sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Enquanto isso fumo meu cachimbo e tomo mais uma dose de Conhaque


Ele é um dos milhares de tocantinenses,

que se recusa a tomar a vacina contra a COVID-19. 

Acredita que a mesma irá no espaço de 10 anos

ceifar a vida daqueles que a tomaram. 


Penso em dizer para ele:

- a morte é o nosso destino certo,

Independente de vacina.

Ela caminha ao nosso lado 

e a qualquer momento 

pode nos abraçar. 


Certamente no decorrer de 10 anos

Muitos morreram

Pois esse é o destino

De todo ser vivente

Como filosofou Chicó

No auto da Compadecida.


Mas não falo nada. 

Prefiro fumar o meu cachimbo 

e tomar uma dose de Conhaque. 


Se fosse inteligente 

Utilizaria minha fala

Para justificar 

A sua negativa 

Em tomar vacina 

A partir de outra perspectiva. 


Eu responderia:

- Pobre diabo, 

enquanto se recusa a vacinar

acreditando em teorias conspiratórias, 

não deixa de consumir

sua dose diária de veneno 

através dos alimentos contaminado 

com agrotóxico. 


Se de fato fosse inteligente evitaria come-los. 

Penso em dizer, mas para quê?  

Ele não quer ouvir. 

Que morra na ignorância. 


Dou mais uma cachimbada, 

tomo mais uma dose de Conhaque.


As vezes penso se tenho agido de forma correta

Ao não partir para o conflito

Não fazer o debate.

Mas como debater com quem não sabe ouvir?

Agir com coerência 

É  melhor do que perder tempo em discussões 

Com deficientes auditivos.


Há outros deles por aqui

Alguns mais jovens.

Esses me entristecem  mais ainda.

Outros inclusive com diploma

Do ensino superior. 

É camarada, 

Há muito analfabeto 

Com diploma de Doutor. 


Todos em comum 

O discurso arrogante.

Sentem-se a bala que matou o Che.

Quanta mediocridade, 

Quanta mediocridade.

Não precisaria de muito para ridiculariza-los

Mas para que? 

Eles fazem isso sozinho.


É melhor  fumar o meu cachimbo,

Tomar mais uma dose de Conhaque. 


Antigamente três doses de Conhaque 

Me nocateuva.

Hoje em diante nem uma garrafa me derruba.

É, quem disse que seria fácil ser professor? 

Mas tem suas alegrias.

Ao meu lado companheiros valorosos.

Juntos temos feito coisas incríveis. 


Ela foi embora,

Falta? Sinto sim.

Mas ficar lamentando 

Não é o meu perfil.

Sigo fumando o meu cachimbo 

E tomando Conhaque.


Foi um ano produtivo.

Pessimista na análise 

Otimista na ação. 

Eu sigo assim

Se alguém perguntar por mim?

Diga que continuo firme 

Juntos aos que não escolheram 

O lado fácil da História. 


Não, isto não é um poema

Ou pode ser.

Será o que você leitor 

Quiser que seja.

É incrível, 

Mas há quem lê o que escrevo.


Em breve tem mais,

Por esse ano

Deu.

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in Roll.

domingo, 5 de dezembro de 2021

Relato de Experiência: Projeto Dialogicidade

"Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção."

Paulo Freire


A ideia do Projeto Dialogicidade surgiu quando estava fazendo a devolutiva do portfólio do Estudante feito pela SEDUC-TO para o início do período letivo de 2021. Percebi através daquele instrumental que era possível estabelecer um processo dialógico por meio dos Roteiros de Estudo. Sobretudo a partir da metodologia Freireana. Com isso aproveitariamos também para celebrar o Centenário de Paulo Freire.

Daí vem o nome “Dialogicidade” – o que explícita a intencionalidade do Projeto. Mas como funcionária na prática? A partir da devolutiva dos Roteiros de Estudo pelos Estudantes, eu levantava falas significativas (explicitas ou implicitas) que seriam problematizadas e aprofundadas através de temáticas relacionadas com as falas. Como o estudante tinha acesso a isso? Por meio de um podcast – com episódios quinzenais compartilhados nas Salas Virtuais e Grupos do WhatsApp das turmas do Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos – EJA Terceiro Segmento (que era o público alvo do Projeto). 

Podcast 

O Podcast (que no fundo é um programa de rádio) é a moda da vez quando falamos em mídia – você encontra todo tipo de podcast – notícias, esporte, entretenimento e inclusive educativo. Este último ganhou força sobretudo com as limitações impostas pela pandemia de Covid-19. E isso se dá tanto pela facilidade de produzir um podcast (Você só precisa de um aparelho celular – e nem precisa ser dos melhores). Como também pelo acesso, sobretudo se você utiliza meios alternativos como Google Drive e WhatsApp. Além de que você pode baixar o episódio e ouvir quando e quantas vezes quiser, sem a necessidade de uma internet tão potente.

A produção 

Não é a minha primeira experiência produzindo um podcast com fins educativos. No ano letivo de 2020 produzi o “Aufklärung” – que tinha uma perspetiva diferente do Dialogicidade. Naquela oportunidade o objetivo era trabalhar os objetos de conhecimento trabalhado nos Roteiros de Estudo.  Com  isso a temática era definida antes. Já o Dialogicidade os episódios foram surgindo no decorrer do período letivo de 2021, a partir da Devolutiva dos estudantes. De todo modo, a experiência com o “Aufklärung”, foi um aprendizado para que eu produzisse melhor, creio, o Dialogicidade.

A partir da experiência produzindo Podcast o que posso dizer é que a dificuldade não é o acesso e domínio das ferramentas necessárias para sua produção.  O que não falta são aplicativos e plataformas que nos auxilia nessa tarefa. A dificuldade é ter conteúdo para alimentar o projeto. Para tanto é necessário dedicar um tempo para estudo, pesquisa, organizar um cronograma e ter um planejamento de execução das ações necessárias. Além de pensar como tornar os episódios mais atrativos – como introduzir músicas durante a fala, para não ficar algo massante (ouvir outros podcast para se inspirar na criação do seu, é uma boa dica). Enfim, é algo que requer tempo, organização e planejamento. 

Os episódios 

Com o Projeto Dialogicidade foram 12 episódios produzidos ao longo do período letivo de 2021 – que iniciou em Maio. 

  • Primeiro Episódio: Os quatro pilares da Educação – este foi o nosso ponto de partida. Também aproveitamos para apresentar o projeto e falar do seu objetivo, além da homenagem ao Paulo Freire. Aprender a ser, Aprender a conviver, Aprender a conhecer e Aprender a fazer – qual a importância desses pilares na nossa formação? Por que devemos conhecê-los? Foram questões que buscamos refletir;
  • Segundo episódio: Um olhar para pandemia de Covid-19 a partir da Arte, da Filosofia e da História (Ciências) – entender a perspectiva das diferentes áreas do conhecimento é importante para compreender como cada uma dessas áreas abordam determinados problemas. Trouxemos como exemplo a pandemia de Covid-19, por ser algo vivenviado por todos nos, e que portanto, facilita o etendimento;
  • Terceiro episódio: Pandemia, Ansiedade e desempenho escolar – refletir como a pandemia acelerou um problema que já existia antes – ansiedade. E como essa tem interferido no desempenho escolar, foi o nosso desafio. Buscamos mostrar que com alguns hábitos é possível controlar a ansiedade e a partir daí conseguir melhorar tanto na Escola como em outras áreas da vida social;
  • Quarto episódio: Educação e Biossegurança – aqui buscamos refletir sobre a importância da Educação na necessária mudança de hábito no espaço escolar quanto aos cuidados com a Biossegurança. Mas o que é a biossegurança? Quando surgiu esse conceito? Qual a sua importância? A partir de exemplos relacionados com o que estamos vivendo, buscamos responder essas questões; 
  • Quinto episódio: Bioética e Meio Ambiente – entender que a relação que estabelecemos com o Meio Ambiente interfere na nossa qualidade de vida foi o nosso objetivo nesse episódio. O nosso ponto de partida foi compreender o que é o Meio Ambiente, salientando que a nossa relação com ele se dá a partir dessa compreensão. Em seguida trabalhamos o conceitos de bioética; 
  • Sexto episódio: A relação entre a leitura,  escrita e Saúde Mental – Como a leitura e a escrita pode contribuir para controlarmos a ansiedade e evitar uma depressão? Eis ai o que buscamos responder nesse episódio. Para tanto trabalhamos o Diário de Anne Franck – uma obra que nos ajuda na reflexão proposta. Antes buscamos também trabalhar a compreensão acerca da diferença entre ansiedade e depressão;
  • Sétimo episódio: Educação como prática da liberdade – que educação é essa? Qual a sua importância? Por que devemos lutar para que essa perspetiva educacional possa de fato ser trabalhada? Foram questões que buscamos trabalhar. E ninguém melhor do que Paulo Freire para nos ajudar a responde-las. Com esse episódio buscamos enfatizar tanto a importância de Paulo Freire para educação como o fato de que construir uma educação como prática da liberdade é tarefa de todos que nela acredita;
  • Oitavo episódio: Arte Popular Tocantinense – Rica e diversa. Essa é a característica da Arte Popular feita no Tocantins. Com uma forte influência da cultura Indígena e Negra,  é uma arte engajada na luta pela construção da identidade Cultural do Tocantins. Buscamos ressaltar que para compreender a Arte Popular Tocantinense é necessário entender a característica multicultural do Tocantins, mesmo antes da sua criação em 1988;
  • Nono episódio: Leitura e Produção de Texto: Níveis de leitura –Entendendo a importância da leitura. E observando, pela Devolutiva das atividades, que a sua prática é bastante deficitária pelos Estudantes. Propomos abordar essa temática da Leitura e Produção de Texto em três episódios. Aqui focamos na importância da leitura e falamos dos seus três níveis: leitura exploratória, leitura analítica e leitura crítica. Ora, se se pretende escrever bem é preciso ler muito;
  • Décimo episódio: Leitura e Produção de Texto: Interpretação – continuando com a temática do episódio anterior, mas agora focando na interpretação. Antes demos uma recapitulada no que vimos sobre os níveis de leitura e em seguida entramos na questão da interpretação. Aqui ressaltamos a ideia de círculo hermenêutico – isto é para compreender um texto como um todo, preciso compreender as partes. E vice-versa. Saber por quem e em qual contexto foi escrito é outro aspecto importante;
  • Décimo primeiro episódio: Leitura e Produção de Texto: Como organizar as ideias – fechando os episódios dedicados a essa temática, trabalhamos a questão da escrita propriamente. Para tanto mostramos como organizar as ideias a partir da escrita. Como construir uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão. Diferentes tipos de textos, citações entre outras questões; 
  • Décimo segundo episódio: Projeto de Vida: para quê? – para finalizar o Projeto Dialogicidade retornamos ao início – ao portfólio do Estudante onde propomos uma reflexão acerca do período letivo de 2021. O que tínhamos projetado conseguimos alcançar? Quais os aspectos positivos? Quais os aspectos negativos. No que avançamos? No que precisamos melhorar? Todas essas questões sendo dirigidas para uma reflexão maior acerca do Projeto de Vida. 

Algumas considerações 

O objetivo de aprofundar, a partir de uma perspetiva crítica, questões surgidas nas aulas de Arte, Filosofia e História – nas turmas do Ensino Médio e EJA – Terceiro Segmento. Foi alcançado. Utilizando a metodologia Freireana que tem o diálogo como fator central, conseguimos problematizar questões importantes que contribua na formação de Cidadãos Críticos. 

Do ponto de vista dos estudantes considero que não houve um grande engajamento. O que já era esperado tendo em vista que o perfil dos nossos educandos não é muito de exercitar o pensamento crítico. E nisso temos a nossa cota de responsabilidade. Poderiamos colocar a falta de engajamento na tecnologia, no entanto creio que esse não foi um grande limitador já que a grande maioria possuí aparelho celular e acesso a internet, mesmo que limitada. Por tanto creio que o motivo de não ter havido um maior engajamento foi por fatores culturais. 

Diante desse contexto, o Projeto Dialogicidade, mostrou-se mais válido ainda, por estimular o exercício do pensamento crítico. E com isso contribuindo para que essa cultura da preguiça de pensar criticamente possa ser modificada. Outro ponto importante do Projeto foi mostrar que uma escola pública periférica tem sim condição de produzir conhecimento, a partir da sua realidade, e não só reproduzir o que tentam nos enfiar goela-abaixo. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO. 

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Algumas ideias sobre o pensamento de Nietzsche a partir do prólogo do Zaratustra

De que adianta o saber se não passarmos ele adiante? De que vale o conhecimento se ele não pode ser compartilhado? Com quem e por que compartilhar esse conhecimento? Esse nos parece ser o problema central do prólogo de Zaratustra. E ao abordar estes problemas ele bate de frente com duas grandes correntes do pensamento ocidental – o grego, mais precisamente de matriz platônica e o cristianismo. Podemos perceber esse fato quando Zaratustra decide abandonar a caverna e não voltar, mas sim descer o vale – é claramente uma alusão ao mito da caverna de Platão. Pelo caminho ele encontra com um santo que o desaconselha a viver com os homens e dedicar sua vida a Deus. Zaratustra então afirma: Será possível que esse santo ancião ainda não ouvisse no seu bosque que Deus já morreu? Ainda no diálogo com o santo percebemos uma critica a moral cristã. Por exemplo, quando Zaratustra afirma que não dá esmolas pelo fato de não ser tão pobre. Diante disso podemos afirmar que Zaratustra buscará construir um novo caminho – um caminho que rompa tanto com o pensamento cristão como com o pensamento de Platão.

E ao chegar à cidade, como um pregador solitário no meio da multidão, Zaratustra começa a proclamar suas verdades. Ele então anuncia o super-homem. E o que seria o super-homem? Um estágio superior do homem. Para Zaratustra a forma homem deve ser superada, pois se não corremos o risco de nos tornamos animais novamente. É de certa forma a defesa da tese evolucionista de Charles Darwin. Por exemplo, quando Zaratustra afirma: Percorrestes o caminho que medeia do verme ao homem... Está de certa forma corroborando com a concepção darwiniana da evolução das espécies. Logo podemos afirmar que Zaratustra passa a assumir um discurso cientifico se contrapondo a visão cristã. Por exemplo, quando afirma: Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra-terrestres. Com isso percebemos claramente uma aproximação com o pensamento de Spinoza – só existe uma substância, e tudo é guiado pela razão. Aliás, percebemos que Zaratustra defende a razão como o caminho para alcançarmos o super-homem.

Essa aproximação com o pensamento de Spinoza fica mais claro quando Zaratustra fala de Deus e da Terra, da alma e do corpo. Ele tal como Spinoza critica essa visão dualista. É dessa dualidade que advém nossa fraqueza. Zaratustra criticará fortemente o fato de agirmos não pelo nosso próprio bem, mas sim em clamor do céu. Ou pelo menos agimos a partir dessa crença. Para Zaratustra não agimos assim por que pecamos, mas por parcimônia – é a nossa mesquinhez característica. Ele defende a necessidade de se superar esse comportamento e só o super-homem pode supera-lo. E o que vem em seguida? O que vem em seguida é uma enxurrada de criticas. Zaratustra não poupa ninguém – Da filosofia antiga á filosofia moderna, é obvio, passando pela filosofia cristã. Ele então faz uma ode ao racionalismo e ao materialismo. E não tem como novamente fazer um paralelo com o pensamento de Spinoza, por exemplo, quando Zaratustra diz: o grande do homem é ele ser uma ponte, e não uma meta: o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acabamento. Mas ao mesmo tempo em que se aproxima de Spinoza, ele também afasta, como por exemplo, quando fala: amo o que tem o espírito e o coração livres, porque assim a sua cabeça apenas serve de entranhas ao seu coração, mas o seu coração, o leva a sucumbir.

Além de uma critica ferrenha ao cristianismo e a Platão, percebemos fortemente uma critica de Nietzsche através do seu Zaratustra ao pensamento dominante de sua época. Por exemplo, ao positivismo e ao socialismo cientifico que polarizavam o debate de ideias no século XIX. Zaratustra exalta o individuo e não o social. Seguindo uma linha contrária a Conte, Durkheim, Marx e Engels. Para se chegar ao super-homem o homem tem que se superar. Não é o desenvolvimento da sociedade que trará o super-homem. Seguindo essa linha ele não só critica a dita civilização como o homem fruto dessa civilização. Ai fica mais claro a critica ao positivismo. Zaratustra afirma que esse modelo esta fadado ao fracasso, por isso afirma: eu vo-lo digo: é preciso ter um caos dentro de si... E continuando sua critica tanto ao positivismo como aos revolucionários questiona: Trabalha-se ainda porque o trabalho é uma distração; mas faz-se de modo que a distração não debilite. Já uma pessoa se não torna nem pobre nem rica; são duas coisa demasiado difíceis. Quem quererá ainda governar? Quem quererá ainda obedecer? São duas coisas demasiado custosas. No entanto, ao contrário do que esperava Zaratustra, o seu super-homem não tinha espaço naquele contexto, talvez quem sabe no futuro? E não foi sem tristeza que ele percebeu tal fato.

E agora o que fazer? Continuar a trilhar aquele caminho ou construir um novo? Voltar para caverna? Se isolar no bosque longe dos homens e servindo a Deus? Abrir mão do super-homem? Ao contrário de Sócrates, Zaratustra preferiu a prudência. Resolveu não continuar no meio dos homens, não era aos homens que deveria falar e nem muito menos aos mortos. O morto ali, poderíamos afirmar que simboliza todos os filósofos mortos – Cristo, Platão, Kant entre outros. Para Zaratustra o super-homem devia ser apresentado a um grupo restrito, um grupo de criadores, estes teriam a tarefa na mão de levar adiante a bandeira do super-homem. Zaratustra percebeu que o caminho era mais longo – que as suas ideias não era para o homem do século XIX – mas para os séculos vindouros. No entanto era preciso o quanto antes começar a construir as bases para que o seu pensamento ressoasse no futuro.

Por fim podemos concluir que nesse prólogo de Zaratustra percebemos uma declaração de guerra de Nietzsche contra tudo e todos. Tanto ao pensamento da sua época como ao pensamento clássico. Por outro lado não deixou de beber e ser influenciado por esse pensamento. Outra marca de Nietzsche é a contradição, é dizer e desdizer, é negar e desnegar. Isso fica claro, quando ao mesmo tempo em que critica o pensamento de Platão e o cristianismo – acaba reproduzindo muito das ideias e das concepções destas correntes do pensamento ocidental. Por exemplo, no inicio do prólogo Zaratustra busca um caminho diferente de Platão, no seu mito da caverna e de Cristo que deixa os homens para viver no bosque contemplando Deus. Ao final Zaratustra faz o mesmo movimento retorna ao bosque e decide se afastar dos homens e conviver entre criadores. Com isso o que faz é uma síntese do pensamento de Platão e Cristo. Logo, continua dialogando, ao contrario do que diz, com defuntos.

Por Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Considerações sobre a literatura tocantinense ou a literatura produzida no Tocantins

✅Não existe ainda uma literatura tocantinense, mas sim uma literatura produzida no Tocantins

✅Essa literatura produzida no Tocantins certamente tem um papel fundamental no processo de construção de uma literatura tocantinense; 

✅Nos últimos anos percebemos uma espécie de Primavera literária no Tocantins com a publicação de obras e uma maior apropriação das mídias digitais pelos autores;

✅Espaço em portais de notícias, Grupos de whatsapp e facebook tem propiciado a divulgação de trabalhos, encontros e a troca de Experiência entre autores de diversos cantos do Tocantins. Tornando-se uma alternativa a falta de um circuito de eventos literários;

✅O principal evento literário tem sido a Feira Literária de Porto Nacional  (FLIP). Sobretudo, com o engavetamento do Salão do Livro pelo Governo do Estado;

✅O Salão do Livro teve um papel importante no fomento da produção literária local;

✅O Salão do Livro não era apenas um lugar de encontro e de troca de experiência. Ele vinha acompanhado de uma política de fomento a produção literária por meio de editais e a aquisição de obras para as bibliotecas escolares. 

✅Essa política propiciou o acesso dos estudantes das escolas públicas a obras de autores locais. Como também o contato com os autores dessas obras;

✅A política de fomento a produção literária no Tocantins, por parte do Governo, tem como característica a descontinuidade. Não sendo, portanto, uma política de Estado;

✅A produção literária local tem sido fomentada por iniciativas individuais dos próprios autores – que encontram muita dificuldade na distribuição e comercialização das suas obras literárias; 

✅Podemos dizer que o problema não é a falta de produção. Há muitos autores escrevendo, seja no campo ficcional ou não, em diversas cidades tocantinenses. É o que percebemos quando vemos iniciativas como a do Escritor e Editor Eliosmar Veloso com o seu Anuário de Poetas e Escritores do Tocantins. E a Enciclopédia Literatura Tocantinense – entrevistas. Organizada pelo Professor e Escritor Pedro Alberici;

✅Nessa produção literária se destaca a Poesia. Ouso dizer que os principais autores que produzem literatura no Tocantins, ou aqueles de maior destaque, são Poetas. Ainda que muitos deles não escrevem apenas poesia;

✅Entre esses nome o do Pedro Tierra, codinome do Hamilton Teixeira, é sem dúvida, o grande destaque. Tierra não é só a nossa maior referência literária como um clássico da literatura brasileira e latino americana. Está no mesmo patamar de Drumond, Nerudo e Benedetti. Para citar alguns;

✅Os demais estão no mesmo patamar, como é o caso do José Gomes Sobrinho, Célio Pedreira, Tião Pinheiro, Gilson Cavalcante, Zacarias Martins, Lurdjanes Araújo, Belinha entre outros;

✅Na prosa não ficcional (crônicas e memória) também tem uma razoável produção. Ainda que não tenhamos um grande destaque aí. Sobretudo por se tratar de autores de ocasião;

✅Já a prosa ficcional (contos e romance) é onde temos menos tradição. No entanto isso tem mudado. E entre os autores que se destacam nesse campo estão o do Jadson Neves e do JJ Leandro;

✅No âmbito acadêmico também há uma grande produção. Liderados sobretudo pela UFT, que inclusive tem sua própria editora. No entanto essa produção ainda é pouco divulgada e acessível ao público fora da academia. Sobretudo nas escolas públicas;

✅Falando em editoras.  O mercado editorial no Tocantins é quase inexistente. As poucas editoras que existem, dentro das suas possibilidades, fazem um trabalho importante de fomento a produção literária. Mas com muita limitação;

✅As academias de letras não desempenham um papel importante na produção literária local e no fomento a leitura;

✅Muitas dessas instituições não deveriam nem existir. Servem mais para alimentar o ego de alguns;

✅Criar movimentos literários locais com o obejtivo de fomentar a produção literária e a leitura. Promover eventos como feiras e sarais, assim como a produção de obras coletivas. É um caminho mais interessante do que a criação de academias de letras;

✅Com uma cultura literária estabelecida aí sim faz sentido pensar em Academias de Letras;

✅A diversidade é o que caracteriza a literatura produzida no Tocantins. Tanto em relação a forma como aos conteúdos;

✅Mais do que a qualidade dos trabalhos o importante é o esforço em construir uma cultura literária no, e do Tocantins. No entanto, ressaltamos que temos sim obras de muita qualidade (ainda que a questão da qualidade é bastante subjetiva).

✅Entre os muitos desafios está a formação de leitores. Nesse sentido a realização de eventos literários e bolsas de publicação por parte do Estado ou Empresas do setor privado é importante;

✅A Rede Estadual, e as redes municipais,  de educação é um espaço importante para formação de um público leitor – de literatura produzida no Tocantins;

✅É necessário incentivar a realização de eventos literários nas escolas com a participação de autores locais. Adquirir obras de autores locais para as bibliotecas e incentivar a leitura dos mesmos.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador, Escritor e Poeta Popular. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO. 


sábado, 20 de novembro de 2021

O trabalho escravo na contemporaneidade a partir da perspectiva artística

“A degradação tem o seu preço/De trecho em trecho para trabalhar/A liberdade em troca de miséria/Mancada séria pode matar./A soma de toda pobreza/Desmoraliza o social/Mão de obra farta escravizada/Direitos Humanos é opcional...”. 

Assim inicia a letra da canção “Expresso da Escravidão” da banda Punk Paulista – Ratos de Porão. É uma das canções que compõem o 15°  álbum do Grupo – “Homem inimigo do homem” (2006). A sonoridade e a temática da letra me instigaram a conhecer tanto a banda como aquele assunto. E é essa segunda questão que nos interessa aqui.

Era a primeira vez que ouvia falar em trabalho análogo á escravidão. Apesar de que para nós que vivemos no interior, não ser uma realidade desconhecida. E a contundência característica da música feita pelo Ratos de Porão, foi como um soco no estômago. Uma letra direta com um som agressivo metendo o dedo na ferida – escancarando uma realidade vivenciada por trabalhadores rurais de Norte a Sul do Brasil.

“Escalado pelo tal de Gato/explorado pelo fazendeiro/Meses, meses, meses de trabalho/enganado e nada de dinheiro./Objeto descartável/coagido pelo medo/Latifúndio escravagista, opressão pelo desespero”.

E o refrão então. É um questionamento que continua atual e cada vez mais necessário: “Quanto custa um homem no.../Expresso da escravidão?/Quanto custa um homem no.../Expresso da escravidão no Brasil?/Escravidão contemporânea no Brasil!/Escravidão contemporânea no Brasil!”.

Temos em “Expresso  da Escravidão” um exemplo de um olhar artitistico para a questão da Escravidão Contemporânea no Brasil. Isto é, um olhar que busca nos sensibilizar para um determinado problema. Essa sensibilização se dá quando o artista consegue expressar algo que nos afeta. E somos afetados sobretudo por algo que nos modifica – essa modificação se dá a partir do momento que começamos a questionar – a pensar sobre algo que achávamos que era natural.

A temática do trabalho em condições análogas a escravidão tem sido recorrente no campo da Arte. Sobretudo pelo que dissemos anteriormente. Não só Na música, mas também na poesia, na pintura, na fotografia, na teledramaturgia e no cinema.

Em relação ao cinema temos algumas produções importantes. Entre elas, o documentário “Nas terras do bem virá” (2007) do Diretor Alexandre Rampazzo. É uma obra de arte que não só mostra a situação degrante que trabalhadores rurais são submetidos, como também os conflitos por terra no Norte do Brasil. 

Tanto a canção “Expresso da Escravidão” como o documentário “Nas terras do bem virá” apresentam um quadro que se passa sobretudo no interior do Brasil – em grandes latifúndios. No entanto é importante destacar que o trabalho análogo a escravidão está em todas as partes, inclusive nas grandes metrópoles. 

Trata-se de uma realidade, que de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), atinge mais 40 milhões de pessoas em todo o mundo – uma realidade que tem piorado com a flexibilização das leis trabalhistas e o avanço de políticas econômicas ultraliberais.

Nesse sentido o filme “Sete prisioneiros” (2021) Dirigido por Alexandre Moratto, é um bom exemplo ao mostrar o trabalho análogo a escravidão nas grandes metrópoles. Aqui o cenário não é um latifúndio no interior do interior do Brasil, mas a principal cidade econômica do país (São Paulo). Outro ponto importante é que esse filme chega justamente num momento de retrocessos no que se refere ao combate ao trabalho análogo a escravidão, sobretudo no Brasil. 

Por outro lado há que se reconhecer que nos últimos 15 anos o combate ao trabalho análogo a escravidão conseguiu importantes conquistas. Entre elas,  uma que considero bastante significativa, é inserção dessa temática no currículo da Educação Básica. Inclusive, no caso do Tocantins, subsidiando os Professores com materiais e formações para trabalhar a temática. É um avanço importante, por que no meu tempo de colegial não se trabalhava essa questão. Não por que o problema não existisse, pelo contrário. Fazia parte da nossa realidade, mas era naturalizado. Foi só quando ouvi “Expresso da Escravidão” é que comecei a entender isso.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Economia solidária em Lajeado?!

Parque Aquícola Miracema-Lajeado
O serviço público é o setor que mais dinamiza o comércio local – um comércio de pequeno porte focado sobretudo no ramo da alimentação e bebidas. É também o que mais emprega. No entanto o serviço público não tem condição de absolver toda a mão de obra existente no município. 

Diante disso a saída para muitos é ir para outras cidades em busca de serviço ou investir num negócio próprio – é a partir dessa segunda opção que observamos o potencial de criação de um movimento de economia solidária em Lajeado - trazendo empoderamento e melhor qualidade de vida. Dito isso, o desafio é a formação e criação de uma rede que fortaleça iniciativas que já existem localmente. 

Antes de adentrarmos mais profundamente nessa questão,  vamos compreender o conceito de economia solidária. Para tanto ninguém melhor do que o Economista Paul Singer – uma das grandes referências quando falamos em Economia solidária. 

De acordo com Singer  (2002) “a economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual”. São esses princípios que une os trabalhadores que são possuidores de capital em pé de igualdade. Eis ai portanto duas palavras fundamentais ao nos referir a economia solidária – União e igualdade. União por que estamos falando de um empreendimento coletivo e igualdade por que dentro dessa coletividade não pode haver relações hierárquicas.

A partir daí percebemos uma diferença fundamental entre a economia solidária e a economia de mercado. Enquanto a união e igualdade são os pilares de sustentação da primeira. A outra tem como pilar a concentração e a exploração. Quanto mais concentração, mais exploração. Quanto mais exploração mais lucros. E ai temos como motor propulsor a competição. Nessa linha, Singer (2002) salienta o seguinte:

“para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva. Isso significa que os participantes na atividade econômica deveriam cooperar entre si em vez de competir”.

Quando falamos em Economia Solidária não estamos nos referindo há algo novo. De acordo com Singer  (2002) ela “nasceu pouco depois do capitalismo industrial, como reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção”.

No Brasil os imigrantes Europeus, no início do Século XX, tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da economia solidária através da criação de cooperativas. E desde então podemos perceber importantes iniciativas que buscam promover esse modelo de economia. De acordo com Singer (2002), demonstrando “grande vigor e notável criatividade institucional”.

Perspectivas para Economia Solidária em Lajeado 

Loja da AMAE

Para enfrentar a pobreza que ronda parte significativa da população lajeadense, as pessoas tem investido em empreendimentos comerciais que lhes garantam o mínimo de qualidade de vida. Sobretudo no ramo da alimentação, do artesanato, do turismo e setor de serviços. 

A maioria desses empreendimentos parte de iniciativas individuais. No entanto há também associações como é o caso da AMAE (Associação das Mulheres Artesãs e Empreendedoras) e a Associação de Pescadores. Apesar de percebermos elementos da economia solidária nessas iniciativas, a lógica de mercado é o que permanece, sobretudo pela influência do SEBRAE. A maior consequência disso é que há uma competição onde deveria haver cooperação. A competição leva consequentemente a derrota de alguém. E geralmente essa derrota é dos mais fracos. 

Diante disso o ponto de partida para criação de uma economia solidária em Lajeado é formação. Os trabalhadores que estão a frente desses empreendimentos precisam compreender os princípios desse modelo de economia. A partir daí perceberam a necessidade de se fortalecerem a partir de uma perspectiva coletiva. Inclusive, envolvendo o consumidor no processo. Para tanto este não pode ser visto como um consumidor meramente. Mas como um colaborador. Na linha que se faz, por exemplo, entre fãs de uma banda de Rock Alternativo – comprando ingresso, discos, camisetas e até mesmo participando de iniciativas de financiamento coletivo para gravar um novo trabalho. 

O objetivo, portanto, deve ser buscar com que o consumidor compreenda que ao adquirir um produto das Artesãs e artesãos, dos pescadores e pescadoras,  os legumes do Seu Luiz, o Cheiro Verde do Seu Mano, as plantas da Dona Maria, os jarros da Dona Arlete, a Farinha do Tuta, entre outros. Não está apenas adquirindo um produto, mas está contribuindo para que as famílias de trabalhadores do município tenham uma fonte de renda e uma melhor qualidade de vida.  

Dito isso, ao defender a construção de uma economia solidária em Lajeado – que fortaleça e dê maior autonomia aos cidadãos locais. Não estamos eximindo o poder público municipal de garantir uma renda mínima as famílias de trabalhadores que estão numa situação de vulnerabilidade social. A esse respeito cabe descartar o que diz Paul Singer (2002): 

“mesmo que toda comunidade econômica fosse organizada em empreendimentos solidários, sempre haveria necessidade de um poder público com a missão de captar parte dos ganhos acima do considerado socialmente necessário para redistribuir essa receita entre os que ganham abaixo do mínimo considerado indispensável”.

Com mais autonomia do poder público (fruto de um movimento de economia solidária), os cidadãos certamente terão mais força para exigir  tais medidas – o que certamente contribuirá para que aja profundas transformações na sociedade lajeandense.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado. 

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Relato de Experiência: Escrita como exercício de reflexão e criação

- Será que ninguém conseguiu? Observava um tanto encabulado as atividades devolvidas. O que teria acontecido? Não acredito que tenha sido falta de compreensão. Por outro lado, eu reconhecia que não era uma atividade fácil, exigia reflexão e criatividade por meio da escrita. No entanto era impossível que ninguém ao menos tivesse tentado – pensava comigo. Bem, a atividade consistia no seguinte: Os estudantes deveriam criar uma cena em torno da temática da Biossegurança.

A ideia da atividade me veio ao elaborar um Roteiro de Estudo do Componente Curricular de Arte para a 2° Serie do Ensino Médio. No roteiro o objeto do Conhecimento era o Teatro. A partir daí pensei que mais interessante de falar do Teatro era entender como se faz o Teatro. E nesse sentido um ponto de partida interessante seria a escrita. Levando em consideração que a escola estava discutindo com a comunidade escolar, através de um projeto, a questão da biossegurança. Decidi que esse seria um tema interessante para se pensar uma cena.

Por parte do estudante seria necessário sobretudo, criatividade. E como produto final algo que sensibiliza-se o público para o problema.

Quando eu já acretiva que nenhum estudante havia ousado fazer a atividade proposta, foi que me deparei com duas pérolas. Por um acaso, era as últimas a corrigir. Uma delas não era uma cena, mas praticamente uma peça curta. De todo modo a criatividade das duas estudantes me deixou sem palavras. E imediatamente entrei em contato com elas para parabeniza-las e incentivar a cultivar aquele talento. Também propus fazer uma revisão de um dos textos para publicar no Blog da Escola – o que foi feito (https://censprolaj.blogspot.com/2021/09/juntos-combatendo-leishmaniose.html)

Os dois trabalhos me empolgaram tanto que decidi trabalhar o mesmo exercício em outras turmas com temas diferentes. Nas primeiras séries a questão da Saúde Mental. E no 8° Ano do Ensino Fundamental a violência contra a mulher.  Nessas outras turmas busquei fazer com que compreendessem melhor o que eu queria. Inclusive apresentando alguns exemplos. No entanto não criei muita expectativa. Se eu conseguisse encontrar uma outra Dayelle ou Maria Clara já estava ótimo. 

Com essas turmas a metodologia que utilizei mostrou-se mais acertada – quase 100% dos estudantes tentaram criar uma cena teatral – ainda que algumas era recriação de cenas do cinema ou de seriados. Isso foi importante para que eu percebece que na experiência com a segunda série, o fato da maioria dos Estudantes não terem feito conforme pedi, foi consequência da metodologia que utilizei.

Entre as cenas escrita, uma de um estudante do 8° Ano me chamou atenção e fiz questão de lê-la em sala para mostrar o que eu queria que eles fizessem. A reação da turma após a leitura foi impagável. Fiz uma leitura dramática para que eles fossem arrebatados para dentro da cena. E um dos comentários que mostra que conseguimos foi: - Nossa, parece que eu tava vendo acontecer aqui na minha frente. Todos aplaudiram espontaneamente.

Fiquei pensando comigo o quanto seria rico produzir e representar algumas daquelas cenas. Eis ai algo a se pensar para uma próxima etapa. De todo modo,  só esse exercício já foi algo enriquecedor. O envolvimento deles, as discussões, as trocas de ideia, mostrou que foi uma estratégia pedagógica acertada.

Além da satisfação em proporcionar isso, também assumi, comigo mesmo, o compromisso de não deixar morrer essa força criadora e o talento para escrita que alguns demonstraram. Como? Incentivando e os ajudando a aprimora-lo.

Quanto à o objetivo inicial do plano de aula,  que era trabalhar o Teatro a partir de uma perspectiva prática. Creio ter alcançado. Sobretudo o Teatro a partir da compreensão do Augusto Boal – que salientava a importância dessa expressão artística na  busca pela cidadania plena. O que podemos perceber por exemplo em uma das suas frases célebres: “Atores somos todos nós, e cidadão não é quem vive em cidade: mas quem a transforma.”

Ao quebrar a barreira entre artista e platéia,  entre ator e espectador, o Teatro do oprimido proporciona a empatia, o diálogo e a cooperação. E é a partir daí  que podemos vislumbrar a transformação das relações opressiva e por conseguinte da Sociedade que sustenta essas relações de opressão. A partir de um exercício de escrita criativa, toda essa reflexão foi possível.

Por Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Junta Tribo - Pedal em Lajeado

Foto: Daniel Andrade 
Já se aproximava das 08h da manhã quando saímos da Praia do Segredo rumo ao Morro do Lual. 60 Km nos aguardava pela frente num dos lugares mais belos desse Estado. Eu não estava muito certo se conseguiria chegar ao final do percurso. Nem tanto por mim, mas pela minha bike que não é apropriada para esse tipo de pedal. Porém fiquei tranquilo ao saber que se algo acontecesse seríamos rebocado pelo carro de apoio (carinhosamente apelidado de cata osso).

A bike está presente no meu dia a dia como meio de transporte, sobretudo para ir ao serviço – as vezes utilizo para fazer cicloturismo. Já para atividade física prefiro a corrida. O que não é muito comum por aqui – onde utilizam a bike para fazer atividade física e no dia a dia o automóvel. Aliás é uma questão para ser estudada, como uma cidade tão pequena tem uma cultura do automóvel, tão forte. Eu até compreendo a utilidade do carro para resolver algo fora da cidade. Mas aqui no dia a dia? Vai entender.

Lá íamos nós – sem afobação, sem pressa de chegar. Aprendi na corrida que não podemos ficar pensando na chegada por que o risco de bater o desânimo é considerável. Devemos seguir um passo de cada vez e a partir daí a chegada será uma consequência. Nesse contexto a música é uma importante aliada – me relaxa e fortalece. E aquela paisagem pedia um Creedence. 

Pense numa paisagem bela. E vê-la de um ângulo novo é como se estivéssemos vendo pela primeira vez. Bem que o Joatan comentara numa conversa informal sobre quanta beleza tinha atrás da Serra. A gente mora aqui há tanto tempo, acha que conhece tudo, mas não tem noção das riquezas que essa Serra esconde.

Falando em Joatan, foi ele que me convenceu, juntamente com o Professor Raimundo, a participar daquele pedal (Junta Tribo) – um evento que já está na sua sexta edição. Mesmo sem nunca ter participado, eu sempre gostei do Junta Tribo. Por se tratar de um evento diferenciado. E eu acredito que Lajeado precisa desse tipo de evento que valoriza as suas riquezas naturais.

Joatan nos relatou que o evento começou pequeno, juntando alguns entusiastas do ciclismo de Lajeado, Tocantinia e Miracema. Aliás,  é daí que vem o nome junta tribo, pois a ideia era juntar as tribos do pedal dessas três cidades. Hoje o evento já ultrapassou as barreiras do Tocantins atraindo ciclistas de outros Estados. E a tendência é atrair cada vez mais gente. Por que o lugar é encantador. E a organização do evento, com o apoio de parceiros, faz um trabalho muito competente.

“Chupa essa”. A plaquinha carinhosa anunciava que não vinha coisa boa pela frente. Pense numa subida!!! E não era a pior. O que iríamos descobrir logo mais ao nos deparar com outra plaquinha escrita “chupa mais essa”. Essas duas subidas foi o momento de separar as crianças dos adultos. Antes uma parada para tomar uma água. Então, segui deixando uma galera para trás.

Chegamos no topo do Morro do Lual. Agora tínhamos pela frente um trecho um tanto tranquilo em relação ao que havíamos acabado de encarar. Aproveitei para voar embalado pelo CPM22. No entanto a empolgação durou pouco. Algumas decidas exigia cuidado, e agora qualquer subida, por menor que fosse, era um obstáculo enorme diante das forças reduzidas. O momento pedia Sepultura,  e assim avançamos. 

De repente cheguei num trecho que não me era desconhecido. Mas pensei comigo: - Não pode ser. A gente entrou por lá, não tem como sair por aqui. Mais adiante o Professor Raimundo, que estava num ponto de apoio, me informou ao questiona-lo onde estávamos: - logo ali na frente é o Morro do Leão. Fiquei surpreso e sem entender como tinha chegado ali. Mas tinha chegado e isso significava que não estava muito longe do destino final. Isso me deu até animo para dá uma acelerada. Nem parei no último ponto de apoio. Peguei um copo d'água e segui embalado pelos Engenheiros do Havaí: “O céu é só uma promessa. Eu tenho pressa, vamos nessa direção...”

Foto: Daniel Andrade 
Era umas 12h e pouco quando cheguei na Praia do Segredo, finalizando o percurso de 60 KM (que, na minha opinião, equivale uns 200 num trecho normal). Muito cansado, mas um cansaço insignificante diante da satisfação de ter conseguido completar o percurso. Contente também com minha bike que havia resistido bravamente – apenas  tive que parar para colocar a corrente que caiu duas vezes. E regular a sela. No mais foi só comemorar tomando merecidamente algumas cervejas.


Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz Latino Americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock n roll.

sábado, 30 de outubro de 2021

E quanto a nós?!

Quando o Governador Mauro Carlesse  (PSL) já falava da possibilidade de concorrer a um novo mandato de Governador do Tocantins em 2022, fomos surpreendidos com o seu afastamento, pela Justiça Federal, acusado de corrupção juntamente com alguns dos seus principais auxiliares. Com isso as peças do tabuleiro se moveram mostrando que em se falando em política no Tocantins, nada é certo. Algumas peças praticamente descartadas voltaram ao jogo com uma força considerável, é o caso do Governador em Exercício – Wanderlei Barbosa.

E ai conservadores e liberais?

Carlesse era um dos Governadores mais alianhados ao Governo Bolsonaro. Inclusive foi usado por este na polêmica sobre os repasses da União aos Estados para o combate á COVID-19. Em vários embates entre Bolsonaro e os Governadores, Carlesse era um dos poucos que não acompanhava os demais nas críticas ao Governo Federal. Agora, é mais um político, próximo do Senhor Presidente, suspeito de corrupção.

Apatia 

Não se viu uma grande comoção da sociedade cívil tocantinense, nem mesmo nas redes sociais, com o afastamento do Governador Mauro Carlesse  (PSL) pela Justiça Federal, por suspeita de corrupção. Se fosse em outro Estado, viriamos manifestações populares pedindo a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa para encaminhar o seu impeachment. Além de gritos de cadeia para os corruptos.

Oportunismo

Se a população no geral mostrou uma certa apatia, algumas lideranças políticas não perderam tempo. Como bom oportunistas aproveitaram a ocasião para se promoverem com vistas às eleições vindouras. Mauro Carlesse – Governava praticamente sem oposição. É só vê a sua base de apoio na Assembleia Legislativa e a facilidade que ele tinha para Governar – conseguindo aprovar tudo o que queria. Alguns desses que se dizem oposição, é na verdade uma oposição oportunista, pois não demonstra uma preocupação com o Tocantins, mas com seus projetos de poder.

Descartável 

Outro aspecto interessante desse processo foi como do dia para noite Carlesse foi descartado. Isso reforça a questão do oportunismo – Você só me é útil quando pode me dar algo. Agora que você foi aleijado da caneta do executivo estadual não tem mais por que está ao seu lado. Se caso conseguir reverter a situação voltamos a conversar. Essa questão vale inclusive para a relação com o Bolsonaro.

Ascensão e Queda

Eis aí a dinâmica política no Tocantins. Quando se ascende politicamente terá tudo a seus pés. Mas quando cair prepara-te para a solidão política. O que Carlesse está passando agora já foi passado por muitos, que o diga Siqueira, Miranda, Amastha e tantos outros. Alguns até conseguem voltar a ascender novamente, mas não se iludam, pois a queda lhes espera.

A apatia mais uma vez

É por essa dinâmica que a maioria da população se torna apática diante da política. Essa apatia é inclusive uma arma de defesa. Como sabem que aquele que caiu pode voltar a ascender. O melhor é não se envolver para não correr o risco de ser perseguido futuramente. É lastimável, por que é isso que contribui para que não aja uma ruptura com a ordem dominante. 

O que esperar do Governo Wanderlei Barbosa?

Farei o contrário.  Direi o que não esperar do Governo Wanderlei Barbosa. Não espere um governo diferente do que ai estava. Pois se trata de uma gestão de continuidade. Nomear um novo secretariado não significa mudar o projeto de Governo pelo qual ele foi eleito. Óbvio, agora é ele quem dá as cartas, ao contrário de quando era apenas o vice. E dando as cartas deve trabalhar para se efetivar na cadeira de Governador.

E quanto a nós?

Como bom espectadores que nos tornamos. Só nos resta aguardar os próximos capítulos para vê o que acontecerá. Pois uma coisa é certo. Nada é certo se tratando de política tocantinense. Como diz Fauzi Beydoun, em uma das suas composições, “quem perde poderá ganhar, quem ganha poderá perder. Quem sofre poderá gozar, quem goza poderá sofrer”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Filosofia e Projeto de Vida – promover o multiculturalismo, ensinar valores e combater a violência

Por que a Filosofia para crianças deve fazer parte do currículo do Século XXI? Para promover o multiculturalismo, ensinar valores e combater a violência. É o que propõe David Sumiacher – Licenciado em Filosofia, Mestre e  Doutor  em Pedagogia pela Universidade Autónoma do México  (UNAM). Como isso é possível? É o que veremos nas linhas a seguir.

David Sumeacher (2020) começa por lembrar que desde a cultura clássica Grega a Filosofia é ensinada aos jovens. Sócrates, um dos seus grandes representantes é um bom exemplo disso. Aliás, quando foi condenado a morte, entre as acusações que pesava sobre seu ombro era o de corromper os jovens. Diante disso pode se dizer que para parte da cultura grega, o filosofar com crianças e jovens não era algo estranho. Para Sumeacher (2020) isso não é exclusivo da cultura ocidental. No Oriente há casos documentados de crianças e jovens que estudavam e exercitavam práticas filosóficas em monastérios budistas. 

No contexto atual a Escola tornou-se sobretudo um espaço voltado para formar cidadãos. Diante disso Sumeacher (2020) questiona por que não há de ter Filosofia nessas escolas? Não seguimos necessitando disso? Desse modo, por que a Filosofia não é parte do currículo da Educação Básica? É então que o nosso autor propõem três argumentos para defender a Filosofia na Educação Básica: “Uno de ellos es el multiculturalismo, otro el enseñar valores a partir de interacciones y no meras enunciaciones y el tercero es el combate contra la violencia”. Vejamos cada um deles. 

O Multiculturalismo 

Com um nivel elevado de diversidade nas nossas sociedades o multiculturalismo torna-se um tema atual e necessário. É o que nos diz Sumeacher (2020) que também salienta que as crianças de hoje escolhe seu caminho.  Desse modo há que se questionar: De que maneira formaram um critério para eleger entre tantas possibilidades? Será que poderam eleger? No meio dessa diversidade a Filosofia pode dar uma contribuição importante. Sobretudo ao colocar a criança como protagonista do processo de construção da sua identidade. Buscando relacionar com a valorização da diversidade. 

Educar nos Princípios Básicos e nos Valores Universais

Não é nenhuma novidade falar do papel da Educação na formação de uma consciência cidadã através do Ensino de princípios básicos e valores universais. Sobretudo o respeito, o compartilhamento, a cooperação e o diálogo. No entanto há uma grande contradição. O Professor que ensina a esculta, não escuta. Ensina a compartilhar e a cooperar, porém não compartilha e nem coopera. O ensino desses valores não tem sentido. É preciso que isso reflita na prática de ambos, tanto dos professores como dos estudantes. É por isso que para Sumeacher (2020) a forma de trabalhar com perguntas e diálogo fica empobrecida. Sobretudo por que as perguntas esperam respostas predefinidas ou que leva ao que o Professor considera que são esses valores, sem que realmente saiba a origem das ideias que busca ensinar. 

Nosso autor ressalta  (2020) “la educación que solo guía pero no enseña a “guiarse a sí mismo” tiene en general la mítica creencia de que el otro en algún momento lo hará, que tomará la iniciativa para sí, pero esto es una idea completamente falsa”. Ele continua: “La filosofía para niños no es solamente un conjunto de temas, conceptos o valores a ser presentados, también es una variedad de enfoques metodológicos o perspectivas educativas de trabajo en donde el Otro, el niño, tiene un lugar fundamental”. E concluí esse tópico falando como a incoerência castra o pensamento autônomo: “hablar de una cosa, pero hacer lo contrario, es una de las mejores formas para generar una negación en la aceptación de aquello que se está diciendo o invitando a pensar”. Desse modo, ensinar valores deve se partir de interações concretas, relações baseadas no respeito, no compartilhamento, na cooperação e no diálogo. 

Combater a Violência 

Para David Sumeache (2020) a violência através de uma retroalimentação de si mesma, opera como um mecanismo reativo de defesa diante de uma realidade que se apresenta inóspita. Diante disso nosso autor questiona: De que maneira faremos mais hospitaleira a realidade que os meninos vivem? Como buscaremos modificar as relações baseadas na agressão e no maltrato?

Um ponto importante nesse sentido é a necessidade da sociedade criar sólidos mecanismos de reconfiguração dos vínculos, de consideração e valorização, assim como de uma escuta ativa.

Mas como a Filosofia para criança pode contribuir para diminuir a violência? Questiona nosso autor, que responde: “Principalmente porque nos ayuda a recrear nuestros vínculos tocando temas de interés bajo un contexto de cuidado del outro”. Isto é, trabalhando o autoconhecimento e o auto cuidado mas sem esquecer do cuidado com o outro, isto é, o aprender a conviver – estabelecer vínculos – valorizar a vida e do outro de maneira prática e metodológica. 

Para David Sumeacher (2020) “introducir este tipo de acción y compromiso en la educación básica, implica una formación integral de los docentes, requiere acercarse a sus procedimientos y no sólo a sus conocimientos”. É por ai que se combate a violência de maneira efetiva. Conclui o nosso autor, salientando para seguinte questão: La filosofía para niños no es algo ‘extraño’ que queramos introducir hoy en nuestras sociedades, realmente lo extraño es no tener un espacio filosófico de formación que permita a los ciudadanos ser constructores de su identidad y definir proyectos de vida que beneficien a nuestra comunidad, a nuestro país y a nosotros mismos.

Na sua conclusão aparece o termo Projeto de Vida. De acordo com esse autor para a criança e o jovem ter condição de definir um projeto de vida que beneficie não apenas a si, mas que também pense na comunidade, é necessário uma formação filosófica que no mínimo promova o multiculturalismo, ensina valores e combata a violência. 

Creio que essa reflexão é fundamental para pensarmos como trabalhar o Componente Curricular de Projeto de Vida, sobretudo no Ensino Fundamental – que só tem sentido se trabalhado numa perspectiva de Filosofia para crianças. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Circo de Caixeiras em Lajeado – uma experiência estética marcante

Era um domingo a tarde em Lajeado. A chuva resolveu dar o ar da graça – algo maravilhoso sobretudo por essas bandas onde existe uma lenda sobre o fato de não chover muito como nas cidades vizinhas. Mas logo naquele dia onde ocorreria a última etapa do Projeto Cultural Circo de Caixeiras da Trupe-Açu? Cheguei a pensar que não aconteceria. Mas não é que a chuva passou e propiciou um clima ainda mais gostoso para que a Trupe fizesse a alegria da criançada?!

As pessoas que estavam circulando, naquele domingo á tarde, na Praça das Crianças, em Lajeado. Olhavam á distancia, com um olhar desconfiado, a  aquela trupe. Já as crianças, naturalmente curiosas, não só olharam, logo se aproximaram e foram convidadas a assistir os espetáculos. E assim o receio inicial diante do diferente, foi desaparecendo a medida que uma criança saía deslumbrada falando para as demais da experiência que tivera. O resultado foi uma maratona que exigiu da Trupe muita disposição. 

As crianças, estavam tendo a oportunidade de ter uma experiência estética que não é muito comum no interior tocantinense – carente de eventos culturais mais diversificado, sobretudo na área das Artes Cênicas. E ai está um dos méritos desse Projeto contemplado com recursos estaduais da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Além do Lajeado, que foi escolhido para ser o lugar de encerramento do Projeto. A Trupe também esteve em Taquarussu (Palmas), Porto Nacional e Paraíso.

Utilizando o Teatro Lambe Lambe, o Circo de Caixeiras consistia na apresentação de três

micro espetáculos (“Camarim da Pulga”, “Tá tudo Kombinado” e “Rua do Soleil”) contados por Giovana Kurovski, Ester Monteiro e Belyza Bittencourt. Cada espetáculo,  me disse Giovana, eram inspirados na vida delas como artistas circenses – três estórias diferentes, mas que se cruzam no amor pela arte de fazer rir. Seja numa Kombi ou na Rua.

No olhar de encantamento da criançada naquela tarde em Lajeado podíamos sentir o impacto daquela experiência. Elas circulavam entre uma caixa e outra comentando entre si qual espetáculo mais haviam gostado e qual havia sido o mais divertido. Foi interessante notar que para alguns o mais divertido, não foi necessariamente o que mais gostaram. Alguns assistiam o espetáculo até mais de uma vez. E Giovana com todo o seu jeitinho calmo perguntava: - Você quer assistir de novo por que gostou muito ou por que não entendeu a estória?

Alguns olhavam curiosos para aquela engenharia jurando que dava conta de fazer: - É só pegar uma caixa de papelão. Você vai ver. Vou fazer uma para mim. E aparentemente parece ser fácil. Mas não é tão fácil assim. Requer muito profissionalismo para que o simples consiga ti transportar para outra realidade, tal como fez a Trupe.

Muitas daquelas crianças nunca tiveram a oportunidade de ir ao Teatro. E talvez, já mais terão. Mas naquela tarde, por alguns instantes, era como se eles tivessem no Teatro. Como disse Ester – é uma experiência que muitos deles já mais vão esquecer. Foi desse comentário que me veio a ideia de experiência estética marcante.

De acordo com Erikson Rodrigues do Espírito Santo (2019) “a partir do momento em que o ser humano se encontra maravilhado com a totalidade do percebido por conta do seu estado estético diante de uma obra de arte, sua percepção deixa de ser utilitária e passa a ser estética, nesse instante acontece a experiência estética.”

Me emocionei assistindo os três espetáculos, mas me emocionei mais ainda ao ver a alegria no olhar das crianças. E ali percebi a importância de propiciarmos experiências estéticas para elas. Nós que trabalhamos com o Componente Curricular de Arte na Educação Básica, sobretudo no interior. Sabemos o quanto isso é difícil. Por isso projetos como o da Trupe-Açu são bem-vindos. Esperamos que isso possa se repetir mais vezes na nossa cidade. Para tanto o apoio do poder público é fundamental. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Resenha: Documentário sobre o Parque Aquícola Miracema-Lajeado

Você sabe o que é um Parque Aquícola? Sabe que esse projeto tem sido uma alternativa importante para geração de renda a partir de uma relação sustentável com o Meio Ambiente? Se a resposta é não, que tal então conhecer a experiência do Projeto Parque Aquícola Miracema-Lajeado por meio do documentário produzido pelo Projeto Educação Ambiental e Biossegurança, do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência?!

Divididos em duas partes, o documentário mostra a partir da ótica de uma das famílias pioneira do Projeto, a história e os desafios enfrentados ao longo de 7 anos. Entre os desafios está a busca por mais apoio do poder público e acesso a crédito para que possam investir e desenvolver ainda mais a cadeia produtiva de pescado em tanque rede. Mesmo com as limitações, a força coletiva do Projeto tem conseguido superar os desafios e garantir renda e melhor qualidade de vida as familias que ali vivem.

Apesar de produzido de forma amadora, sem grandes recursos técnico, o documentário consegue nos levar para dentro do projeto mostrando a sua dinâmica a partir da fala daqueles que o constrói. Com isso evidência uma realidade pouco conhecida da comunidade local.

Aí está um dos méritos não só do documentário como também do Projeto Educação Ambiental e Biossegurança do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência – a valorização da sabedoria popular e mostrar que é possível uma relação responsável com o Meio Ambiente.

Nesse sentido um ponto importante ressaltado é a diferença entre a Criação de Peixe em tanque rede e a Pesca Artesanal. Enquanto na primeira, com planejamento e organização, você tem uma produção garantida de pescado. Na segunda é preciso contar com a sorte, além da necessidade do respeito ao ciclo da natureza, algo que nem todo mundo faz, e acaba pescando em períodos que não deveria pescar (como a época de reprodução dos peixes, popularmente conhecida como Piracema). Sem falar na pesca predatória com redes e tarrafas, que certamente é um dos fatores que contribui para o aumento da escassez de Peixe no Rio Tocantins (Um dos fatores pois não podemos nos esquecer dos impactos gerados pela construção de UHEs).

O fator econômico não pode deixar de ser ressaltado. Além de fonte de sobrevivência para famílias que vivem da criação de Peixe em tanque rede no Parque Aquícola Miracema-Lajeado, há um potencial de movimentação de toda uma cadeia de serviço, gerando emprego e renda. Já o consumidor tem a garantia de ter na sua mesa um produto com origem. O que em tempos de consumo consciente (pelo menos no discurso) é um fator primordial.

Dito isso é importante salientar o que diz Maria Lúcia de Arruda Aranha sobre o consumo. De acordo com essa autora (2003) “O consumo consciente supõe, mesmo diante de influências externas, que a pessoa mantenha a possibilidade de escolha autônoma”. Outro ponto importante do consumo consciente, de acordo com nossa autora, é que ele “nunca é um fim em si, mas sempre um meio para outra coisa qualquer”. Isto é, mesmo com a propaganda, optamos por consumir determinado produto pois acreditamos que isso contribuirá para determinado fim. No caso do peixe criado em tanque rede, a proteção ao meio ambiente ao não fortalecer práticas predatórias.

Enfim, o documentário é uma oportunidade para quem não conhece o Projeto Parque Aquícola Miracema-Lajeado conhecê-lo. A lente da Câmara nos pega na mão e nos leva para dentro da realidade vivida por Geandro e família. Em meio a uma paisagem exuberante, você entenderá por que mesmo em meio a adversidades, eles falam com tanto amor e entusiasmo do Projeto. Afinal de contas, lembrando da fala da jovem Gislaine,  fazer o que se gosta, num lugar desses, tendo a liberdade de ir e vir, não tem preço.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


Parte 01


Parte Final



domingo, 10 de outubro de 2021

Conto: A última cerveja da noite

Quando ela o viu chegar, teve certeza que o conhecia de algum lugar. Estava um pouco mudado – o cabelo e a barba um pouco grande. Mas aquele olhar e aquele sorriso eram inconfundíveis. Pensou em ir até ele e cumprimenta-ló, mas não tinha tanta intimidade assim. O fez a distância com um gesto de cabeça e um sorriso. Ele também retribuiu o gesto, mas apenas por educação já que não sabia de quem se tratava.

Ele tentou buscar na memória quem seria aquela menina – de onde a conhecia. Mas não conseguiu se recordar. Apenas sabia que ela o conhecia pois se não não o teria cumprimentado daquela forma. Isso as vezes acontecia e ele se lamentava por não conseguir retribuir de forma afetuosa o carinho que recebia. Ir até ela e perguntar quem ela era, seria pior, pois poderia magoa-lá ao demostrar que ele não se recordava dela. Decidiu então deixar para lá e aproveitar a noite com os amigos.

A noite estava animada. Muita gente jovem curtindo, tomando cerveja e dançando ao som de músicas descartáveis. Não era o ambiente e nem o som que ele gostava, mas não tinha alternativa. Ela também preferia outra vibe, mas sabia que por ali era isso ou isso mesmo – eis a realidade de quem vive no interior e não tem muitas opções culturais para relachar nos finais de semana. Ela sabia bem disso, ele mais ainda, já que nascera e crescera no interior.

Só em tê-lo encontrado por ali – coisa muito rara – era um sinal que aquela seria uma noite especial. Melhor ainda seria ter a oportunidade de falar com ele, dizer o quanto o admirava. Ela que se encantou por ele quando o conheceu – um sujeito simples e muito atencioso – não podia imaginar que se tratava de um escritor. Só depois daquele encontro, navegando pela internet, foi que ela descobriu uns escritos dele e se tornou mais do que uma admiradora, uma fã.

- Sabe aquele cara ali... Dizia ela para as amigas – ele é incrível. Por que não vai até lá? Por que não fala com ele? Questionavam as amigas. – Não, não. Não tenho coragem. Dizia ela. – Não seja covarde. – Não é covardia. É respeito. Ele está aqui curtindo com os amigos, não vou importuna-ló. Até por que acho que ele nem se lembra de mim. – Refresca a memória dele então. 

Ele não comentou nada com os amigos mas vez e outra não deixava de olhar para ela dançando com as amigas. – De onde eu conheço essa menina? Ela não me é estranha. Pelo estilo ela não é daqui. E se nos conhecemos também não é desse lugar pois quase nunca venho aqui. Pensava ele consigo enquanto tomava mais uma cerveja.

E enquanto ele num canto e ela noutro não tomava uma atitude – a noite ia passando. O movimento começou a diminuir com as pessoas partindo para suas casas e logo tudo se encerraria. Foi então que surgiu um amigo em comum dos dois que decidiu junta-los – sem saber que eles se conheciam de outros verões, sem saber que era tudo que ela queria desde que o viu ali. Ele por sua vez, agora saberia de onde a conhecia, e se não a conhecia, iria conhece-lá. 

- Então. Essa é a minha amiga Ana. E esse é o meu brother...

- Não fala. Eu sei o nome dele. Nos conhecemos naquele rolê quando escalamos as serras gerais, mais um grupo de amigos. É John o seu nome, né?!

- Isso mesmo. Nossa é você!!! Eu não ti reconheci.

- Já eu assim que ti vi não tive dúvidas. Sou muito boa para guardar na memória a fisionomia das pessoas.

Ele não podia dizer a mesma coisa. O que era estranho para um escritor. Talvez ai esteja uma explicação para o fato de não haver muitas descrições dos seus personagens nas estórias que escrevia. Diante dele ela parecia mais frágil do que aquela menina que subiu as serras gerais. O penteado do cabelo estava diferente e estava usando óculos. Mas era ela, a voz e o sorriso eram inconfundíveis. 

Desde que escalaram as serras gerais nunca mais haviam se visto. Fazia o que? Um, dois anos? Ele já não se recordava, mas lembra que tiveram uma sintonia bacana naquela aventura. Ele quis saber o que ela andara fazendo nesse tempo todo. Ela falou da descoberta que fizera sobre ele ser um escritor. O elogiou pelas estórias que escrevia e confessou que essas estórias fizeram ela se apaixonar mais ainda pela aquela região. 

Ele recebeu timidamente os elogios e até com uma certa vergonha. Aliás era assim que sempre ficava quando alguém o elogiava pelo que escrevia. Ele não acreditava que as pessoas lessem o que ele escrevia e gostasse. Falou para ela que poderia ser melhor. Se fosse reescrever hoje faria diferente. Ela disse que o dele é muito melhor do que as outras coisas que existe sobre aquela região. Ai ele ficou mais tímido ainda do que era. 

Enquanto eles conversavam animadamente como velhos amigos que há muito tempo não se viam, uma torcida se formou próximo deles incentivando para que eles se beijassem. Afinal de contas foram unidos ali para isso e não para bater papo. – Estão querendo que a gente se beije. Comentou ele sorrindo. – Beija-ló? Por que não? Pensou ela. – Mas será que ele quer me beijar? Se quisesse teria feito. Mas beijar só por beijar, só por pressão dos amigos, não. Ele era muito especial para que um encontro terminasse num beijo um tanto forçado. Quem sabe num outro dia, num outro lugar, noutra vibe?! Onde o beijo não fosse apenas um beijo. Mas uma manifestação do amor.

Eles então se despediram prometendo manter contato. Enquanto os amigos, observavam decepcionados, o beijo não dado. Eles no entanto não se importavam. Guardaram o beijo para o momento adequado. E se esse momento nunca chegasse? – Paciência. É a vida camaradas. Dizia ele sorrindo e tomando a última cerveja da noite.

Pedro Ferreira Nunes – Educador, Poeta e Escritor Popular.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Sobre Projeto de vida – uma breve reflexão

Ligo aquela máquina

De lavagem cerebral

E aceito tudo que me impõem.

Por isso eu não sei o que quero

Por isso eu não sei o que quero...

Garotos Podres


Durante uma aula (online) de Projeto de Vida, com a turma do 6° Ano do Ensino Fundamental. Comecei a me questionar o por que falar em Projeto de Vida com crianças. Isso me incomodou mais ainda diante de algumas atividades que estão (ou deveriam estar) distante do universo infantil. 

Numa formação com o pessoal do MEC, eu já havia ficado com o pé atrás em relação ao Componente Curricular Projeto de Vida na Educação Básica. Me pareceu numa primeira análise, que é por aí que pretendem aprofundar a lógica mercadológica na educação – esse negócio de Projeto de Vida não tem outra intencionalidade se não preparar corpos dóceis para servir ao mercado (pensei comigo). Não por coincidência está lá nas 10 competências Gerais da BNCC ao lado de trabalho. 

De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a competência Trabalho e Projeto de Vida tem como objetivo desenvolver a habilidade de “valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais, apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade”. 

Digamos que concordemos com a necessidade de desenvolver essa habilidade. Mas com crianças? Analisando o que é proposto me parece um tanto sem sentido o Componente Curricular Projeto de Vida no Ensino Fundamental. E até mesmo no Ensino Médio. Podemos até falar em Projeto de Vida na Educação Básica, mas não vejo a necessidade de um Componente Curricular específico para isso.

No entanto, essa questão não está mais em discussão. O fato é que temos o Projeto de Vida como componente curricular no Ensino Fundamental e logo teremos no Ensino Médio. Diante disso o nosso desafio é trabalhar da melhor forma possível esse componente. E trabalhar da melhor forma possível com o Projeto de Vida é ir no sentido contrário do que propõem o mercado – o status cos.

Nesse sentido mais do que levar resposta aos estudantes, devemos levar questionamentos/perguntas. Paulo Freire disse numa entrevista certa vez que o problema da nossa educação é que ao invés de levarmos perguntas, levamos as respostas. E o pior, esquecemos da pergunta e ficamos reproduzindo respostas. Com isso castramos a curiosidade e a criatividade do estudante. Ora, se ele já tem a resposta, para que se esforçar na busca de algo?

Antes de falar em Projeto de Vida devemos questionar o que é a vida. Pois se não sei o que é a vida como posso falar em Projeto de Vida? Diante disso reafirmo o que disse numa formação sobre o Componente Curricular de Projeto de Vida ao ser questionado sobre o que levaria para os meus estudantes. Respondi: - Questionamentos e reflexões. 

Aqui abro um parêntese para dizer que na fala dos outros professores me veio uma preocupação do Projeto de Vida ser abordado numa perspectiva da autoajuda. Sobretudo quando se enfatiza em demasia às questões socioemocionais a partir de uma pseudopsicologia.

Voltando a questão. Creio, por tanto, que o nosso papel enquanto Professor de Projeto de Vida é levar questionamentos que possibilite reflexões ao estudante sobre a sua existência. Nesse sentido a Arte e a Filosofia são aliadas fundamentais possibilitando o aprofundamento dessas reflexões. A partir daí um projeto de vida será uma consequência natural e não imposição.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 


quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Karl Marx: Sobre o suicídio

A primeira publicação do ensaio de Marx sobre o suicídio, a partir de um estudo feito por Peuchet, data de 1846. Há um certo estranhamento acerca do fato de Marx ter se interessado por esse problema. Sobretudo diante da sua produção mais conhecida. No entanto, quem minimamente conhece a história da Filosofia sabe que desde a antiguidade há reflexões sobre o suicídio. Sendo um filósofo, nada mais natural que ele refletisse sobre esse problema. Além do fato de já percebermos aí uma forte crítica as relações sociais fruto da moral dominante – o que estará presente na produção posterior de Marx.

No Brasil a obra ganhou uma publicação da boitempo (2006), com o título de “Sobre o suicídio”. É um texto curto (E de fácil leitura), onde Marx apresenta e analisa um levantamento feito por Jacques Peuchet – quando este trabalhava como arquivista da Polícia de Paris – sobre os casos de suicídio que ali eram registrado no início da década de 1820. Dos casos relatados por Peuchet e destacados por Marx, estão o de jovens mulheres. Ao enfatizar esses casos Marx nos mostra a opressão que as mulheres estavam submetidas, independente de classe social. Aliás esse é o ponto de partida de Marx, ao criticar a visão filantrópica de que basta pão e educação para que as pessoas vivam bem, ele questiona por que então há tanto casos de suicídio de pessoas das classes altas?

Dito isso, destaquemos alguns pontos que Marx, a partir de Peuchet, fala sobre o suicídio.

1-    Em época de crise onde há um encarecimento do meio de vida cresce o número de casos;

2-    A miséria é um grande fator, no entanto o problema atinge todas as classes, pois são muitos os fatores que levam alguém se livrar de uma existência detestável;

3-    A felicidade e a infelicidade têm tantas maneiras de se manifestar, por tanto não devemos julgar como, e em que medida, as pessoas são afetadas por determinadas coisas;

4-    O que é contra a natureza não acontece, por tanto não tem muito sentido taxa-lo de uma ação antinatural. Trata-se de algo que está na natureza da nossa sociedade;

5-    Não é com insultos aos mortos que se enfrenta uma questão controversa como essa, por exemplo, acusando-o de falta de coragem, tentando fazer do suicídio um ato de covardia;

6-    As visões equivocadas sobre o suicídio leva a tomada de medidas infantis;

7-    Entre as causas que leva ao suicídio estão castigos e maus tratos secretos;

8-    O suicídio pode ser compreendido como uma expressão das relações sociais;

9-    Condições sociais, autoritarismo, moralismo – são elementos que nos ajudam a entender esse fenômeno, sobretudo por que uma pessoa não se mata pelo simples fato de querer morrer;

10-  Vê se que, na ausência de algo melhor, o suicídio é o último recurso contra os males da vida privada;

No levantamento feito por Peuchet os principais motivadores do suicídio eram: 1-doenças e depressões; 2- Paixão, brigas e desgostos; 3- Motivos desconhecidos. No entanto, tanto Marx como Peuchet chegaram a conclusão de que havia mais suicídios do que o que era registrado;

A partir dos relatos de Peuchet, percebe-se uma forte crítica a tendência de se minimizar ou negligenciar, nos outros, os sinais do mais extremo desespero. E isso certamente contribuí para que se busque no suicídio a saída desse estado. E quando isso acontece, ao invés de procurar uma explicação efetiva, busca-se culpados.

Na edição da Boitempo, vem acompanhado um texto do Michael Löwy intitulado de “Um Marx insólito”. É um texto interessante que nos ajuda a compreender a importância da obra “Sobre o suicídio”. No entanto eu indicaria que a leitura do mesmo fosse feita posteriormente a leitura do escrito do Marx.

Löwy destaca que para Marx, o suicídio é significativo como sintoma de uma sociedade doente, que necessita de uma transformação radical. Ele ressalta que a natureza desumana da sociedade capitalista fere os indivíduos das mais diversas origens sociais. Diante disso, Löwy afirma que a obra é uma importante contribuição para uma compreensão mais rica das injustiças sociais da moderna sociedade burguesa, nessa obra em específico, contra as mulheres.

Para se ter uma ideia da relevância desse ensaio escrito por Marx a partir dos relatos do Peuchet. Analisemos alguns dados da Organização Mundial da Saúde e da Organização Panamericana da Saúde sobre o suicídio:

1- Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos;

2- Para cada suicídio, há muito mais pessoas que tentam o suicídio a cada ano. A tentativa prévia é o fator de risco mais importante para o suicídio na população em geral;

3- O suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos;

4- 79% dos suicídios no mundo ocorrem em países de baixa e média renda;

Enfim, diante desses dados concluímos. Não é com discurso moralista ou de autoajuda que conseguiremos enfrentar esse problema. E esse livro muito contribui para essa reflexão.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.