“O místico Pascal,
contempla o céu estrelado
numa vã espera de vozes.
O céu calou-se
estamos só no infinito
deus nos abandonou...”
Paulo Leminski
Questões introdutórias
Estamos no século XXI, as ciências chegaram num grau de desenvolvimento inimaginável para os pioneiros dessa área, sobretudo aqueles que (do século XV ao XVIII) assentaram as bases do que compreendemos hoje como ciências. Esse desenvolvimento e os resultados que daí advém colocam a ciência como um conhecimento quase que inquestionável. É como se dissessem: - tudo que tem a chancela da ciência pode confiar.
Isso leva a situações como a de profissionais da área aparecendo em propagandas recomendando o consumo de um determinado produto. Ou de um religioso com uniforme médico na televisão prometendo um tratamento espiritual contra um vício. Ainda que não se trate de um especialista da área, só o fato de estar vestido como um, passa uma credibilidade para quem está assistindo.
Por outro lado há quem não deixa de questionar e perseguir a ciência. E inclusive, nessa segunda década do século XXI há um movimento crescente nesse sentido – utilizando para tanto argumentos dos tempos medievos. São os chamados negacionistas que nunca deixaram de existir, mas que agora ocupam importantes cargos na esfera política mundial.
Apesar desses, a ciência existe, resiste e não deixará de existir. Nem sempre para o bem. Nem sempre a serviço da coletividade. É importante não perder isso de vista para não darmos poderes absolutos aos cientistas. A ciência deve servir a sociedade e não o contrário. Nesse momento em que a sociedade atravessa uma crise com a pandemia de COVID-19 e a grande maioria das pessoas voltam os olhos para ciência na esperança de uma solução para o problema. Não podemos deixar passar a oportunidade de discutir essa questão.
Mas não é o meu objetivo e nem o que farei aqui. A ideia desse texto, é entender como surgiu a ciência moderna a partir do filósofo Danilo Marcondes, no seu livro “Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a wittgenstein”. Acredito que isso é importante para compreendermos o desenvolvimento da ciência até nossos dias e a partir daí refletir sobre para onde caminhamos ou podemos caminhar em relação ao conhecimento científico.
A revolução científica
O trabalho de Nicolau Copérnico sobre ás orbes celestes, de 1543, apresentando uma concepção do universo que rompeu com uma teoria que perdurou por 20 séculos, é considerado por muitos estudiosos o ponto de partida da revolução científica.
De acordo com Danilo Marcondes (2001), Copérnico, utilizando-se de cálculos matemáticos para calcular os movimentos dos corpos celestes, chega a “um modelo de cosmo em que o Sol é o centro (sistema heliocêntrico), e a Terra apenas mais um astro girando em torno do Sol”.
No entanto o interesse pelas ciências naturais começa a ser retomada bem antes das descobertas apresentadas por Copérnico. Especialmente, a partir da reintrodução na Europa da obra de Aristóteles pelos Árabes. De início Copérnico não tinha como objetivo refutar o pensamento grego, pelo contrario. Buscava resgata-ló, especialmente a concepção platônica inspirada nas contribuições de Pitágoras. Mas acabou afirmando algumas concepções Aristotélicas e rebatendo outras.
Nessa linha, Danilo Marcondes (2001) afirma que “embora a revolução científica moderna inspire-se muito em Platão, pela valorização da matemática na explicação do cosmo, e nos pitagóricos, que já teriam antecipado o modelo heliocênctrico proposto por Copérnico (segundo ele próprio admite), Aristóteles é o responsável pela ênfase na pesquisa experimental e na importância da investigação da natureza.”
Portanto inspirando-se em Platão, Aristóteles e nos pitagóricos, se criará a ciência moderna. Que surgirá, de acordo com Danilo Marcondes (2001), “quando se torna mais importante salvar os fenômenos e quando a observação, a experimentação e a verificação de hipóteses tornam-se critérios decisivos, suplantando o argumento metafísico”. Porém, nosso filósofo salienta que esse processo não se deu de uma hora para outra. “Como quase sempre na história das ideias” foi necessário “um longo processo de transição”. E para que tal processo revolucionário se consolidasse foi fundamental a contribuição de diversos pensadores em diversas áreas. É para o que chama atenção Danilo Marcondes (2001) ao afirmar que “ao longo desse processo, desde os franciscanos do Merton College (séc. XIV) até Galileu (1564 - 1642) e Newton (1643 - 1727) temos diferentes pensadores, filósofos, teólogos, matemáticos, astrônomos, que contribuíram com diferentes ideias, levando finalmente às profundas transformações na visão científica do séc. XVII, tanto em relação ao modelo de cosmo quanto aos aspectos metodológicos da ciência moderna’’.
Danilo Marcondes (2001) aponta dois fatores que foram fundamentais para a consolidação das transformações que ocorreram com a revolução cientifica moderna: 1) Do ponto de vista da cosmologia, a demonstração da validade do modelo heliocêntrico, empreendida por Galileu; a formulação da noção de um universo infinito, que se inicia com Nicolau de Cusa e Giordano Bruno; e a concepção do movimento dos corpos celestes, principalmente da Terra, em decorrência do modelo heliocêntrico; 2) Do ponto de vista da idéia de ciência, a valorização da observação e do método experimental, isto é, uma ciência ativa, que se opõe à ciência contemplativa dos antigos; e a utilização da matemática como linguagem da física, proposta por Galileu sob inspiração platônica e pitagórica e contrária à concepção aristotélica. A ciência ativa moderna rompe com a separação antiga entre a ciência (episteme), o saber teórico, e a técnica (techne), o saber aplicado, integrando ciência e técnica e fazendo com que problemas práticos no campo da técnica levem a desenvolvimentos científicos, bem como com que hipóteses teóricas sejam testadas na prática, a partir de sua aplicação na técnica.
A consolidação da revolução cientifica só foi possível a partir de uma junção de fatores, e que diversos pensadores contribuíram, sobretudo durante os séculos XV e XVII. Em alguns casos rompendo com as concepções clássicas totalmente, em outros se inspirando nelas. Para Marcondes (2001) “só com Newton, praticamente já no séc. XVII, é que teremos a formulação de uma ciência físico-matemática plenamente elaborada em um sistema teórico.”
Um ponto a se destacar é que a revolução científica não avançou sem oposição, pelo contrário. Mesmo com o renascimento e a reforma protestante a ciência moderna não deixou de ser criticada e perseguida, especialmente por separar a natureza humana da natureza do universo.
De acordo com Marcondes (2001) “a reforma protestante valoriza o individualismo e o espírito crítico, bem como a discussão de questões éticas e religiosas. A revolução científica pode ser considerada uma grande realização do espírito crítico humano, com sua formulação de hipóteses ousadas e inovadoras e com sua busca de alternativas para a explicação científica; porém, ao tirar a Terra do centro do universo e ao trazer para o primeiro plano a ciência da natureza, se afasta dos temas centrais do humanismo e da Reforma, sofrendo em muitos casos a condenação tanto de protestantes quanto de católicos”.
Tal critica por um lado pode ser explicada pelo fato de que a ciência deixa as questões humanas de lado, e passa a tratar o homem como uma máquina. Passa a vigorar uma visão mecanicista da sociedade – que vai de encontro aos interesses da nova classe no poder (a burguesia) e contribuindo para o desenvolvimento do modo de produção capitalista em ascensão.
No campo filosófico Descartes vai dedicar-se em suas obras a refutar as criticas e a reafirmar a importância da ciência moderna. Defendendo as novas teorias científicas e o modelo de ciência em desenvolvimento.
Conclusão
A revolução cientifica teve inicio a partir da concepção copernicana sobre ás orbes celestes. Neste trabalho ele apresentou o modelo heliocêntrico, rompendo por tanto com uma concepção do universo, defendida por Ptolomeu, inspirado na concepção aristotélica, que prevaleceu por mais de 200 séculos.
Quando fez tal descoberta Copérnico não buscava romper com o pensamento grego, mas sim resgata-ló, inclusive as próprias concepções aristotélicas. No entanto ao apresentar o modelo heliocêntrico, o conservador Copérnico fez uma revolução, a chamada revolução copernicana.
No entanto foi a partir das descobertas de Galileu que o modelo heliocêntrico pode ser validado, superando definitivamente a concepção ptolomaica. Aliás, é na obra de Galileu que vemos as principais bases para o surgimento das ciências modernas. O gênio italiano irá utilizar-se da matemática como linguagem da física, inspirando-se em Platão e Pitágoras. Com isso não terá uma vida fácil, será perseguido politicamente e religiosamente, será acusado de heresia e excomungado pela igreja católica. Também será condenado a prisão domiciliar até sua morte.
A chamada revolução cientifica teve o seu apogeu entre os séculos XV e XVII, e diversos pensadores deram a sua contribuição para que esse processo se desenvolvesse e se consolidasse, mesmo antes da revolução copernicana, que é tida como o ponta pé inicial dessa revolução – que não se deu a partir de uma ruptura imediata, mas de um longo processo que durou alguns séculos.
A revolução cientifica não trouxe apenas uma nova visão onde a terra e o homem não são mais o centro do universo. Como também contribuiu para que houvesse mudanças profundas na sociedade – transformando a percepção e o modo de vida do homem medieval.
O movimento renascentista e a reforma protestante também foram significativos para que a revolução cientifica triunfasse. No entanto, por botar as questões humanas em segundo plano, a revolução cientifica sofreu ataques tanto da igreja católica como dos reformadores.
Por tanto o caminho percorrido por diversos pensadores, entre eles Copérnico e Galileu, não foi fácil. As descobertas desses gênios contribuíram decisivamente para uma quebra de paradigma e para o surgimento de uma nova sociedade – onde a igreja perde sua influência drasticamente e o poder da nobreza é enterrado. Surgindo então a burguesia e o modo de produção capitalista – sendo que as ciências terão um papel decisivo para consolidação dessa nova ordem dominante.
Pedro Ferreira Nunes – é Educador Popular e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.
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Referência
Marcondes, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a wittgenstein. 6º ed – Rio de Janeiro. Jorge Zahar ed., 2001.