em Rabat no Marrocos. Filho de um Professor de Matemática – que também foi Prefeito de Toulouse e atuou na Resistência Francesa. Badiou exercesseu a docência na Universidade de Paris VIII, tornando-se posteriormente Professor emérito da École Normale Supérieure de Paris. Na sua trajetória acadêmica orientou nomes como Slavoj Zizek e Vladimir Safatle. 

Na militância política atuou no Movimento de Maio de 1968 na França, além de ter ajudado a organizar e participar de organizações como L’Union des Communistes de France Marxiste-Léniniste (UCF-ML). Entre as suas obras publicadas destacamos: Em busca do real perdido (2015), O ser e o vento (1988), Elogio ao amor  (2013) e “A República de Platão  (2013). Além da Filosofia, Badiou se envereda por outros gêneros literários como o Romance.

Alguns estudiosos da sua vasta obra dizem que um problema fundamental do nosso filósofo é acerca do sujeito. Podemos perceber isso no Segundo Manifesto pela Filosofia. Badiou defende a força do pensamento justamente por acreditar que este é o caminho para que o sujeito submetido a uma sociedade onde todos são homogeneizados – transformados em meros consumidores – possa se libertar. 

Se libertar das amarras de um sistema dominante que busca fazer desaparecer o exercício do pensamento, que cultua o mercado e nos impõem uma vida sem criatividade, com um mundo simbólico engolfado, sem poesia e repetitiva. Amarras que se fortalecem a partir da dinâmica de um mundo cada vez mais digital. Nessa linha, um artigo publicado recente no El País, com o título de “Más filosofía no mundo digital”,  vem de encontro com o manifesto do Badiou.

No artigo do El País, o Professor Eduardo Infante crítica a educação na nossa sociedade por castrar uma postura contestadora por parte dos estudantes: “En nuestra educación se castiga a todo aquel que se atreva a cuestionar, a poner en duda a pensar por sí mismo; y se premia la obediencia y la sumisión. Cuando llegan a los cursos superiores, la capacidad de asombro, la curiosidad y la duda están prácticamente muertas, desactivando con ello todo el potencial emancipador de la filosofía. ¿Qué importa que, para entonces, concedamos a nuestros jóvenes la libertad de expresión cuando hemos anulado su libertad de pensamiento?".

Diante dessa reflexão, concluímos afirmando a importância do Segundo Manifesto pela Filosofia do Badiou. Em tempos de falsos dilemas, falsos embates, manipulações, fake news e reducionismo. A Filosofia se coloca cada vez mais necessária como condição sine qua non para resistirmos ao autoritarismo e a desumanização que avança a passos largos.

Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

terça-feira, 20 de abril de 2021

Direitos Humanos como disciplina no Ensino Fundamental?

Está em discussão na Assembleia Legislativa do Tocantins um Projeto de Lei que inclui na grade curricular do Ensino Fundamental o componente curricular de Direitos Humanos. A proposta é interessante por chamar atenção para uma questão importante, sobretudo no contexto brasileiro onde a discussão em torno da temática dos direitos humanos é carregada de preconceitos.

Quem nunca ouviu a famosa acusação tão comum no nosso cotidiano de que defender os direitos humanos significa defender direitos de bandidos. Ou provocações do tipo: - cadê o pessoal dos direitos humanos?! -Isso é culpa do pessoal dos direitos humanos que ficam passando a mão na cabeça. Essa visão distorcida, acerca dos direitos humanos, vem sendo construída há décadas e contribuí para normalização da violação dos direitos da Pessoa humana, sobretudo pelo Estado.

A partir daí percebemos que há uma intencionalidade por parte de setores da sociedade nesse processo. Não é interessante para esse setor que viola ou promove a violação dos direitos humanos uma sociedade que se oponha de forma consciente a essa violação. Já os demais que reproduzem esse discurso não percebem que ao negar os direitos humanos estão negando os seus próprios direitos enquanto ser humano.

Para compreendermos melhor esse ponto é interessante trazer o poema Intertexto do Bertold Brecht: “Primeiro levaram os negros/Mas não me importei com isso/Eu não era negro/Em seguida levaram alguns operários/Mas não me importei com isso/Eu também não era operário/Depois prenderam os miseráveis/Mas não me importei com isso/Porque eu não sou miserável/Depois agarraram uns desempregados/Mas como tenho meu emprego/Também não me importei/Agora estão me levando/Mas já é tarde./Como eu não me importei com ninguém/Ninguém se importa comigo.” 

Brecht nos mostra onde a indiferença nos leva. E se tem algo que caracteriza o discurso antidireitos humanos é a indiferença alimentada pelo ódio e o desprezo. Infelizmente para alguns indivíduos eles só compreenderam a importância exata dos direitos humanos quando necessitarem. Mas ai pode ser tarde.

Nesse contexto é essencial que os direitos humanos não só esteja no currículo da Educação Básica, desde o ensino fundamental como propõem o Projeto. Mas que também seja vivenciado, sobretudo nas relações extraclasse. Isso é em resumo o que defendo num artigo que escrevi para conclusão do Curso de Especialização em Filosofia e Direitos Humanos, intitulado de “Os afetos que circulam entre os muros da escola: A importância da Ética para Promoção dos Direitos Humanos”.

Creio que essa abordagem deveria ser feita a partir de uma perspectiva filosófica, especialmente do campo da Ética. De modo que tenderia a discordar da criação de uma disciplina específica de Direitos Humanos, sobretudo na linha que propõem o projeto apresentado na Assembleia Legislativa do Tocantins, mais voltado para noções de direitos. Melhor seria, assim como na Inglaterra e outros países Europeus, tornar obrigatório o Ensino de Filosofia no Ensino Fundamental. 

Ora é impossível falar em direitos humanos sem entender as concepções filosóficas que os fundamentam. Até por que em última análise o que define a nossa conduta diante desses direitos não é a legislação mas sim a moral vigente.

De qualquer forma a ideia do Promotor de Justiça de Paraíso – Paulo Alexandre Rodrigues Siqueira que culminou no Projeto apresentado pelo Presidente do Legislativo Tocantinense – Antônio Andrade. Tem o mérito de pautar essa discussão importante, sobretudo num contexto em que o discurso antidireitos humanos ganhou força com o discurso de ódio e as fake News.

Desse modo é importante que o mesmo avance e que a sociedade civil organizada seja chamada para discuti-lo.

Por Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Ética e Vacinação

Como era de se esperar a vacinação da população brasileira segue a passos lentos. Já não bastasse a dificuldade de adquirir um artigo tão disputado pelo mundo inteiro. Soma-se a isso a postura do Governo Bolsonaro que sempre negou a gravidade da pandemia e a eficácia da vacina. De modo que esperar outro resultado diferente do que estamos vivendo é um tanto de ingenuidade. 

Nesse cenário de escassez de vacinas e que a pandemia golpeia ferozmente a nossa população. Não é de se admirar ações oportunistas buscando tirar algum proveito da situação. No Tocantins essas ações tem partido de parlamentares apresentando requerimentos para que seja priorizado algumas categorias profissionais no organograma de vacinação. Diariamente a impressa local da notícia de um novo requerimento apresentado nesse sentido – que servem mais como marketing político do que para qualquer outra coisa já que no momento atual as doses de vacina disponível não está dando nem para os atuais grupos prioritários.

O esforço coletivo deve ser a imunização de todos. De modo que quanto mais fragmentarmos a população em grupos prioritários mais difícil será de se alcançar esse fim. Enquanto isso não é possível devemos reforçar as medidas de biossegurança como o uso de máscaras, a higienização das mãos com álcool em gel e o isolamento social. Isso acompanhado de um auxílio financeiro decente para as famílias que estão em situação vulnerável. Pois não é possível falar em biossegurança sem garantir comida na mesa para quem não tem.

Podemos dizer então que estamos na contramão do que é necessário. A nível Federal o Governo Bolsonaro com o aval do Congresso Nacional aprovou um auxílio emergencial de míseros R$ 250,00. A nível regional nem isso – apenas um mísero kit de alimentação e higiene. Não se vê por parte dos nossos parlamentares nenhum movimento para garantir comida na mesa dos Tocantinenses que estão passando fome – nenhuma iniciativa para criar um auxílio emergencial local (com exceção de Palmas que anunciou nessa terça-feira 13/04, a criação de um auxílio emergencial de R$ 200,00).

Nesse contexto chamamos atenção para questão Ética. Nessa pandemia falou-se muito sobre ciência e negacionismo. Inclusive a humanidade foi dividida nesses dois campos. Esqueceu-se no entanto que o que define nossas ações é a nossa conduta moral. É a partir da Ética que conseguimos compreender por que agimos de determinada forma e não de outra. É a partir da Ética que conseguimos compreender onde chegamos. E inclusive projetar o que está por vim. 

Se estamos na situação que nos encontramos hoje é consequência da conduta Ética do Governo Bolsonaro mas também de parte significativa da população brasileira. Se essa conduta não for mudada certamente o resultado esperado não pode ser diferente. Conhecendo o Governo não podemos esperar por essa mudança de conduta, por tanto não temos alternativa se não arranca-lo da Presidência da República. Isso não resolverá todos os nossos problemas, mas dará uma guinada importante. 

Em relação a imunização da população através da vacinação é preciso rechaçar essas condutas oportunistas como a dos parlamentares Tocantinenses. Repetindo o que já foi dito anteriormente, o esforço nosso deve ser por: Vacina para todos. Qualquer iniciativa contraria é perda de tempo, seguindo a linha do que disse a Médica Pneumologista Margareth Dalcomo em entrevista ao El País ao criticar a medida aprovada na Câmara do Deputados que autorizou a aquisição de vacinas por iniciativa privada (medida que contou com 7 votos favoráveis dos 8 parlamentares federais que temos).

O que os parlamentares fizeram foi legalizar a conduta dos empresários Mineiros que estavam tentando uma imunização dos seus de forma “Não oficial”. E que merecidamente foram enganados por uma falsa Enfermeira que aliás deveria ganhar uma medalha por nos revelar a Ética desses senhores. A partir daí podemos compreender a motivação dos deputados ao votar no projeto – certamente não é a busca do bem comum.

A pandemia revelou mais do que nunca a nossa substância Ética. E isso não se modificará da noite para o dia. Infelizmente parece que a visão pessimista do Filósofo Sul-Coreano Byung Chu Han sobre o mundo pós-pandemia, pelo menos a curto prazo, é o que prevalece. Se quisermos modificar essa realidade, trabalhar a Ética na escola é mais do que necessário. É a partir da educação que podemos vislumbrar uma substância Ética diferente do nosso povo no futuro.

Por Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.