segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Cotidiano

Feira do Aureny I
Aos poucos vou me tornando uma presença conhecida pelas ruas dos aurenys. Seja indo de casa para o trabalho e retornando do trabalho para casa. Nas corridas vespertinas, no comércio local (em especial na distribuidora) e na feira aos domingos.

- Como são as coisas. Quando te vi pela primeira vez achava que se tratava de um hippie. Não imaginava que você fosse um professor.

Comentou comigo um cara que monta uma banquinha de jogos em frente a uma lotérica. De cumprimento em cumprimento fomos nos aproximando e hoje ele é um dos poucos com quem troco algumas palavras. Mas não sei sequer o nome dele. Aliás, preciso aprender. Pois ele sempre me chama pelo nome: - Professor Pedro. Não é certo da minha parte não retribuir. Dificuldade de memorizar não é pois sei o nome de praticamente os quase trezentos alunos para quem dou aula.

- Você estava sumido!

Comentou outro cara quando estava indo para o trabalho após o retorno das férias julinas. Eu não o conhecia. Imaginei que o comentário expressava o fato dele estar habituado em me ver passar por ali. E deu falta de mim durante o mês de julho.

Sou um cara bastante previsível e rotineiro. Costumo sempre sair de casa no mesmo horário e seguir pelo mesmo caminho. De modo que as pessoas que habitam ou circulam por ali acabam se acostumando com a minha presença. Alguns falam comigo. Outros apenas observam. Devem ficar especulando quem sou eu. De onde venho. O que faço. Aqueles que descobrem dizem nunca ter imaginado que eu fosse um professor e dou aula de filosofia no tradicional Santa Rita de Cássia.

Não faço muita questão que saibam, no fundo não quero criar laços. Lembro que uma vez resolvi ir assistir um jogo de futebol numa distribuidora perto de casa. Pedi uma cerveja e sentei sozinho numa mesa. Num determinado momento um senhor se aproximou puxando conversa querendo saber de onde me conhecia. A minha educação não permitiu que eu o repelisse. E assim busquei aplacar sua curiosidade acerca da minha figura. Mas em relação ao meu trabalho disse apenas que era na escola. Não entrando em detalhes sobre a minha ocupação. Não fora a primeira vez que omitira essa informação.

A minha vida social deixo apenas para o trabalho. Em casa quero descansar. Ficar só comigo mesmo. Interação só por meio virtual. Por isso evito, inclusive, de falar com meus vizinhos para não criar intimidade ao ponto de quererem tomar uma cerveja comigo e conversar. A convivência com os estudantes e colegas de trabalho no dia a dia já consome por demais a minha bateria social. Tanto que quando chega o final de semana não saio pra canto algum. Às vezes até planejo, mas acabo preferindo ficar em casa. Raramente, só muito raramente esse fenômeno acontece.

Me sinto bem por aqui. Assim como os moradores dos aurenys já se habituaram com a minha presença, eu também já me habituei com esse território. Já fico pensando comigo caso seja necessário uma mudança. Esta certamente virá. Pois não pretendo envelhecer aqui. Mas não por enquanto. A priori não escolhi estar aqui. Mas já que estou, vou viver. Aproveitar essa experiência para aprender e crescer.

Se não fosse essa minha tendência de se fechar numa rotina e buscar conservá-la, sei que conheceria pessoas incríveis e vivenciaria mais experiências significativas. Pois o fato é que sempre que quebro a rotina coisas interessantes acontecem. Sei que preciso fazer isso mais vezes. Mas não é fácil para mim, não é fácil.

“A gente pode dar uma volta no quarteirão
Nessas noites que a tv não satisfaz
E a cama tá vazia
Nessas noites sempre pinta melancolia
Pros babacas sozinhos como nós
E logo eu que sempre vivi
Com cabeça cheia de sonhos
Afastando qualquer gesto de carinho”.
Saco de Ratos


Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.


quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Filosofia, Educação e Direitos Humanos

No contexto das aulas remotas durante a pandemia do SARS-CoV-2 (COVID-19), depois de fazer vários cursos relacionados a área da educação, decidi fazer uma pós-graduação online. Alternativas eram muitas, valores bastantes acessíveis. Me restava escolher algo relacionado a minha área de formação e atuação, numa instituição reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC). Foi então que cheguei à especialização em Filosofia e direitos humanos da Universidade Venda Nova do Imigrante (Unifaveni).

Eu tinha consciência que a qualidade dessas pós-graduações deixam bastante a desejar. E pude perceber isso na prática. De modo que durante o curso busquei não me ater apenas as apostilas e videoaulas disponibilizadas pela instituição. Com isso não tive muita dificuldade na realização das tarefas e avaliações. E no final consegui produzir um artigo que muito me orgulha - não por ter obtido a nota máxima sem o auxílio de nenhum orientador, mas sobretudo por ter me direcionado ao Mestrado em Filosofia, como também por ter deixado uma contribuição importante, pelo menos na minha avaliação, para discussão da temática.

Trata-se de um trabalho teórico. Mas, que surgiu de um problema que me incomoda no cotidiano - o discurso contrário aos direitos humanos. Discurso esse reproduzido entre os muros das escolas. E que se evidencia em relações autoritárias. Tentando responder o problema, me pareceu uma boa estratégia utilizar a arte, mais especificamente o cinema, para mostrar essa realidade (corroborando com a tese de que a arte imita a vida, em especial o cinema). O título do artigo foi justamente inspirado num filme (Entre os muros da escola) e dos filósofos nos quais fundamentaria a minha argumentação (Aristóteles, Espinosa e Vladimir Safatle).

O nosso ponto de partida seria a compreensão do que são os afetos e a sua relação com o comportamento humano. O ponto seguinte seria mostrar como isso se dá no cotidiano a partir de nossas ações - ações que nem sempre condizem com o que estabelece os direitos humanos. Depois buscamos entender o que são esses tais direitos humanos que tanto se fala, mas que poucos sabem de fato o que são. Para finalizar mostramos a relação intrínseca entre ética e direitos humanos. Enfatizando que a promoção desses direitos passa necessariamente por uma formação ética, que tanto no contexto clássico, passando pela modernidade, ou na contemporaneidade salienta a necessidade de agirmos de forma racional diante dos afetos que circulam na sociedade.

Quem navega por esse blog já deve ter visto alguns trechos que disponibilizei deste artigo. De modo que não se trata de algo totalmente inédito. No entanto, agora segue o texto na íntegra (que pode ser baixado pelo link: https://drive.google.com/file/d/1SlfqZDWmMQbsWoTUmBhgOcQjkm_WxwCy/view?usp=sharing). Não há nenhuma modificação em relação à escrita que foi submetida à avaliação como requisito para conclusão da especialização. Apesar de já terem passado três anos desde que escrevi esse artigo, vejo que ele está envelhecendo bem. Tanto pelo problema que persiste - e que não vislumbramos a sua superação a curto ou médio prazo. Como também por termos nos apoiado em clássicos. No entanto dei uma modificada no formato, dando uma cara mais de revista - inserindo algumas imagens, não só dos filmes utilizados na análise, como outras que acredito que podem contribuir para quem queira trabalhar a temática em sala de aula (e fora dela) a partir dessas obras.

Recentemente durante uma formação fiquei observando uma discussão acerca do comportamento dos estudantes de uma escola cívico-militar. Durante a discussão um colega pontuava a diferença do comportamento desses estudantes na presença dos militares e na sala de aula apenas com os professores. Enquanto num espaço demonstram respeito às normas, no outro a postura é diferente. Não quis polemizar, mas pensei comigo. Ora, de onde vem esse comportamento se não dá sociedade que vivemos - sociedade esta onde a aparência importa mais do que a essência - o ter mais do que o ser. Como cobrar desses jovens uma postura diferente daquilo que eles veem em casa e nos espaços que frequentam?

Trago esse exemplo para mostrar mais ainda a importância dessa temática. Para a necessidade de olharmos para aquilo menos evidente - as violações que não deixam marcas visíveis. Não deixam marcas visíveis mas estão aí e todos nós de certa forma contribuímos para sua normalização.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor de Filosofia na Rede Pública de Ensino do Tocantins. Possui Graduação em Filosofia (UFT). Especialização em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestrado em Filosofia (UFT).

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Breve comentário sobre assédio sexual

Mesmo sendo criado numa cultura machista onde aprendemos desde pequeno que a mulher é um objeto ao nosso dispor -  de modo que assediar sexualmente uma mulher é visto como um ato de virilidade. A mim sempre pareceu algo abominável. Em grande medida, tal postura surgiu a partir do rechaço ao que eu via na comunidade em que estava inserido. E ao longo do tempo essa postura foi se solidificando à medida que fui tendo uma formação ético-filosófica mais profunda.

Essa não é, no entanto, a postura que prevalece na nossa sociedade. O que podemos inferir a partir de dados como da pesquisa da consultoria deloitte, divulgada em 2024, que aponta que 40% das mulheres brasileiras já sofreram assédio no ambiente de trabalho. Dos casos apontados pela pesquisa, 60% não reportaram o caso ocorrido. O que se deve em grande medida, tanto pelo trauma como pelo medo. Pois não raramente a vítima, nesses casos, é transformada em culpada pelo ocorrido.

Lembro que quando estudante do curso de graduação em Filosofia na Universidade Federal do Tocantins (UFT), duas colegas me procuraram em momentos distintos para falar sobre episódios envolvendo professores da instituição. Enquanto membro do Centro Acadêmico do curso me coloquei à disposição para levar o caso ao colegiado de Filosofia. No entanto, elas pediram que apenas fizéssemos  uma ação de conscientização.

Isso mostra que o assédio sexual às mulheres está em todos os lugares. E a sua superação passa necessariamente por uma mudança de paradigma em relação à cultura machista dominante. No entanto, vislumbrar tal mudança nos marcos da sociedade atual nos parece algo distante.

É inegável que houve avanços nas últimas décadas em relação ao reconhecimento dos direitos das mulheres. No entanto, não basta reconhecer, é preciso garantir.  Com isso apontamos um aspecto importante que é preciso ressaltar - a diferença entre reconhecer e garantir. Por exemplo, em relação ao assédio sexual,  que é considerado um crime previsto no código penal brasileiro, no seu artigo 216-A.

Esse código define o assédio sexual como o crime de: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

A lei não tipifica gênero, mas é evidente quem são a maioria das vítimas. Em relação a pena prevista é de um a dois anos. Porém para que isso ocorra é preciso denúncia. Mas como mostramos no início, a maioria das vítimas não se sentem seguras em levar o caso adiante. É compreensível, sobretudo porque estamos numa sociedade que ao invés de acolher as vítimas, julga-as.

São raros os casos que chegam ao conhecimento do grande público. Geralmente, aqueles que envolvem alguma autoridade ou celebridade. Esses casos são importantes porque jogam luz ao problema. A questão, porém, é que ao serem abordados de maneira espetaculosa pelos meios de comunicação de massa não apontam para sua superação.

Isso evidencia o distanciamento entre reconhecer e garantir. Não basta ter uma legislação reconhecendo um determinado direito, se isso não reverberar no cotidiano. Ou seja, na vida das pessoas, garantindo-lhes uma vida digna.

Esse é um ponto que vale para os direitos humanos em geral. Há toda uma legislação, a começar pela constituição federal (1988) - que estabelece o respeito à dignidade humana como um dos princípios da nação, que reconhece esses direitos como sendo responsabilidade do Estado e da sociedade em geral a sua efetivação. Mas que na prática isso não acontece. Aliás, não raramente o próprio Estado, que deveria ser o seu garantidor, é o seu violador.

Desse modo ressaltamos que a existência de uma legislação que reconhece direitos a determinados grupos marginalizados não significa a sua efetividade. Sobretudo nos marcos de uma sociedade onde a violência é um dos seus pilares de sustentação. Não queremos dizer com isso que a legislação não é importante, que esse reconhecimento não seja um avanço. Mas não podemos parar por aí.

Voltando a questão do assédio sexual, para finalizar, nos atentemos para o que diz Silvia Federici sobre a superação da violência constante na vida das mulheres:  “É necessário entender de onde vem a violência, quais são suas raízes e quais são os processos sociais, políticos e econômicos que a sustentam para entender que mudança social é necessária.”

Essa mudança deve começar por nós mesmos. Pois de nada adianta a gente concordar com o discurso contra a cultura machista dominante, se nas relações que estabeleço no meu cotidiano reproduzo essa cultura.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor de Filosofia na Rede Pública de Ensino do Tocantins. Possui Graduação em Filosofia (UFT). com Especialização em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestrado em Filosofia (UFT).

domingo, 15 de setembro de 2024

Poema: Pedreira



Para o Professor Flávio 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Depois do fim de um relacionamento, 
de uma crise existencial. 
Respirar um ar diferente 
era fundamental. 

Daí não pensei duas vezes
quando um amigo me convidou.
Parti para Comunidade Pedreira 
um lugar acolhedor. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Lembro quando a tarde
saíamos para caminhar.
Encontrávamos uma morena
varrendo o terreiro do bar.

A noite seguiamos 
para a escola JK.
Depois dávamos uma esticada
até o orelhão do lugar. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Educação era nossa obsessão 
ficávamos a debater.
Por que não se avança?
o que era preciso fazer?

E assim os dias passavam
eu até me esquecia.
Da morena tatuada 
que roubara minha alegria. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Agora depois de tanto tempo 
quando passo nesse lugar.
Me recordo daqueles dias,
que ia me refugiar. 

Pedreira, querida Pedreira 
quase 20 anos se passou.
Você já não é a mesma 
o mesmo eu não sou.

Alguma coisa ficou
lembranças daqueles dias.
Que você me acolheu
e devolveste minha alegria. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Pedro Ferreira Nunes. Comunidade Pedreira. Lajeado -TO. 23 de Outubro de 2022.


terça-feira, 10 de setembro de 2024

Breve análise das eleições em Lajeado

Quem há um ano diria que Dr° Tércio (Republicanos) teria o apoio do atual prefeito - Junior Bandeira (PL) na sua candidatura à prefeito de Lajeado no pleito de 2024? E o Nego Dilson (PSDB) estaria na coligação encabeçada pela Márcia (PSDB) e a Leidiane (PDT)? Ou que Dr° Tércio, lançado na política pelas mãos da Márcia. Teria esta como sua principal adversária nesse pleito?

A priori, para quem não compreende a política, pode achar uma falta de caráter, ou como se diz popularmente: “uma cachorrada”. Mas isso nada mais é do que o reflexo da dinâmica da sociedade que vivemos - uma sociedade que não é estática. E se a sociedade não é estática, a política muito menos. Tanto que isso não é uma realidade só de Lajeado. Se formos para Miracema encontraremos uma disputa entre duas figuras que estiveram juntas na chapa majoritária na eleição passada (Camila x Aprijo). Em Palmas o candidato Júnior Geo que enfrentou Cintia Ribeiro no último pleito, conta atualmente com o seu apoio. A nível nacional temos Lula e Alckmin, outrora adversários, agora ocupando o cargo de Presidente e Vice respectivamente.

Os exemplos são muitos, mas fiquemos apenas nesses. O que nos interessa a partir desses exemplos é mostrar o que na filosofia política determinamos de realismo político. E quando falamos em realismo político a grande referência é certamente Maquiavel.

De acordo com Guimarães ( 2015, pág. 15): “O  realismo  de  Maquiavel  considera  que  na  política  não  há  uma resposta  pronta,  definitiva  e  adequada  que  possa  dar  conta  de  todas  as situações em diferentes momentos. Como não há universais, cada momento é  um  momento  particular,  cada  momento  exige  resposta  adequada  a  partir das experiências modernas e o acúmulo das lições do passado, por isto é um conhecimento  empírico.  Neste  pensamento  destaca-se a  atenção  sobre  o conhecimento do homem e suas relações. É decisivo para o realismo, tentar captar  o  que  é  o  homem,  ou  no  dizer  de  Maquiavel,  “a  natureza  humana”, quais são seus desejos, seus anseios, suas mágoas, suas expectativas sobre si e os outros, seus limites e horizontes, sua vontade de poder.”

O trecho acima é bastante esclarecedor, e evidencia sobremaneira o que falamos anteriormente. Cada eleição é uma eleição diferente. E os grupos que visam chegar ao poder se organizam de acordo com as condições do momento. Desfazendo alianças e construindo outras que lhes deem maiores, e melhores, condições para vencer.

Voltando a eleição em Lajeado, é inegável o favoritismo do Dr° Tércio no pleito corrente. A campanha do candidato dos republicanos têm demonstrado mais força. Planejada há muito tempo, conseguiu mobilizar uma base de apoio que passa pelo Governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), o Senador Eduardo Gomes (PL) e vários parlamentares. Localmente possui o apoio da maioria dos vereadores com mandato e além do atual prefeito.

Essa força reflete na chapa de vereadores que certamente conseguirá a maioria dos votos. Elegendo entre 6 e 7 dos candidatos. Os candidatos que estão com Márcia terão que brigar pelas vagas restantes.

Aliás isso mostra que a eleição para ocupação das nove cadeiras no legislativo municipal lajeadense será disputadíssima. Há pelo menos 17 candidatos com condições de ser eleito entre os 44 na disputa.

Em relação à candidatura da Márcia não se pode subestimá-la. Ela é sem dúvida uma líder popular que tem uma grande estima por parte da população lajeadense. E mesmo que não tenha a seu favor uma grande estrutura pode surpreender. Até porque como manda a cartilha do realismo político, não podemos ver as coisas como dadas, prontas e acabadas.

Temos ainda a candidatura do Toninho da Brilho (PSB). Que é apenas para cumprir tabela. Não há nenhuma condição de se colocar como uma alternativa aos dois principais candidatos. Ainda que acontecesse algo que tirasse da disputa Tércio ou Márcia. Toninho continuaria sem nenhuma chance de ser eleito. Qual o sentido da sua candidatura então? O fundo eleitoral? Fazer um trabalho de base para as eleições futuras? Não sabemos.

Enfim, esse é o quadro das eleições em Lajeado. Referentes aos nomes e as forças políticas. Quanto a projetos não temos notado muitas propostas. De modo que a disputa parece estar mais relacionada a qual perfil de gestão o eleitor preferirá. Mas sabemos, sobretudo no interior, que não é só isso que define o voto.

Pedro Ferreira Nunes - É Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como professor na Rede Pública de Ensino do Tocantins.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Os afetos que circulam entre os muros das escolas IV

Após uma tentativa frustrada de realizar um protesto para criação de uma associação estudantil, Leon pergunta aos seus colegas o que impedia os demais estudantes de lutarem pelos seus direitos, se tédio ou apatia? Uma colega responde imediatamente que seria tédio. Já o outro quis saber qual seria a diferença. Leon então responde: - Tédio é um sono do qual se pode acordar. Já apatia é a condição de não se importar. Então os demais afirmam que a resposta à pergunta do Leon seria tédio e não apatia. A pergunta do Leon veio de uma conversa que ele tivera com o diretor da escola, que lhe alertou que teria problemas se tentasse ir contra o regimento escolar, disse que nenhum estudante atenderia o seu chamado para organizarem-se e lutar por direitos, pois estavam dominados pela apatia.

A cena descrita é do filme canadense The Trotsky (que no Brasil recebeu o título de “Trotsky: A revolução começa na escola”), de 2010, dirigido por Jacob Tierney. Que conta a história de um jovem que acredita ser a reencarnação do Leon Trotsky – um dos líderes da Revolução Russa de 1917 – e, portanto, deve reconstituir a sua vida. Após liderar uma greve fracassada na empresa do seu pai, ele é mandado para escola pública. Ali se depara com uma direção autoritária. Percebendo isso, o jovem vê um terreno fértil para que possa colocar seus planos em prática - o que ele não contava era com a apatia dos seus colegas. Ou seria tédio?

De acordo com Espinoza (2014) o tédio é um desejo que torna uma coisa apetecida em odiosa. Trata-se, portanto, de um afeto que limita ou diminuem a nossa potência de agir. Já a apatia é uma condição de indiferença, isto é, viver sem se afetar pelos afetos. Dito isso, fica claro a importância de Leon saber se o que limita os seus colegas de buscarem seus direitos é o tédio ou a apatia. Sendo o tédio há uma saída, é possível circular outros afetos, tal como defende o filósofo Vladimir Safatle (2015). Sendo a apatia o jeito é se conformar e aceitar as coisas tal como estão. Diante disso circular afetos que se oponham ao tédio é fundamental para que não nos tornemos apáticos.

Pedro Ferreira Nunes – Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins no CEMIL Santa Rita de Cássia.

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Crítica a sequência didática de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas elaborada pela Gerência de Formação Continuada do Tocantins

Sempre que participamos de uma formação, os técnicos da Secretaria de Estado da Educação do Tocantins (SEDUC), fazem questão de lembrar sua origem - o chão da sala de aula. Trata-se de uma estratégia para minar a resistência dos colegas que estão nas escolas, bem como dar maior legitimidade ao que será apresentado. Analisando esse discurso, que virou inclusive uma piada entre nós, me ocorreu que se trata de uma falácia. Pois não necessariamente o que será dito não quer dizer que deva ser acolhido só por que foi pensado por alguém que veio da sala de aula. Até porque quando falamos deste lugar, estamos falando de um lugar dinâmico.

Comecei a refletir sobre essas coisas durante uma formação da Gerência de Formação Continuada do Tocantins sobre sequência didática para serem desenvolvidas pelos componentes curriculares da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.  A primeira coisa que me chamou atenção foi uma perspectiva unidimensional da sala de aula e consequentemente da educação.

Antes de aprofundarmos a esse respeito é importante conhecermos o conceito de unidimensional que tem origem no pensamento do filósofo frankfurtiano Herbert Marcuse - ao analisar a ideologia da sociedade industrial. Este filósofo chama atenção para uma imposição de uma racionalidade tecnológica que tem por objetivo a construção de uma sociedade sem oposição, que funciona a partir de uma única visão - a visão da classe dominante. Nesse contexto, dois elementos são fundamentais. A ausência da crítica, e consequentemente, as possibilidades de mudança. E de novas formas de controle, mais suaves. Desse modo, Marcuse irá denunciar o caráter autoritário dessa sociedade.

A educação não está alheia a esse processo, e quando vemos formações como essa, isso fica evidente. Ora, quando se elabora uma sequência didática de cima para baixo. Sem levar em consideração as diferentes realidades que encontramos, não podemos dizer outra coisa senão que é a imposição de uma perspectiva unidimensional à sala de aula.

Quem atua como professor sabe que encontramos diferentes realidades dentro de uma única sala de aula, imagina então de uma turma para outra, de uma escola para outra, de uma região para outra e daí por diante (sem falar nas condições estruturais). De modo, que qualquer fórmula elaborada fora da realidade em que se está tende ao fracasso. Obviamente esse é o caso da sequência didática em análise.

Um argumento que utilizaria para fundamentar minha crítica é a fala de professores que acabam de se formar e ingressam na docência na educação básica e tentam aplicar na sala de aula o que aprendeu na academia. Ou seja, percebem o distanciamento entre a teoria e a prática. Tendo portanto que enfrentar o desafio a partir da prática na sala de aula de desenvolver a sua didática e metodologia, assimilando o que Marx determina de práxis.

Dito isso não poderíamos, para quem não sabe, definir o conceito de práxis em Marx, a partir da leitura feita por Adolfo Sánchez Vázquez. Refere-se a relação intrínseca entre teoria e prática. Nas palavras de Vázquez (2011), ao falar da filosofia da práxis: “uma teoria que veja seu próprio âmbito como limite que deve ser transcendido mediante sua vinculação consciente com a prática”. Num movimento dialético da prática à teoria e da teoria à prática. Tendo no entanto a prática como validadora da teoria e não o contrário.

Seguindo essa linha, se quem pensa as ações pedagógicas da educação pública no Tocantins (sobretudo para a sala de aula) estão seriamente preocupados com a melhoria do ensino. Deveriam ouvir quem está (que é bem diferente de quem já esteve) no chão da sala de aula. Ninguém melhor de quem está enfrentando diariamente os desafios de uma sala de aula, com metodologias e didáticas exitosas (e outras nem tanto) para apontar novas possibilidades. Óbvio que com a carga-horária de trabalho em sala de aula poucos irão se dispor. De modo que deve se pensar uma redução dessa carga-horária para que o professor possa pesquisar e planejar. E consequentemente desenvolver o seu fazer profissional com mais qualidade.

Acredito que os colegas que elaboraram essa sequência didática fizeram com a melhor das intenções - ajudar quem está no chão da sala de aula (sobretudo os novos professores que iniciaram a carreira agora e estão um tanto perdidos). Mas ao fazer isso não estão resolvendo o problema. Pior, estão contribuindo para imposição de uma perspectiva unidimensional à sala de aula. E assim estão, talvez de forma inconsciente, contribuindo para a manutenção da ordem vigente. Que as outras áreas engulam isso sem questionar, compreendo. Mas nós da área de humanidades de forma alguma.

Pedro Ferreira Nunes - É Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. E atua como Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.