Feira do Aureny I |
- Como são as coisas. Quando te vi pela primeira vez achava que se tratava de um hippie. Não imaginava que você fosse um professor.
Comentou comigo um cara que monta uma banquinha de jogos em frente a uma lotérica. De cumprimento em cumprimento fomos nos aproximando e hoje ele é um dos poucos com quem troco algumas palavras. Mas não sei sequer o nome dele. Aliás, preciso aprender. Pois ele sempre me chama pelo nome: - Professor Pedro. Não é certo da minha parte não retribuir. Dificuldade de memorizar não é pois sei o nome de praticamente os quase trezentos alunos para quem dou aula.
- Você estava sumido!
Comentou outro cara quando estava indo para o trabalho após o retorno das férias julinas. Eu não o conhecia. Imaginei que o comentário expressava o fato dele estar habituado em me ver passar por ali. E deu falta de mim durante o mês de julho.
Sou um cara bastante previsível e rotineiro. Costumo sempre sair de casa no mesmo horário e seguir pelo mesmo caminho. De modo que as pessoas que habitam ou circulam por ali acabam se acostumando com a minha presença. Alguns falam comigo. Outros apenas observam. Devem ficar especulando quem sou eu. De onde venho. O que faço. Aqueles que descobrem dizem nunca ter imaginado que eu fosse um professor e dou aula de filosofia no tradicional Santa Rita de Cássia.
Não faço muita questão que saibam, no fundo não quero criar laços. Lembro que uma vez resolvi ir assistir um jogo de futebol numa distribuidora perto de casa. Pedi uma cerveja e sentei sozinho numa mesa. Num determinado momento um senhor se aproximou puxando conversa querendo saber de onde me conhecia. A minha educação não permitiu que eu o repelisse. E assim busquei aplacar sua curiosidade acerca da minha figura. Mas em relação ao meu trabalho disse apenas que era na escola. Não entrando em detalhes sobre a minha ocupação. Não fora a primeira vez que omitira essa informação.
A minha vida social deixo apenas para o trabalho. Em casa quero descansar. Ficar só comigo mesmo. Interação só por meio virtual. Por isso evito, inclusive, de falar com meus vizinhos para não criar intimidade ao ponto de quererem tomar uma cerveja comigo e conversar. A convivência com os estudantes e colegas de trabalho no dia a dia já consome por demais a minha bateria social. Tanto que quando chega o final de semana não saio pra canto algum. Às vezes até planejo, mas acabo preferindo ficar em casa. Raramente, só muito raramente esse fenômeno acontece.
Me sinto bem por aqui. Assim como os moradores dos aurenys já se habituaram com a minha presença, eu também já me habituei com esse território. Já fico pensando comigo caso seja necessário uma mudança. Esta certamente virá. Pois não pretendo envelhecer aqui. Mas não por enquanto. A priori não escolhi estar aqui. Mas já que estou, vou viver. Aproveitar essa experiência para aprender e crescer.
Se não fosse essa minha tendência de se fechar numa rotina e buscar conservá-la, sei que conheceria pessoas incríveis e vivenciaria mais experiências significativas. Pois o fato é que sempre que quebro a rotina coisas interessantes acontecem. Sei que preciso fazer isso mais vezes. Mas não é fácil para mim, não é fácil.
Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.