quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Sepultura: sobre saber quando encerrar ciclos

I’ve never lost sight of my falte
Many tried to bloco my ways but
Persistence kept 
me going on
Now se trespass the line of time
Going back bit I’m right here, now 
And then, all done...” 

Kairos, Sepultura

O anúncio de que no ano em que celebrará 40 anos de estrada, será também o início da despedida dos palcos de uma das bandas de rock mais importante do planeta pegou a todos de surpresa. Sobretudo por que não estamos falando de um grupo do qual seus integrantes já não conseguem responder ao esforço físico que o estilo da banda exige. Sem falar no nível técnico que eles alcançaram como podemos perceber tanto nos discos como nos palcos. Tal decisão nos provocou a refletir sobre a necessidade de saber a hora de fechar ciclos. E nos chamar atenção para algo que tentamos evitar – a nossa finitude. 

Óbvio que para um fã não é tão fácil aceitar “o fim” do seu objeto de adoração. Da mesma forma que alguém quando perde uma pessoa querida. Demoramos perceber que a banda, na verdade, não vai acabar. Mas continuar existindo de outra forma. A partir daquilo que ela produziu ao longo dos anos e das memórias que temos com ela. No meu caso lembro de ter conhecido o som do Sepultura pela televisão numa madrugada lá no início dos anos 2000, numa performance no Rock in Rio Lisboa. Mas foi quando mudei para Goiânia nos idos de 2005, que passei a apreciar mais metal e punk, e ter mais acesso a essa cultura, que o Sepultura passou a fazer parte da minha trilha musical – no top três das minhas bandas preferidas ao lado do Motorhead e Ratos de Porão.

A primeira vez que fui num show foi em 2007 no Goiânia Noise. Lembro de ter ficado impactado com a performance da banda. Naquele momento tive a exata dimensão do que era o Sepultura – uma banda diferenciada – dessas que a história reserva um capítulo especial. Desde então a banda só melhorou, sobretudo depois da entrada do Eloy Casagrande.

Falar em entrada e saida de integrantes é tocar em polêmica. Alimentada sobretudo pelo ressentimento dos irmãos Cavalera, especialmente o Max. Da minha parte não há nenhuma polêmica. Quando conheci a banda no início dos anos 2000, Derrick já era o vocalista. De modo que a saída do Igor e depois do Jean foram mais significativa para mim. No entanto não tem como deixar de reconhecer a qualidade do trabalho da era Max. 

Para mim não há melhor ou pior. São fases diferentes. No entanto, nós sabemos que a sociedade que vivemos gosta de alimentar polêmica e competição entre os indivíduos. É nesse contexto, por tanto, que compreendemos toda a discussão em torno do que a banda produziu. Confesso que o meu carinho de fã maior é pela formação atual (Andreas, Paulo, Derrick e Eloy). Sem deixar de reconhecer o legado que os ex-membros deixaram. 

Por outro lado, arriscando uma análise mais técnica não dá para comparar o nível do Sepultura atual com o que faz os irmãos Cavalera, seja no Soulfly ou no Cavalera Conspiracy. Fazendo uma comparação com times de futebol, eu diria que o Sepultura atual seria um Manchister City ou um Real Madrid. Já os Cavalera um Palmeiras ou Flamengo.

Por que então parar agora se a banda está perfomando em tão alto nível?  Foi a pergunta que muito se fez. Óbvio que quem acompanha os integrantes sabe que há questões pessoais envolvidas – experiências vividas, pelo guitarrista e líder do grupo – Andreas Kisser – a partir da morte da sua companheira Patrícia, que o fez ter outra compreensão da vida. Tanto é que quando analisamos a turnê de despedida do ponto de vista conceitual está lá de forma muito explícita a sua defesa de uma morte digna.

Estranho isso, não?! Falamos tanto em vida digna, mas em morte digna não. Mas deveríamos, por que disso não tem como fugir – da nossa condição de finitude.

Mas se a questão é o Andreas, por que não substitui-ló? Isso aconteceu durante alguns shows na Europa, tendo o Jean Paton assumindo a guitarra. Simplesmente pelo fato de que a banda decidiu coletivamente que é hora de parar. Ou seja, ainda que a ideia tenha surgido do Andreas, a decisão foi de todos. Quem melhor que eles para decidir a hora de parar?!

Nós ficamos tristes com essa decisão. Mas não podemos deixar de notar uma coerência com o legado construído pela banda – não abrir mão daquilo que acredita. Foi isso que fez com que eles renascessem (a música Kairos representa isso muito bem). Algo que sempre demostraram foi ter consciência do que estavam fazendo. E agora não seria diferente. Por fim, eles nos deixam mais uma grande lição – a vida é feita de ciclos. Compreender isso é estar melhor preparado para encarar outras possibilidades que ela nos oferece. E que muitas vezes,  por medo e comodismo, deixamos passar.

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Marx e os direitos humanos

Não queremos antecipar dogmaticamente o mundo,
mas encontrar o novo mundo a partir da crítica”.
Karl Marx 



A discussão sobre direitos humanos é atravessada por muitas contradições. Sobretudo no Brasil. Pois em que pese a origem desses direitos serem frutos da ascensão da burguesia e por conseguinte do modo de produção capitalista. A defesa deste passou a ser assumida sobretudo por setores da esquerda a partir da resistência aos crimes cometidos pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985).  E é atualmente uma bandeira irrenunciável de qualquer organização que se opõem a ordem dominante – caracterizada pela desigualdade e suas expressões que aflinge o povo trabalhador, tanto no campo como na cidade. 

No entanto, sempre que vamos para discussão teórica, sobretudo no âmbito da academia, somos lembrados da crítica Marxiana aos direitos humanos. Essa crítica encontramos no livro sobre a questão judaica (1843). Um texto em que Marx trava uma polêmica com Bruno Bauer (que havia escrito um texto sobre o problema) – fazendo parte dos escritos Marxiano – que marca o seu processo de rompimento com a esquerda hegeliana e a Filosofia Alemã. 

É preciso, portanto, compreender o contexto que a crítica foi feita e ao que se pretendia – apontar, na minha análise, os limites da filosofia idealista para compreensão de uma determinada realidade e por conseguinte a sua transformação.

Num determinado trecho Marx escreve o seguinte: “o homem não foi libertado da religião. Ele ganhou a liberdade de religião. Ele não foi libertado da propriedade. Ele ganhou a liberdade de propriedade. Ele não foi libertado do egoísmo do comércio. Ele ganhou a liberdade do comércio” (2010, p. 53). Ou seja, para Marx, o indivíduo continuava submisso a um estado de coisas. Desse modo, a liberdade conquistada com a passagem da sociedade feudal para burguesa – é uma liberdade abstrata. 

É nesse contexto, por tanto, que se insere a crítica a concepção de direitos humanos. Esses direitos são voltados para o indivíduo burguês – o “homem egoista”. Daí que na definição de Marx (2010, p. 48), “os direitos humanos, nada mais são do que os direitos dos membros da sociedade burguesa”.

De acordo com nosso filósofo (2010, p. 47) estamos falando sobretudo de direitos políticos. Que só podem ser exercido numa comunidade politica – parte de um sistema estatal. A partir daí um aspecto importante ressaltado por Marx é a relação entre direitos humanos e liberdade. 

“O direito humano à liberdade não se baseia na vinculação do homem com os demais homens, mas, ao contrário, na separação entre um homem e outro” (2010, p. 49). Ou seja, esse direito se fundamenta no individualismo – no egoísmo. Por isso para Marx (2010, p. 50) “nenhum desses direitos transcende o homem egoísta”. Sobretudo quando analisamos a aplicabilidade prática dos direitos humanos à liberdade. Que nada mais é do que a garantia do direito a propriedade privada. E assim chegamos no nosso ponto Inicial. O direito humano trouxe ao membro da sociedade burguesa a liberdade de religião, de propriedade e de comércio. Quando que, na verdade, a luta deve ser para liberta-lo da religião, da propriedade e do egoismo do comércio. 

Marx nos aponta portanto os limites dos direitos humanos nos marcos da sociedade burguesa. Pois em última análise, esses direitos servem a um determinado fim, o fortalecimento do indivíduo – o indivíduo egoísta – o indivíduo burguês – que é reconhecido pelo Estado político através desses direitos.

Diante desses apontamentos o que nos resta? Abandonar a defesa dos direitos humanos diante do fato de que eles não apontam para superação do estado de coisas atual? Ou pior, não só não apontam para superação do modo de produção atual, como contribui para manutenção da ordem burguesa. 

No nosso modo de ver é preciso pensar dialeticamente como Marx. Ou seja, a partir do movimento real da história. 

A crítica de Marx aos direitos humanos nos marcos da sociedade burguesa, sobretudo no contexto que ele escreveu (no final da primeira metade do Século XIX), está correta. E inclusive, é uma critica que continua atual para compreendermos o limite desses direitos. No entanto, o que percebemos, é que apesar das suas contradições, a defesa dos direitos humanos é fundamental na sociedade. Ainda que seja o direito de religião ou de propriedade. Pois num contexto em que direitos mínimos são negados. Como por exemplo, de uma comunidade tradicional usufruir do seu território. Defender esses direitos é fundamental se quisermos vislumbrar mudanças qualitativas futuras. 

Essa defesa não será feito pela classe dominante – que busca manter o estado atual de coisas – mas por todos aqueles que acreditam na construção de outro modo de produção – onde as relações tenham como princípio a solidariedade e a cooperação. E não o egoísmo e a competição. Desse modo, a nossa defesa dos direitos humanos deve partir daí – compreendendo os seus limites, mas a sua necessidade no contexto atual.

Por Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

sábado, 20 de janeiro de 2024

Conto: O recado

Uma certa noite no meu quarto peguei um caderno para fazer algumas anotações acerca de um texto de filosofia que estava lendo. De repente ao folhear esse velho caderno caiu um pedaço de papel com o seguinte recado: “Estou afim de ti. Me liga” e um número de telefone. A dose de vaidade que existe em todos nós, como escreveu certa vez Ernesto Che Guevara, me deixou bastante envaidecido. Saber que existia uma criatura interessada por esse ser recalcitrante. Quem seria? Alguma aluna? Não podia ser por que aquele caderno eu não costumava levar para escola. Ora, quem teria e como teria conseguido colocar aquele recadinho naquele caderno? Ligar eu não iria. Ainda mais diante da possibilidade de ser uma aluna minha. Pois eu teria que manter total distância. Ora, não havia nenhuma possibilidade deu me relacionar com uma aluna, fosse quem quer que fosse. Mas eu queria saber quem era. Foi então que me veio na cabeça a ideia de salvar o número na agenda do meu celular – se o número fosse do whatsapp talvez eu pudesse descobrir. E não é que deu certo?! De fato eu descobri quem era. Não era nenhuma aluna, mas de uma colega da faculdade. Aquele caderno eu usava na faculdade e aquele recadinho tinha sido colocado ali há alguns anos (no mínimo uns três para ser mais exato – que foi quando eu havia terminado o curso). E só agora que eu estava encontrando. Não pude deixar de sentir raiva de mim. Como eu não percebi aquele recado antes, naquela época. Eu certamente teria ligado, teríamos ficado e quem sabe mais. Pois se ela era afim de mim, eu era muito afim dela. Era. Era é passado. E se é passado não volta. As oportunidades passam e se não aproveitamos o momento, só nos resta lamentar. Caralho!

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano  que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

domingo, 17 de dezembro de 2023

Discurso aos formandos da Turma Pedro Ferreira Nunes (33.01) - 3° Série do Ensino Médio de 2023 do CENSP Lajeado

Senhora Luiza Brasileiro – Secretária Municipal da Educação. Professora Alzirene – Representante da Superintendência Regional da Educação de Palmas. Senhora Leila Márcia Ascenso Gama – Diretora da Unidade Escolar. Na pessoa a qual cumprimento as demais autoridades presentes.

Senhoras e senhores: Mães, pais, familiares, amigos e amigas de nossos formandos que hoje nos prestigiam com sua presença, boa noite!

E uma boa noite especial aos meus queridos afilhados, formandos e formandas razão desta solenidade. 

Que missão essa que vocês me deram, não?! Mas é com muita honra que cumpro esse papel nesse rito de passagem. Isso mesmo. A conclusão do Ensino Médio não é apenas o final de mais uma etapa na formação de vocês.  É sobretudo um momento de transição para uma nova perspectiva da vida – a infância vai ficando cada vez mais distante e a vida adulta cada vez mais próxima. Ainda que dentro de nós a criança que fomos sempre existirá. 

Nunca se esqueçam disso, pois essa criança tem muito a lhes ensinar. Sobretudo acreditar que tudo é possível. Ok, nós sabemos que nem tudo é possível. Com o avançar dos anos vocês aprenderam isso. E compreenderam que tudo bem. Nem sempre vamos conseguir tudo na vida. Mas o que não podemos, é deixar de tentar – desistir sem lutar. 

Gosto muito da palavra – persistência. Ela é utilizada para descrever um determinado comportamento. A saber: não desistir diante das dificuldades. Pelo contrário, buscar de diferentes formas superá-las.

Foi esse comportamento que fez com que vocês chegassem a esse momento. O momento de conclusão do Ensino Médio. E consequentemente da Educação Básica. 

Sei que não foi fácil para nenhum de vocês. Para alguns menos ainda. Mas conseguiram. Quantas batalhas diárias não tiveram que enfrentar para chegar aqui. E sem o apoio de toda uma rede – a começar pelos seus familiares – isso seria impossível. 

Quantos não desistem da escola, quantos não abandonam no meio do caminho. Vocês não. E isso lhes colocam num lugar especial – por tanto celebrem, celebrem.

Eu também celebro esse momento com vocês. Mas confesso que com uma certa tristeza. Afinal de contas é uma despedida. E toda despedida tem um tanto de tristeza.  

Mas como educador sei que é necessário essa despedida. Vocês estão prontos para alçar novos voos. E isso não pode me deixar triste. Pelo contrário, me alegro em saber que muito em breve vocês estarão brilhando nos caminhos que escolherem. E direi com orgulho. Eles foram meus alunos.

O grande educador Rubens Alves disse certa vez que educar é um exercício de imortalidade. Pois de alguma forma continuamos a viver naqueles que educamos. Assim, espero. Paulo Freire por sua vez nos lembra que o educador ao ensinar também aprende. Isso é um fato – aprendi muito com vocês. Tanto a ser um profissional como um indivíduo melhor.

Por fim, concluo evocando as palavras do Professor John no filme A sociedade dos poetas mortos:

“Carpe diem. Aproveitem o momento, garotos. Façam suas vidas serem extraordinárias."

Professor Pedro Ferreira Nunes – patrono da turma. Lajeado do Tocantins. 15 de Dezembro de 2023.


domingo, 10 de dezembro de 2023

Poema: Cassia Eller

Tua voz rouca no aparelho de som 
me tele transportou para o passado.
Ai estas canções,
estas velhas canções ainda falam
tanto ao meu coração,
sobretudo de tempos
de tempos que não voltaram.

Ai estas canções
estas velhas canções 
da minha juventude
que embalaram:
 – amizades, paixões e amores.

Mas hoje tudo mudou
tudo se perdeu
tudo acabou.
Tal como você se foi
naquele triste final de 2001.

Você se foi deixando 
tanta saudade.
Tal como os amores 
da minha juventude. 

Pedro Ferreira Nunes - um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Considerações sobre a possiblidade do CENSP se tornar uma Escola em tempo integral

Quando era estagiário do curso de Filosofia da UFT no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência em Lajeado (CENSP), analisando a unidade escolar no relatório de estágio, cheguei a conclusão de que esta deveria caminhar para se tornar um centro de Ensino Médio em tempo integral. Quatro anos depois já como membro do corpo docente voltei a defender essa tese numa discussão sobre o fechamento de turmas do Ensino Fundamental e a redução no número de matrículas. Na ocasião, durante uma formação, pontuei que até poderíamos fazer ações de busca ativa para aumentar o número de matrícula, mas a médio e longo prazo a comunidade precisaria discutir e se mobilizar para buscar junto ao Governo Estadual a transformação da escola em uma escola de tempo integral – de preferência que atendesse apenas o Ensino Médio  (Regular e EJA).

Era o início de 2022 e a prioridade do Governo então era ampliar as Escolas Civicos-Militares e a implantação da nova estrutura curricular do Ensino Médio. No entanto com a vitória nas eleições presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva e posteriormente a nomeação do Camilo Santana para o Ministério da Educação  (MEC), essas prioridades mudaram. Desse modo começamos 2023 com a espectativa de quais medidas o novo governo tomaria no campo educacional.

Enquanto isso nas ruas ecoava o grito pela revogação do Novo Ensino Médio – que acabou culminando numa proposta, por parte do Governo Lula, que está em discussão no congresso nacional, de reforma da reforma. Ou seja, melhora alguns pontos amplamente criticado, mas mantém a lógica de atendimento aos interesses das fundações empresariais. 

Programa de Escola em Tempo Integral do Governo Federal

Outra medida tomada pelo Governo Federal foi abandonar o Programa das Escolas Civicos-Militares e propor a ampliação das matrículas em tempo integral – muito inspirado numa política exitosa desenvolvida no Estado do Ceará – onde Camilo Santana exerceu o cargo de Governador. Daí nasceu o Programa de Escola em tempo integral, criado pela lei federal n° 14.640 de 31 de Julho de 2023 – aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Lula.

De acordo com a lei 14.640/23 a responsabilidade pelo programa é do Ministério da Educação (MEC) que deverá ofertar assistência técnica e aporte financeiro para que as redes estaduais e municipais amplie o número de matrículas em tempo integral na educação básica. Ou seja, o Governo Federal, através do MEC, orienta e financia, e Estados e Municípios executam. 

O Tocantins

O Estado do Tocantins é um dos entes da federação que aderiu ao programa. Tendo garantido aporte financeiro para 12.489 matrículas. Esse quantitativo será dividida entre Rede Estadual (6.902) e Municipal (5.587). Até o momento já foram liberados R$ 12.9 milhões. E expectativa é a liberação de R$ 42.27 milhões até o final do ano. Ou seja, os recursos financeiros, que são fundamentais para que as escolas possam ter condições de se tornar escolas de tempo integral, estão garantidos.

Por outro lado é necessário garantir o que a lei do Programa das Escolas em Tempo Integral prevê no seu artigo 13°. Ou seja, a assistência técnica que consiste em:

I – Aprimoramento da eficiência alocativa das redes;

II – Reorientação curricular para educação integral;

III – Diversidade de Materiais Pedagógicos;

IV – Criação de indicadores de avaliação contínua. 

Sem isso, de nada adianta organizar as unidades escolares, do ponto de vista estrutural. Pois teremos a ampliação do número de matrícula, mas não teremos de fato uma educação integral. E o pior, podemos transformar uma solução em problema. 

Outro aspecto que a lei n° 14.640/23 trás, mais especificamente no seu artigo 3° é que: o programa deverá priorizar “as escolas que atendam estudantes em situação de maior vulnerabilidade socioeconômico”. Esse ponto é importante por que nos faz voltar ao início. Ou seja, na possibilidade do CENSP se tornar uma escola em tempo integral.

Antes é importante termos claro o que é considerado uma escola de tempo integral – aquela que o estudante permanece na unidade escolar desenvolvendo atividades pedagógicas em dois turnos, contabilizando 7h diárias ou 35h semanais.

Possibilidade do CENSP se tornar Escola em tempo integral 

A partir de toda essa discussão percebemos que a possibilidade do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência se tornar uma escola em tempo integral não é mais só uma ideia de um indivíduo qualquer. No entanto, um ponto a se ressaltar é que essa possibilidade não surgiu de um  movimento da comunidade como sugerimos. Pelo contrário. Isso leva a um grande desafio – convencer a comunidade da importância de uma escola estadual em tempo integral no Lajeado. Esse desafio é ainda maior num contexto pós-pandemia em que o estudante, e a família, parece não priorizar mais a educação. Aja visto o esforço contínuo de ações de busca ativa para que o estudante não evada – mesmo assim o índice de infrequencia é preocupante. 

Ora, como convencer o estudante (e a família que muitas vezes precisa que ele trabalhe) que é melhor ficar mais tempo num lugar que ele não tem ânimo para ficar nem meio período? Vai ser preciso mais do que palavras. Só para início de conversa temos a questão estrutural (sem refeitório, sem banheiros com duchas para banho, sem quadra coberta, sem laboratório de informática). Por outro lado não podemos esquecer o aspecto pedagógico – o que será ofertado de diferente? E por quem? Ou seja. Com as condições atuais é impossível o funcionamento em tempo integral minimante com qualidade.

No entanto,  não quer dizer que essas condições não possam ser criadas. Recursos financeiros não faltam. Desse modo com a melhoria da infraestrutura e a qualificação do pessoal teremos criado as condições para que isso ocorra. Tudo isso passa por muita discussão, planejamento e organização. Sem isso a possibilidade da solução virar um problema é enorme. 

De todo modo estamos diante de uma oportunidade que não podemos deixar passar. Sabemos quem é o público atendido pelo Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência – estudantes que na sua grande maioria se encontra numa situação de vulnerabilidade socioeconômica. E que uma escola em tempo integral seria um espaço importante de acolhimento desse estudante proporcionando não apenas um cobertor social mas também um ensino que lhe proporcione o desenvolvimento do seu projeto de vida.

Diante disso, reafirmamos o que sempre defendemos – que o CENSP se torne uma escola em tempo integral. O que não temos dúvida – será um ganho para cidade do Lajeado – carente de políticas públicas voltadas para juventude. No entanto também reforçamos a nossa posição de que não basta torna a escola uma unidade escolar em tempo integral – é fundamental criar as condições para que isso não fique apenas no papel.

Pedro Ferreira Nunes – Professor da Educação Básica. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Crônica: Aula da saudade ou mais uma vez sobre o tempo

Aqui estou eu novamente escrevendo sobre o tempo. Escrever sobre o tempo é refletir sobre a nossa condição de finitude. E refletir sobre a nossa condição de finitude é pensar sobre a morte. A morte está no nosso horizonte como um “mal” incontornável. E o fato de evitarmos falarmos sobre isso não muda esse destino. Mas o que isso tem haver com aula da saudade?

Dizem que saudade é uma palavra genuinamente brasileira – que de acordo com o dicionário Barsa se refere a recordação de algo ou de pessoas. Desse modo, uma aula da saudade seria um momento de recordação de uma trajetória construída ao longo dos anos. Além da recordação é também um momento de reflexão sobre um tempo vivido – e se é um tempo vivido quer dizer que não há mais retorno. Aquela aula massa, aquela aula chata, aquele professor doido, aquela professora divertida, aquele passeio, aquele projeto, aquela dancinha, aquele lanche, aquele sorriso, aquele olhar, aquele beijo – tudo é passado. Tudo é memória. 

Em filosofia o conceito de memória tem uma longa tradição. Por exemplo, para os filósofos clássicos como Platão e Aristóteles, a memória é constituída de duas condições ou momentos distintos: o primeiro é retentivo, ou seja, “conservação ou persistência de conhecimentos passados, que, por serem passados, não estão mais à vista”. E segundo, pela recordação, ou seja, a “possibilidade de evocar, quando necessário, o conhecimento passado e de torná-lo atual ou presente” (Abbagnano, 2015). Nesse sentido percebemos um aspecto importante, o caráter ativo da memória. 

Foi isso que fizeram os estudantes da terceira série (33.01) do Ensino Médio do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência ao organizar a aula da saudade. Eles evocaram suas trajetórias ao longo desses anos de educação básica – que agora se finda com a conclusão do Ensino Médio. É uma morte, por que não. Por isso que esse momento de despedida que se encerrará com a formatura tem um aspecto de luto.

Mas nesse caso o luto é vivenciado não como uma coisa ruim. Mas como uma transição necessária para que possa haver um renascimento. É isso que acontecerá com esses estudantes. A conclusão do Ensino Médio é um passo fundamental para que eles possam renascer em outros espaços onde construíram outras memórias. Óbvio, sem deixar de recordar o que viveram entre os muros da escola. Essa recordação é importante, até para que não esqueçam de suas origens.

Quando retornarmos no próximo ano letivo. Sentiremos, no ambiente escolar, a falta de cada um deles (com o seu jeito singular). A nerd, o desligado, a esforçada, o jogador, a extrovertida, o tímido, a turista, o rebelde, a leitora, o prestativo, a crítica,  a dançarina, o dorminhoco, a patricinha, o galã e etc. Eles também sentiram falta, nem tanto das aulas ou de acordar cedo para ir para escola. Mas das conversas, das risadas, das dancinhas, da convivência diária. Pois mesmo morando na mesma cidade e frequentando os mesmos ambientes, não será a mesma coisa.

E com o passar do tempo o afastamento será natural. Alguns mudaram de cidade, estudaram em outra universidade, se casaram. Mas independente de qual caminho seguiram sempre haverá algo em comum – uma memória compartilhada de uma fase da vida. Talvez um dia quando encontrar um colega na rua nem o comprimente. Mas no fundo você vai se lembrar – ele foi meu colega do colegial. E vai evocar alguma memória daquele tempo.

Assim é a vida. Precisamos entender que nada é para sempre. No entanto, mesmo que nada não seja para sempre, sempre fica alguma coisa de tudo que vivemos. Ainda que o que fica sejam apenas memórias.

Pedro Ferreira Nunes – Professor da Educação Básica. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.