Ao passar pela taberna de Catarino não me contive e entrei. Pedi uma bebida e fiquei observando o movimento das mulheres cheirando flores mortas, atendendo a clientela. Num canto atracado com uma qualquer me pareceu Aureliano José. Provavelmente tentando esquecer de Amaranta. O lugar estava animado. Mas eu precisava seguir viagem. Aquela pequena de olhar convidativo ficaria para outra oportunidade. Quem sabe?!
Segui caminho e avistei a casa dos Buendias. Vi uma jovem senhora bordando. Creio que era Amaranta. Em outro canto um senhor conversava sozinho em baixo de um pé de árvore. Era o velho José Arcadio Buendía conversando com o espírito do Prudêncio Aguilar. Visitacion passou apressada rumo a cozinha onde estava Dona Úrsula preparando algumas guloseimas. Como não admirar dona Úrsula – ela representa a figura trágica da mulher que é obrigada a deixar de ser para si – doando-se integralmente a família. E aquela, não era uma família qualquer.
Que coisa estranha. No interior o tempo parece passar mais lentamente. Mas aquela noite não. Quando me dei conta já era quase manhã. E eu precisava ir embora dali. Mas não podia fazer isso sem antes passar no cemitério e visitar o túmulo do grande Melquiades. E assim o fiz. No caminho passei numa casa que provavelmente pertencia a José e Rebeca. Por um segundo me pareceu ver o vulto de uma figura toda tatuada – sim, era a casa do casal que se formou de uma paixão avassaladora.
Passei no cemitério. Sentei ao lado do túmulo do velho Melquiades, acendi um palheiro, e enquanto fumava fiquei meditando sobre aquela figura – que dedicou toda a vida a busca pelo conhecimento. E havia impregnado naquele povo – sobretudo no José Arcadio Buendía – a paixão pelo extraordinário. Só esqueceu de dizer que quem ousa seguir o caminho do extraordinário é tido como louco. E acaba tendo um final trágico. E de tragédia os Buendias entendiam bem – afinal de contas estavam condenados a cem anos de solidão.
De repente me pareceu ouvir um trotar de cavalos. A frente da tropa três figuras se destacavam. Roque Carniceiro, Gerineldo Márquez e o grande Coronel Aureliano Buendía – com seu ar solitário e um olhar perdido no horizonte. Pronto, agora eu podia partir satisfeito de Macondo. Tinha visto o mais famoso dos Buendias – o terror dos conservadores.
Segui viagem esperando voltar um dia aquela cidade. Reencontrar aqueles rostos conhecidos, tomar umas na taberna de Catarino. Quem sabe me deitar com uma daquelas mulheres cheirando a flores mortas. Vai saber o que a vida nos reserva. Talvez eu até me case com uma das filhas do Sr. Moscote e fique morando ali.
Ou não. Talvez quando eu retornar, Macondo já tenha se modificado bastante. Sobretudo com a chegada das modernidades trazida pelos gringos da companhia bananeira. Muito desses rostos conhecidos estarão descansando no cemitério – José Arcadio Bundía e seus filhos – netos e bisnetos – que herdaram não só sobrenome, mas também os nomes que vão se repetindo – Joses e Aurelianos. E as tragédias. Visitacion, Dona Úrsula, Rebeca, Amaranta. Já não encontrarei a taberna de Catarino, Pilar Terneira e nem as mulheres cheirando a flores mortas.
Nessa Macondo não me interessa viver. Apenas passarei buscando em alguma paisagem, lembranças do passado – dos velhos rostos e lugares. E seguirei meu caminho. Quem sabe eu não sou um desses condenados a cem anos de solidão.
Pedro Ferreira Nunes – apenas um rapaz latino-americano que gosta de ler escrever, correr e ouvir Rock in roll.