sexta-feira, 20 de maio de 2022

Mario Vargas Llosa e o apoio a Bolsonaro

A primeira coisa que me veio a cabeça quando vi a confirmação da vitória do Gabriel Boric para Presidente do Chile, foi de que deveríamos fazer uma campanha para que o escritor Mario Vargas Llosa apoiasse a reeleição do Presidente Bolsonaro. Não foi necessário. Recentemente ele deu uma declaração nesse sentido.

Vargas Llosa é prêmio Nobel de literatura. Entre as sua obras estão “A casa Verde” (1966), “Conversa no Catedral” (1969), “A guerra do fim do mundo” (1981) e “Travessuras da Menina Má” (2006). Peruano de Arequipa – onde nasceu em 1936. Atualmente mora na Espanha. E colabora com periódicos como o El país. Mais recente tornou-se imortal da academia francesa de Letras. É considerado, por tanto, um clássico da literatura latino-americana e mundial. 

Ter o apoio politico de uma figura dessas é motivo para comemorar, não?! Ainda mais para alguém que não tem lá grande prestígio no âmbito Internacional como é o caso do nosso mandatário. 

Confesso que nunca li nenhuma das produções literárias de Vargas Llosa. Não por qualquer preconceito contra esse autor, mas por ainda não ter tido a oportunidade de encontrar numa biblioteca ou adquirir alguma obra de sua autoria. O meu contato com ele é apenas através dos seus artigos de opinião que são publicados no El país (diga-se de passagem, um tanto medíocres que nunca consegui ler até o final). E a partir do momento que ele declarou apoio a eleição da Keiko Fujimori contra o Pedro Castilho na disputa pela Presidência da República nas eleições Peruanas, meu ranso com ele só aumentou.

Não vou fazer aqui a ficha corrida de Keiko  e do que a familia dela representa no Peru. Vargas Llosa como um intelectual filho daquela terra sabe mais do que ninguém. De modo que o seu apoio a esse clã político é asqueroso. Já nas eleições Chilenas o nosso prestigiado escritor latinoamericano voltou a aparecer declarando o seu apoio ao ultradireitista – José Antonio Kast contra o jovem Gabriel Boric. Felizmente,  tanto no Peru como no Chile, o povo, na sua maioria ignorou a opinião de Llosa.

Foi então que me pareceu (agarrado as tradições místicas latino-americana) ser um bom presságio se Vargas Llosa declarasse apoio a reeleição do Presidente Jair Bolsonaro. E assim ele fez. Óbvio que não será isso que selará o destino desse goveno. A sua derrota virá de qualquer forma – virá, parafraseando uma canção da banda punk Garotos Podres, como um grito de liberdade preso na garganta. Pois ao contrário de Vargas Llosa que vive tranquilamente num país comandado por um governo socialdemocrata, desfrutando de suas benesses. O povo trabalhador brasileiro que senti diariamente na pele as consequências de um governo ultraliberal, saberá em quem votar.

De acordo com informações da imprensa, o escritor Peruano declarou que apesar das palhaçadas e erros cometidos por Bolsonaro, prefere ele ao ex-presidente Luiz Inácio Lula. Pois segundo ele o atual mandatário acabou com um mau que assola o nosso continente que é a corrupção. Sim, isso mesmo. “Acabou com a corrupção”.

Ora, dizer que o governo Bolsonaro acabou com a corrupção, é no mínimo falta de informação. Mas sabemos que não é disso que se trata, e sim do mau caratismo típico dos liberais. O fato é que como vimos pontuando ao longo dessas linhas, Vargas Llosa nos últimos processos eleitorais na América Latina tem se posicionado ao lado de políticos que defendem os interesses das elites.

Felizmente, o seu posicionamento político na América Latina tem sido irrelevante. E se ainda perdemos tempo escrevendo sobre é pelo fato dele ter uma relevância inquestionável no campo literário. Nesse sentido não defendemos o seu cancelamento – essa coisa tão na moda nos dias que vivemos. Sabemos o quanto é difícil separar o autor da sua obra, mas talvez não precisamos fazer isso. Devemos antes conhecer para poder criticar, e conhecer significa ler o autor em questão. 

Para finalizar, diria que numa coisa concordo com Vargas Llosa, não tenho nenhuma simpatia pela candidatura Lula. Preferiria um nome alternativo a esquerda. Por exemplo, do Deputado Federal Glauber Braga (PSOL). Não sendo possível, seguindo a linha do Professor José Paulo Netto, apoiaremos o nome que tiver mais condição de derrotar Bolsonaro. Se esse nome for o do Lula, que seja então. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

domingo, 15 de maio de 2022

A questão do Conservadorismo no filme o Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade

Num povoado, no interior de Minas Gerais, um casal de jovens se apaixona perdidamente. Até ai tudo bem, se ele não fosse Padre. Para viver esse amor, além da guerra interna entre a sua fé e o seu desejo, o Padre juntamente com sua amada terá que superar a revolta da comunidade local.

Esse é enredo do filme “O Padre e a Moça” (1966) de Joaquim Pedro de Andrade, baseado num poema do Carlos Drumond de Andrade. Na contramão do seu “Macunaíma”, o cineasta nos intrega um filme denso, num ritmo lento, num cenário de decadência tal como as figuras que ali vivem. Mas ao mesmo tempo, uma história que prende, que nos provoca, que nos faz refletir. É sem dúvida um belo filme da cinematografia nacional.

O filme tem início com a chegada do jovem Padre (Paulo José) ao povoado, que se deu devido a morte do Padre António – vigário da igreja local. A partir daí somos levados a conhecer os indivíduos que ali vivem, bem como os seus dramas. Entre eles está Mariana (Helena Ignez), uma linda jovem, que vive como prisioneira na casa do homem mais rico da localidade – Honorato (Mário Lago). Este cria a jovem desde pequena, após ela ficar órfão, mas vive com a moça como se fosse sua mulher. E agora com a morte do Padre António, pretende oficializar aquela união. Já Vitorino (Fauzi Arap), um comerciante local, também é apaixonado por Mariana, e vive embriagado, como reflexo da sua impotência de enfrentar Honorato para ficar com ela.

A chegada do Padre mexe com a vida desses personagens. Sobretudo de Mariana que se apaixona por ele, e vê ali uma chance de sair da prisão ao lado de um homem que ela não ama. Mas o Padre resiste a abandonar sua batina para ficar com a jovem. E busca reprimir o sentimento que nutre por ela. Enquanto isso o plano de Honorato de fazer de Mariana sua esposa avança, mesmo diante da revolta de Vitorino, que clama ao Padre para que possa intervir diante daquela “pouca vergonha”.

A cena que dá uma virada na história é quando Mariana, sai escondida a noite e vai procurar o Padre para declarar o seu amor. No dia seguinte o Padre cai em desgraça. Toda a cidade vira as costas para ele, até mesmo Vitorino. Diante disso o Padre se vê num beco sem saída. Agora, só lhe resta apressar o seu retorno, mas não pode deixar Mariana naquele sofrimento. Irá leva-la com ele –os dois partiram em fuga, mas não se iluda, não será para serem felizes para sempre. 

Aqui não nos interessa falar sobre como termina o filme. O ponto que gostaríamos de chamar atenção é para conduta da comunidade diante do drama de Mariana. Não se vê nenhuma atitude de repreensão, por parte da comunidade, a conduta de Honorato em relação a moça. Mesmo que se percebe ali claramente, nas palavras de Vitorino, “uma pouca vergonha”. No entanto essa mesma comunidade que se omite diante da conduta de Honorato, não pensa duas vezes em condenar o Padre e a Moça.

Estamos assim, diante de um bom exemplo de como o conservadorismo funciona na prática. Isto é, há uma espécie de seletividade para determinar o que é certo ou errado do ponto de vista moral. Para compreendermos melhor essa seletividade é preciso entender uma característica do conservadorismo – o senso de comunidade. Se você faz parte dessa comunidade, como é o caso do Honorato (e tem poder), relava-se a sua conduta imoral, mas se não, o julgamento é impiedoso. 

Diante dos tempos que estamos vivendo, o filme “O Padre e a Moça” ganha relevo importante. Sabemos o quão é difícil fazer o debate sobre costumes na nossa sociedade. Sobretudo diante da hipocrisia que há por trás do discurso conservador. No entanto,  é uma discussão necessária, se não quisermos ser queimados em praça pública por ir contra “a moral e os bons costumes”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

terça-feira, 10 de maio de 2022

Crônica: Ventos Gerais

O dia amanheceu diferente. Ah, são os ventos gerais. A mim me parece que por essas bandas do norte o ano só inicia mesmo quando começam os ventos gerais. Tudo bem que com eles vem o período de estiagem – o que significa dizer que chuva agora só lá para setembro. E olhe lá!

Com os ventos gerais também vem a poeira e as queimadas. Sem falar naquele calor para vendedor de picolé nenhum botar defeito. Mas para compensar tem as praias, não é mesmo?! Apesar que com o lago da usina temos praia o ano todo. No entanto a temporada oficial é diferente. As exposições agropecuárias e as festas juninas formam a trinca que movimenta a vida cultural, fazendo desse período, um período diferenciado. Por isso que quando os ventos gerais começam é como se o ano de fato começasse.

De certa forma, no interior nortista o tempo é vivido de um modo cíclico. Indo portanto, numa perspectiva contrária ao modelo de tempo linear que o calendário tenta nos impor. É a partir dessa compreensão que podemos entender a representatividade dos ventos gerais para a vida local. Pois em última análise estamos falando do início de um novo ciclo, mais relacionado com os fenômenos da natureza do que com o calendário. 

Para mim os ventos gerais trazem saudades. Lembro da minha infância, da baixa Preta, da chácara dos meus avós, da Ilha da praia, dos parentes e amigos que partiram. Tomo consciência que o tempo está passando – ainda que no interior ele parece se mover mais devagar. Mas de repente quando você percebe, o rio não é mais o mesmo, a Ilha verde não é mais a mesma, as festas não são mais as mesmas, seus vizinhos não são mais os mesmos, você já não é mais o mesmo.

De repente você está falando: - Ah, no meu tempo as coisas eram diferentes. Quer prova maior de que você está ficando velho? O pior não é envelhecer e morrer. O pior é ver pessoas queridas partir (algumas partem mesmo antes de morrer). Numa conversa qualquer, numa esquina, numa fotografia você se dá conta que fulano de tal não está mais aqui. Ai vem na sua memória a bela canção do Elomar Figueira Melo:

“Mas cadê meus cumpanhêro, cadê/ qui cantava aqui mais eu, cadê/ Na calçada no terrêro, cadê/Cadê os cumpanheros meus, cadê/Cairo na lapa do mundo, cadê/Lapa do mundão de Deus, cadê...”.

Mas assim é a vida, camarada. Ela é constituída das memórias dos encontros e desencontros que vamos tecendo ao longo da caminhada – de uma caminhada que um dia terá um fim, afinal de contas somos finitos. E talvez ai esteja a beleza da vida – o fato de que ela um dia acaba. De modo que devemos nos esforçar ao máximo para que essas memórias, além de saudade, nos traga orgulho do que vivemos – da história que construímos, das amizades que fizemos.

Por Pedro Ferreira Nunes – Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Manoel Duarte de Souza: Um pioneiro das letras em Lajeado


Quando Manuel Duarte de Souza lançou lá nos idos de 2009 o seu “Cansanção”, não só realizou a máxima do Poeta Cubano José Martí sobre plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Deu também uma enorme contribuição para construção de uma cultura literária lajeadense. Por isso os seus textos devem ser divulgados e trabalhados na esfera educacional. E o seu nome merece um reconhecimento maior por parte do poder público local.

Manuel Duarte de Souza nasceu no Estado do Maranhão (como tantos outros que foram e são fundamentais na construção da cidade de Lajeado), no munícipio de Pastos Bons, no ano de 1929. Ao ingressar nos quadros de funcionários do Banco do Brasil sua vida teve uma guinada importante. Viveu em diferentes Estados e regiões do Brasil, em cidades como Areia (PE), Cachoeira do Sul (RS), Juiazeiro (CE) e Goiânia (GO). Foi na capital goiana que se aposentou do serviço público. Para então se fixar, até sua morte, no município de Lajeado (TO). 

Mesmo não tendo feito curso superior a sua riqueza cultural era inegável. Proporcionada, sobretudo, por um nível de vida privilegiado (em relação a maioria da população brasileira), devido a sua condição de servidor público federal. O hábito da leitura e da escrita o acompanhava desde os tempos do antigo ginásio, como podemos ver em suas memórias. Lia de tudo – Filosofia, Política, Psicologia, Poesia e Literatura em Geral. Toda essa bagagem de leitura certamente influenciou na sua escrita.

Em “Cansanção”, Manuel Duarte de Souza trafega por diferentes gêneros literários, mas poderíamos afirmar se tratar de um livro de memórias. Que começa com o nosso autor relatando sobre o seu prazer de viajar. E se encerra, 244 páginas depois, com um álbum de fotografias. 

Certamente teríamos mais páginas se a editora (Anapolina LTDA) tivesse feito uma edição melhor. Creio que isso deve ter ocorrido por questões de custos. Pois não é fácil bancar uma publicação com recursos do próprio bolso sem nenhuma garantia de retorno. Mas ainda que a edição não é das melhores, a obra não perde o seu valor. Um aspecto interessante, é que ela não precisa ser lida de forma linear. Fica essa dica, portanto. 

Outro aspecto que me chamou atenção foi a justificativa para o nome da obra. Para quem não conhece “Cansanção” é uma planta muito comum no sertão. Me recordo que na minha infância quando nossos pais falavam em bater em alguém com cansanção é por que a coisa era séria. Nosso autor faz uma analogia com os passarinhos que fazem ninho no Cansanção para proteger suas crias dos predadores. Ao utilizar o nome dessa famosa planta, ele estaria protegendo seus textos das críticas. 

Aliás, nota-se uma indignação muito grande do autor com as possíveis críticas acerca da sua obra. Além dessa passagem onde ele justifica o nome do livro. Na introdução Manuel também volta ao assunto. Se referindo inclusive a críticas que recebera antes mesmo da publicação: “Aos tolos desafisados e burros motivados que já lançaram veneno sobre a minha obra, sem ao menos haverem lido um capítulo sequer do seu conteúdo,  o meu repúdio” (Souza, p.12).

Manuel Duarte de Souza sabia, ou deveria saber, que aqueles que ousam se expor dessa forma estão sujeitos a críticas. Mas o mínimo que se espera é que essa crítica seja fundamentada, ou seja, no caso em questão, que se tenha lido a obra. Se não for assim, não há por que se incomodar tanto. Por ser o seu primeiro livro publicado, e pelo cunho pessoal, é compreensível a sua insegurança. 

Entre os textos que compõem a obra destacaria o de abertura: O prazer de viajar – aqui percebemos o quanto o estudo foi importante para que o nosso autor tivesse uma perspetiva de vida diferente daquela que Pastos Bons poderia lhe proporcionar. Do desafio de tirar melhores notas para ir a São Luiz. Ou aos estudos para passar no concurso do Banco do Brasil. É a educação mostrando o seu poder de transformação. 

Em textos como a “CASSI no Tocantins” temos o exemplo de alguém que sempre teve consciência dos seus direitos e lutou por eles com consciência de classe. Em textos como “Demagogice” e “Resposta a Joelmir Beting” temos alguém antenado ao debate político nacional crítico dos Governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e seu projeto privatista. E entusiasta de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) desde a sua primeira campanha a presidência do Brasil. 

Aqui cabe ressaltar que apesar do seu interesse pelo debate político, não se envolvia com política partidária. Dessa forma compreendia a politica tal como os gregos – como a busca pelo bem comum.

 Em textos como “Meu querido jatobá” temos a memória da infância. Em textos como “Mano José”, o reconhecimento da importância da família na sua vida. E por fim, em “Lajeado, teus encantos” nosso autor narra a sua saga por essas bandas. Os primeiros moradores que conhecera, as amizades que fizera, um novo amor e a sua luta pela iluminação do setor Aeroporto – atuando na perspectiva política que falamos anteriormente. 

Enfim, “Cansanção”, nos mostra a história desse Maranhense que deixou sua marca na história de Lajeado e do Tocantins. Não é uma história diferente, como ele mesmo reconhece, de tantos outros jovens que nasceram no interior do Brasil. Mas ao transformar essa história numa obra literária, Manuel Duarte de Souza se diferencia dos demais. Com ela, ele alcançou a imortalidade, tornando uma referência não só para os seus familiares. 

Quando tivermos uma literatura lajeadense. Manuel Duarte de Souza deverá ser lembrado necessariamente como um dos pioneiros das letras em Lajeado. Muito dos exemplares da sua obra “Cansanção” não foram comercializados. Por tanto seria uma grande homenagem, por parte do poder público local, adquirir esses exemplares junto aos seus familiares e distribuir gratuitamente para os estudantes da rede municipal de ensino. Ou então disponibiliza-los em órgãos públicos. Pois trata-se de um crime imperdoável deixar esses livros engavetados. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

sábado, 30 de abril de 2022

Quando falhamos? Da série Filosofia para crianças e Projeto de Vida

Á Agna Santos 


Quando falhamos? Foi o questionamento que me veio á cabeça numa aula de Projeto de Vida com os estudantes do 7° Ano do Ensino Fundamental. Não era a primeira vez que eles me surpreendiam com suas respostas aos meus questionamentos. Mas daquela vez fiquei pensando nisso: quando eles perdem essa consciência? Quando falhamos?

O nosso objetivo era trabalhar a competência 10 da BNCC – Responsabilidade e Cidadania. Adquir essa competência é “agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”. Como podemos ver não é algo que se alcança do dia para noite, por tanto deve ser trabalhado continuamente. Você deve está questionando: No Componente Curricular de Projeto de Vida? Diria que sobretudo nesse. Partindo da ideia de que um Projeto de Vida não pode ser construído a partir de uma perspectiva individualista. Afinal de contas não estamos sós no mundo.

O desafio que lancei a eles foi o seguinte (ao longo do ano letivo de 2021 desenvolvi a ideia de desafios em substituição a atividades): Cada um (individualmente) deveria apontar 03 ações realizadas por eles para tornar um determinado ambiente melhor. Sendo uma ação em Casa, outra na Escola e outra na Cidade. Isso deveria ser escrito no papel e depois compartilhado com uma breve justificativa. A consciência social e ambiental que eles demonstraram nas respostas me surpreendeu. E foi então que me veio o questionamento de quando é que fracassamos. Quando e por que eles vão perdendo esses valores?

Pensei no Emílio do Rousseau e a crítica que ele faz a Sociedade. Teria razão o filósofo Genebrino ao falar que a Sociedade nos degenera? Por isso a necessidade de uma educação voltada para formação de sujeitos fortes e livres?! Mas como é possível uma educação nessa perspectiva nos marcos de uma sociedade degenerada? Me parece que todo esforço que fazemos na Educação se perde no seio dessa sociedade cada vez mais individualista e mesquinha.

O Filósofo Jordi Nomen em uma entrevista ao El país, tem razão quando diz que ouvimos pouco as crianças. De acordo com ele “ainda não vencemos aquele velho preconceito de que as crianças estão meio perdidas e não têm critérios, por isso as vemos a partir de um certo paternalismo antiquado”. Ele  nos diz que isso é um erro grave, “porque não permite que a sua voz seja ouvida, saber o que pensam, o que sentem.”

Jordi Nomen faz um relato de um episódio em sala de aula que vai de encontro com a experiência que tive com meus alunos. Ele relata que: “outro dia, em uma classe da 5ª série, tivemos um debate sobre o que é o uso da imaginação. Uma rapariga, já com o debate avançado, disse: “o mal é que tudo isto que estamos a dizer perdemos à medida que envelhecemos, porque como temos tanta pressa e tantas obrigações não temos tempo para pensar e imaginar . " Essa é uma verdade como um templo e as crianças a contam com incrível facilidade”. 

Isso pode ser notado mesmo entre os alunos. Percebi que os estudantes do 6°, 7° e 8° do Ensino Fundamental tinham mais essa consciência cidadã, a preocupação com o coletivo. Já o 9° havia um individualismo maior – preocupação com namoros e trabalho, por exemplo. Tanto que decidi trabalhar sobre relacionamentos tóxicos com eles, tendo em vista o quanto esse assunto circulava na turma.

Continuando com as reflexões no Jordi Nomen. Ele nos diz que isso não se dá pelo fato de que com a passagem para a vida adulta há uma inversão de valores. Para o nosso filósofo a questão está no fato de que o discurso não se reflete na ação. “O discurso pouco adianta quando não há exemplo”. E aqui então chegamos a reposta ao questionamento acerca de quando fracassamos – quando as nossas ações caminham opostas ao nosso discurso. Assim torna sem sentido eu falar em responsabilidade, empatia, solidariedade, diálogo, cooperação,  cidadania. Como ensinar responsabilidade se não sou responsável?  Como ensinar o diálogo se não diálogo? Como formar cidadãos críticos se não exerço minha cidadania criticamente?

Apesar disso não deixa de ser importante trabalhar todas essas questões com as crianças no campo educacional. Daí mais uma vez à importância da presença da Filosofia para as crianças – ainda que no nosso caso seja através do Componente Curricular de Projeto de Vida. Para tanto o nosso autor propõem utilizar estórias infantis e o cinema – onde pode ser trabalhado não apenas as ideias (não ficar só no conceito) mas também o exemplo dos personagens.

Foi essa linha que seguimos no nosso trabalho com o Componente Curricular de Projeto de Vida junto às turmas do Ensino Fundamental (anos finais). E o resultado foi muito positivo. Óbvio que não tenho ilusão de que isso evitará que continuemos falhando. Pois se continuarmos, enquanto sociedade, agindo de forma incoerente, não podemos esperar outro resultado. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

O abril vermelho e a luta por reforma agrária

Abril é um mês muito caro para luta por reforma agrária no Brasil, foi nesse mês que há 26 anos, camponeses pobres em luta pela terra, foram assassinados no Eldorado dos Carajás. Não foi um episódio isolado, a história da luta pela terra no nosso país é marcada por sangue, suor e lágrimas.  

Nos últimos anos o agronegócio se fortaleceu tanto que mesmo num contexto do aumento dos preços dos alimentos, da desigualdade e da fome. A reforma agrária não aparece como alternativa nem nos programas dos Partidos de Esquerda. O aumento da violência e uma campanha de criminalização dos Movimentos de Camponeses Pobres enfraqueceu significativamente as jornadas de lutas, marchas e ocupações. De modo que a mística do abril vermelho, que após o massacre em El Dourado dos Carajás tornou-se um mês de luta em defesa da reforma agrária, está se perdendo. Com isso o sonho de Francisco Julião, João Pedro, José Porfirio, Dom Tomás Balduino, Plínio de Arruda Sampaio entre outros, parece que não é mais possível. 

Chegamos ao ponto que parece ser proibido falar em reforma agrária. E aqueles que desafiam essa proibição corre o risco de ser taxado de ultrapassado. Por isso, mesmo aqueles que se posicionam contra as consequências nocivas do modelo agropecuário hegemônico, não falam em reforma agrária. No máximo apoiam uma agricultura familiar dentro da lógica de mercado.

Nesse contexto, são poucos os que resistem – mais por necessidade do que por convicção. Para estes, mesmo sob ameaças diárias, resistir não é uma alternativa, mas uma questão de sobrevivência. E não tem sido fácil, como aponta o levantamento dos Conflitos no Campo 2021, realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que aponta um crescimento no número de conflitos e de mortes decorrentes destes.

Tais conflitos são alimentados pelo discurso de desprezo aos direitos humanos por parte do Governo Bolsonaro, sobretudo em relação as populações campensinas. Encorajados por esse discurso, verdadeiras milícias rurais foram montadas não só para proteger propriedades mas para atacar e expulsar populações tradicionais de seus territórios. Um exemplo disso foi um episódio que aconteceu em 2021 envolvendo grileiros e a Comunidade Quilombola Claro, Prata e Ouro Fino, no município de Paranã (TO). Analisando a denúncia da Comunidade Quilombola, podemos afirmar que houve uma espécie de terrorismo psicológico, onde homens armados ameaçou de morte as famílias locais, com um objetivo claramente de causar pânico e por consequência o abandono do território. 

Essa questão nos remete ao que o Geógrafo Ariovaldo Umbelino (2014) chama atenção para o fenômeno que ocorre na agricultura – a monopolização do território, por parte do capital financeirizado. Uma das consequências desse processo é certamente a repressão as comunidades que resiste a essa monopolização.

Tal questão é importante para compreendermos que não se trata de uma mera disputa entre comunidades tradicionais, camponeses pobres e latifundiários, tal como tínhamos outrora. Daí um ponto fundamental é perguntar por quem financia esses conflitos.

Sempre me incomoda as notícias que dão conta dos conflitos entre garimpeiros e índios na Amazônia. Por que nunca se faz um questionamento básico: quem está financiando esses garimpeiros? Por que uma coisa é óbvia. O aparato utilizado no garimpo requer um aporte financeiro significativo, assim como na agropecuária de grande porte.

Para finalizar, trazemos a memória o Plínio de Arruda Sampaio, que em um debate interno do PSOL em 2010, onde se decidia quem seria o candidato do partido a Presidência da República. Dirigindo-se a um grupo que defendia a moderação do discurso. Ele pediu para que tivessemos ousadia e não aceitassemos o discurso do proibido. Desse modo dizemos, não aceitemos que nos proibam de falar em reforma agrária, de lutar contra a violência e a desigualdade no campo. Não deixemos a mística do abril vermelho se perder.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Flusser, a Tecnologia e a Escola

Por mais críticas que tenhamos as consequências negativas do uso da tecnologia. Por exemplo, a presença do celular em sala. O fato é que ela está aí e não podemos ignorá-las. Ora, numa sociedade cada vez mais informatizada, o desafio de incorporar a tecnologia nos processos de ensino precisa ser enfrentado. Sobretudo para que não sejamos usados por ela. 

Há muitos pensadores que nos ajuda a refletir sobre essa questão. Marcuse é certamente um desses ao chamar atenção para construção de uma unidimensionalidade no contexto da sociedade industrial, impedido qualquer forma de pensamento crítico. Mas aqui nos interessa a contribuição de Vilém Flusser, filósofo Tcheco, autor entre outros de Filosofia da Caixa Preta – onde ele chama atenção para o surgimento da imagem técnica em substituição a escrita, o que vai culminar numa nova sociedade  (a sociedade informatizada) e por conseguinte num novo modelo de tempo.

Para Flusser (1983) cada modo de vida corresponde a um modelo de tempo. Por exemplo, no modo de vida pré-histórico havia um determinado modelo onde as imagens (cenas) predominavam de uma forma circular, “ordenando as coisas de maneira signficativa”. Nesse contexto “se uma coisa sai de seu lugar, é recolocada lá pelo tempo”. Já no modelo histórico, que surgiu a partir da invenção da escrita, temos uma perspetiva linear, onde nas palavras do próprio autor (1983):

“ o tempo é um rio que brota do passado, que pede o futuro e que arranca tudo. O presente é apenas um ponto fugaz de transição entre passado e futuro. As coisas não estão lá: elas se tornam e apontam para o futuro. Nada se repete: cada noite que segue um dia é uma noite nova e única. Qualquer momento perdido é uma oportunidade perdida. Qualquer ação é irrevogável. Tudo é, portanto, processo, acontecimento, progresso ou decadência, ordenado pela inescapável cadeia de causa e efeito.”

No entanto, para Flusser, com o advento da imagem técnica esse modelo de tempo entrou em decadência. Se antes era a escrita que caracterizava o modelo de tempo histórico, agora é a imagem técnica, isto é, produzida por uma máquina. Nesse novo contexto o tempo não segue uma perspetiva linear seguindo do passado, passando pelo presente e chegando ao futuro.

Para o nosso filósofo “o futuro é composto de virtualidades distintas. Não flui em minha direção como um rio, mas corre sobre mim como areia.” Esse contexto é marcado por uma grande dinamicidade vivida sob o signo do tédio. “Quando antecipo meu futuro, quando futurizo, não é que pego uma massa compacta, mas certas virtualidades distintas. Por exemplo, na forma de decisões pontuais”. Que são medidas pelo uso dos aparelhos que produzem imagens técnicas.

Nessa perspectiva é importante a definição de aparelhos para o nosso filósofo – isto é,  aparelhos são caixas pretas que simulam o pensamento humano. A consequência disso é que não preciso mais pensar conceitualmente já que as imagens técnicas produzida pelos aparelhos fazem isso por mim. 

A partir daí podemos afirmar com Flusser que ao invés de controlar o aparelho, estamos sendo controlados por ele. Para o nosso filósofo o aparelho adquiri uma autonomia plena. O que me parece bastante questionável essa ideia de uma espécie de uma “mão invisível controlando os aparelhos”. Na Sociedade Capitalista essa mão é bastante visível, como também ao que elas servem.

Enfim, diante desse contexto, como fica os processos de ensino? Como fica a Escola? A tecnologia está ai e não podemos ignora-la, assim como as consequências do seu uso de forma irracional, por exemplo, a ansiedade, o cansaço e o tédio. Para Flusser a única perspectiva de mudança passa por uma práxis conscientizadora – que se dá através da crítica ao funcionalismo, revertendo a situação,  isto é, ao invés de ser usado pelo aparelho, usa-lo. Daí que para o nosso filósofo, liberdade nesse contexto é jogar contra o aparelho. A partir daí podemos concluir dizendo que o desafio quanto ao uso da tecnologia na Escola segue essa perspectiva, mas não apenas de uma práxis conscientizadora, como também transformadora.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.